sexta-feira, 20 de março de 2015

CORONEL CARLINHO

CORONEL CARLINHO*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)


            A notícia saiu com desabalada carreira, atravessou ruas, dobrou esquinas, entrou de portas adentro como sempre acontece nas cidades pequenas. Ninguém ficou sem saber. A filha única do chefão político havia fugido. E fugira com um adversário dos mais ferrenhos e atrevidos.
O coronel Carlinho estava possesso, ameaçando Deus e o diabo, pisando sem olhar onde. Entrava saia, gritando para quem quisesse ouvi-lo.
– Não vou perdoar. Corto as orelhas daquele atrevido. Mando tirar-lhe o couro vivo. Esturrava como uma onça no alto da serra. Dava poupas de mostrar o úbere. Ao que se via, o desastre estava iminente. Gente saia para todos os lados com ordens severas. Trazer os dois vivos, mas trazê-los de qualquer jeito. Mas, acontece que uma noite quase toda era bastante tempo para já andar longe. Ademais ninguém atinava que rumo seguir. E as paradas pra sondagens retardavam a marcha que, para falar a verdade, era desinteressada para os espoletas do coronel. Iam porque iam, mas de certa forma gostando do acontecimento. Não chegava notícias e o coronel Carlinho desesperava-se.
- E aquela tonta por que diabo havia de fazer-me uma dessa. Tonta e sonsa. Quem havia também de supor tal disparate.
- Acalma-te, Carlinho, Aconselhava-lhe a mulher. Isso não acontece apenas com a gente. Muitos outros têm passado por dissabores iguais ou até maiores. E, afinal de contas, o Cipriano é teu adversário, mas é um moço correto e vive muito bem. Não se conhecem atos que o desabonem. Além disso, Zulmira é nossa filha e merece nossos cuidados e carinhos. Não é uma qualquer. Moça prendada, sempre foi uma excelente filha.
- Ora essa, Japira, é por isto mesmo. Um inimigo político ter o desaforo de levar nossa filha, que não dou por ouro nenhum. É atrevimento demais. Quero pegar o bicho para dar-lhe um ensino em regra. Está esquecida do desaforo daquele ordinário fazendo-me oposição, a mim, coronel Carlinho, chefe desta bilosca. Ah! Não posso perdoar. Sabes, por ventura, a estas horas onde anda com a menina e o que já não fez com ela. Vou persegui-lo até apanhá-lo. Volte ela como voltar, com aquele cafuringa não se casa. Sim senhora, ricaço, bonzinho, como dizes, mas foi sempre contra mim, o que não perdôo. Se aqueles cabras de peia não os encontrarem, irei eu em pessoa. Pode se socar nos cafundós de Judas.
Dias e mais dias sucederam-se e os cabras iam voltando sem ao menor sinal dos fugitivos.
- Há esta hora já estarão casados, adiantava dona Japira. E não terá mais jeito. Larga essa caçada de mão e vamos, pacientemente, esperar alguma notícia. Mas cedo ou mais tarde, Zulmira não nos irá esquecer. Tenho certeza. Teve coragem de fugir te conhecendo, terá coragem de voltar ou dizer onde está.
Mas o coronel Carlinho era irredutível, confiado em sua posição de chefe, velho chefe daquela gangorra.
- Carlinho, acaba com esse ódio, Carlinho. Lembra-te que o Cipriano não tem medo de te e muito menos desses cafuçus que te cercam. Além disso, é uma má política, esta tua. O moço é de família importante cheia de eleitores e o casamento com a Zulmira é uma forma de conquistar-lhe a amizade e os votos. Onde está esta tua cabeça. Só pensas em mandar, ser chefe, dominar todo mundo, como se fosses o dono de tudo. Por mim já terias deixado essa politicalha de borra enquanto é cedo. No dia que perderes uma eleição, verás a que vás ficar reduzido. Larga essa bilosca, casa nossa filha, e entrega o comando político ao teu genro. Isto sim. Vai descansar matar tuas pulgas, comer teu angu tranquilamente.
- Na verdade, bem diz o ditado, juízo de mulher é nos calcanhares. Deixar de ser chefe e passar a ser espoleta ou cabo eleitoral de um mocupa daquele. Só mesmo de tua cabeça pode sair uma sugestão tão pífia. Sabes por ventura quanto me custou chegar a ser chefe. Sim, chefe, sem letras, forçando a barra, passando humilhação, para entregar-me de mão beijada como um galo que cai do poleiro. Nunca!
- Faz isto por nossa filha. De que te tem servido e de que te servirá essa vaidade idiota de ser chefe. Chefe de uma povoeta desta, metida no fim de todas as estradas. Toma tento, enquanto é tempo. E depois o teu genro irá te prestigiar. Sim, vai procurá-los, mas com essa finalidade. Fazer as pazes abençoá-los e viver na sombra e água fresca.
- Pelo que vejo estás parida pelo Cipriano! Falta de respeito. Não te preocupes não que dou conta dele. Atrevido. Por que não pediu a menina. Fazia uma carta, se tinha medo de me ver.
- Cipriano nunca teve mede de ti. Que esperança... Nem teve e nem tem. Cipriano é cabra macho, queiras ou não queiras. A prova está aí. Carregar tua filha, já fez dela o que bem quis e nem está dando bola...
- Estou te desconhecendo ou não me conheces mais. Abre teus olhos. Estas insinuações são ofensivas aos meus brios de homem e de chefe. É uma atitude inqualificável.
- Inqualificável é essa tua teimosia. Deus queira que não te aconteça o que estou prevendo ou estais ficando um sempre forte burro. Estás vendo que as coisas estão mudando. Fala-se que a oposição vai ganhar as próximas eleições! E parece provável. Se acontecer, amanhã, terás juiz, padre, delegado, tudo contra. Perderás a tal da chefia. Passarás a ser um mamulengo, um papangu qualquer. Surge a oportunidade de te saíres e jogar fora com as mãos a tua caturrice. Vai dormir e pensa nisto, seu pateta.
- Não me ofendas!...
- Não estou te ofendendo. Estou procurando salvar-te a pele. Isto sim.
- Correio!
Dona Japira voou até à porta. Pegou a carta como um pássaro faminto que encontra um fruto doce e maduro. Felizmente o coronel Carlinho não estava. Leu-a com sofreguidão. Zulmira contava tudo. Estavam casados no padre e no juiz, vivendo otimamente. Seu sofrimento era apenas muita saudade e o sentir imensa falta da família, mas espera curar brevemente esse estado emocional. E acrescentava: “Não mando o endereço certo, responda para este que vai na carta. Dependendo da resposta, se vier favorável como esperamos, enviarei o correto. Não postamos no correio da cidade onde estamos, e sim numa bem distante de um amigo. Papai a quem tanto amo e de quem tenho ilimitadas saudades poderá estar muito brabo com a gente. Pedimos a ele que nos perdoe. Só fizemos isso por amor. Sem isso não lhe daríamos tanto desgosto”.
- Ótimo. Vamos agora ver a reação do Carlinho, o brabão, cabeça de burro velho coiceiro. Só pensa em vingança com aquele orgulho besta de chefe. Chefe uma peitica. Coisa mesmo de matutão beócio do interior.
Junto com a carta vinha um retrato dos dois, juntinhos e plenos de felicidade. Dona Japira beijou os dois e levou um tempão olhando-os e admirando-os. Findou com lágrimas e risos de alegria e de saudades.
Coronel Carlinho chegou. Notou que a mulher estava com cara de alegria, mas controlou-se.
- Alguma notícia, Carlinho?
- Nada, nada. Aquele espritado há de aparecer. Não lhe darei tréguas. Vai me pagar mais caro do que pensa. Irá saber o quanto custa bulir com filha de homem.
- Pois tenho notícias e boas...
- Boas como. Não devem ser boas mesmo por que agora eu o pegarei. Tinha certeza certa de que mais cedo ou mais tarde cairiam no meu bisaco. Só quero saber de uma coisa. Onde estão. Só isto. O resto guarda contigo. Eu mesmo irei olhar para a cara deles.
- Lê. Deixa de tanto caturrice e de tanto ódio. Não irás fazer nada contra tua filha e teu genro. Vai te confessar com o padre Adriano para ver se ele tira essa mania de chefe, esse orgulho idiota. Pode ser que te dê um banho de compreensão. E vou logo te acrescentando: Estarei ao lado deles, dê no que der. E é bom que cuides em modificar, antes que a Bitinha, nossa filhinha do coração, faça o mesmo. Só queres que casem suas filhas com os teus correligionários e do teu lado só tem babeco. Elas não iriam e nem vão querer, no que estão muito certas. Elas e eu também. Aponta alguém dos teus amigos que convenha para nossas filhas. Vai, aponta. Uns paspalhões, ignorantes, chaleiras que não valem uma crueira. Só sabem estar cheirando o chulé dos teus pés. Grandes genros seriam. O que tem de gente limpa está do outro lado. A Zulmira fez muito bem e a Bitinha não se casará com um desses fuleiras do teu partido. Nem morta. Ela mesma não quer. Não é doida. Toma lá a carta, para ver se a realidade entra no teu quengo empedernido.           
Afinal, o coronel Carlinho leu. Leu e emocionou-se. Andara pertinho de chorar. Mas era chefão e não lhe ficava bem. Seria o mesmo que cair do trono.
- Agora vê isto, o retrato dos dois.
O coronel quase o arrebata. O retrato da filha, que, inutilmente tanto desejava ter ao seu lado.
- É uma pena, uma moça tão simpática, ao lado desse safado. É um figurão, mas é um descarado. Ainda tem a coragem de estar rindo agarrado com Zulmira.
- Descarado, não. Cipriano sempre foi um moço de bem. O negocio é que sempre tivestes medo dele e te fez muita cócega. É isto.
- Medo! Olha aí nem mandou o endereço. Medo é isto. Covardia total. Se fosse homem de verdade, dizia, moro na cidade tal, rua tal, casa pintada de cor de rosa; é aqui! Estamos a esperá-los. Aquilo é um mucufa, Japira. Homem é aqui o degas, que não oculta nada, nem anda escondido. Deves te orgulhar disso.
- Sim, e me orgulho de tua coragem, mas detesto o teu orgulho e esse nomão feio de chefe... Chefe deste corrimboque... Toma papel e toma caneta. Escreve logo, agora mesmo. Estou louca para saber onde estão.
- Escreve tu, mulher, minha letra, bem sabes, é aquela garrancheira e não tenho lá muito jeito para essas coisas.
- Mas, assinarás a carta comigo. Os dois.
- Vá lá que seja.
A pena corria como um potro no galope sobre o papel. Estavam a esperá-los com um peru gordo e muitos abraços. Estavam mortos de saudade. A Bitinha não parava de rir e de chorar. Emendava uma coisa na outra. Se demorassem muito, terminaria se derretendo. Nem era preciso mandar endereço. Saísse de volta imediatamente. Não estava escrevendo sozinha. Estavam ali os dois. Têm que vir diretos para casa do pai e sogro. Sem qualquer preocupação. Estavam todos de braços abertos! Acabara-se a inimizade política. Inclusive o Carlinho não queria ser mais chefe de nada.
Deixaria para os moços. Estava saturado de chefia. Queriam eram os dois pertinhos dele. Isto sim.
- Pronto, assina em primeiro lugar. E assina direito. Tu és danado para errar a assinatura de teu próprio nome e não me ponhas nem coronel, nem chefe. Somente, teu pai, Carlinho.
- Depois do Ca... Qual é a outra letra, Japira. Estou com a memória em frangalhos.
- Vai, escreve; C-a-r-l-i-n-h-o...
- Esqueci como se traça o diabo desse h, letra ingriziada. Passo tempo sem assinar o nome e da nisso.
- Belo chefe. Nem o nome sabe mais escrever.
- E quem foi que te disse que para ser chefe, precisa saber escrever, basta ter dinheiro e ser prepotente. O povinho gosta é disso... Um bom malabarista facilmente chega a uma chefia política.
As expectativas em casa do coronel eram de causar insônia. Poderiam chegar a qualquer momento. Amanhecia, anoitecia e a ansiedade aumentando. Uma demora mortificante.
Numa bela manhã cedo, a cidade acelerou-se. Alguém percebera a chegada de Cipriano e Zulmira. Iria haver desmantelo. O coronel Carlinho andava escavacando como touro selvagem. Pela rua, pelas portas e janelas, o povo aparecia assustado. E o casal fugitivo ia direto em direção a casa do coronel Carlinho.
- O Cipriano ou tem muita coragem ou está tresvariando. Doido varrido. De longe, iam observando os acontecimentos. E qual não foi a supressa quando, à porta do coronel, filha, genro, sogro, sogra e cunhada abraçaram-se e choraram de alegria. Coronel Carlinho, o brabão, de braço no ombro do genro conduzia-o casa adentro na mais comovente intimidade.
- Aquilo é lá coronel nem chefe de coisa nenhuma. Coronel de araque é que ele é. Esbravejava, alardeava que o mundo iria cair aos pedaços e está aí em que deu. Farofeiro!
- Também vocês não procuram entender as coisas. Quem está ali não é o coronel Carlinho é o pai que adora a filha e quer vê-la saudável e alegre ao seu lado. Teria que esquecer as tricas da politicagem.
- Vocês vão é ver que dentro de pouco tempo o genro será o chefe político. O velho é esperto. Ficará tudo em casa e com mais prestigio. Juntou-se e ninguém os vencerá. Ora si. Aquilo não bota água a pinto não. Velho matreiro. Não duvido que essa fuga da filha já tenha sido uma trama.
- Você não tem família e não sabe o quanto vale uma filhinha que se criou com todo mimo e depois se ausenta sem se saber para aonde. Quem não tem nada no coração pode abrir a boca e falar assim. E depois o Cipriano é um moço de bem. Honrado, de família importante.
- Levou a menina só e só porque sabia que o coronel Carlinho não a daria, não casaria a filha com um adversário político, sobretudo com quem lhe fazia mais acirrada oposição. O amor, meu velho, salta qualquer barreira, pula qualquer janela. Não teme as grandes alturas, nem os despenhadeiros. E termina sempre vencendo.
- Olha aí fugiram, o velho danou-se, esperneou, saltou, berrou, mandou persegui-los, inchou os bofes, mas no momento em que o coração começou a doer sentiu a falta da filha, notem a tristeza da mulher e da outra filha; desceu do cavalo, tirou as esporas, esqueceu o título de coronel, e prestígio de chefe político, e sentiu-se esmagado.
- Não tem filho e não sabe o que é ser pai. Fala besteira não. Aquelas arrancadas do coronel não era uma mostra de valentia não. Era o medo de perder a filha, de não vê-la mais, de procurá-la no seu cantinho e não encontra-la. Era o pensar que poderia estar sofrendo de alguma forma que estaria com saudades de casa. Pensar que havia fugido por causa de sua intransigência com os adversários. O coração de um pai e de uma mãe é muito maior do que pensas, mas não cabe nele uma ausência.
- Agora, quero fazer-te uma pergunta, uma vez que tens idéias bem diferente de muitos outros. Sei que tens pai e mãe. Irmãos também. Todos vivem fora daqui, não é verdade?
- É sim. E o que é que há?
- É que nunca te ouvi falar deles. Será que não tens saudade ou vontade de vê-los? Devem viver bem e, por isto, não te preocupas com eles.
- Ao contrário. São pobres e de família numerosa.
- Será que, por isto, te envergonhas deles? Esta seria uma hipótese absurda, mas dá para se supor.
Abreu calou-se, o que equivalia a uma confirmação.
- Talvez seja por isto que censuras o coronel Carlinho. Olha, diz o ditado que o mau filho é um mau em tudo na vida. Vai lá, rapaz, vai rever teus parentes, abraça-los, ver o que lhes falta, ajuda-los, ou será, ainda, que és indesejável em tua casa?
- Está sendo criada a “Sociedade da Boa Família” e apesar de nossa camaradagem, irás ficar fora dela, até que se comprove o contrário do que se pensa a teu respeito. Ficaras isolado e verás que o teu comércio cairá e cairás também. Todos estão elogiando a atitude do coronel e isto porque demonstrara bons sentimentos. Aqui em Baixa Verde irá faltar lugar para muita gente. O coronel Carlinho seria mau, mais agora deu um exemplo de grandeza moral e afetiva. Toma o mesmo cominho, meu velho. Vai onde está tua família e pede-lhe perdão. Trazes para cá, e divide com ela o que a boa sorte te deu. Nunca sigas os maus exemplos. Só as boas ações florescem. O coronel sempre foi um homem rude e conserva aquele padrão moral dos tempos antigos, o que não deixa de ser admirável. Queria para sua filha uma pessoa amiga, mas não era o dono dos seus sentimentos. Temia perde-la para sempre. Mas está aí.
- Percebeu que ela era feliz e abraçou os dois. Nunca é tarde para um reconhecimento. O único defeito de Cipriano era ser contrário a política do coronel. Homem de bem a toda prova.
Cipriano reinstalou-se em sua cidade e recomeçou suas atividades. O coronel chamou-o em particular. Estava ficando cansado e pretendia ir abandonando a política. Cipriano deveria, aos poucos, ir assumindo o seu lugar. Era óbvio que caberia a ele chefiar o partido. Iria penetrando aos poucos até eleger-se prefeito e mais tarde deputaria um lugar na câmara estadual. E não teve para onde fugir. Praticamente dissolvia-se a oposição, o que era, afinal, uma das intenções do coronel. Ele ficaria por traz das cortinas. Manobrando sorrateiramente.
Abreu não esquece o conselho do amigo. Na verdade estava sendo um ingrato. Melhorara de vida e esquecera vilmente a família pobre.
Foi então visita-los. Estavam lá no mesmo cantinho, lutando desesperadamente pela sobrevivência.
 Depois dos primeiros contatos e de sentir a desigualdade de vida, afastou-se sozinho e não teve alternativa se não chorar para aliviar as angustias daquele abandono. Havia sido um miserável, um filho desnaturado. À hora do almoço percebeu mais nitidamente a pobreza em que viviam. Um almoço tão sumário e tão pobre que nem sabia como ainda estavam vivos. Os pais, os irmãos não podiam esconder o mau passadio. Que tristeza, que ingratidão que fora.
- Bem, minha gente vamos embora daqui. Vende-se o terreno, os bichinhos, inclusive o jerico e vamos morar comigo. O que tenho dará para nós todos.
- Mas a gente não tem nem como sair. Sem roupas, sem sapatos, sem nada. E sempre se viveu aqui. Lá não se tem o que fazer.
- Tem sim. Trabalho só para os manos. Vosmecê dois vão cuidar somente da casa e com alguém para ajudar. Hão de ver como vai ser.
Não havia para onde fugir. O vizinho comprou a terra e as miunças. As duas cabras de leite e as galinhas. Dois dias depois estava na cidade, sem ninguém saber. Entraram à noite e ficaram reservados. Havia primeiro, que comprar roupas e tudo o mais, para uma apresentação aceitável.
Abreu esmerou-se no preparo da aparência da família. Precisava desfazer a impressão que poderiam ter de seu relacionamento com a família.
A família não podia entender como o Abreu adquirira tantos bens. E vieram as perguntas.
- Abreu de quem é este casarão?
- Ah! Mamãe dá senhora.
- E esta casa comercial, meu filho?
- Do senhor meu pai.
- Mas como chegastes a tudo isto?
- Muito simples. Sai de casa daquele jeito. Liso, liso. Trabalhei e comecei algumas economiazinhas. Muito pouco, mas deu para comprar algumas bugigangas que passei a vender de porta em porta. E fui juntando tostões e fui aumentando o negócio. Em segunda, abri uma casinha para vender miudezas. E fui indo, indo, fiquei quase rico. Riquíssimo em relação ao que era. E, agora, graças a Deus, estamos todos ricos, riquíssimo... Comprar e vender é a melhor forma de viver bem. Tomem conta de tudo e me ajudem a continuar.

Em 1.8.1985.

*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

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