CORONEL CARLINHO*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)
A
notícia saiu com desabalada carreira, atravessou ruas, dobrou esquinas, entrou
de portas adentro como sempre acontece nas cidades pequenas. Ninguém ficou sem
saber. A filha única do chefão político havia fugido. E fugira com um
adversário dos mais ferrenhos e atrevidos.
O coronel
Carlinho estava possesso, ameaçando Deus e o diabo, pisando sem olhar onde. Entrava
saia, gritando para quem quisesse ouvi-lo.
– Não vou
perdoar. Corto as orelhas daquele atrevido. Mando tirar-lhe o couro vivo. Esturrava
como uma onça no alto da serra. Dava poupas de mostrar o úbere. Ao que se via,
o desastre estava iminente. Gente saia para todos os lados com ordens severas. Trazer
os dois vivos, mas trazê-los de qualquer jeito. Mas, acontece que uma noite
quase toda era bastante tempo para já andar longe. Ademais ninguém atinava que
rumo seguir. E as paradas pra sondagens retardavam a marcha que, para falar a
verdade, era desinteressada para os espoletas do coronel. Iam porque iam, mas
de certa forma gostando do acontecimento. Não chegava notícias e o coronel
Carlinho desesperava-se.
- E aquela
tonta por que diabo havia de fazer-me uma dessa. Tonta e sonsa. Quem havia
também de supor tal disparate.
- Acalma-te,
Carlinho, Aconselhava-lhe a mulher. Isso não acontece apenas com a gente.
Muitos outros têm passado por dissabores iguais ou até maiores. E, afinal de
contas, o Cipriano é teu adversário, mas é um moço correto e vive muito bem.
Não se conhecem atos que o desabonem. Além disso, Zulmira é nossa filha e
merece nossos cuidados e carinhos. Não é uma qualquer. Moça prendada, sempre
foi uma excelente filha.
- Ora essa, Japira,
é por isto mesmo. Um inimigo político ter o desaforo de levar nossa filha, que
não dou por ouro nenhum. É atrevimento demais. Quero pegar o bicho para dar-lhe
um ensino em regra. Está
esquecida do desaforo daquele ordinário fazendo-me oposição, a mim, coronel
Carlinho, chefe desta bilosca. Ah! Não posso perdoar. Sabes, por ventura, a
estas horas onde anda com a menina e o que já não fez com ela. Vou persegui-lo até
apanhá-lo. Volte ela como voltar, com aquele cafuringa não se casa. Sim
senhora, ricaço, bonzinho, como dizes, mas foi sempre contra mim, o que não
perdôo. Se aqueles cabras de peia não os encontrarem, irei eu em pessoa. Pode se socar
nos cafundós de Judas.
Dias e mais
dias sucederam-se e os cabras iam voltando sem ao menor sinal dos fugitivos.
- Há esta hora
já estarão casados, adiantava dona Japira. E não terá mais jeito. Larga essa
caçada de mão e vamos, pacientemente, esperar alguma notícia. Mas cedo ou mais tarde,
Zulmira não nos irá esquecer. Tenho certeza. Teve coragem de fugir te
conhecendo, terá coragem de voltar ou dizer onde está.
Mas o coronel
Carlinho era irredutível, confiado em sua posição de chefe, velho chefe daquela
gangorra.
- Carlinho,
acaba com esse ódio, Carlinho. Lembra-te que o Cipriano não tem medo de te e
muito menos desses cafuçus que te cercam. Além disso, é uma má política, esta
tua. O moço é de família importante cheia de eleitores e o casamento com a Zulmira
é uma forma de conquistar-lhe a amizade e os votos. Onde está esta tua cabeça.
Só pensas em mandar, ser chefe, dominar todo mundo, como se fosses o dono de
tudo. Por mim já terias deixado essa politicalha de borra enquanto é cedo. No
dia que perderes uma eleição, verás a que vás ficar reduzido. Larga essa
bilosca, casa nossa filha, e entrega o comando político ao teu genro. Isto sim.
Vai descansar matar tuas pulgas, comer teu angu tranquilamente.
- Na verdade,
bem diz o ditado, juízo de mulher é nos calcanhares. Deixar de ser chefe e
passar a ser espoleta ou cabo eleitoral de um mocupa daquele. Só mesmo de tua
cabeça pode sair uma sugestão tão pífia. Sabes por ventura quanto me custou
chegar a ser chefe. Sim, chefe, sem letras, forçando a barra, passando
humilhação, para entregar-me de mão beijada como um galo que cai do poleiro.
Nunca!
- Faz isto por
nossa filha. De que te tem servido e de que te servirá essa vaidade idiota de
ser chefe. Chefe de uma povoeta desta, metida no fim de todas as estradas. Toma
tento, enquanto é tempo. E depois o teu genro irá te prestigiar. Sim, vai
procurá-los, mas com essa finalidade. Fazer as pazes abençoá-los e viver na
sombra e água fresca.
- Pelo que
vejo estás parida pelo Cipriano! Falta de respeito. Não te preocupes não que
dou conta dele. Atrevido. Por que não pediu a menina. Fazia uma carta, se tinha
medo de me ver.
- Cipriano
nunca teve mede de ti. Que esperança... Nem teve e nem tem. Cipriano é cabra
macho, queiras ou não queiras. A prova está aí. Carregar tua filha, já fez dela
o que bem quis e nem está dando bola...
- Estou te
desconhecendo ou não me conheces mais. Abre teus olhos. Estas insinuações são
ofensivas aos meus brios de homem e de chefe. É uma atitude inqualificável.
-
Inqualificável é essa tua teimosia. Deus queira que não te aconteça o que estou
prevendo ou estais ficando um sempre forte burro. Estás vendo que as coisas
estão mudando. Fala-se que a oposição vai ganhar as próximas eleições! E parece
provável. Se acontecer, amanhã, terás juiz, padre, delegado, tudo contra.
Perderás a tal da chefia. Passarás a ser um mamulengo, um papangu qualquer.
Surge a oportunidade de te saíres e jogar fora com as mãos a tua caturrice. Vai
dormir e pensa nisto, seu pateta.
- Não me
ofendas!...
- Não estou te
ofendendo. Estou procurando salvar-te a pele. Isto sim.
- Correio!
Dona Japira
voou até à porta. Pegou a carta como um pássaro faminto que encontra um fruto
doce e maduro. Felizmente o coronel Carlinho não estava. Leu-a com sofreguidão.
Zulmira contava tudo. Estavam casados no padre e no juiz, vivendo otimamente.
Seu sofrimento era apenas muita saudade e o sentir imensa falta da família, mas
espera curar brevemente esse estado emocional. E acrescentava: “Não mando o endereço
certo, responda para este que vai na carta. Dependendo da resposta, se vier
favorável como esperamos, enviarei o correto. Não postamos no correio da cidade
onde estamos, e sim numa bem distante de um amigo. Papai a quem tanto amo e de
quem tenho ilimitadas saudades poderá estar muito brabo com a gente. Pedimos a
ele que nos perdoe. Só fizemos isso por amor. Sem isso não lhe daríamos tanto
desgosto”.
- Ótimo. Vamos
agora ver a reação do Carlinho, o brabão, cabeça de burro velho coiceiro. Só
pensa em vingança com aquele orgulho besta de chefe. Chefe uma peitica. Coisa
mesmo de matutão beócio do interior.
Junto com a
carta vinha um retrato dos dois, juntinhos e plenos de felicidade. Dona Japira
beijou os dois e levou um tempão olhando-os e admirando-os. Findou com lágrimas
e risos de alegria e de saudades.
Coronel
Carlinho chegou. Notou que a mulher estava com cara de alegria, mas
controlou-se.
- Alguma
notícia, Carlinho?
- Nada, nada.
Aquele espritado há de aparecer. Não lhe darei tréguas. Vai me pagar mais caro
do que pensa. Irá saber o quanto custa bulir com filha de homem.
- Pois tenho
notícias e boas...
- Boas como.
Não devem ser boas mesmo por que agora eu o pegarei. Tinha certeza certa de que
mais cedo ou mais tarde cairiam no meu bisaco. Só quero saber de uma coisa.
Onde estão. Só isto. O resto guarda contigo. Eu mesmo irei olhar para a cara
deles.
- Lê. Deixa de
tanto caturrice e de tanto ódio. Não irás fazer nada contra tua filha e teu
genro. Vai te confessar com o padre Adriano para ver se ele tira essa mania de
chefe, esse orgulho idiota. Pode ser que te dê um banho de compreensão. E vou
logo te acrescentando: Estarei ao lado deles, dê no que der. E é bom que cuides
em modificar, antes que a Bitinha, nossa filhinha do coração, faça o mesmo. Só
queres que casem suas filhas com os teus correligionários e do teu lado só tem
babeco. Elas não iriam e nem vão querer, no que estão muito certas. Elas e eu
também. Aponta alguém dos teus amigos que convenha para nossas filhas. Vai,
aponta. Uns paspalhões, ignorantes, chaleiras que não valem uma crueira. Só
sabem estar cheirando o chulé dos teus pés. Grandes genros seriam. O que tem de
gente limpa está do outro lado. A Zulmira fez muito bem e a Bitinha não se
casará com um desses fuleiras do teu partido. Nem morta. Ela mesma não quer.
Não é doida. Toma lá a carta, para ver se a realidade entra no teu quengo
empedernido.
Afinal,
o coronel Carlinho leu. Leu e emocionou-se. Andara pertinho de chorar. Mas era
chefão e não lhe ficava bem. Seria o mesmo que cair do trono.
-
Agora vê isto, o retrato dos dois.
O
coronel quase o arrebata. O retrato da filha, que, inutilmente tanto desejava
ter ao seu lado.
-
É uma pena, uma moça tão simpática, ao lado desse safado. É um figurão, mas é
um descarado. Ainda tem a coragem de estar rindo agarrado com Zulmira.
-
Descarado, não. Cipriano sempre foi um moço de bem. O negocio é que sempre
tivestes medo dele e te fez muita cócega. É isto.
- Medo! Olha
aí nem mandou o endereço. Medo é isto. Covardia total. Se fosse homem de
verdade, dizia, moro na cidade tal, rua tal, casa pintada de cor de rosa; é
aqui! Estamos a esperá-los. Aquilo é um mucufa, Japira. Homem é aqui o degas,
que não oculta nada, nem anda escondido. Deves te orgulhar disso.
- Sim, e me
orgulho de tua coragem, mas detesto o teu orgulho e esse nomão feio de chefe...
Chefe deste corrimboque... Toma papel e toma caneta. Escreve logo, agora mesmo.
Estou louca para saber onde estão.
- Escreve tu,
mulher, minha letra, bem sabes, é aquela garrancheira e não tenho lá muito
jeito para essas coisas.
- Mas,
assinarás a carta comigo. Os dois.
- Vá lá que
seja.
A pena corria
como um potro no galope sobre o papel. Estavam a esperá-los com um peru gordo e
muitos abraços. Estavam mortos de saudade. A Bitinha não parava de rir e de
chorar. Emendava uma coisa na outra. Se demorassem muito, terminaria se
derretendo. Nem era preciso mandar endereço. Saísse de volta imediatamente. Não
estava escrevendo sozinha. Estavam ali os dois. Têm que vir diretos para casa
do pai e sogro. Sem qualquer preocupação. Estavam todos de braços abertos!
Acabara-se a inimizade política. Inclusive o Carlinho não queria ser mais chefe
de nada.
Deixaria para
os moços. Estava saturado de chefia. Queriam eram os dois pertinhos dele. Isto
sim.
- Pronto,
assina em primeiro lugar. E assina direito. Tu és danado para errar a
assinatura de teu próprio nome e não me ponhas nem coronel, nem chefe. Somente,
teu pai, Carlinho.
- Depois do
Ca... Qual é a outra letra, Japira. Estou com a memória em frangalhos.
- Vai, escreve;
C-a-r-l-i-n-h-o...
- Esqueci como
se traça o diabo desse h, letra ingriziada. Passo tempo sem assinar o nome e da
nisso.
- Belo chefe.
Nem o nome sabe mais escrever.
- E quem foi
que te disse que para ser chefe, precisa saber escrever, basta ter dinheiro e
ser prepotente. O povinho gosta é disso... Um bom malabarista facilmente chega
a uma chefia política.
As
expectativas em casa do coronel eram de causar insônia. Poderiam chegar a
qualquer momento. Amanhecia, anoitecia e a ansiedade aumentando. Uma demora
mortificante.
Numa bela
manhã cedo, a cidade acelerou-se. Alguém percebera a chegada de Cipriano e
Zulmira. Iria haver desmantelo. O coronel Carlinho andava escavacando como
touro selvagem. Pela rua, pelas portas e janelas, o povo aparecia assustado. E
o casal fugitivo ia direto em direção a casa do coronel Carlinho.
- O Cipriano
ou tem muita coragem ou está tresvariando. Doido varrido. De longe, iam
observando os acontecimentos. E qual não foi a supressa quando, à porta do
coronel, filha, genro, sogro, sogra e cunhada abraçaram-se e choraram de alegria.
Coronel Carlinho, o brabão, de braço no ombro do genro conduzia-o casa adentro
na mais comovente intimidade.
- Aquilo é lá
coronel nem chefe de coisa nenhuma. Coronel de araque é que ele é. Esbravejava,
alardeava que o mundo iria cair aos pedaços e está aí em que deu. Farofeiro!
- Também vocês
não procuram entender as coisas. Quem está ali não é o coronel Carlinho é o pai
que adora a filha e quer vê-la saudável e alegre ao seu lado. Teria que
esquecer as tricas da politicagem.
- Vocês vão é
ver que dentro de pouco tempo o genro será o chefe político. O velho é esperto.
Ficará tudo em casa e com mais prestigio. Juntou-se e ninguém os vencerá. Ora
si. Aquilo não bota água a pinto não. Velho matreiro. Não duvido que essa fuga
da filha já tenha sido uma trama.
- Você não tem
família e não sabe o quanto vale uma filhinha que se criou com todo mimo e
depois se ausenta sem se saber para aonde. Quem não tem nada no coração pode
abrir a boca e falar assim. E depois o Cipriano é um moço de bem. Honrado, de
família importante.
- Levou a
menina só e só porque sabia que o coronel Carlinho não a daria, não casaria a
filha com um adversário político, sobretudo com quem lhe fazia mais acirrada
oposição. O amor, meu velho, salta qualquer barreira, pula qualquer janela. Não
teme as grandes alturas, nem os despenhadeiros. E termina sempre vencendo.
- Olha aí
fugiram, o velho danou-se, esperneou, saltou, berrou, mandou persegui-los,
inchou os bofes, mas no momento em que o coração começou a doer sentiu a falta
da filha, notem a tristeza da mulher e da outra filha; desceu do cavalo, tirou
as esporas, esqueceu o título de coronel, e prestígio de chefe político, e
sentiu-se esmagado.
- Não tem
filho e não sabe o que é ser pai. Fala besteira não. Aquelas arrancadas do
coronel não era uma mostra de valentia não. Era o medo de perder a filha, de
não vê-la mais, de procurá-la no seu cantinho e não encontra-la. Era o pensar
que poderia estar sofrendo de alguma forma que estaria com saudades de casa.
Pensar que havia fugido por causa de sua intransigência com os adversários. O
coração de um pai e de uma mãe é muito maior do que pensas, mas não cabe nele
uma ausência.
- Agora, quero
fazer-te uma pergunta, uma vez que tens idéias bem diferente de muitos outros.
Sei que tens pai e mãe. Irmãos também. Todos vivem fora daqui, não é verdade?
- É sim. E o
que é que há?
- É que nunca
te ouvi falar deles. Será que não tens saudade ou vontade de vê-los? Devem
viver bem e, por isto, não te preocupas com eles.
- Ao contrário.
São pobres e de família numerosa.
- Será que,
por isto, te envergonhas deles? Esta seria uma hipótese absurda, mas dá para se
supor.
Abreu
calou-se, o que equivalia a uma confirmação.
- Talvez seja
por isto que censuras o coronel Carlinho. Olha, diz o ditado que o mau filho é
um mau em tudo na vida. Vai lá, rapaz, vai rever teus parentes, abraça-los, ver
o que lhes falta, ajuda-los, ou será, ainda, que és indesejável em tua casa?
- Está sendo
criada a “Sociedade da Boa Família” e apesar de nossa camaradagem, irás ficar
fora dela, até que se comprove o contrário do que se pensa a teu respeito.
Ficaras isolado e verás que o teu comércio cairá e cairás também. Todos estão
elogiando a atitude do coronel e isto porque demonstrara bons sentimentos. Aqui
em Baixa Verde
irá faltar lugar para muita gente. O coronel Carlinho seria mau, mais agora deu
um exemplo de grandeza moral e afetiva. Toma o mesmo cominho, meu velho. Vai
onde está tua família e pede-lhe perdão. Trazes para cá, e divide com ela o que
a boa sorte te deu. Nunca sigas os maus exemplos. Só as boas ações florescem. O
coronel sempre foi um homem rude e conserva aquele padrão moral dos tempos
antigos, o que não deixa de ser admirável. Queria para sua filha uma pessoa
amiga, mas não era o dono dos seus sentimentos. Temia perde-la para sempre. Mas
está aí.
- Percebeu que
ela era feliz e abraçou os dois. Nunca é tarde para um reconhecimento. O único
defeito de Cipriano era ser contrário a política do coronel. Homem de bem a
toda prova.
Cipriano
reinstalou-se em sua cidade e recomeçou suas atividades. O coronel chamou-o em particular. Estava
ficando cansado e pretendia ir abandonando a política. Cipriano deveria, aos
poucos, ir assumindo o seu lugar. Era óbvio que caberia a ele chefiar o
partido. Iria penetrando aos poucos até eleger-se prefeito e mais tarde
deputaria um lugar na câmara estadual. E não teve para onde fugir. Praticamente
dissolvia-se a oposição, o que era, afinal, uma das intenções do coronel. Ele
ficaria por traz das cortinas. Manobrando sorrateiramente.
Abreu não
esquece o conselho do amigo. Na verdade estava sendo um ingrato. Melhorara de
vida e esquecera vilmente a família pobre.
Foi então
visita-los. Estavam lá no mesmo cantinho, lutando desesperadamente pela
sobrevivência.
Depois dos primeiros contatos e de sentir a
desigualdade de vida, afastou-se sozinho e não teve alternativa se não chorar
para aliviar as angustias daquele abandono. Havia sido um miserável, um filho
desnaturado. À hora do almoço percebeu mais nitidamente a pobreza em que
viviam. Um almoço tão sumário e tão pobre que nem sabia como ainda estavam
vivos. Os pais, os irmãos não podiam esconder o mau passadio. Que tristeza, que
ingratidão que fora.
- Bem, minha
gente vamos embora daqui. Vende-se o terreno, os bichinhos, inclusive o jerico
e vamos morar comigo. O que tenho dará para nós todos.
- Mas a gente
não tem nem como sair. Sem roupas, sem sapatos, sem nada. E sempre se viveu
aqui. Lá não se tem o que fazer.
- Tem sim.
Trabalho só para os manos. Vosmecê dois vão cuidar somente da casa e com alguém
para ajudar. Hão de ver como vai ser.
Não havia para
onde fugir. O vizinho comprou a terra e as miunças. As duas cabras de leite e
as galinhas. Dois dias depois estava na cidade, sem ninguém saber. Entraram à
noite e ficaram reservados. Havia primeiro, que comprar roupas e tudo o mais,
para uma apresentação aceitável.
Abreu
esmerou-se no preparo da aparência da família. Precisava desfazer a impressão
que poderiam ter de seu relacionamento com a família.
A família não
podia entender como o Abreu adquirira tantos bens. E vieram as perguntas.
- Abreu de
quem é este casarão?
- Ah! Mamãe dá
senhora.
- E esta casa
comercial, meu filho?
- Do senhor
meu pai.
- Mas como
chegastes a tudo isto?
- Muito
simples. Sai de casa daquele jeito. Liso, liso. Trabalhei e comecei algumas
economiazinhas. Muito pouco, mas deu para comprar algumas bugigangas que passei
a vender de porta em porta. E
fui juntando tostões e fui aumentando o negócio. Em segunda, abri uma casinha
para vender miudezas. E fui indo, indo, fiquei quase rico. Riquíssimo em
relação ao que era. E, agora, graças a Deus, estamos todos ricos, riquíssimo...
Comprar e vender é a melhor forma de viver bem. Tomem conta de tudo e me ajudem
a continuar.
Em 1.8.1985.
*O conto pertence ao livro “Vidas
Nordestinas”, no prelo.
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