Conversa Fiada
Na longínqua
cidade de Urubueta, dentro do polígono das secas, com uma população estimada em
mil almas penadas, havia um sacerdote muito sabido e espertalhão. Cabra velho
vivido em muitas paroquias abandonadas pelo alto clero do Estado. Sabia tirar
mesmo leite em pedra para sobreviver e também se manter com dignidade. Era
festa todo os meses. Quermesses, procissões, reformas na igreja e casa
paroquial. Cada dia era comemorado um santo ou uma santa. Haja dinheiro no
cofrinho. Vendia-se de tudo na paroquia, objetos doados e feitos por fies
abnegados. O padre dava nó até em pingo d´água.
Chegou até mudar
o nome do padroeiro da cidade. Deu briga, mas conseguiu nomear seu santo
querido à frente da igreja: São Cipriano!
“Salve São
Cipriano, fazei que muito dinheiro, riqueza e fortuna fiquem
para sempre comigo. São Cipriano trazei
muito dinheiro, riqueza e fortuna pra mim. Assim como o galo
canta, o burro rincha, o sino toca, a cabra berra, assim tu São
Cipriano hás de trazer muito dinheiro, riqueza e
fortuna pra mim. Assim como o sol
aparece, a chuva cai, faça São Cipriano, o dinheiro, a riqueza e a fortuna
serem dominados por mim, assim seja.”
Antes e depois da
missa, fazia essa oração juntamente com todos presentes em voz alta. Dizia que
era para a cidade progredir.
Zé Pezão e sua
mulher Jupiara, já estavam cansados de soltar dinheiro suado do trabalho na
roça para a igreja do padre Justiniano. Todo mundo falava dos exageros mais
ninguém tinha coragem de falar abertamente desse desregramento paroquial.
- Mulher, vamos
armar uma arapuca para pegar esse fela da gaita. O povo é besta e vai cair no
conto do vigário que ele mesma vive pregando.
A sociedade
Urubuetamense se reunia duas vezes por dia na pequena pracinha em frente à
igreja, à sombra de muitos pés de figueiras (fícus benjamim), duas vezes por
dia. Uma depois do almoço e outra antes que o sol levasse de vez sua luz para o
outro lado do mundo.
- Bom dia
senhores. Que a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com vocês.
- Com o senhor
também seu Zé.
- Tenho duas
notícias para dar. Uma boa e uma ruim. Qual dou logo?
- A ruim!
- Pois bem. O avô
de minha mulher morreu lá pras bandas de Dois Riachos. A gente nem se conhecia
bem. Mandaram um parente avisar. Morreu de velho. Fazendeirão.
- Homem, dê logo
a boa!
- Deixou de
herança para minha mulher, sua única neta um bom valor em dinheiro. Uns setenta
mil pilas. Vamos ter que ir buscar naquele mundão. Não sei se vale tanto a
pena.
Zé Pezão armou a
jogada e desapareceu por uns dias das reuniões na pracinha. Trancado em casa
com dona Jupiara, só abria a porta da casa do sítio à noite para tomar um
arzinho fresco.
- Bom dia
rapaziada. Estou de volta. Fui buscar o dinheiro da herança. Está bem guardado
no baú à sete chaves. Não sei o que vou fazer com tanto dinheiro. Numa seca
dessa a gente não tem como aplicar. Estou pensando em pedir para o padre Justiniano
guardar. Dentro da igreja está mais seguro do que no banco.
E assim, todos os
dias comenta sobre essa possibilidade de passar o dinheiro “fantasma” aos
cofres da igreja. Todo dia esse assunto era comentado debaixo das figueiras.
- Pronto!
Entreguei hoje cedo o dinheiro da herança para padre Justiniano tomar conta. Só
irei tirar os nossos setenta pilas quando aparecer uma casa ou uma fazenda boa
para vender.
Enquanto isso o
padre dormia de toca. Não sabia o que Zé Pezão e a mulher estavam aprontando
para o espinhaço dele.
Passaram-se uns
meses. Antônio Rufino morre e a viúva quer vender a propriedade para ir morara
com uma filha na capital. Zé Pezão vai a ela e acerta a compra.
- Pois é comadre,
domingo na missa vou pedir o dinheiro que está com o santo padre. Não quer deixar
com ele guardado, está em boas mãos.
- Não senhor,
minha filha vem me buscar e quero levar em mãos.
Domingo
ensolarado, havia dado uma chuvarada dias antes e todos os fies tinham vindo à
missa agradecer a são Pedro. A igreja estava coalhada, não faltou um morador
por mais longe que morasse.
O padre quando
viu aquela multidão dentro de sua paroquia, riu baixinho. Hoje a sacola enche.
Ledo engano. Não sabia o que vinha pela frente. A missa termina e como sempre
fazia, ia para a frente da igreja agradecer a todos. Porém a turba ficava o
mais tempo possível no átrio da igreja revendo os amigos e bajulando o
sacerdote simpático.
- Bom dia querido
padre, disse dona Jupiara.
- Bom dia como
vai de saúde e o seu José?
- Estamos bem
graças a Deus. Mas hoje vim tratar sobre o dinheiro. Como sabe seu Rufino
morreu e dona Margarida quer vender as terras e a gente já acertou em comprar.
- Que dinheiro a
senhora está falando?
Nisso todos os
presentes se aproximaram mais ainda do padre para ouvir a história.
- Oxente padre do
dinheiro da herança que recebi do meu avô e lhe entregamos para guardar.
- Vocês estão
ficando doidos, nunca soube desse dinheiro e nem fiquei com ele tempo nenhum.
- Seu vigário –
disse o homem mais velho e conceituado do local – todo mundo sabe que o senhor
está guardando os setenta mil da herança de dona Jupiara. Pode perguntar a quem
quiser.
- Foi sim senhor
– falou a velha barata da igreja.
- Até você quer
infernizar minha vida. Sei lá dessa história sem pé e nem cabeça. Coisa mais
chata. Vocês estão querendo brincar comigo, não é?
Saiu de supetão,
empurrando que tava na frente e sem dizer mais nada, emburacou de igreja a
dentro. Passou uns três dias amuado sem aparecer nas ruas.
Dias depois, Zé
Pezão com dona Jupiara apareceram na hora do bate papo na pracinha em frente à
casa paroquial. Bateram à porta e apareceu dona Deolinda, encarregada de todos
os afazerem do padre. Queremos falara com o senhor vigário.
- Padre tem
gente.
Quando Justiniano
botou a cara na meia porta e avistou o casal foi logo gritando.
- O que diabo
vocês querem comigo?
- Bom dia seu
vigário, apenas viemos pedir nosso dinheiro. Precisamos dele para fechar um negócio,
como combinamos.
- Vão pra baixa
da égua com essa história de dinheiro. Quem já viu uma coisa dessa! Onde foi
que vocês me deram valor nenhum para guardar. Quando olhou para mais distante
viu que as pessoas estavam ouvido sua conversa, ficou mais irritado ainda e
bateu a parte de cima da porta.
Os comentários
nas ruas e na própria igreja, nos dias de missa, continuaram. Da bancada que
fica bem na frente, o casal fazia gestos com os dedos pedindo a grana.
Dinheiro que era
bom foi sumindo das sacolas e das caixas dos santos. As festas foram diminuindo
e os comentários aumentando. O velho padre não aguentou mais a pressão e mandou
chamar o casal.
- Bom dia seu
vigário.
- Bom dia uma
ova. Vocês são dois ladrões safados. Vão
arder no fogo dos infernos pelo resto da vida. Vou amaldiçoar vocês e nunca
mais pise nos degraus dessa Santa Igreja. Tome aqui seu dinheiro, seu não,
filhas duma puta. Dinheiro suado durante a vida toda e agora ver sendo levado pelos
filhos de belzebu.
No outro dia logo
de madrugada o casal fechou a porta do seu sitiozinho e caíram no mundo. Nunca
mais ninguém ouviu falar deles.
Granja Lírio do
brejo, 21 de novembro de 2021 – as 19.12 horas.
Carijalva
(Histórias que
ouvia meu pai contar tempos atrás)