sábado, 25 de dezembro de 2021

 

Conversa Fiada

 

Na longínqua cidade de Urubueta, dentro do polígono das secas, com uma população estimada em mil almas penadas, havia um sacerdote muito sabido e espertalhão. Cabra velho vivido em muitas paroquias abandonadas pelo alto clero do Estado. Sabia tirar mesmo leite em pedra para sobreviver e também se manter com dignidade. Era festa todo os meses. Quermesses, procissões, reformas na igreja e casa paroquial. Cada dia era comemorado um santo ou uma santa. Haja dinheiro no cofrinho. Vendia-se de tudo na paroquia, objetos doados e feitos por fies abnegados. O padre dava nó até em pingo d´água.

Chegou até mudar o nome do padroeiro da cidade. Deu briga, mas conseguiu nomear seu santo querido à frente da igreja: São Cipriano!

“Salve São Cipriano, fazei que muito dinheiro, riqueza e fortuna fiquem para sempre comigo. São Cipriano trazei muito dinheiro, riqueza e fortuna pra mim. Assim como o galo canta, o burro rincha, o sino toca, a cabra berra, assim tu São Cipriano hás de trazer muito dinheiro, riqueza e fortuna pra mim. Assim como o sol aparece, a chuva cai, faça São Cipriano, o dinheiro, a riqueza e a fortuna serem dominados por mim, assim seja.”

Antes e depois da missa, fazia essa oração juntamente com todos presentes em voz alta. Dizia que era para a cidade progredir.

Zé Pezão e sua mulher Jupiara, já estavam cansados de soltar dinheiro suado do trabalho na roça para a igreja do padre Justiniano. Todo mundo falava dos exageros mais ninguém tinha coragem de falar abertamente desse desregramento paroquial.

- Mulher, vamos armar uma arapuca para pegar esse fela da gaita. O povo é besta e vai cair no conto do vigário que ele mesma vive pregando.

A sociedade Urubuetamense se reunia duas vezes por dia na pequena pracinha em frente à igreja, à sombra de muitos pés de figueiras (fícus benjamim), duas vezes por dia. Uma depois do almoço e outra antes que o sol levasse de vez sua luz para o outro lado do mundo.

- Bom dia senhores. Que a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com vocês.

- Com o senhor também seu Zé.

- Tenho duas notícias para dar. Uma boa e uma ruim. Qual dou logo?

- A ruim!

- Pois bem. O avô de minha mulher morreu lá pras bandas de Dois Riachos. A gente nem se conhecia bem. Mandaram um parente avisar. Morreu de velho. Fazendeirão.

- Homem, dê logo a boa!

- Deixou de herança para minha mulher, sua única neta um bom valor em dinheiro. Uns setenta mil pilas. Vamos ter que ir buscar naquele mundão. Não sei se vale tanto a pena.

Zé Pezão armou a jogada e desapareceu por uns dias das reuniões na pracinha. Trancado em casa com dona Jupiara, só abria a porta da casa do sítio à noite para tomar um arzinho fresco.

- Bom dia rapaziada. Estou de volta. Fui buscar o dinheiro da herança. Está bem guardado no baú à sete chaves. Não sei o que vou fazer com tanto dinheiro. Numa seca dessa a gente não tem como aplicar. Estou pensando em pedir para o padre Justiniano guardar. Dentro da igreja está mais seguro do que no banco.

E assim, todos os dias comenta sobre essa possibilidade de passar o dinheiro “fantasma” aos cofres da igreja. Todo dia esse assunto era comentado debaixo das figueiras.

- Pronto! Entreguei hoje cedo o dinheiro da herança para padre Justiniano tomar conta. Só irei tirar os nossos setenta pilas quando aparecer uma casa ou uma fazenda boa para vender.

Enquanto isso o padre dormia de toca. Não sabia o que Zé Pezão e a mulher estavam aprontando para o espinhaço dele.

Passaram-se uns meses. Antônio Rufino morre e a viúva quer vender a propriedade para ir morara com uma filha na capital. Zé Pezão vai a ela e acerta a compra.

- Pois é comadre, domingo na missa vou pedir o dinheiro que está com o santo padre. Não quer deixar com ele guardado, está em boas mãos.

- Não senhor, minha filha vem me buscar e quero levar em mãos.

Domingo ensolarado, havia dado uma chuvarada dias antes e todos os fies tinham vindo à missa agradecer a são Pedro. A igreja estava coalhada, não faltou um morador por mais longe que morasse.

O padre quando viu aquela multidão dentro de sua paroquia, riu baixinho. Hoje a sacola enche. Ledo engano. Não sabia o que vinha pela frente. A missa termina e como sempre fazia, ia para a frente da igreja agradecer a todos. Porém a turba ficava o mais tempo possível no átrio da igreja revendo os amigos e bajulando o sacerdote simpático.

- Bom dia querido padre, disse dona Jupiara.

- Bom dia como vai de saúde e o seu José?

- Estamos bem graças a Deus. Mas hoje vim tratar sobre o dinheiro. Como sabe seu Rufino morreu e dona Margarida quer vender as terras e a gente já acertou em comprar.

- Que dinheiro a senhora está falando?

Nisso todos os presentes se aproximaram mais ainda do padre para ouvir a história.

- Oxente padre do dinheiro da herança que recebi do meu avô e lhe entregamos para guardar.

- Vocês estão ficando doidos, nunca soube desse dinheiro e nem fiquei com ele tempo nenhum.

- Seu vigário – disse o homem mais velho e conceituado do local – todo mundo sabe que o senhor está guardando os setenta mil da herança de dona Jupiara. Pode perguntar a quem quiser.

- Foi sim senhor – falou a velha barata da igreja.

- Até você quer infernizar minha vida. Sei lá dessa história sem pé e nem cabeça. Coisa mais chata. Vocês estão querendo brincar comigo, não é?

Saiu de supetão, empurrando que tava na frente e sem dizer mais nada, emburacou de igreja a dentro. Passou uns três dias amuado sem aparecer nas ruas.

Dias depois, Zé Pezão com dona Jupiara apareceram na hora do bate papo na pracinha em frente à casa paroquial. Bateram à porta e apareceu dona Deolinda, encarregada de todos os afazerem do padre. Queremos falara com o senhor vigário.

- Padre tem gente.

Quando Justiniano botou a cara na meia porta e avistou o casal foi logo gritando.

- O que diabo vocês querem comigo?

- Bom dia seu vigário, apenas viemos pedir nosso dinheiro. Precisamos dele para fechar um negócio, como combinamos.

- Vão pra baixa da égua com essa história de dinheiro. Quem já viu uma coisa dessa! Onde foi que vocês me deram valor nenhum para guardar. Quando olhou para mais distante viu que as pessoas estavam ouvido sua conversa, ficou mais irritado ainda e bateu a parte de cima da porta.

Os comentários nas ruas e na própria igreja, nos dias de missa, continuaram. Da bancada que fica bem na frente, o casal fazia gestos com os dedos pedindo a grana.

Dinheiro que era bom foi sumindo das sacolas e das caixas dos santos. As festas foram diminuindo e os comentários aumentando. O velho padre não aguentou mais a pressão e mandou chamar o casal.

- Bom dia seu vigário.

- Bom dia uma ova. Vocês são dois ladrões safados.  Vão arder no fogo dos infernos pelo resto da vida. Vou amaldiçoar vocês e nunca mais pise nos degraus dessa Santa Igreja. Tome aqui seu dinheiro, seu não, filhas duma puta. Dinheiro suado durante a vida toda e agora ver sendo levado pelos filhos de belzebu.

No outro dia logo de madrugada o casal fechou a porta do seu sitiozinho e caíram no mundo. Nunca mais ninguém ouviu falar deles.

 

Granja Lírio do brejo, 21 de novembro de 2021 – as 19.12 horas.

Carijalva

(Histórias que ouvia meu pai contar tempos atrás)

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conversa Fiada

 

Engenho Burra Leiteira, ficava no Município de Carambola. Lugar onde o cão perdeu as esporas. Da sede municipal para lá, fica umas três léguas de beiço, que se fosse medir daria bem umas quatros. No entanto, a fazenda possuía muita terra boa de cana de açúcar que produzia boas rapaduras com um doce insuperável. Talvez pelas terras de massapê. Dava emprego a muita gente das redondezas. Todo mundo já tinha sido morador do engenho. Era quase um oásis. O velho engenho funcionava, já havia vários anos, a força de éguas e bois mansos.  Passado de pai para filho, acho que vinha dos tempos dos Afonsinhos. O atual proprietário era o coronel Marsurpião Pinto Barbosa dos Anzóis Pereira, filho único. Cabra sem cabresto. Não valia o que o pinto come. Mas mesmo assim era respeitados por toda aquela região sem lei e sem ordem. Era o delegado, Juiz e promotor. Parteiro, médico, farmacêutico e dentista e nas horas precisas e urgentes, virava padre.

Casou-se com uma moça prendada lá da capital, quando fora estudar pra ser gente, porém seus miolos não ajudaram e voltou sem diploma, mas com uma certidão de casamento bem passado.

Dona Anfrosina era feia, mas tinha seus encantos secretos e filha de pais bem possuídos nos bens. Ele também não era lá uma flor para se admirar. Tinha uma cara mais parecida com jumento novo. O casamento foi um encontro do destino desalmado.

Afinal de contas quando o velho pai bateu a caçoleta, ficou senhor de engenho. Coronel. Título que naquela época passava de pai para filho, para os menos avisados.

Botou o negócio para funcionar às mil maravilhas, no entanto, sua querida e submissa esposa não botava menino pra fora. Passava o tempo e nada. Foram até aos médicos da capital tentar uma solução. O médico aconselhou dormir numa rede e botar fogo em baixo. Nada!

 A mulher dizia que o problema era com ele. Por sua vez dizia que ela tinha vergonha de se mexer. Fogo morto no casamento. Nem um bruguelo pelo menos.

O homem queria um herdeiro para eternizar seu poderio nas terras de meu Deus.

O cabra então começou a pular fora do ninho pensando que era ele que tinha o ovo goro e para provar e não servi de mangação para os amigos e parentes virou um bode danado. Não podia ver uma saia se mexer que caia em cima. Principalmente as filhas dos moradores. Dizia que mulher é como miunça, deu no couro... Não escapava nada. Era o rei dali.

Um dia, chega seu Zenobio com a família para trabalhar nas terras do seu coronel Pinto como era mais conhecido. Ele a esposa Bertina e a filha Rosa de Judá, criada com todo o mimo que um casal podia dar a uma filha. Quinze anos de beleza e de doçura.

Um belo dia Bertina chama Zé e lhe diz. - Buliro com Rosa!

- Quem foi o fio de uma égua que fez isso com Rosinha. Vou matar esse desgraçado. Vou sangra e tirar até a última gota de sangue desse bandido.

- Foi o coroné!

- Vou agora mesmo tomar satisfação com esse velhaco.

Partiu em procura da casa grande do engenho. Pediu para falar com o coronel.

- Entre e sente seu Zenobio, o homem vem já – Disse sua dona Anfrosina.

- Bom dia meu cidadão. Tudo em paz? O que é que manda? Estamos as ordens. Que uma aguinha fria com pedacinho de rapadura?

- Não senhor. Vim tratar de um assunto muito sério. Vim dar uma denúncia ao senhor.

- De jornal?

- Não senhor!

- Vim dizer que ofenderam minha filha.

- Comeu alguma comida estragada?

- Não senhor!

- Vim dizer que defloraram minha filha!

- Oxente. Mulher vem cá. O engenho agora vai melhorar, vai passar trem por aqui vão derrubar muita mata.

- Não senhor. Vim dizer que comeram minha filha.

- Vigi meu Deus, com farinha?

Seu Zenobio, levantou-se e saiu sem olhar para trás. Ganhou o oco do mundo com Bertina, Rosinha sua querida filhinha e mais um herdeiro do coronel dono do engenho Burra Leiteira.

Granja Lírio do Brejo, 20 de novembro de 2021 as 19.40 horas.

Carijalva

(Lembranças do Sítio Cerquinha das laranjas em Penedo Alagoas e de seu Zé Vicente com suas histórias engraçadas)