sábado, 25 de dezembro de 2021

 

Conversa Fiada

 

Na longínqua cidade de Urubueta, dentro do polígono das secas, com uma população estimada em mil almas penadas, havia um sacerdote muito sabido e espertalhão. Cabra velho vivido em muitas paroquias abandonadas pelo alto clero do Estado. Sabia tirar mesmo leite em pedra para sobreviver e também se manter com dignidade. Era festa todo os meses. Quermesses, procissões, reformas na igreja e casa paroquial. Cada dia era comemorado um santo ou uma santa. Haja dinheiro no cofrinho. Vendia-se de tudo na paroquia, objetos doados e feitos por fies abnegados. O padre dava nó até em pingo d´água.

Chegou até mudar o nome do padroeiro da cidade. Deu briga, mas conseguiu nomear seu santo querido à frente da igreja: São Cipriano!

“Salve São Cipriano, fazei que muito dinheiro, riqueza e fortuna fiquem para sempre comigo. São Cipriano trazei muito dinheiro, riqueza e fortuna pra mim. Assim como o galo canta, o burro rincha, o sino toca, a cabra berra, assim tu São Cipriano hás de trazer muito dinheiro, riqueza e fortuna pra mim. Assim como o sol aparece, a chuva cai, faça São Cipriano, o dinheiro, a riqueza e a fortuna serem dominados por mim, assim seja.”

Antes e depois da missa, fazia essa oração juntamente com todos presentes em voz alta. Dizia que era para a cidade progredir.

Zé Pezão e sua mulher Jupiara, já estavam cansados de soltar dinheiro suado do trabalho na roça para a igreja do padre Justiniano. Todo mundo falava dos exageros mais ninguém tinha coragem de falar abertamente desse desregramento paroquial.

- Mulher, vamos armar uma arapuca para pegar esse fela da gaita. O povo é besta e vai cair no conto do vigário que ele mesma vive pregando.

A sociedade Urubuetamense se reunia duas vezes por dia na pequena pracinha em frente à igreja, à sombra de muitos pés de figueiras (fícus benjamim), duas vezes por dia. Uma depois do almoço e outra antes que o sol levasse de vez sua luz para o outro lado do mundo.

- Bom dia senhores. Que a paz de Nosso Senhor Jesus Cristo esteja com vocês.

- Com o senhor também seu Zé.

- Tenho duas notícias para dar. Uma boa e uma ruim. Qual dou logo?

- A ruim!

- Pois bem. O avô de minha mulher morreu lá pras bandas de Dois Riachos. A gente nem se conhecia bem. Mandaram um parente avisar. Morreu de velho. Fazendeirão.

- Homem, dê logo a boa!

- Deixou de herança para minha mulher, sua única neta um bom valor em dinheiro. Uns setenta mil pilas. Vamos ter que ir buscar naquele mundão. Não sei se vale tanto a pena.

Zé Pezão armou a jogada e desapareceu por uns dias das reuniões na pracinha. Trancado em casa com dona Jupiara, só abria a porta da casa do sítio à noite para tomar um arzinho fresco.

- Bom dia rapaziada. Estou de volta. Fui buscar o dinheiro da herança. Está bem guardado no baú à sete chaves. Não sei o que vou fazer com tanto dinheiro. Numa seca dessa a gente não tem como aplicar. Estou pensando em pedir para o padre Justiniano guardar. Dentro da igreja está mais seguro do que no banco.

E assim, todos os dias comenta sobre essa possibilidade de passar o dinheiro “fantasma” aos cofres da igreja. Todo dia esse assunto era comentado debaixo das figueiras.

- Pronto! Entreguei hoje cedo o dinheiro da herança para padre Justiniano tomar conta. Só irei tirar os nossos setenta pilas quando aparecer uma casa ou uma fazenda boa para vender.

Enquanto isso o padre dormia de toca. Não sabia o que Zé Pezão e a mulher estavam aprontando para o espinhaço dele.

Passaram-se uns meses. Antônio Rufino morre e a viúva quer vender a propriedade para ir morara com uma filha na capital. Zé Pezão vai a ela e acerta a compra.

- Pois é comadre, domingo na missa vou pedir o dinheiro que está com o santo padre. Não quer deixar com ele guardado, está em boas mãos.

- Não senhor, minha filha vem me buscar e quero levar em mãos.

Domingo ensolarado, havia dado uma chuvarada dias antes e todos os fies tinham vindo à missa agradecer a são Pedro. A igreja estava coalhada, não faltou um morador por mais longe que morasse.

O padre quando viu aquela multidão dentro de sua paroquia, riu baixinho. Hoje a sacola enche. Ledo engano. Não sabia o que vinha pela frente. A missa termina e como sempre fazia, ia para a frente da igreja agradecer a todos. Porém a turba ficava o mais tempo possível no átrio da igreja revendo os amigos e bajulando o sacerdote simpático.

- Bom dia querido padre, disse dona Jupiara.

- Bom dia como vai de saúde e o seu José?

- Estamos bem graças a Deus. Mas hoje vim tratar sobre o dinheiro. Como sabe seu Rufino morreu e dona Margarida quer vender as terras e a gente já acertou em comprar.

- Que dinheiro a senhora está falando?

Nisso todos os presentes se aproximaram mais ainda do padre para ouvir a história.

- Oxente padre do dinheiro da herança que recebi do meu avô e lhe entregamos para guardar.

- Vocês estão ficando doidos, nunca soube desse dinheiro e nem fiquei com ele tempo nenhum.

- Seu vigário – disse o homem mais velho e conceituado do local – todo mundo sabe que o senhor está guardando os setenta mil da herança de dona Jupiara. Pode perguntar a quem quiser.

- Foi sim senhor – falou a velha barata da igreja.

- Até você quer infernizar minha vida. Sei lá dessa história sem pé e nem cabeça. Coisa mais chata. Vocês estão querendo brincar comigo, não é?

Saiu de supetão, empurrando que tava na frente e sem dizer mais nada, emburacou de igreja a dentro. Passou uns três dias amuado sem aparecer nas ruas.

Dias depois, Zé Pezão com dona Jupiara apareceram na hora do bate papo na pracinha em frente à casa paroquial. Bateram à porta e apareceu dona Deolinda, encarregada de todos os afazerem do padre. Queremos falara com o senhor vigário.

- Padre tem gente.

Quando Justiniano botou a cara na meia porta e avistou o casal foi logo gritando.

- O que diabo vocês querem comigo?

- Bom dia seu vigário, apenas viemos pedir nosso dinheiro. Precisamos dele para fechar um negócio, como combinamos.

- Vão pra baixa da égua com essa história de dinheiro. Quem já viu uma coisa dessa! Onde foi que vocês me deram valor nenhum para guardar. Quando olhou para mais distante viu que as pessoas estavam ouvido sua conversa, ficou mais irritado ainda e bateu a parte de cima da porta.

Os comentários nas ruas e na própria igreja, nos dias de missa, continuaram. Da bancada que fica bem na frente, o casal fazia gestos com os dedos pedindo a grana.

Dinheiro que era bom foi sumindo das sacolas e das caixas dos santos. As festas foram diminuindo e os comentários aumentando. O velho padre não aguentou mais a pressão e mandou chamar o casal.

- Bom dia seu vigário.

- Bom dia uma ova. Vocês são dois ladrões safados.  Vão arder no fogo dos infernos pelo resto da vida. Vou amaldiçoar vocês e nunca mais pise nos degraus dessa Santa Igreja. Tome aqui seu dinheiro, seu não, filhas duma puta. Dinheiro suado durante a vida toda e agora ver sendo levado pelos filhos de belzebu.

No outro dia logo de madrugada o casal fechou a porta do seu sitiozinho e caíram no mundo. Nunca mais ninguém ouviu falar deles.

 

Granja Lírio do brejo, 21 de novembro de 2021 – as 19.12 horas.

Carijalva

(Histórias que ouvia meu pai contar tempos atrás)

 

           

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Conversa Fiada

 

Engenho Burra Leiteira, ficava no Município de Carambola. Lugar onde o cão perdeu as esporas. Da sede municipal para lá, fica umas três léguas de beiço, que se fosse medir daria bem umas quatros. No entanto, a fazenda possuía muita terra boa de cana de açúcar que produzia boas rapaduras com um doce insuperável. Talvez pelas terras de massapê. Dava emprego a muita gente das redondezas. Todo mundo já tinha sido morador do engenho. Era quase um oásis. O velho engenho funcionava, já havia vários anos, a força de éguas e bois mansos.  Passado de pai para filho, acho que vinha dos tempos dos Afonsinhos. O atual proprietário era o coronel Marsurpião Pinto Barbosa dos Anzóis Pereira, filho único. Cabra sem cabresto. Não valia o que o pinto come. Mas mesmo assim era respeitados por toda aquela região sem lei e sem ordem. Era o delegado, Juiz e promotor. Parteiro, médico, farmacêutico e dentista e nas horas precisas e urgentes, virava padre.

Casou-se com uma moça prendada lá da capital, quando fora estudar pra ser gente, porém seus miolos não ajudaram e voltou sem diploma, mas com uma certidão de casamento bem passado.

Dona Anfrosina era feia, mas tinha seus encantos secretos e filha de pais bem possuídos nos bens. Ele também não era lá uma flor para se admirar. Tinha uma cara mais parecida com jumento novo. O casamento foi um encontro do destino desalmado.

Afinal de contas quando o velho pai bateu a caçoleta, ficou senhor de engenho. Coronel. Título que naquela época passava de pai para filho, para os menos avisados.

Botou o negócio para funcionar às mil maravilhas, no entanto, sua querida e submissa esposa não botava menino pra fora. Passava o tempo e nada. Foram até aos médicos da capital tentar uma solução. O médico aconselhou dormir numa rede e botar fogo em baixo. Nada!

 A mulher dizia que o problema era com ele. Por sua vez dizia que ela tinha vergonha de se mexer. Fogo morto no casamento. Nem um bruguelo pelo menos.

O homem queria um herdeiro para eternizar seu poderio nas terras de meu Deus.

O cabra então começou a pular fora do ninho pensando que era ele que tinha o ovo goro e para provar e não servi de mangação para os amigos e parentes virou um bode danado. Não podia ver uma saia se mexer que caia em cima. Principalmente as filhas dos moradores. Dizia que mulher é como miunça, deu no couro... Não escapava nada. Era o rei dali.

Um dia, chega seu Zenobio com a família para trabalhar nas terras do seu coronel Pinto como era mais conhecido. Ele a esposa Bertina e a filha Rosa de Judá, criada com todo o mimo que um casal podia dar a uma filha. Quinze anos de beleza e de doçura.

Um belo dia Bertina chama Zé e lhe diz. - Buliro com Rosa!

- Quem foi o fio de uma égua que fez isso com Rosinha. Vou matar esse desgraçado. Vou sangra e tirar até a última gota de sangue desse bandido.

- Foi o coroné!

- Vou agora mesmo tomar satisfação com esse velhaco.

Partiu em procura da casa grande do engenho. Pediu para falar com o coronel.

- Entre e sente seu Zenobio, o homem vem já – Disse sua dona Anfrosina.

- Bom dia meu cidadão. Tudo em paz? O que é que manda? Estamos as ordens. Que uma aguinha fria com pedacinho de rapadura?

- Não senhor. Vim tratar de um assunto muito sério. Vim dar uma denúncia ao senhor.

- De jornal?

- Não senhor!

- Vim dizer que ofenderam minha filha.

- Comeu alguma comida estragada?

- Não senhor!

- Vim dizer que defloraram minha filha!

- Oxente. Mulher vem cá. O engenho agora vai melhorar, vai passar trem por aqui vão derrubar muita mata.

- Não senhor. Vim dizer que comeram minha filha.

- Vigi meu Deus, com farinha?

Seu Zenobio, levantou-se e saiu sem olhar para trás. Ganhou o oco do mundo com Bertina, Rosinha sua querida filhinha e mais um herdeiro do coronel dono do engenho Burra Leiteira.

Granja Lírio do Brejo, 20 de novembro de 2021 as 19.40 horas.

Carijalva

(Lembranças do Sítio Cerquinha das laranjas em Penedo Alagoas e de seu Zé Vicente com suas histórias engraçadas)

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

 

CHEGADA DA FAMÍLIA REAL AO BRASIL

 

 



 

Hoje faz 212 anos da chegada da família real ao Brasil, até hoje ninguém sabe ao certo se foi bom o ruim para nossa pátria – Coração do Mundo, a vinda deles. Muitas hipóteses foram levantadas e ainda são dessa carreira desabalada de mar a dentro, uns dizem que foi uma estratégia outros medo, quem ler que tire suas conclusões. Faço uma pequena discrição dessa viagem, numa história que estou escrevendo.

 O mar estava revolto naquele domingo. Chovia e as fragatas, brigues e escunas se espalhavam por todo o Tejo e arredores, e, do cais de Belém, principal ponto de encontro e partida, o ruge-ruge era imenso. Todo mundo queria embarcar sem saber ao certo por que, e para onde. Não sabiam talvez que a viagem fosse só de ida, como se fossem tomar a Nau dos Loucos. Era o caos. Talvez o terremoto de 1755 tivesse sido mais assustador do que este movimento, antes, se abrira as terras, agora os mares seriam abertos para as embarcações sulcarem por mares nunca dantes navegados por D. João e Dona Carlota. Somente uns, ainda perplexos, ou se faziam, que aquele momento fosse apenas mais uma pitoresca aventura palaciana. Lisboa estava sendo invadida pelas tropas de Napoleão. Ninguém sabe por que diabo a quatro, - se o diabo tinha alguma coisa a haver com isso, – ou se fora covardia ou estratégia, a precipitada fuga da família Real e sua Corte (muitos bajuladores) entre dez a quinze mil pessoas de todos os níveis sociais, carregando quase tudo que podiam: o tesouro, muitas quinquilharias inclusive o mais importante, acho eu, a Biblioteca Real. Transcrevo abaixo um resumo bem sucinto e racional. Pois o assunto que debulho agora nada tem a haver com aqueles fatos passados entre Lisboa e a Colônia, por enquanto:

 

 O Embarque e a Viagem da Corte

 

A hesitação de D. João em cumprir as determinações de Napoleão fez com que se visse com o Exército francês praticamente às suas costas. Sem saída, embarcou para o Brasil com toda a família real e a Corte, cerca de 10 mil pessoas da aristocracia, além de trazer todo o Tesouro português. Este embarque, realizado às pressas, como uma fuga, apenas um dia antes de as tropas napoleônicas ocuparem Lisboa, tirou a grandeza da ideia da transferência da Corte.

Alguns historiadores, como Oliveira Lima, consideram que a vinda da Corte para as terras americanas foi uma inteligente e feliz manobra política. Para ele, agindo assim, D. João "escapava, de todas as humilhações sofridas por seus parentes castelhanos e mantinha-se na plenitude dos seus direitos, pretensões e esperanças. Era como que uma ameaça viva e constante à manutenção da integridade do sistema napoleônico. (...)." Entretanto, há aqueles que a veem como uma deserção covarde, não percebendo nela qualquer resquício de estratégia política.

O embarque de milhares de pessoas e seus pertences, em um dia bastante chuvoso, foi extremamente confuso, visto D. João ter se decidido em cima da hora. Todo um aparelho burocrático vinha para a Colônia: ministros, conselheiros, juízes da Corte Suprema, funcionários do Tesouro, patentes do Exército e da Marinha e membros do alto Clero. Baús com roupas, malas, sacos e engradados seguiam junto com as riquezas da Corte. Obras de arte, objetos dos museus, a Biblioteca Real com mais de 60 mil livros, todo o dinheiro do Tesouro português e as joias da Coroa iam sendo colocados nos porões dos navios, bem como cavalos, bois, vacas, porcos e galinhas e mais toda a sorte de alimentos. Na manhã do dia 29 de novembro a esquadra portuguesa finalmente partiu do porto de Lisboa com destino ao Rio de Janeiro.

A população de Lisboa assistia atônita a toda essa movimentação. Não podia acreditar que estivesse sendo abandonadas pelo príncipe-regente e demais autoridades, levando tudo o que estivesse à mão, deixando-a totalmente desamparada para enfrentar o Exército de Napoleão. Lisboa estava um caos. Junot e sua tropa, apesar de bastante desfalcada, não tiveram problema para dominar a cidade, cuja população estava atordoada com o que consideravam uma fuga vergonhosa.

Mais tarde, no Rio de Janeiro, na nova sede do Reino, essa situação seria assim traduzida em versos populares:

 

"É chegado a Portugal

O tempo de padecer,

Se te oprime a cruel França

Sorte melhor hás de ter".

"Quem oprime os portugueses,

Quem os rouba sem ter dó?

É esta tropa francesa

De quem é chefe Junot".

 

A viagem foi difícil. Com os navios superlotados não havia espaço para todos se acomodarem. Muitos viajaram com a roupa do corpo, pois nem tudo pôde ser embarcado, já que a capacidade dos navios há muito havia sido superada. A água e os alimentos foram racionados. A higiene era de tal forma precária, que houve um surto de piolho nos navios, obrigando as mulheres a rasparem a cabeça, entre elas a princesa Carlota Joaquina e as demais damas da família real e da Corte.

Para complicar a situação, quando a esquadra portuguesa estava próxima à ilha da Madeira, uma forte tempestade a dividiu, sendo que metade das embarcações, inclusive a que levava o príncipe-regente, foi parar no litoral da Bahia. Preocupado em evitar maiores problemas, D. João ordenou que todos parassem no porto mais próximo antes de seguir viagem para o Rio de Janeiro. A esquadra portuguesa, com o príncipe-regente, aportou assim, em Salvador, em 22 de janeiro de 1808, após 54 dias de viagem.

http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/embarque.html

 

 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

 PADRE PIMENTA

 

 

Padre Pimenta era os pés do cão na cidade de Mulungu. Lugar perdido no meio do mundo, esquecido do tempo e das autoridades. Dava nó até em pingo d’água. Velhaco, pidão, mulherengo, cachaceiro e metido a brabo de quem fosse reclamar das besteiras que fazia nas redondezas da sua paróquia. Só queria ser o cara. Acima dele e bem longe tinha Deus, Jesus e os superiores hierárquicos aqui na terra, mesmo assim longe do seu terreiro e dos fuxicos paroquianos. Baixinho, barrigudo, poucos cabelos, usava óculos para ler e ver de longe os trouxas onde ia dar sua botada. Vocês sabem que padre em lugar pequeno vale mais do que o prefeito e vereadores juntos, se brincar entra no rolo Delegado, Juiz e promotor. É assim mesmo que funciona em lugar perdido do mapa. O padre é a última palavra. Dono e representante das respostas divinas.

Seu Malaquias e dona Suzana, não gostava muito do padre Pimenta. Já tinham levado uma bordoada, tempos atrás, onde numa quermesse forçou o casal já meio de idade e pobre a arrematar uma galinha assada que por eles tinha sido ofertada por um valor exorbitante.

Vingança: Ação de se vingar, de causar dano físico, moral ou prejuízo a alguém para reparar uma ofensa, um dano ou uma afronta causada por essa pessoa. Mas no caso do casal havia doído no bolso. Nos cochilos da noite e na madorna do meio dia em redes vizinhas no alpendre da casinha, os dois bolaram um plano para descascar e virar pele o avesso o padre Antônio Pedro de Almeida Pimenta. Padre Pimenta, o sabidão!

A missa em Mulungu era no sábado, dia de feira. No final da tarde para poder encher a igreja dos devotados e as espórtulas crescerem nas sacolas das beatas. Era uma festa naquele dia. Compadres, vizinhos, ricos, pobres, aleijados, cegos, raparigas, bêbedos, trapaceiros, ladrões de cavalos, inimigos, todos naquele dia e naquela hora, aproveitavam as bençãos do padre Pimenta para aliviar seus pecados e suas raivas. Ninguém perdia a missa no sábado. Vinha cabra de todos os buracos do município. Era a alegria do padre Pimenta e do seu sacristão que alegremente dividiam o apurado depois da missa.

Após os últimos sons do sino morrerem calmamente, o povo se reunião ao redor do átrio da igreja para botar o papo em dia. Foi nessa hora que o casal Malaquias jogou o plano mentiroso, no ar o para lascar o padre Pimenta.

- Minha gente perdi um parente muito rico lá pras bandas do litoral e deixou uns cinquenta mil reais para a gente. Não sei o que vou fazer!

- Compre uma casinha aqui na cidade.

- Não. Suzana não gosta da cidade.

- Compre gado que o lucro é certo.

- Que nada, empreste a juros e que não lhe dar trabalho e o lucro é certo.

- Tenho medo de levar um trambique e ficar sem nada.

- Procure um homem de bem que não faz medo, seu Malaquias.

- Vou pensar no assunto logo que o dinheiro estive no meu bolso.

Lá se vai outra semana outra missa e outros encontros.

- E aí compadre, já recebeu o dinheiro da herança?

- Tá no bolso, graças a Deus. Já sei como vou empregar essa dádiva caída dos céus.

- Quem vai ser seu beneficiário?

- Padre Pimenta. Homem honrado e amigos de todos.

- Boa escolha. Todos presentes afirmaram.

Mais um tempão se passou, mais missa, mais encontros mais conversas fiadas, mais desabafos, muitas fofocas e intrigas, e o assunto era quase o mesmo.

- Deu certo com o padre?

- Claro, fizemos um acordo que só pediria o dinheiro numa necessidade grande. Todo mês ele ficou de dá um jurinho em cima do valor.

A fama do padre até que melhorou, ajudando um casal de pobres que a sorte tinha abençoado.

Meia noite, Malaquias não pegava no sono, sonhava que ia para o inferno enganando um representante de Deus na terra.

- Suzana, Suzana, tá acordada?

- Que diabo tu queres homem de Deus? não venha me aperrear para aquelas coisas.

- Que nada! Estou pensando no nosso dinheiro com o padre. Acho que tá na hora de ver se dá certo. Amanhã na missa, no meio de todo mundo vamos cobrar a devolução do dinheiro para a gente comprar uma terrinha vizinha da gente.

- Tô com medo Malaquias, isso é contra Nosso Senhor.

- Que nada, aquele safado tomou nossas economias ligeirinho na compra daquela galinha choca que doamos para as missões da igreja. Estou só cobrando com juros mesmo.

A cidade estava novamente toda no átrio da igreja após a sagrada missa. Quando o padre deu as caras para apertar as mãos dos fies, Malaquias sussurrou, meio alto, preciso falar em particular com vossa dignidade.

- Pode falar abertamente meu filho, estamos na casa de Deus.

Malaquias não se fez de rogado, era isso que ele esperava, oportunidade de ouro, no meio de toda sociedade de Mulungu.

- Quero comunicar que estou indo morar na terra de minha esposa, no Município de Costela Seca. Seus pais estão precisando de nossa ajuda pela sua idade avançada. Portanto, preciso resgatar o valor que depositamos nas suas sagradas mãos.

- O quê? Que dinheiro, que conversa é essa seu Malaquias? Tá ficando doido, o senhor nunca me deu dinheiro para guardar. Só pode estar caducando com essa conversa.

- Oxente padre – disse Tônho Peba. Todo mundo sabe que seu Malaquias lhe entregou o dinheiro da herança que recebeu, faz tempo.

- Vocês estão brincando comigo. Nunca vi dinheiro nenhum desse homem.

- Só o senhor não sabe. A cidade está de prova que seu Malaquias lhe emprestou o dinheiro que recebeu da vereança. Estou de prova.

O povaréu caiu em cima do padre Pimenta. Os comentários nas ruas, nos bares, nas bodegas, na pracinha do coreto era um só: padre Pimenta quer enrolar o pobre do casal. Acho que não é a primeira vez que faz isso. Comenta que saiu da sua última paroquia por esperteza.

A missa esvaziou-se. As coletas diminuíram, os agrados cessaram. Sem galinha gorda, sem feijão verde, sem linguiça caseira (que tanto gostava) sem convite para almoço nos domingos.

 Sozinho, foi remoer o que o capiroto estava aprontando para ele. Danou-se a rezar de joelhos nos degraus dos seus santos favoritos e nada de uma resolução. Tava perdido por uma injuria, um falso levantado, uma coisa que Jesus nunca iria perdoar. O que fazer?

A culpa: uma realidade da vida humana. Estaria pagando alguma coisa a que não se lembrava. A consciência apertava, se espremia para ver onde tinha errado de mais. Passou a noite em claro. Sonhos bons, pesadelos difíceis de resolver. Amanheceu amorriado. Os olhos quase não abriam.  Levantou-se chamou Dorinha sua arrumadeira e pediu que fosse em busca do danado de seu Malaquias e a danada da sua esposa – mulher do cão.

- Bom dia seu padre, mandou me chamar?

- Não. Mandei lhe intimar cabra safado. Não quero nem saber com qual santo você anda, me diga logo quanto dinheiro você me emprestou seu filho de uma gata.

- Oxente seu vigário, não foi 50.000 mais uns jurinhos.

- Descarado, safado, corno, profano dos quintos dos infernos, amaldiçoado, desconjurado, nunca mais você vai entrar num batente de uma igreja, vou proclamar por toda a diocese que você e sua esposa estão excomungados até a sétima geração.

Tome esse maldito dinheiro e suma de uma vez da minha frente. Seu parasita das classes improdutivas.

Grijalva

06/01/2022 às 20.59