domingo, 24 de setembro de 2023

 

Dia desse me lembrei do Bar do Relógio, lá da minha segunda “pátria”, Maceió. Que saudades!

Me lembrei porque li uma mensagem sobre a mulher; quando o marido chegava em casa e como devia prestigiar a querida esposa, depois de um dia e uma meia noite, no trabalho e na boemia.

Eu, Aldemaro Calheiros e Alfredinho, como de costume, de vez enquanto, com exceção do sábado e do domingo que era destinado aos fazeres compromissais das namoradas. Praias, cinemas e visitas aos parentes das pretendida para ver se éramos aprovados.

Eu e Alfredinho trabalhávamos, o Aldemaro, naquela época, falava sobre Cavalhadas, das suas vitórias e ensinado os bons manejos. Porém ao término do sol poente e fim do expediente cada qual tomava seu rumo. Eu assistia uma aula na Escola de Comércio de Maceió e apressadamente descia para o bairro do Poço atrás de uma morena bonita e bem feita, filha de um plantador e fornecedor de cana de açúcar, metido a rico e Semianalfabeto Tinha até piano na grande sala da frente. Foi aí que conheci o tal de Waldick Soriano que para deleite de todos cantou e tocou no danado do piano, que eu pensava que era só para enfeitar.

Aldemaro seguia atrás das suas paqueras. Alfredinho ficava por perto da Praça dos Martírios onde tinha um caso com uma das diversas namoradas.

Onze horas! Houvesse o que houvesse, os três periclitantes lisos e metidos a boêmios, largávamos tudo e seguíamos para o bar do relógio.

Local definido não sei por quem; ideal para o fim das noitadas dos notívagos e avulsos, prófugos, estroinas, temulentos e muitos mais eteceteras. Não sei em qual me enquadro.

A cachaça cantava por todos os lados. Violão, poesias, filosofias descritas por intelectuais já calibrados, dor de cotovelo. Era uma torre de babel da peste. Porém todo mundo se entendia. Ninguém saia de tomar umas, mesmo sem dinheiro. Ainda me lembro de um desses intelectuais que trazia o tira gosto de cenoura dentro do bolso do paletó.

O bar do relógio ficava na descida para a praia da Avenida, de lá se sentia o cheiro bom das águas espumantes do oceano atlântico como também erámos obrigado a ouvir a rádio Gazeta de Alagoas que por sinal era que determinava a hora do fechamento. Nos dozes badalares, o locutor danava Édith Piaf cantando Mea Culpa. Escutávamos empolgados e quando findava essa inesquecível música, o bicho do apresentador dizia:

- Vamos encerar nossa programação ao final dessa música, porém quando chegarem em casa dê um beijo no cachorro e um chute na mulher.

 Pronto estava encerrado a fase daquele saudoso encontro. Então fazíamos as contas para ver se dava para comer alguma coisa com mais sustança a caminho dos cabarés no velho Jaraguá. Era uma verdadeira festa aquela rua. Cheia de gente, boates em todos recatos; nas calçadas vendedores de tira-gosto, pipocas, e toda sorte de troço que a noite exigia; raparigas de segunda classe, bêbados e o diabo a quatro. As luzes cintilavam como chama para a orgia nas boates: Alhambra, Night and Day, Tabariz, São Jorge, as que me lembro. Marcávamos presença conversamos miolo de pote e subíamos em direção ao farol onde nos recolhíamos cansados, mas satisfeitos.

 

 

 

 

 

 

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

 

Hoje, 20 de setembro de 2023, meu pai estaria completando 120 anos, se não tivesse partido para outros sertões, a vinte anos atrás.

Para não esquecer que ainda continua vivinho da silva, segue abaixo mais um pequeno romance com cento cinquenta páginas, que será publicado logo mais.

 

PARAÍBA NOSSA TERRA NOSSA GENTE

 

João Henriques da Silva

 (In Memoriam – 20/09/1901 - 16/04/2003)

Escrito em 1986

 

Januário, estudante de direito, havia saído dos sertões das Espinharas e sempre pensando em voltar para sua terra, onde lhe havia enterrado o umbigo e desejava também que enterrassem os ossos. Era só terminar o curso e já estaria com o pé no caminho. Não conseguia adaptar-se ao ambiente sofisticado das cidades do litoral. E não era só. O clima mais úmido e aquele calor abafado das grandes cidades davam-lhe certo mal-estar. O bom mesmo era encher os pulmões com os ares do sertão, conviver com a natureza virgem, ter diante de si vastos horizontes. Tinha saudades do badalar dos chocalhos, das acauãs, dos gaviões peneira pendurados no espaço, e das jandaias e graúnas a cantarem nas copas dos carnaubais. Nunca mais tinha visto o sol nascer e nem se pôr na fímbria do horizonte. As ruas estreitas e compridas, o casario escondendo a visão e o mundo, aquela gente desconhecida indo e vindo apressada com quem está fugindo de alguma coisa, causava-lhe medo e desalento. E o pior de tudo é que ninguém compreendia ou aceitava o seu apego ao sertão. Aquilo era coisa de matuto que não se encontrava com a civilização. E daí advinha às discussões quase sistemáticas com os colegas que, afinal de contas, só conheciam o sertão através dos jornais que noticiavam os horrores das secas e o cangaço, dos antigos sertões sem rodovias, sem açudes, arrebentados pelos longos verões, ignoravam tudo.

Januário ouvia, já sem comentar, histórias que faziam do sertão, uma terra arrasada pelo próprio homem, que devastou as primitivas matas e afugentou as chuvas. Terra de gente indolente e atrasada. Por todos os seus males, o homem era o responsável. Não podia entender aquela facilidade de afirmações, originadas de quem jamais tivera a preocupação de pesquisar as causas do subdesenvolvimento da região.