MEU ENCONTRO COM O CARIRI DA MINHA MÃE
Grijalva Maracajá Henriques
(tempos atrás)
Quase
não lembro dos meus avós. Pequenas recordações ainda guardo até os dias de
hoje, década de 2000, quando iniciei este trabalho.
O
major era um mito para mim e minha mãe Vinú uma santa que parecia flutuar
quando andava; E eu muito pequeno; ainda continuo sendo; mas, não esqueci a
alegria que nos dava quando era anunciado que a gente ia passar férias no
cariri. Morávamos na capital, João Pessoa. Meu pai, já chegava do trabalho,
trazendo novidades. Já havia contratado um tal de carro de passeio ou carro de
aluguel como na época se chamava este tipo de transporte. Existiam também uma
tal de Sopa, Marinete, Jardineira ou um misto - mistura de caminhão com ônibus -
com três cabinas, onde se alojava nos bancos de madeira mais de quinze pessoas,
fora, a “passageira especial” do motorista que se aconchegava a sua esquerda.
Na carroceria se amontoavam todos os tipos de mangáios, coisas inenarráveis.
Ainda
hoje tenho gravado na lembrança as marcas das feras - GMC - BUICK – FORD –
MERCURY – STUDEBAKER – CHEVROLET -
PLYMOUTH etc. Os automóveis eram todos pretos, não sei ainda hoje porque, seria
luto? De quem? Ou seria ainda pela tal de blecaute, que minha mãe muito tempo
depois me contou que na época do meu nascimento, tempo de guerra, até as
janelas da maternidade São Vicente de Paula em João Pessoa, eram pintadas de
preto e isso durou muito tempo e acho que este preto me acompanha até hoje.
Mamãe
“fazia” as bagagens. Papai procurava quem ia tomar conta dos seus centos e
tantos passarinhos, e eu, junto com os meus irmãos, os sonhos.
A
difícil travessia de João Pessoa à Fazenda São Domingos, fazenda esta que foi
sua última morada; parte dela, lhe fora doada pelo Sr. Avelino Henrique e sua
mulher Joaquina, para que quando morressem, o Major Raulino tomasse conta de
seus filhos; o qual cumpriu até a sua morte. (ouvi contar).
Passando
por Campina Grande, para se ver os queridos familiares e inevitavelmente
almoçar na casa de tio Heleno ou de Zé Narciso. Gastava-se quase a manhã
inteira por causa da trepidação nas estradas, que muita gente chamava de
costela de vaca por causa da formação transversal que a erosão causava, ainda
hoje não sei por que motivo geológico ou outros ólicos que ainda ocorrem em
vários trechos nas péssimas estradas.
Apesar
de papai sempre escolher um automóvel dos melhores, a gente sempre enjoava
muito. Mesmo usando toda técnica dos dois, o vômito era certo. Minha irmã Ceres
era a primeira a dar o sinal de perigo e aí começava o tirinete: queima um
fósforo e manda-a colocar na boca - gritava mamãe - e lá da frente muito
distante, porque esses carros antigos eram muito compridos e confortáveis, o
banco dianteiro, na nossa pequenez inocência parecia muito distante do nosso
banco traseiro e papai gritava: respire fundo e coloque-a na janela, era
exatamente o que a gente queria. O vômito surgia ligeiro e o desmantelo estava
feito. Mais à frente, fazíamos, antes que a gente morresse uma parada num hotel
chamado Café do Vento, onde papai nos oferecia um gole de quinado, o qual nos
garantia que o enjoo se acabaria, mas a odisseia continuava até Campina.
De
lá até a fazenda São domingos, as lembranças me fogem. Só depois fiquei
sabendo, por tio Zé Narciso, que a estrada de Campina em diante passava por
Soledade, Pendência e Gurjão. A única certeza que tenho, hoje, é que chegava lá
montado nos meus sonhos, planejado durante o ano todo.
Esse
Major, o qual sua vida vou tentar narrar é meu avô materno; pouco o conheci,
poucas vezes lhe pedi a benção.
Era
como todo bom caririzeiro, um destemido com as faltas das chuvas, enfrentava as
secas, dizia minha mãe: olhando para o céu à procura de indícios nos nimbos ou
cúmulos que às vezes apareciam no céu limpo, às vezes o céu se tornava igual ao
campo cheio de carneirinhos brancos que a meninada ficava a contar, enquanto se
esqueciam da falta de chuvas, que nunca chegavam.
A
Fazenda São Domingos, onde primeiro tomei chegada, fica nos arredores de
Gurjão, antigamente chamava-se Timbaúba do Gurjão.
Papai
nos deixava nas companhias dos meus avós, tia e velhos moradores de saudosa
memória. E voltava para a Capital e ao trabalho. Por isso, ficávamos
literalmente a pé ou a jumento. Lembro-me bem, sem reclamação e sem vergonha
uma aventura daqueles tempos: Uma bela manhã inventamos de ir a Timbaúba
montados num jumento. Caetano, braço direito e pau para toda obra do Major foi
quem selou o teimoso Ginbau; montamos: Eu no pescoço, Parsival, o mais velho
dos três, na sela, comandando e Ceres na garupa se é que jumento a tem. Saímos
pensando que estávamos montando algum ser mitológico; Pégaso era o meu, o do
Veio talvez fosse o cavalo de Dom Quixote, Rocinante o de Ceres, como sempre
reclamando e indecisa, ainda hoje não decidiu a montaria que desejava nos seus
sonhos se galopava no cavalo Branco de Napoleão ou o famoso Bucéfalo de
Alexandre o grande. Íamos os quatro
satisfeitos e boca aberta na maior alegria do mundo. Não andamos dez minutos e
já avistamos a cidade; e entre nós e ela existia um rio seco muito arenoso, que
parecia até a praia de Tambaú, era o velho rio timbaúba onde antigamente os
desbravadores da Paraíba usavam à guisa de estradas. O animal aproveitando a
descida e tentando pegar embalagem para subir a outra margem, disparou; a sela
virou e ficamos de cabeça pra baixo, sob o pobre animal que pacientemente não
se buliu mais.
Ainda
guardo outras lembranças com muito carinho, nas minhas férias em são Domingos:
Minha tia Nélia, a única solteira; de manhãzinha colocava um disco de Vicente
Celestino, na velha vitrola de corda, onde se ouvia sua potente voz cantando -
Acorda patativa e vem cantar. . . – e de repente como num passe de mágica na
janela do meu quarto que se abria para o curral aparecia um copo quentinho de
leite cru, tirado da vaca preta, escolhida por ela.
De
outra feita fui escolhido pelo Major, não sei se por falta do ajudante oficial
ou por que quisesse me mostra as coisas maravilhosas do campo. Saímos juntos,
ele na frente e eu atrás até o curral que nesta época ficava mais à frente do
outro lado da estrada que ia de Timbaúba a fazenda Pendência. A ordem era:
controlar a entrada dos bezerros um por um, quando ele acabasse de tirar o
leite da primeira vaca e assim sucessivamente, os primeiros bezerros passaram
certo, aí, acho que a fome era grande, pois haviam passado à noite trancados em
pequeno curral, ou se foi o medo que tive dos bezerros, pois tinha uns que eram
maiores do que eu: só sei que de repente todos me atropelaram e passaram de uma
só vez, botando tudo a perder, procurando suas respectivas mães e o major me
procurando com os arreios nas mãos correndo atrás de mim até ser socorrido por
minha querida tia Nélia a mais nova e que morreu solteira.
De
vez em quando, ele selava seu cavalo melado me colocava ao pescoço do gigante,
mandando segurar nas crinas, depois montava e íamos dá uma volta pela fazenda,
- ainda hoje gosto de cavalo e da cor baio. - Passávamos em frete a casa de
Chica, Inacinha, e dos outros irmãos, Caetano, Edwiges, Isabel e Joaquina
atravessávamos campos e riachos, passávamos por pés de cardeiro, mandacaru,
xiquexique, macambira, pereiros, aroeiras, angicos, touceiras de mofumbo,
catingueiras raquíticas e tortas, verdes juazeiros, coroas de frades, cheias de
sementes vermelhas, palmatórias cheias de espinhos, caminhos cobertos por
pedras de todas as cores e formas, que o cavalo ia driblando como podia.
Voltava feliz, só pensava como ia contar aos meus coleguinhas, na volta às
aulas do jardim de infância, no Liceu Paraibano. Pois, nesta época, dessas
minhas primeiras lembranças, morava a Rua Camilo de Holanda em frente ao velho
Liceu. Esta casa era de propriedade de meu pai, ao lado existiam dois grandes
jambeiros, (ainda hoje adoro jambo) atrás, o quintal era dividido em dois por
uma cerca com um portão de madeira. Esta casa ficava em uma esquina ainda hoje
existe com pequenas modificações.
Da
sua casa, na fazenda São domingos, só me lembro de uma espreguiçadeira de
madeira e com pano listrado, uma escarradeira de louça e uma bacia de lavar
mãos que formava um conjunto, uns retratos de pessoas nas paredes, que devia
ser dos seus pais e avós, uma mesa grande com gavetas e pratos de ágata
esparramados, onde comíamos xerém pisado, num velho pilão que ficava fora da
cozinha, com leite novinho tirado quase na mesma hora, biscoitos que fazia com
muito carinhos em vários formatos, tinha também barricas de madeira que meu avô
comprava com bacalhau e que depois eram usadas para conservar carnes de porco
untadas com a banha do próprio e que durava por vários meses. Como também a
gostosa coalhada, que ele chamava de soro da vida, tudo servido pela minha avó,
que carinhosamente, todos a chamavam de mãe Vinú. Num quarto ao lado meio
escuro, ficava minha bisavó, mãe do major, já com mais de cem anos, fumando seu
cachimbo e chamando nomes com todo mundo, pois já estava caducando – Madrinha Mãezinha
– como era conhecida, não chegávamos perto, pois tínhamos medo, vivia sempre
reclamando em voz alta. Conta minha prima Norma, que quando em momentos de
lucidez ela dizia que antigamente quando se tinha noticia de cangaceiros, seu
pai colocava todos os filhos menores em baixo de tigelas para escondê-los. Esta
minha querida prima quando pequena era muito “impossível”, tinha a mania de
apertar os velhos e decaídos peitos da minha saudosa bisavó, e ela gritava
sempre: Diabo! Diabo! Era fato real que sempre que via meu tio Zé Narciso
mandava que ele colocasse um cabaré (acho que ele tinha um jeitão pra isso
mesmo, pois sempre foi um eterno namorar e bom dançarino). E nas suas lembranças
que ninguém sabe de onde vinham também costumava gritar com sua nora, minha
avó. Ói o padre, Vinú!
Fui
embora. Ainda hoje não parei de ir.
Cresci
sem mais contatos com meus parentes caririzeiro, pois fomos morar em outras
cidades e em outros estados, e só de vez em quando, nas quatro festas do ano,
missa de sétimo dia, enterro ou velório é que nos encontrávamos.