RECORDAÇÃO
DA FAZENDA ARARA
João
Henriques da Silva
Quantas
vezes, tantas, eu me lembro
Do sítio
tão distante onde nasci.
Dos
cajueiros florados em setembro,
Do tanque
do Araçá que nunca mais vi.
A velha
casa de farinha
Onde
tantas vezes me escondia,
Estou só,
ela está sozinha;
A penúria
a tristeza deste dia.
E o
tanque do Bemba, lá no recanto,
Que
recordação me traz de tia Aninha,
E Zé
Maria tão manso como um santo
Capaz de
rastejar uma andorinha.
Ninguém
sabe só eu sei
A saudade
que me dá
A terra
que tanto amei
E longe
de mim está.
Aquela
casa alpendrada
Com o
jardinzinho ao lado
A
canafístula florada
E o
juazeiro copado
A velha
casa de farinha,
A burra
leiteira, o facheiro,
Os
cortiços, os pés de pinha,
As
trovoadas em janeiro
O gado, a
vaca mansinha,
Novato, o
burro de sela,
A criação
de galinha
E o
carneiro da panela.
As
pororocas da porta,
Os
balanços que fazíamos,
A
canafístula já morta
Os
lajedos onde nasciam.
Sinto
muitas saudades dos balanços
Onde
tanto brinquei. Hoje só resta saudades.
Açude
velho, a lagoa do capim
Onde
tantas vezes me banhei
Tuas
águas são menos para mim
Do que
todas lágrimas que chorei.
E o
tanque Milagre, que lembrança
De minha
boa mãe quando chovia,
Tu
guardas meu retrato de criança
Na fina água
que mamãe bebia.
Os uruçus
do sítio das pinheiras
E o
pequeno caroço de jati,
Onde meu
pai nas vezes derradeiras,
Junto
dele chorava como eu vi.
Os
cajueiros encarnados e amarelos,
Onde
tantas frutas a meninada chupou,
Ninguém
os teve melhores e mais belos
Onde meu
sonho de menino se embalou.
Os
imbuzeiros da mata não os vejo
E quem
sabe se lá ainda existem?
E nesta
dúvida, solitário já prevejo
Que deles
minhas saudades ainda persistem.
E
esquecer jamais eu poderia
As
jabuticabeiras tão amigas
Que frutificavam
logo que chovia
Das novas
àquelas mais antigas.
O
frondoso juazeiro descascado
Ao lado
do antigo cemitério;
Onde
aparecia assombração,
Simples
luz de fogo-fátuo e santelmo.
O roçado
da tapera, imburana,
Romã
cheia de bagos sumarentas
E aquela
grande cobra muçurana
Que nos
deixava medrosos e atentos.
As
corridas de cavalo na lagoa
O velho
pampa fogoso e invencível,
Como a
vida era alegre e era boa
Tempo de
criança inesquecível.
E o
prazer imenso que sentia
Andando
pelo mato, sempre atento,
Quando um
ninho qualquer aparecia
Preso nos
ramos ou balançando nos ventos.
O pé de
tamarindo lá da porta
Onde as
casacas de couro fazem ninho;
Preferia
que já estivesse morta
Esta
saudade que anda em meu caminho.
E vocês
se lembram, tanto quanto eu,
Da rainha
do prado tão copada
Que em
todos os tempos floresceu
E que
lembra minha vida florada
E os
canários que faziam ninhos
Nas estacas
secas dos curais,
Onde se
ouvia o pipilar nos ninhos
E que
também se aninhavam nos beirais.
E por
onde o pensamento corre e vai
Encontrar
uma visão inesquecível
A
lembrança saudosa do meu pai
E da
minha mãe uma saudade imperecível.
E tudo
que ali se vê e sente,
Fala-me
do passado tão distante
E de tudo
que me fica tão presente
Nessa
rememoração dilacerante.
O
facheiro da casa de farinha
Com a
burra leiteira bem ao lado;
O
facheiro morreu ficou sozinha
Como eu
que estou só e desolado.
A bonita
canafístula do terreiro
Do nosso
tempo alegre de menino,
Namorada
do velho juazeiro
Que me
viu ainda pequenino.
As
novenas de Maria,
Santuário
com os santos de nossa devoção
E minha
mãe pegada no rosário
Tão
contrita rezando uma oração.
As
fogueiras acessas no terreiro
Festejando
as noites de São João
O milho
assado no braseiro
E o céu
enfeitado de balão.
O
busca-pé correndo atrás da gente,
No ar
estourando foguetão;
Zé Caíco
que chega de repente
E Zé
Maria que dá um carreirão.
E como
era penoso ir à escola.
Deixando
as costumeiras brincadeiras,
De livros
na mão merenda na sacola
Andando a
pé batendo com as porteiras.
Joaquim
Moreno, Joaquim Apolinário,
Dona Dodom,
o velho Santiago;
A
palmatória empurrando o abecedário
Com tudo
na memória ainda trago.
O calor
das fogueiras de São João
Bacias
d’água para ver o rosto
E quem
não visse que desilusão;
Não veria
outro São João, e que desgosto.
A canjica,
fervendo na tigela,
O
corre-corre na casinha,
As
pamonhas compridas na panela
As
tachadas de peru e de galinha.
As
famílias todas reunidas
Nas
alegres noites de São João
E depois
as tristes despedidas
Na hora
amarga da separação.
Minha
terra.
Ninguém
sabe só eu sei,
A saudade
que me dá
A terra
que tanto amei
E longe
de mim está.
Nota
Esses
versos foram copiados por Nize Maracajá de um caderno onde meu pai escrevia
suas saudades. Porém, como ela não entendia sua letra, ocorreu muitos
equívocos; tive então que fazer pequenas modificações.