sexta-feira, 20 de setembro de 2019


RECORDAÇÃO DA FAZENDA ARARA

                                                                                                                             João Henriques da Silva

Quantas vezes, tantas, eu me lembro
Do sítio tão distante onde nasci.
Dos cajueiros florados em setembro,
Do tanque do Araçá que nunca mais vi.

A velha casa de farinha
Onde tantas vezes me escondia,
Estou só, ela está sozinha;
A penúria a tristeza deste dia.

E o tanque do Bemba, lá no recanto,
Que recordação me traz de tia Aninha,
E Zé Maria tão manso como um santo
Capaz de rastejar uma andorinha.

Ninguém sabe só eu sei
A saudade que me dá

A terra que tanto amei
E longe de mim está.

Aquela casa alpendrada
Com o jardinzinho ao lado
A canafístula florada
E o juazeiro copado

A velha casa de farinha,
A burra leiteira, o facheiro,
Os cortiços, os pés de pinha,
As trovoadas em janeiro

O gado, a vaca mansinha,
Novato, o burro de sela,
A criação de galinha
E o carneiro da panela.

As pororocas da porta,
Os balanços que fazíamos,
A canafístula já morta
Os lajedos onde nasciam.


Sinto muitas saudades dos balanços
Onde tanto brinquei. Hoje só resta saudades.

Açude velho, a lagoa do capim
Onde tantas vezes me banhei
Tuas águas são menos para mim
Do que todas lágrimas que chorei.

E o tanque Milagre, que lembrança
De minha boa mãe quando chovia,
Tu guardas meu retrato de criança
Na fina água que mamãe bebia.

Os uruçus do sítio das pinheiras
E o pequeno caroço de jati,
Onde meu pai nas vezes derradeiras,
Junto dele chorava como eu vi.

Os cajueiros encarnados e amarelos,
Onde tantas frutas a meninada chupou,
Ninguém os teve melhores e mais belos
Onde meu sonho de menino se embalou.

Os imbuzeiros da mata não os vejo
E quem sabe se lá ainda existem?
E nesta dúvida, solitário já prevejo
Que deles minhas saudades ainda persistem.

E esquecer jamais eu poderia
As jabuticabeiras tão amigas
Que frutificavam logo que chovia
Das novas àquelas mais antigas.

O frondoso juazeiro descascado
Ao lado do antigo cemitério;
Onde aparecia assombração,
Simples luz de fogo-fátuo e santelmo.

O roçado da tapera, imburana,
Romã cheia de bagos sumarentas
E aquela grande cobra muçurana
Que nos deixava medrosos e atentos.



As corridas de cavalo na lagoa
O velho pampa fogoso e invencível,
Como a vida era alegre e era boa
Tempo de criança inesquecível.

E o prazer imenso que sentia
Andando pelo mato, sempre atento,
Quando um ninho qualquer aparecia
Preso nos ramos ou balançando nos ventos.

O pé de tamarindo lá da porta
Onde as casacas de couro fazem ninho;
Preferia que já estivesse morta
Esta saudade que anda em meu caminho.

E vocês se lembram, tanto quanto eu,
Da rainha do prado tão copada
Que em todos os tempos floresceu                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              
E que lembra minha vida florada


E os canários que faziam ninhos
Nas estacas secas dos curais,
Onde se ouvia o pipilar nos ninhos
E que também se aninhavam nos beirais.

E por onde o pensamento corre e vai
Encontrar uma visão inesquecível
A lembrança saudosa do meu pai
E da minha mãe uma saudade imperecível.

E tudo que ali se vê e sente,
Fala-me do passado tão distante
E de tudo que me fica tão presente
Nessa rememoração dilacerante.

O facheiro da casa de farinha
Com a burra leiteira bem ao lado;
O facheiro morreu ficou sozinha
Como eu que estou só e desolado.

A bonita canafístula do terreiro
Do nosso tempo alegre de menino,
Namorada do velho juazeiro
Que me viu ainda pequenino.
As novenas de Maria,
Santuário com os santos de nossa devoção
E minha mãe pegada no rosário
Tão contrita rezando uma oração.

As fogueiras acessas no terreiro
Festejando as noites de São João
O milho assado no braseiro
E o céu enfeitado de balão.

O busca-pé correndo atrás da gente,
No ar estourando foguetão;
Zé Caíco que chega de repente
E Zé Maria que dá um carreirão.

E como era penoso ir à escola.
Deixando as costumeiras brincadeiras,
De livros na mão merenda na sacola
Andando a pé batendo com as porteiras.

Joaquim Moreno, Joaquim Apolinário,
Dona Dodom, o velho Santiago;
A palmatória empurrando o abecedário
Com tudo na memória ainda trago.

O calor das fogueiras de São João
Bacias d’água para ver o rosto
E quem não visse que desilusão;
Não veria outro São João, e que desgosto.

A canjica, fervendo na tigela,
O corre-corre na casinha,
As pamonhas compridas na panela
As tachadas de peru e de galinha.

As famílias todas reunidas
Nas alegres noites de São João
E depois as tristes despedidas
Na hora amarga da separação.

Minha terra.
Ninguém sabe só eu sei,
A saudade que me dá
A terra que tanto amei
E longe de mim está.
Nota
Esses versos foram copiados por Nize Maracajá de um caderno onde meu pai escrevia suas saudades. Porém, como ela não entendia sua letra, ocorreu muitos equívocos; tive então que fazer pequenas modificações.