quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

 

MEU ENCONTRO COM O CARIRI DA MINHA MÃE

 

Grijalva Maracajá Henriques

(tempos atrás)

 

Quase não lembro dos meus avós. Pequenas recordações ainda guardo até os dias de hoje, década de 2000, quando iniciei este trabalho.

O major era um mito para mim e minha mãe Vinú uma santa que parecia flutuar quando andava; E eu muito pequeno; ainda continuo sendo; mas, não esqueci a alegria que nos dava quando era anunciado que a gente ia passar férias no cariri. Morávamos na capital, João Pessoa. Meu pai, já chegava do trabalho, trazendo novidades. Já havia contratado um tal de carro de passeio ou carro de aluguel como na época se chamava este tipo de transporte. Existiam também uma tal de Sopa, Marinete, Jardineira ou um misto - mistura de caminhão com ônibus - com três cabinas, onde se alojava nos bancos de madeira mais de quinze pessoas, fora, a “passageira especial” do motorista que se aconchegava a sua esquerda. Na carroceria se amontoavam todos os tipos de mangáios, coisas inenarráveis.

Ainda hoje tenho gravado na lembrança as marcas das feras - GMC - BUICK – FORD – MERCURY – STUDEBAKER – CHEVROLET  - PLYMOUTH etc. Os automóveis eram todos pretos, não sei ainda hoje porque, seria luto? De quem? Ou seria ainda pela tal de blecaute, que minha mãe muito tempo depois me contou que na época do meu nascimento, tempo de guerra, até as janelas da maternidade São Vicente de Paula em João Pessoa, eram pintadas de preto e isso durou muito tempo e acho que este preto me acompanha até hoje.

Mamãe “fazia” as bagagens. Papai procurava quem ia tomar conta dos seus centos e tantos passarinhos, e eu, junto com os meus irmãos, os sonhos.

A difícil travessia de João Pessoa à Fazenda São Domingos, fazenda esta que foi sua última morada; parte dela, lhe fora doada pelo Sr. Avelino Henrique e sua mulher Joaquina, para que quando morressem, o Major Raulino tomasse conta de seus filhos; o qual cumpriu até a sua morte. (ouvi contar).

Passando por Campina Grande, para se ver os queridos familiares e inevitavelmente almoçar na casa de tio Heleno ou de Zé Narciso. Gastava-se quase a manhã inteira por causa da trepidação nas estradas, que muita gente chamava de costela de vaca por causa da formação transversal que a erosão causava, ainda hoje não sei por que motivo geológico ou outros ólicos que ainda ocorrem em vários trechos nas péssimas estradas.

Apesar de papai sempre escolher um automóvel dos melhores, a gente sempre enjoava muito. Mesmo usando toda técnica dos dois, o vômito era certo. Minha irmã Ceres era a primeira a dar o sinal de perigo e aí começava o tirinete: queima um fósforo e manda-a colocar na boca - gritava mamãe - e lá da frente muito distante, porque esses carros antigos eram muito compridos e confortáveis, o banco dianteiro, na nossa pequenez inocência parecia muito distante do nosso banco traseiro e papai gritava: respire fundo e coloque-a na janela, era exatamente o que a gente queria. O vômito surgia ligeiro e o desmantelo estava feito. Mais à frente, fazíamos, antes que a gente morresse uma parada num hotel chamado Café do Vento, onde papai nos oferecia um gole de quinado, o qual nos garantia que o enjoo se acabaria, mas a odisseia continuava até Campina.

De lá até a fazenda São domingos, as lembranças me fogem. Só depois fiquei sabendo, por tio Zé Narciso, que a estrada de Campina em diante passava por Soledade, Pendência e Gurjão. A única certeza que tenho, hoje, é que chegava lá montado nos meus sonhos, planejado durante o ano todo.

Esse Major, o qual sua vida vou tentar narrar é meu avô materno; pouco o conheci, poucas vezes lhe pedi a benção.

Era como todo bom caririzeiro, um destemido com as faltas das chuvas, enfrentava as secas, dizia minha mãe: olhando para o céu à procura de indícios nos nimbos ou cúmulos que às vezes apareciam no céu limpo, às vezes o céu se tornava igual ao campo cheio de carneirinhos brancos que a meninada ficava a contar, enquanto se esqueciam da falta de chuvas, que nunca chegavam.

A Fazenda São Domingos, onde primeiro tomei chegada, fica nos arredores de Gurjão, antigamente chamava-se Timbaúba do Gurjão.

Papai nos deixava nas companhias dos meus avós, tia e velhos moradores de saudosa memória. E voltava para a Capital e ao trabalho. Por isso, ficávamos literalmente a pé ou a jumento. Lembro-me bem, sem reclamação e sem vergonha uma aventura daqueles tempos: Uma bela manhã inventamos de ir a Timbaúba montados num jumento. Caetano, braço direito e pau para toda obra do Major foi quem selou o teimoso Ginbau; montamos: Eu no pescoço, Parsival, o mais velho dos três, na sela, comandando e Ceres na garupa se é que jumento a tem. Saímos pensando que estávamos montando algum ser mitológico; Pégaso era o meu, o do Veio talvez fosse o cavalo de Dom Quixote, Rocinante o de Ceres, como sempre reclamando e indecisa, ainda hoje não decidiu a montaria que desejava nos seus sonhos se galopava no cavalo Branco de Napoleão ou o famoso Bucéfalo de Alexandre o grande.  Íamos os quatro satisfeitos e boca aberta na maior alegria do mundo. Não andamos dez minutos e já avistamos a cidade; e entre nós e ela existia um rio seco muito arenoso, que parecia até a praia de Tambaú, era o velho rio timbaúba onde antigamente os desbravadores da Paraíba usavam à guisa de estradas. O animal aproveitando a descida e tentando pegar embalagem para subir a outra margem, disparou; a sela virou e ficamos de cabeça pra baixo, sob o pobre animal que pacientemente não se buliu mais.

Ainda guardo outras lembranças com muito carinho, nas minhas férias em são Domingos: Minha tia Nélia, a única solteira; de manhãzinha colocava um disco de Vicente Celestino, na velha vitrola de corda, onde se ouvia sua potente voz cantando - Acorda patativa e vem cantar. . . – e de repente como num passe de mágica na janela do meu quarto que se abria para o curral aparecia um copo quentinho de leite cru, tirado da vaca preta, escolhida por ela.

De outra feita fui escolhido pelo Major, não sei se por falta do ajudante oficial ou por que quisesse me mostra as coisas maravilhosas do campo. Saímos juntos, ele na frente e eu atrás até o curral que nesta época ficava mais à frente do outro lado da estrada que ia de Timbaúba a fazenda Pendência. A ordem era: controlar a entrada dos bezerros um por um, quando ele acabasse de tirar o leite da primeira vaca e assim sucessivamente, os primeiros bezerros passaram certo, aí, acho que a fome era grande, pois haviam passado à noite trancados em pequeno curral, ou se foi o medo que tive dos bezerros, pois tinha uns que eram maiores do que eu: só sei que de repente todos me atropelaram e passaram de uma só vez, botando tudo a perder, procurando suas respectivas mães e o major me procurando com os arreios nas mãos correndo atrás de mim até ser socorrido por minha querida tia Nélia a mais nova e que morreu solteira.

De vez em quando, ele selava seu cavalo melado me colocava ao pescoço do gigante, mandando segurar nas crinas, depois montava e íamos dá uma volta pela fazenda, - ainda hoje gosto de cavalo e da cor baio. - Passávamos em frete a casa de Chica, Inacinha, e dos outros irmãos, Caetano, Edwiges, Isabel e Joaquina atravessávamos campos e riachos, passávamos por pés de cardeiro, mandacaru, xiquexique, macambira, pereiros, aroeiras, angicos, touceiras de mofumbo, catingueiras raquíticas e tortas, verdes juazeiros, coroas de frades, cheias de sementes vermelhas, palmatórias cheias de espinhos, caminhos cobertos por pedras de todas as cores e formas, que o cavalo ia driblando como podia. Voltava feliz, só pensava como ia contar aos meus coleguinhas, na volta às aulas do jardim de infância, no Liceu Paraibano. Pois, nesta época, dessas minhas primeiras lembranças, morava a Rua Camilo de Holanda em frente ao velho Liceu. Esta casa era de propriedade de meu pai, ao lado existiam dois grandes jambeiros, (ainda hoje adoro jambo) atrás, o quintal era dividido em dois por uma cerca com um portão de madeira. Esta casa ficava em uma esquina ainda hoje existe com pequenas modificações.

Da sua casa, na fazenda São domingos, só me lembro de uma espreguiçadeira de madeira e com pano listrado, uma escarradeira de louça e uma bacia de lavar mãos que formava um conjunto, uns retratos de pessoas nas paredes, que devia ser dos seus pais e avós, uma mesa grande com gavetas e pratos de ágata esparramados, onde comíamos xerém pisado, num velho pilão que ficava fora da cozinha, com leite novinho tirado quase na mesma hora, biscoitos que fazia com muito carinhos em vários formatos, tinha também barricas de madeira que meu avô comprava com bacalhau e que depois eram usadas para conservar carnes de porco untadas com a banha do próprio e que durava por vários meses. Como também a gostosa coalhada, que ele chamava de soro da vida, tudo servido pela minha avó, que carinhosamente, todos a chamavam de mãe Vinú. Num quarto ao lado meio escuro, ficava minha bisavó, mãe do major, já com mais de cem anos, fumando seu cachimbo e chamando nomes com todo mundo, pois já estava caducando – Madrinha Mãezinha – como era conhecida, não chegávamos perto, pois tínhamos medo, vivia sempre reclamando em voz alta. Conta minha prima Norma, que quando em momentos de lucidez ela dizia que antigamente quando se tinha noticia de cangaceiros, seu pai colocava todos os filhos menores em baixo de tigelas para escondê-los. Esta minha querida prima quando pequena era muito “impossível”, tinha a mania de apertar os velhos e decaídos peitos da minha saudosa bisavó, e ela gritava sempre: Diabo! Diabo! Era fato real que sempre que via meu tio Zé Narciso mandava que ele colocasse um cabaré (acho que ele tinha um jeitão pra isso mesmo, pois sempre foi um eterno namorar e bom dançarino). E nas suas lembranças que ninguém sabe de onde vinham também costumava gritar com sua nora, minha avó. Ói o padre, Vinú!

Fui embora. Ainda hoje não parei de ir.

Cresci sem mais contatos com meus parentes caririzeiro, pois fomos morar em outras cidades e em outros estados, e só de vez em quando, nas quatro festas do ano, missa de sétimo dia, enterro ou velório é que nos encontrávamos.

 

 

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