segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

 OS POETAS NUNCA MORREM

 

Augusto dos anjos continua vivo e produzindo seus maravilhosos poemas. Dizem que numa certa época, quiseram trazer os restos mortais da cidade acolhedora onde jazem seus restos mortais, para sua cidade natal. (Nasceu no Engenho Pau d'Arco, atualmente no município de Sapé, Estado da Paraíba.)

Como resposta ao translado dos seus ossos, respondeu com esses versos abaixo, lá do além, através do médium Francisco Cândico Xavier.

 

RECORDAÇÕES EM LEOPOLDINA

 

A sombra amiga destes montes calmos,

Meu pobre coração de anacoreta,

Amortalhado em fina roupa preta,

Desceu à escuridão dos sete palmos.

 

Viera o fim dos sonhos intranquilos,

Entre grandes e estranhos pesadelos,

Satisfazendo aos trágicos apelos

Da guerra inexorável dos bacilos.

 

A morte terminara o horrendo cerco,

Sufocando as moléculas madrastas...

Eram milhões de células nefastas,

Voltando à paz do túmulo de esterco.

 

Indiferente aos últimos perigos,

Meu corpo recebeu o último beijo

E comecei o lúgubre cortejo,

Sustentado nos braços dos amigos.

 

Em triste solilóquio no trajeto,

Espantado, fitando as mãos de cera,

Rememorava o tempo que perdera,

Desde as primárias convulsões do feto.

 

Porque morrer amando e haver descrido

Do Eterno Sol, do qual vivera em fuga?

Como é sombrio o pranto que se enxuga

Pelo infinito horror de haver nascido!...

 

Depois, vi-me no campo onde a dor medra,

Ao contato do chão frio e profundo,

Chegara para mim o fim do mundo,

Entre as cruzes e os dísticos de pedra.

 

Terrível comoção pintou-me a cara,

Na escabrosa cidade dos pés juntos,

Tornara-se defunta, entre os defuntos,

Toda a ciência de que me orgulhara.

 

Trêmulo e só no leito subterrâneo,

Sentia, frente à lógica dos fatos,

O pavor dos morcegos e dos ratos,

Dominar os abismos de meu crânio.

 

Meus ideais mais puros, meus lamentos,

E a minha vocação para a desgraça

Reduziam-se a mísera carcaça

Para o açougue dos vermes famulentos.

 

Em seguida o abandono, enfim, do plasma,

Os micróbios gritando independência...

E tomei nova forma de existência

Sob a fisiologia do fantasma.

 

Fugindo então ao gelo, à sombra e à ruína.

Do caos sinistro em que vivi submerso

Revelou-se-me a glória do universo,

Santificado pela Luz Divina.

 

Oh! Que ninguém perturbe os meus destroços,

Nem arranque meu corpo à última furna,

É Leopoldina a generosa urna,

Que, acolhedora, me resguarda os ossos.

 

Beije minhalma alegre o pó da rua,

Deste painel bucólico e risonho,

Onde aprendi, no derradeiro sonho,

Que o mistério da vida continua...

 

Bendita seja a Terra, augusta e forte,

Onde, através das vascas da agonia,

Encontrei em mim mesmo, em novo dia,

Pelas revelações de luz da morte.

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