SACI- PERERÊ – CAIPORA*
João
Henriques da Silva
(In Memoriam
20/09/1901 – 16/04/2003)
Quando a gente é pequeno, facilmente
se impressiona com as coisas. Mesmo vivendo na roça, misturado com a natureza,
montando em cavalo, montando cabras, andando pela noite, sempre aparece alguma
coisa para assustá-lo.
Com Adriano era o bicho Caipora, um
molequinho franzino, de perninhas secas, cabelos bem fininhos e sempre com um
cachimbinho de barro, pitando. Não andava pelas matas e sim, somente pelos
campos e pelos matos encarrascados, matos baixos e ralos.
Para Adriano o bichinho estava em
toda parte e vez por outra ouvia o seu assovio fino e comprido. Era sinal de
que andava por perto e o acompanhando. Poderia aparecer de um instante para
outro. O Caipora era ligeiro e corria como ninguém. Não fazia tropel e tinha o
dom de ocultar-se por traz de qualquer garrancho. Adriano tinha uma vontade doida de vê-lo. Vê-lo de longe, de onde
ele não pudesse pegá-lo. Mas era engraçado. Nunca se ouviu falar que o Caipora
fizesse mal a ninguém. Sua distração era fumar seu cachimbinho. E como vivia
sozinho, gostava de estar perto de meninos, com vontade de brincar com eles.
Tanto assim que não chegava perto de gente grande. Ficava por todo tempo,
escondidinho olhando a meninada brincar, doidinho para juntar-se a eles. Mas
ninguém o chamava.
Adriano perguntou certa vez a mestre
Pedro donde o Caipora tirava fumo para fumar E o que é que ele comia.
- Ora, Caipora é um bichinho muito
esperto. Apanha folhas de fumo na roça, bota para secar e guarda. Quando não
tem mais, fuma folhas de alecrim, de jurema, qualquer folha cheirosa. Anda
sempre com um tiçãozinho de fogo que nunca se apaga. Come quase nada. Mel de jati
e frutinhas; a de que mais ele gosta é cumati.
- E onde o coitadinho dorme, hem
mestre Pedro?
- Sobe nas árvores, escolhe um galho
bem alto, cruza as perninhas e pega no sono. Só acorda quando o sol sai. Aí se
esconde numa moita e dorme de novo. Gosta de andar à tardinha e no começo da
noite.
- Bem que eu queria ver um. Mas só
ouço os assovios.
- Pois é. Quando o Caipora assobia é
chamando a gente. Mas vocês correm com medo e o bichinho acompanha até perto de
casa. Fica invisível quando quer. Bebe água nos tanques e nas folhas dos matos.
Só bebe água bem limpinha. Já vi muitos Caiporas. É uma carinha engraçada e
divertida. Só vive rindo quando vê gente. Adora meninos. Mas os meninos não
querem saber do Caipora. E é aí que ele fica triste.
Certo dia, encontrei o Caipora
comendo cumati. Ele nem me viu. Ficava só piscando os olhinhos miúdos. Não
tinha pressa. Apanha de um por um, mastigava bem, engolia e dava uma risadinha
gostosa. É um safadinho. Só apanha as frutas bem madurinhas e doces; tirou umas
baforadas e deitou-se sob um pé de cumati. Colocou o cachimbinho de lado e
adormeceu. Fiquei muito tempo olhando pra ele. Parece que estava sonhando com
coisas engraçadas. Fazia um arzinho de riso, mesmo dormindo.
- E quando chove, onde ele fica pra
não se molhar?
- Ah! Ele gosta da chuva. Pelas
noites de chuva Caipora tem a sua casinha escondida, cobertinha de capim. E uma
caminha de varas com um colchãozinho de capim e folhas secas. O Caipora
cobre-se nas noites chuvosas ou de frio, com um lençolzinho que ele mesmo tece
com tirinhas de bananeira. Cobre-se e só deixa a carinha de fora.
- Dizem que o saci só tem uma perna.
É assim mesmo?
- Que nada. Isso é conversa de gente
besta. O Caipora tem duas perninhas e os pezinhos de menino. É um caboclinho de
boa altura bem feitinho de corpo. Uma graça.
Quando quiser ver o
Caipora é só me chamar. A gente sai à tardinha lá pelos carrascos e é só
escutar o assovio.
Tem uma coisa. Se tiver medo ele não
aparece. Fica invisível. Não gosta de quem não gosta dele. Mas olha, a gente
nunca sabe bem onde ele está assoviando. É misterioso.
Era uma noite chuvosa, fria e úmida.
Saci-Pererê foi para sua casinha, deitou-se, cobriu-se com seu lençolzinho de
fibras de bananeiras, bem encolhidinho e depois de muita imaginação, adormeceu
e sonhou. O sonho mais lindo de toda a sua vida de menino. Saci não envelhece.
É sempre o mesmo caboclinho, pitando em seu cachimbinho de barro.
Nunca mais haveria de esquecer
aquele sonho delicioso.
- Mas o que foi que Saci sonhou?
- Sonhou com o que ele mais
desejava.
Na encruzilhada do caminho, estava
um grupo de meninos brincando. Havia uma alegria encantadora.
Saci assoviou.
- Meninada! – Saci- Vamos chamá-lo?
E um deles assoviou fininho.
Ele assoviou mais perto e foi se
chegando.
Entrou na brincadeira e a meninada
ria a valer da carinha e do cachimbinho de Saci-Pererê, com aqueles olhinhos
redondinhos e vivos.
Brincavam de guerra, de corrida, de
se esconder. Havia sido o dia mais alegre de sua vida.
Mas o caboclinho Pererê acordou e
viu que tudo tinha sido apenas um sonho. E então, chorou, chorou, como um
menino perdido. E daí por diante, Saci ia todos os dias bem escondidinho
assistir as brincadeiras da meninada.
Quando se cansou de vê-los
brincando, fazia a sua brincadeira. Dava um assovio bem fino e bem forte, mesmo
em cima deles. E ria o mais não poder rir com a carreira desabalada. E era
assim que ele também se distraia.
- E em casa diziam – Caipora
assoviou bem em cima da gente. Quase nos pega!
- Que nada seus bobos. Quem assovia
é um pássaro. Nem se assustem. O caipora
não anda pelo dia. Somente à tardinha e à boca da noite, Depois vai dormir.
- Bem que a gente estava sentindo
cheiro de fumaça de fumo. Era ele que estava bem juntinho.
É só impressão e medo seus tolos.
Passaram-se alguns dias sem irem
brincar na encruzilhada. Saci ia esperá-los todos os dias, até que voltaram.
Saci então não assoviou mais. Gostava
de ficar olhando. Não iria mais assustá-los. Mas, certo dia veio um gaiato
fazer medo à meninada. E ficou escondido. Quando a garotada estava na maior das
alegrias, o garoto soltou-lhe um assovio bem em cima. A carreira foi de perder
as calças.
- O Caipora ficou danado. E procurou
vingar-se. Foi de mansinho deu o seu mais fino e forte assovio bem no ouvido do
sujeito. A carreira foi maior do que a dos meninos. Mas Caipora correu atrás
dele, num pega a qui pega ali, assoviando forte nas costas do medroso. Foi deixá-lo
no terreiro da casa. E nunca mais o gaiato foi fazer medo a ninguém. Também não
contou da carreira que havia dado.
A meninada mudou o lugar das
brincadeiras. E todas às vezes o caboclinho Caipira ia assistir, contente, suas
brincadeiras. Esquecia-se até de fumar no seu cachimbinho de barro, nas horas
de tão gostosa distração.
Saci – Pererê – O Caipora dos
carrascais da Arara, pertinho de Areal**, ainda hoje anda por lá fumando em seu
cachimbinho e mortinho de saudade dos meninos de seu tempo que envelheceram e
nem sabem mais brincar.
*O conto faz parte do
livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.
**Nota:
Grijalva Maracajá
Henriques – Historiador e Pesquisador.
A fazenda Arara que meu pai se
refere, fica no Município de Esperança – PB, próxima da cidade de Areal.
Antigamente, também morei lá, por uns meses. Fazenda próspera, tinha sido do
meu avô. Plantava-se fumo, feijão, mandioca, batatinha, erva–doce; criava-se de
tudo: bois, vacas para leite, carneiros, galinhas, guinés e o diabo a quatro.
Todos os meus parentes viveram e
sobreviveram, estudaram, criaram suas famílias no trabalho honesto daquelas
terras brancas. Hoje quem passa por lá – fui, várias vezes – assisti - com um
aperto no coração – um abandono terrível, não existe um pé, pelo menos de
“gogóia”, ou um pinto que tenha escapado dos gaviões.
O último proprietário, - “dizem” que
devia muito Imposto de terras, quando partiu para o outro lado, o governo tomou
dos herdeiros e as entregou aos Sem-Terra da região. Que saudades... Dos homens
trabalhadores de antigamente!
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