RIACHO DO SAL*
João
Henriques da Silva
(In Memoriam
20/09/1901 – 16/04/2003)
A
cidadezinha de Riacho do Sal não crescia. Recantada lá nos confins do Sertão,
parecia dormir como um justo. Mas não começara assim. Teve um início promissor.
Caras
novas surgiam de um dia para outro e a atração eram as baixadas férteis que
produziam com chuvas escassas. Na verdade a origem do seu nome não provinha de
terras ou águas salgadas e sim de um simples acidente narrados pelos
antepassados, quando era apenas uma fazenda. Num período de enchentes, um tropeiro
que conduzia cargas de sal e se aventura a transpor o riacho, perdera quase
todo o sal que transportava.
Nada
mais do que isso. As grandes safras de algodão mocó, feijão e milho despertaram
atenção. Riacho do Sal era uma terra de uma família só. Com o tempo foi se
desagregando por divisões de heranças. Começou daí a penetração de estranhos, e
começo também de discórdias. Em decorrência disso a cidadezinha parou e
empobreceu. A própria agricultura decaia. Com o desaparecimento do chefe da família
que estimulava o trabalho e negociava a produção, desorganizou o sistema
produtivo e comercial. Riacho do Sal fracionava-se cada vez mais.
Desvalorizavam-se as terras já improdutivas e reinava o desanimo. Não aparecia
um descendente do coronel Romão que desse novo encadeamento às atividades. O
seu filho mais moço, olhava aquela debandada como se olhasse para uma ruína.
Mas não tinha voz para ser ouvida, acatada. Conservava, no entanto, integral, a
parte que lhe coubera e se não explorava convenientemente é porque lhe faltavam
os meios adequados. Em todo caso ia ampliando de ano para ano as suas lavras de
algodão e cuidava ciosamente das oito vaquinhas que lhe vieram por herança.
Fazia uma economia quase excessiva para aumentar o rebanho e as roças de
algodão mocó. Como era menor e inexperiente, ficara com a parte menos
produtiva.
No
que era seu, entretanto ninguém influía ou dava palpite. Espera que os anos se passem
e chegasse à idade de melhor gerir o seu limitado patrimônio e, talvez,
restaurar o passado reino da família, do abandono em que se encontrava. Sabia
que não seria tão fácil, mas valeria à pena tentar. E, gradativamente planejava
o que deveria fazer e como dar início à recuperação. O problema era mais a
valorização do próprio homem, o seu impulso empreendedor. Analisava um e outro
de seus parentes que se haviam deixado vencer por desleixo ou comodismo. E a
melhor saída seria, em primeiro plano, levantar sua condição financeira para
servir de exemplo. E assim, procurava multiplicar seu pequeno rebanho e
desdobrar suas atividades produtivas no setor agrícola. Gerar ciúmes e um pouco
mesmo de ambição. Chocava o indiferentismo daquela gente empobrecida e caindo
cada vez mais economicamente.
No
entanto, a terra estava ali, a mesma terra do tempo de seu pai. Faltava
coragem, decisão, movimento. Um rebentão de seca reduzia os rebanhos da região.
O gado desvalorizado à falta de recursos forrageiros estava com seus preços
aviltados. A safra de algodão mocó reduzira-se, mas os preços ganharam altura.
Depois da colheita, esses campos seriam um refrigério para a manutenção do
gado.
E o
que para muitos era uma aventura, para o Andrezinho seria sua oportunidade de
crescimento. Não tinha a menor dúvida de que teria de enfrentar tremenda luta,
mas iria correr o risco.
Lançou
mão de suas economias, rapou o fundo do baú, comprando gado barato.
Madrugava
e anoitecia no trato do rebanho. Ramos, xiquexique, macambira, facheiro, mandacaru,
qualquer coisa que bicho comesse era utilizado. Vendera o algodão na condição
de receber de volta o caroço. Seria o soro fisiológico para sustentar o gado. E
essa sua atitude despertava a atenção dos vencidos.
- O
Andrezinho, coitado, vai perder até o jeito de andar. Tudo quanto economizou
nesses anos todos vai de rio abaixo. E dizer que para isto só faltou comer as
correias das alpercatas.
- Mas
o rapazinho é teimoso. Em quanto os outros vendem para não perder ele compra
para perder tudo. E mais ainda, não toma conselho. É cabeça dura como rocha.
Faz pena, mas o bicho é mesmo teimoso.
Andrezinho
empregou em gado magro, o que possuía. Havia de enfrentar a seca até que São
Pedro mandasse chuva. Teve o cuidado e a sabedoria de só comprar gado novo. De
olho pregado no céu e os pés firmes no chão, ia ganhando tempo. E dezembro
botou a cara de fora. Era o mês das primeiras trovoadas, a fase mais perigosa
pra gado magro. Prevenia-se com mais um pouco de caroço de algodão, comprando
fiado. Pagaria com juros durante a safra. E até o final da primeira quinzena, o
céu não dizia nada, não dava sinal de inverno. Torcia a orelha, mas não se dava
por vencido.
A
luta continuava cada vez mais séria. Chuva de dezembro tarda mais não falta.
Não perdia a esperança. Noite de vinte e quatro de dezembro. Extenuado
adormecera; depois de planejar os afazeres do dia seguinte.
-
Estão se lembrando do que dizia. O Andrezinho está liquidado. Nem as chuvas
chegam e nem tem mais nada para alimentar o gado de suas loucuras e ambições.
Está no mato sem cachorro.
Onze
e meia da noite o trovão reboou pelas quebradas da Serra da Onça, do lado do
nascente. Andrezinho pulou da cama como se estivesse azougado. Abriu a janela
do oitão e via o relâmpago iluminar o lombo da serra. Teve alegria e medo, ao
mesmo tempo. Gado magro não aguenta chuva pesada. Mas seja o que Deus quiser.
Era apelar para a sorte. E o aguaceiro estalava no telhado da casa e as
goteiras xiringavam água. Mais de uma hora de chuva. Bastaria para brotar a
rama e nascer a babugem. Pela madrugada já estava no campo pisando no chão
molhado e sentindo o cheiro agreste da chuva. O gado enxugava o pelo. O Riacho
do Sal botava água, o açudeco estava sangrando. As plantas bebiam água para a
brotação e as sementes se preparavam para a eclosão. Agora era agüentar quinze
dias para o gado começar a puxar a rama. Estava tudo salvo. Dali para frente
era esperar mais chuva e distribuir caroço de algodão ao gado. Quem não morrera
até ali, e, não havia morrido nada. Pouco faltava para esquecer a penúria causada
pela seca.
-
Está aí. O Andrezinho tem boa cabeça. Menino danado. Zombou de todos e do
tempo, com gado a preço de bolacha quebrada e está com os cercados lotados de
gado.
-
Aventura e doidice. Coisa de quem não pensa ou não conhece o Sertão. Poderia ter
se arrasado de uma vez. Teve foi sorte. Mas nem todo dia é dia de santo. Quando
menos esperar, com outra aventura dessas ficará de esmola.
- Fia-te
nessa. O bicho tem o quengo do pai, que não tinha medo de nada e por isso mesmo
deixou uma fortuna que vocês desperdiçaram, por desmantelo e preguiça. O
Andrezinho vai é tomar conta disso tudo. Esperem.
Outras
chuvas vieram. A pastagem subiu. O gado pegou carne. O curral se enchia à
tardinha. Gado de Andrezinho tinha que ser visto todos os dias. Mas havia uma
coisa que intrigava os parentes. Andrezinho não falava, não comentava nada. Não
se vangloriava.
- O
cabritinho é orgulhoso. Não da bola para ninguém. É mesmo metido a besta. O pai
não era tanto assim.
Andrezinho
falava e conversava sobre outras coisas, nunca, entretanto de seus negócios e
quando alguém lhe fazia alguma pergunta, respondia com evasivas.
Enquanto
isto o gado crescia e engordava no pasto. A lavoura de algodão estrondava na
terra molhada e fértil. Estava indo para onde queria chegar. Um curral novo, de
pau-a-pique, de aroeira, baraúna e angico, dava mais imponência à fazenda.
- O
bichote fez curral novo. E bem feito. É enxerido mesmo. E está reformando a
casa. Não se sabe de onde está tirando tanto dinheiro. Vai findar vendendo tudo
para gastar com aquelas vaidades bestas.
Durante
três anos, vendera o que lhe convinha para saldar pequenas dívidas e realizar o
que pretendia. Precisava fazer as bases. O essencial. Taperas e ruínas não
conferiam crédito e nem prestígios a ninguém. Não se fala mais em outra coisa
em Riacho do Sal. Era só Andrezinho pra qui, Andrezinho pra li.
-
Pois é. Uma vergonha para vocês, - dizia o padre Moisés. - Um menino levanta-se
dessa forma e vocês no despenhadeiro, como se não tivessem braços, nem pernas e
muito menos a cabeça. É certo o ditado que Deus só dá toucinho a quem não tem
cambito. Para que querem tantas terras férteis, aqueles varzeados onde antes
geravam tanta fartura. Todos de braços cruzados como uns paralíticos. Um descalabro,
uma vergonha para os descendeste do coronel Romão. Andrezinho foi o único que
tomou o caminho do pai. E vai muito longe. Irá dominar em Riacho do Sal queria
ou não. Nosso Senhor ajuda e ama quem trabalha honestamente.
- Há
de se ver, padre Moisés. O certo é que não iremos aceitar direção daquele
fedelho.
- É
o que veremos se não se cuidarem.
Um
ano depois desse diálogo de advertência, Andrezinho adquiriu por compra uma das
primeiras partes da herança de um dos irmãos, que estava em situação
insustentável e decidia-se mudar-se da região. Antes, porém, não lhe faltaram
os conselhos e o estímulo de Andrezinho. Não deveria vender e sim cuidar em
produzir. Poderia ajudá-lo. O mundo já fora poderia trazer-lhe amargas
surpresas.
-
Bem, se não compra, venderei a outro.
- Se
é assim, está aí o dinheiro, mas que não vá arrepender-se.
E
nessa marcha foi adquirindo outras áreas. Não queria que aquelas terras caíssem
em mãos de estranhos. Era uma recordação de seus pais, que deveriam estar
assistindo amargurados a debandada dos parentes. Não se entendia aquela
inércia, como as pessoas se deixavam vencer daquela forma, acomodando-se cada
vez mais ao não ter nada e a caminhar para a miséria. Mas precisavam uma lição
mais dura, talvez. Enquanto tivessem tostão da venda das terras, resistiriam.
E
Andrezinho não esmorecia. As roças de algodão no regime de meação ampliavam-se,
na mão de estranhos e alguns parentes, mas distante. Os parentes próximos
sentiam-se ofendidos com a prosperidade de Andrezinho, que consideravam até uma
espécie de desaforo. Como era que aquele ponta de rama tinha tanta sorte. Era
verdade. Uns nasciam sem sorte, outros, a danada vivia empurrando a porta. Mais
gado, mais algodão, mais terras, mais dinheiro e mais coragem. O bichote era
mesmo enxerido. As várzeas de Riacho do Sal e os campos estavam quase todos em
suas mãos. Andrezinho fazia seus planos de recuperação de sua gente.
Passaria
a dar duro com eles. Havia de trazê-los de volta, fosse como fosse. Irmãos,
tios, primo. E começou a batalha. Foi procurá-los um a um. Fazia pena ver a
pobreza em terras dos outros.
-
Vamos, vamos embora. Quero todos novamente reunidos. Levantaremos Riacho do
Sal, e a família. E não vim para voltar sozinho. As casas de vocês estão lá e
bem zeladas. Esperam por vocês. Não pensem que vão criar os filhos assim. Nem
quero ouvir desculpas, entendem?
E
foi levando de volta até o último.
- Estão
aí às terras, as casas, e fornecerei dinheiro para o trabalho. Mas não será de
graça. Pagar-me-ão os juros, apenas. Leite para casa é só pegar no curral.
Temos alimentos para todos e se faltar vai-se lá fora. Todos, no entanto, vão
trabalhar como no tempo de papai e mamãe. Acabou-se o comodismo e a preguiça.
E chegava
a determinar as áreas a serem plantadas e cuidadas. Fiscalizava um por um. Quando
lucrassem teriam que comprar um garrote ou mais cabras. O Sertão sem gados
deixa de ser Sertão. E sertanejo que não tem um bichinho para criar desanima.
Tinham que seguir sua orientação. E Riacho do Sal ia voltando ao seu ritmo de
atividades. Uns já desejavam readquirir suas terras.
-
Nada disso. É cedo. Não está faltando terra para trabalhar e nem campos para o
criatório. É preciso acabar com essa mania de terra, terra, terra. E tenho um
outro plano. Quando estiverem equilibrados economicamente, direi o que deve ser
feito. Então verão que tenho razão. Vão comprando mais gado e aumentando as
roças de algodão, sem esquecerem as lavouras de subsistência. A primeira coisa
é encher as despensas.
E
cinco anos depois, a família Torres estava recuperada e percebendo como fora
que Andrezinho prosperava. Não era nada de sorte, apenas, era trabalho
organizado, economia e tino. Todos esperavam a novidade que Andrezinho anunciara.
O que diabo iria acontecer. E o dia chegou. Andrezinho reuniu a todos e fez a
exposição:
-
Bem vou vender a vocês as terras que lhes pertenciam, bem entendido, a parte
que poderão utilizar. As sobras ficarão comigo. O pagamento ficará a critério
de cada um. Pagarão como poder. Em dinheiro, em gado, em produtos agrícolas. As
terras custarão apenas o preço xis por hectare. Quero cada um no que era seu.
No preço das terras não entrarão as casas. Estas lhes dou de presente. Mas há
uma condição. Não venderão mais e nem ficarão inativas. Terá que ser lavoura ou
pastagens. Vamos fazer de Riacho do Sal um pouco mais do que havia sido nos
tempos de papai e mamãe. Entenderam? Pois será assim. E vejam bem, ninguém irá
desertar daqui. A família Torres não morará em terras alheias e muito menos
viverá na penúria. Cada um pisará no que é seu. Dormirá tranqüilo com a
família. Mas nada de vadiagem. Para descanso teremos os feriados e dias santos,
isto mesmo, quando não se tiver alguma coisa urgente a fazer. E olhem, um ajudara
ao outro nas aperturas de serviço ou em qualquer outra necessidade. Cada um irá
contribuir de alguma forma para a construção de mais uma escola. A professora,
se o prefeito ou o Estado não pagar, a pagarei eu. Vamos também cuidar e zelar
as águas de beber. Água para o povo e para os bichos. Aguadas limpas para todos
os viventes. E outra. Nas eleições todos unidos. Votar-se-á em quem trouxer
mais benefícios para Riacho do Sal. Nada com esses aventureiros de porta de
eleição.
Hão
de nos respeitar. Riacho do Sal não tem estradas e somente caminhos abertos a casco
de burro. Pretendo instalar um maquinismo de beneficiar algodão. Deixaremos de
ser explorados. Esses políticos verão que somos também uma força independente.
Força de muitas alavancas, empurrando numa só direção. Quem for podre que se
quebre, ou leve a breca. Quem vai mandar aqui do caco de sal ao voto, será a
família Torres. Que me dizem?
-
Olha Andrezinho. No começo de tua disparada, tínhamos ciúme de ti e até pensamos
que eras um aventureiro. Hoje, não. Toma conta da direção e conta com a gente.
E ninguém,
fiques certo, irá mijar fora do caco. Nem atinamos, agora, Como tivemos tanta
preguiça e nem como chegamos àquele ponto. É bem certo que à falta de um grito,
perde-se uma boiada. Afinal de contas tivestes força e cabeça para juntar os
pedaços da família extraviada.
-
Sim, obrigado. Mas temos um problemazinho a resolver. Temos aqui em Riacho do
Sal dois ou três elementos péssimos. Gente vinda de fora. Teremos que dar-lhes
um jeito e se possível, sem violência. Vamos, a princípio, deixá-los
completamente isolados e ninguém agüentará desaforo daqueles pestes. Mas vejam bem,
onde estiver um Torres estarão todos. Vamos isolá-los. Ou se chegam a nós respeitosamente
ou então, nas oportunidades, aplicaremos as leis do Sertão. Vamos tentar
pacificamente. Se não der certo, todos sabem como se tira curva de pau torto.
Quem não tiver seu “Papo Amarelo” em casa, vá buscar que empresto um e municiado.
Organizaremos nossa própria defesa. Está certo?
-
Tudo certo. Conta com a gente!
As
famílias consideradas estranhas e de mau procedimento ficaram sem um bom dia ou
uma boa noite, o mundo trancou-se para eles.
O
melhor mesmo era vender as terras e a casinha de comércio e cair fora. Aquela
família Torres não dormia na pontaria.
Estavam todos de olho em cima deles como
carcará ao redor de cabrito novo, para arrancar-lhe os olhos. A coisa havia
mudado.
O
melhor mesmo era seria caiar fora. E então, expuseram à venda os seus piquaios.
E os
Torres reuniram-se.
- Vamos
comprar tudo. Mas, cuidado nos cabras. Poderá ser uma armadilha. Vendem, pegam
os cobres e aprontam uma.
-
Vamos vigiá-los.
Mal
sabiam que estavam era temerosos dos Torres.
Poderia
muito bem, de uma noite para outra, amanhecer um de olho vidrado. E venderam
tudo e desapareceram.
-
Toma conta da bodega. Aumente-se o negócio. Comércio sempre foi boa coisa. O
importante era ficarmos livres daquelas zebras. Cabras do oco do mundo, sem se
saber a origem. Não se vai mais permitir a entrada de gente ruim ou suspeita. A
vilazinha tem que crescer, mas com gente boa. Vamos construir casas para
alugar. Servirão para atrair, novos moradores. Futuramente isto aqui há de ser
uma cidade com Juiz e Delegado, posto médico e outras coisas que darão vida ao
lugar. Mas tudo isto dependerá quase que exclusivamente de nós. Cada um terá
que fazer sua parte. Este vale do Rio do Sal tem muita coisa e nos dar. Mas exigem
de nós o trato de suas terras e isto, estou certo que o faremos. E ninguém espere
que elas venham a produzir sozinhas. Seria demais.
Com
menos de dez anos depois. Riacho do Sal já era Município e Andrezinho havia elegido
o seu prefeito, pessoa de sua inteira confiança. Não desejava cargo público. Bastavam-lhe
suas atividades empresariais. Também não gastaria dinheiro em politica. Isso
era coisa para gente imbecil ou ladrão. Não poderia entender que um sujeito
gaste rios de dinheiro para se eleger sem esperar vantagens ilícitas. Faltava
ali cadeira para esses desclassificados.
Andrezinho
estava com a sua economia consolidada. Seus lucros anuais propiciavam-lhe uma
situação invejável. Os parentes iam seguindo a mesma trilha. Se não estavam
ricos, estavam, entretanto, bem de vida, e Riacho do Sal crescia. Casaria nova
e condição assistenciais razoáveis. Ia chegando aonde Andrezinho desejava.
E
foi nessa fase que estourou a notícia surpreendente. Andrezinho ia se casar. Escolhera
uma de suas primas, moça de dezoito anos e filha de seu tio menos afortunado.
Era a Mércia que não o encantara apenas pela educação e beleza de formas, mas, sobretudo,
pela maravilha de sua voz nas canções que gostava de entoar.
Até
pouco antes, envolvido com os seus negócios nem se apercebera de que existiam
mulheres bonitas e atraentes. Foi numa festinha de aniversário, quando Mércia
fora convidada a cantar para enfeitar a festa. E não era para menos, diante de
uma voz tão doce, tão suave tão cheia de harmonia. E se perguntou, onde diabo
andava que não via essas coisas tão atraentes. E pediu a Mércia para cantar as
canções que ela mais gostava e quando cuidou de si estava perdido nos sonhos mais
belos de sua vida. E agora, se Mércia já tivesse seu namorada ou fosse noiva.
Seria bem feito, para deixar de ser burro. Pois não era; como se podia viver
esquecido das mulheres, sem perceber que eram elas as coisinhas mais belas e atraentes
que Deus havia feito no seu atelier. Apresou-se em ir falar com Mércia, mas
todo desajeitado, encabulado, como um passarinho que vai começar a cantar. No
entanto, não poderia perder tempo. E foi abrupto.
-
Mércia, queres te casar comigo?
E
esperou a resposta como se estivesse em alto mar preste a morrer afogado.
Mércia, atordoada ficou em silêncio. Só depois de uma eternidade abriu a boca
corada e sorrira para falar.
Andrezinho
engolia em seco, as suas dúvidas. E teve medo pela primeira vez.
-
Bem Andrezinho, tenho um namorado, embora sem compromissos. Estou embaraçada e
papai gosta muito dele, é um moço bom e parece que me tem amor.
- Diga
logo quem é. Sou capaz de ir dar-lhe sumiço. E veja Mércia, quem pediu primeiro
fui eu. Além disso, sou teu primo legítimo. Laços de família. Não me digas mais
nada. Se me aceitas, canta aquela canção, aquela segunda que cantastes lá na
festa de aniversário. Basta isto.
Mércia
não tinha namorado nenhum. Era pura brincadeira. E soltou a canção mais bela de
sua vida...
*O conto faz parte do
livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.
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