quarta-feira, 7 de agosto de 2013

A MULATA SAÍRA*


João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)


Apareceu com esse nome e com ele ficou; bonitona e atraente, nova e de corpo sadio, era um caso de policia, como se costuma dizer. Não tinha emprego, não procurava e nem queria. Vivia dela mesma, chupando dinheiro de quem se aproximava dela ou era atraído pelas suas artimanhas. Rua a cima, rua a baixo, sempre à procura de alguém. Um alguém que poderia ser o primeiro marido ou o primeiro homem que encontrasse. Não tinha reservas e pouco se dava que as mulheres se danassem com ela. Isso não a preocupava. Saíra tinha uma particularidade. Vestia-se decentemente como qualquer moça recatada. Procurava esconder os seus encantos para despertar a cobiça. Sabia que assim, todos ambicionavam saber como eram as suas pernas, os seios, a criatura, ela toda, afinal. E ai daquele que a visse sem um farrapo de roupa. Nunca mais a esqueceria e a desejava só para si. Mas o diabo é que Saíra não se fixava em ninguém. Não recebia gente de má aparência. Com ela teria que ser limpo, saudável. Detestava homem perfumado. De perfume bastava o que ela usava. Gostava de homem cheirando a homem. Ninguém se deitava com ela sem antes tomar um banho rigoroso. Detestava roupa cheirando a suor.
            - Não, querido, assim não dá. Sou uma mulata limpa e não quero pegar cheiro de ninguém. Quero, sim, que saiam daqui com o cheiro do meu corpo, cheiro de mulher asseada, que se trata.
Certo dia procurou-a um desses sujeitos que querem ser dono do mundo. Tomou um pinga e convidou-a.
- Olha, comigo não. Procura outra. Não agüento cheiro de suor e de cachaça. Sou mulher para gente limpa. 
            Comigo ninguém brinca, sinha quenga. Tentou tomá-la pelo braço arrastá-la.
            Saíra despregou-se.
- Não me toques mais. Sou mulher, mas não tenho medo de macho. Dá o fora.
- Estas brincando, bichota. Certamente não conhece o cabra Napoleão.
- Nem quero conhecer. Pode se danar.
            Fechou-se no quarto e ficou em silencio. Ouviu os passos do sujo saindo. Demorou um pouco e saiu. Parecia que a cidade a estava esperando. Não tinha o menor acanhamento em falar ou cumprimentar um marido acompanhado da mulher. - Elas que se cuidassem. - Havia de vencer na vida e não desviava caminho.
            Teria de juntar muito dinheiro, ter a sua casa, escolher mais ainda os seus namorados. Vestir-se à última moda, possuir jóias, ser uma mulher disputada.
            Em Ipuêiras formavam-se duas alas. Uma, das mulheres em pé de guerra contra Saíra. Outra a dos homens, em defesa própria. Deveria aparentar ser mais discretos para manter a harmonia no lar. Teriam de convencer as esposas que nada tinham de relacionamento com Saíra. Ela é que era uma extrovertida, uma doidinha com suas manias. Gostava de ostentar-se na sua mania de conquistar.
            - E porque ela não procura os rapazes e anda a farejar os casados. Tem-se que dar um jeito. E expulsa-la daqui, isto sim.
            Arquitetavam planos e mais planos, sem resultado. Saíra mostrava-se cada vez mais atrevida. Dava em cima de qualquer um calculadamente. Eram os casados que tinham dinheiro para gastar com ela e, além disso, para que mantivesse sigilo, dobravam as notas. A rapaziada era dinheirinho contado que não dava para sobrar.
            As casadas arquitetaram um novo plano; contratar uma velhota que vivia de esmolas para vigiá-los. Ficaria esmolando às proximidades da casa de Saíra. À noite prenderiam os maridos em casa e pelo dia estariam vigiados. Não revelariam nada antes de um mês. Assim pegariam um grande número.
            Perderam o tempo e o dinheiro. A turma já havia combinado que só entraria pela porta do quintal. E o resultado prático é que ninguém foi visto entrando.
            A esmoler perdeu o emprego.
            É, parece que estávamos mesmo enganadas, cometemos injustiça com os nossos fies maridos. Como vêem, as aparências enganam.
            Passava-se o tempo, com relativa despreocupação. Saíra já estava decidida a se ir. Andava de bolsa recheada de notas e não era mulher para viver num meio pequeno. Estava saturada dos mesmos caras, e enjoada daquela vida de caça níqueis. Preparou-se então para sair. Passou, entretanto, mais algumas semanas fazendo a última arrecadação. Elevou a tabela, contou lamúrias. O que recebia só dava mesmo para as despesas comuns. Não lhe sobrava nada. Estava sem roupas decentes, sem perfumes e alimentando-se mal. Fazia um apelo dramático a cada um.
- Vocês sabem. Para manter-me em boa forma e guardar o sigilo que me pedem, fico privada de muitas coisas. E depois, minhas amizades são limitadas. Ando somente com a turminha conhecida. Gente de fora e essa rapaziada que anda por ai não recebo. Seria uma desconsideração.
 Teve, assim, uma semana gorda. Faria uma surpresa. Relacionou o nome das esposas enganadas. Fez uma carta para as principais. Pagou uma moleca para entregar, no dia seguinte, quando já não estaria mais em Ipuêiras. O bilhete dizia: 
- Tomem conta de seus maridos, estou enjoada deles.

F I M

*Este conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.




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