A
MULATA SAÍRA*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 –
16/04/2003)
Apareceu com
esse nome e com ele ficou; bonitona e atraente, nova e de corpo sadio, era um
caso de policia, como se costuma dizer. Não tinha emprego, não procurava e nem queria.
Vivia dela mesma, chupando dinheiro de quem se aproximava dela ou era atraído
pelas suas artimanhas. Rua a cima, rua a baixo, sempre à procura de alguém. Um
alguém que poderia ser o primeiro marido ou o primeiro homem que encontrasse.
Não tinha reservas e pouco se dava que as mulheres se danassem com ela. Isso
não a preocupava. Saíra tinha uma particularidade. Vestia-se decentemente como
qualquer moça recatada. Procurava esconder os seus encantos para despertar a
cobiça. Sabia que assim, todos ambicionavam saber como eram as suas pernas, os
seios, a criatura, ela toda, afinal. E ai daquele que a visse sem um farrapo de
roupa. Nunca mais a esqueceria e a desejava só para si. Mas o diabo é que Saíra
não se fixava em ninguém. Não recebia gente de má aparência. Com ela teria que
ser limpo, saudável. Detestava homem perfumado. De perfume bastava o que ela usava.
Gostava de homem cheirando a homem. Ninguém se deitava com ela sem antes tomar
um banho rigoroso. Detestava roupa cheirando a suor.
- Não, querido, assim não dá. Sou uma mulata limpa e não
quero pegar cheiro de ninguém. Quero, sim, que saiam daqui com o cheiro do meu
corpo, cheiro de mulher asseada, que se trata.
Certo dia
procurou-a um desses sujeitos que querem ser dono do mundo. Tomou um pinga e
convidou-a.
- Olha,
comigo não. Procura outra. Não agüento cheiro de suor e de cachaça. Sou mulher
para gente limpa.
Comigo ninguém
brinca, sinha quenga. Tentou tomá-la pelo braço arrastá-la.
Saíra despregou-se.
- Não me
toques mais. Sou mulher, mas não tenho medo de macho. Dá o fora.
- Estas
brincando, bichota. Certamente não conhece o cabra Napoleão.
- Nem quero
conhecer. Pode se danar.
Fechou-se no
quarto e ficou em silencio. Ouviu os passos do sujo saindo. Demorou um pouco e
saiu. Parecia que a cidade a estava esperando. Não tinha o menor acanhamento em
falar ou cumprimentar um marido acompanhado da mulher. - Elas que se cuidassem.
- Havia de vencer na vida e não desviava caminho.
Teria de juntar
muito dinheiro, ter a sua casa, escolher mais ainda os seus namorados.
Vestir-se à última moda, possuir jóias, ser uma mulher disputada.
Em Ipuêiras
formavam-se duas alas. Uma, das mulheres em pé de guerra contra Saíra. Outra a
dos homens, em defesa própria. Deveria aparentar ser mais discretos para manter
a harmonia no lar. Teriam de convencer as esposas que nada tinham de
relacionamento com Saíra. Ela é que era uma extrovertida, uma doidinha com suas
manias. Gostava de ostentar-se na sua mania de conquistar.
- E porque ela
não procura os rapazes e anda a farejar os casados. Tem-se que dar um jeito. E
expulsa-la daqui, isto sim.
Arquitetavam
planos e mais planos, sem resultado. Saíra mostrava-se cada vez mais atrevida.
Dava em cima de qualquer um calculadamente. Eram os casados que tinham dinheiro
para gastar com ela e, além disso, para que mantivesse sigilo, dobravam as
notas. A rapaziada era dinheirinho contado que não dava para sobrar.
As casadas
arquitetaram um novo plano; contratar uma velhota que vivia de esmolas para
vigiá-los. Ficaria esmolando às proximidades da casa de Saíra. À noite
prenderiam os maridos em casa e pelo dia estariam vigiados. Não revelariam nada
antes de um mês. Assim pegariam um grande número.
Perderam o tempo
e o dinheiro. A turma já havia combinado que só entraria pela porta do quintal.
E o resultado prático é que ninguém foi visto entrando.
A esmoler perdeu
o emprego.
É, parece que
estávamos mesmo enganadas, cometemos injustiça com os nossos fies maridos. Como
vêem, as aparências enganam.
Passava-se o
tempo, com relativa despreocupação. Saíra já estava decidida a se ir. Andava de
bolsa recheada de notas e não era mulher para viver num meio pequeno. Estava
saturada dos mesmos caras, e enjoada daquela vida de caça níqueis. Preparou-se
então para sair. Passou, entretanto, mais algumas semanas fazendo a última
arrecadação. Elevou a tabela, contou lamúrias. O que recebia só dava mesmo para
as despesas comuns. Não lhe sobrava nada. Estava sem roupas decentes, sem
perfumes e alimentando-se mal. Fazia um apelo dramático a cada um.
- Vocês
sabem. Para manter-me em boa forma e guardar o sigilo que me pedem, fico
privada de muitas coisas. E depois, minhas amizades são limitadas. Ando somente
com a turminha conhecida. Gente de fora e essa rapaziada que anda por ai não
recebo. Seria uma desconsideração.
Teve, assim, uma semana gorda. Faria uma
surpresa. Relacionou o nome das esposas enganadas. Fez uma carta para as
principais. Pagou uma moleca para entregar, no dia seguinte, quando já não
estaria mais em Ipuêiras. O bilhete dizia:
- Tomem conta
de seus maridos, estou enjoada deles.
F I M
*Este conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.
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