MARIANA*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 –
16/04/2003)
Mariana apareceu na
cidadezinha de Serra Alta a procura de emprego. Ninguém sabia de onde viera e
nem ela dizia. Morena de corpo esbelto e rosto perfeito, sempre com um sorriso
na boquinha pequena e corada, que guardava duas carreirinhas de dentes sem
falha e sem manchas. Uma tentação. Mas possuía um grave defeito; não dava
liberdade a ninguém. Facilmente arranjava emprego em casa de família e lá se
internou, saindo somente quando a mandavam fazer alguma coisa na rua. Casal sem
filhos, já a considerava uma pessoa da família. Era inútil perguntar quem era e
donde havia saído. A qualquer tentativa, ficava sempre calada como se tivesse
um grande segredo em sua vida.
- Olha Mariana, a gente
quer te ajudar. E por que não falas?
- Faz de conta que
nasci aqui. Vocês são: meu pai e minha mãe. Quando eu der algum desgosto, podem
me mandar embora. Sairei triste, mas sem me maldizer. Cada pessoa tem o seu
destino.
E o curioso é que
Mariana aparentava-se alegre, certamente para disfarçar suas angustias passadas
e presentes. E o tempo corria sem esperar por ninguém. Já mais de um ano se
fora e Mariana era mesma criatura, guardando fielmente os segredos de sua vida.
Mas, pelo mundo existem muitos caminhos. Caminhos paralelos, caminhos cruzados,
por onde circulam os destinos das pessoas. Ninguém sabia e ela nunca deixou transparecer,
que muita e muita noite chorava em silencio a sua desdita. Mas, afinal de
contas, quem era mesmo Mariana? Filha de pobre, filha de gente abastada ou rica?
Era segredo seu. Andaria alguém à sua procura ou havia sido abandonada, expulsa
de casa ou fugira como outras tantas meninas incompreendidas. A sua conduta
correta não deixava transparecer quem realmente era ela. Mas certa vez, quando
voltava das compras foi vista por alguém que a conhecia e a procurava.
Mariana não
pressentiu. Acompanhada de longe, foi localizada onde vivia. Sem nada
suspeitar, Mariana cuidava do arranjo da casa como habitualmente o fazia,
quando bateram à porta. Despreocupada foi ver quem era. E por muito pouco não
teve um desmaio. Era Cirilo, o seu único irmão.
- Mariana, Mariana, sou
eu Mariana. Vem cá Mariana.
E ela caiu nos seus braços, rindo e chorando,
como uma criança que estava perdida. Foi um alvoroço na casa. O casal queria
saber de tudo.
- Olhe, como é mesmo
o nome do senhor?
- Cirilo, irmão de
Mariana. Sempre a procurá-la e a mamãe a esperá-la.
- Mariana está aqui
comigo como se fosse minha filha. Uma criatura adorável. Não desejamos que saia
daqui. A casa ficaria vazia e triste nós iríamos ficar. Não sabemos nada a
respeito dela. Nunca nos quis falar. Guarda a sua história como um segredo
misterioso. O que houve, então, com Mariana?
- Um casamento
infeliz de minha mãe. Um segundo casamento. Um padrasto viciado, violento e
detestável. Eu quase menino não podia defender minha irmã e minha mãe. E por
isto, sofri também de mais.
Agora estamos livres
dele. Morreu inesperadamente, isto é, mataram-no. Não respeitava os outros e
foi o fim de tudo. Alguns tiros de revolver numa briga, e ali mesmo ficou de olhos
fechados e o coração parado. Procurava isso há muito tempo.
-E quem foi que fez
isso Cirilo?
- Depois saberás. O
importante é que estamos livres dele, sem medo, sem preocupações.
- Mas quem foi mesmo,
Cirilo?
- Não irás acreditar,
se eu te disser. É melhor não saberes. Não tem importância.
- Conta logo mano.
- Pois fui eu mesmo.
Brigamos os dois, quando quis bater em mamãe. Ameaçou-me e eu me defendi. Foi só.
Um monstro. Enquanto apanhava tu e eu, ainda me controlava. Depois era apenas
um garoto. Mas puxou a faca e ainda cortou-me.
– Olha aqui. Atirei
bem na cara do bicho. Depois bem em cima do peito esquerdo. Caiu, chamando-me
de miserável. Não me importei e fiz outro disparo bem na boca. Queria, no meu
ódio reprimido até então, que ele engolisse o palavrão. E creio que engoliu. Minha
mãe não chorou. E apenas disse:
- Acabou-se.
E voltaram os dois.
Mariana chorou ao sair. Chorou ao chegar e ao abraçar a mãe. Não havia mais
medo.
Na casa de Mariana a
tranqüilidade abriu um sorriso no rosto dos tristes.
*O conto pertence ao
livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.
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