A
gravidade e a relatividade
Universidade de Michigan
Na sua obra mais importante, os
Principia, Newton propôs uma teoria que, entre outras coisas, iria explicar o
movimento dos planetas em torno do Sol por meio das órbitas elípticas que
Kepler descrevera com grande cuidado. A teoria que explica este movimento tem
duas componentes. Uma deles é a teoria da dinâmica — a teoria geral de Newton
que relaciona os movimentos com as forças que agem sobre os objetos em
movimento. Baseando-se no pressuposto de fundo de que há um espaço absoluto e
uma taxa de tempo absoluta e definida, a teoria incorpora o princípio de
Galileu segundo o qual os objetos que não sofrem a ação de quaisquer forças
permanecem num estado constante de movimento uniforme. Postula depois que a
mudança de movimento (aceleração) será proporcional às forças que agem sobre um
corpo e inversamente proporcional à propensão intrínseca de um corpo para
resistir a mudanças de movimento, conhecida por “massa inercial”.
A outra componente da teoria de
Newton diz respeito à força responsável pelos movimentos observados nos corpos
astronómicos (e em muitos outros fenómenos, como as marés e a queda dos corpos
em direção à Terra). Baseando-se uma vez mais na importante observação de
Galileu segundo a qual, pondo de parte a resistência do ar, todos os objetos
sofrem uma aceleração uniforme em direção à Terra quando estão em queda livre
perto da sua superfície, Newton postula uma força geral de gravidade que atua
entre todos os objetos materiais. A gravidade é sempre uma força de atração.
Considera-se que a magnitude da força exercida entre os corpos é proporcional à
massa inercial de cada corpo e inversamente proporcional ao quadrado da
distância que os separa. A terceira lei do movimento de Newton afirma que a
força exercida pelo primeiro corpo sobre o segundo será compensada por uma
força com intensidade igual — com a mesma direção, mas sentido oposto —
exercido pelo segundo corpo sobre o primeiro.
O facto de a força aumentar
proporcionalmente à massa inercial, mas de a resistência do corpo à aceleração
ser também proporcional à massa inercial, produz imediatamente o resultado
obtido por Galileu de que todos os corpos aceleram de modo idêntico quando
estão sujeitos à força gravitacional exercida por um corpo fixo, caso os objetos
experimentais estejam no mesmo lugar relativamente ao objeto que exerce a força
gravitacional. Newton demonstrou que a combinação das leis da dinâmica com a
lei da força gravitacional por ele postulada conduzirá às leis do movimento
planetário de Kepler, ou melhor, a uma versão ligeiramente corrigida dessas
leis.
Não é assim surpreendente que
Einstein, depois de ter demonstrado que era preciso ter um novo sistema
dinâmico e de o ter construído de uma maneira consistente com o novo
espaço-tempo da relatividade restrita, tenha enfrentado o problema de construir
uma nova teoria da gravidade. Esta teoria, claramente indispensável, tem de ser
consistente com as novas ideias sobre o espaço-tempo. A teoria de Newton, por
exemplo, considera que a interação gravitacional entre os corpos é instantânea,
mas segundo a relatividade todos os sinais se propagam a uma velocidade igual
ou inferior à da luz. É possível construir muitas alternativas à teoria
newtoniana compatíveis com o novo espaço-temporelativista. Na verdade, um
programa de investigação contínuo da física experimental consiste em testar
comparativamente essas alternativas, procurando possíveis observações que
excluam algumas das possibilidades. No entanto, a nova teoria gravitacional que
enfrentou melhor as experiências realizadas e a mais elegante teoricamente é a
do próprio Einstein. É conhecida por “teoria da relatividade geral”. É também a
teoria que postula uma natureza do mundo de grande interesse para os filósofos.
No que resta desta secção vou esboçar algumas das ideias que conduziram
Einstein a esta nova teoria da gravidade que, como veremos, consiste numa nova
teoria sobre a estrutura do próprio espaço-tempo. Vou esboçar algumas das
componentes básicas da teoria e explorar algumas das suas consequências
importantes para os filósofos.
Einstein parte da observação de
Galileu segundo a qual a aceleração induzida num objeto pela gravidade é
independente do tamanho do objeto e daquilo de que ele é feito. A gravidade
difere de qualquer outra força por ter este efeito universal. Consideremos o
caso em que um objeto que gravita, localizado suficientemente longe, força o objeto
a acelerar, de tal forma que o campo gravitacional é efetivamente constante no
laboratório. Einstein faz notar que um pequeno objeto experimental, situado num
laboratório, ficaria em aceleração em relação a esse laboratório exatamente da
mesma maneira que ficaria se nenhuma força estivesse a atuar sobre ele e se o
próprio laboratório estivesse uniformemente em aceleração na direção oposta à
da aceleração da partícula. No último caso, qualquer objeto experimental com
qualquer massa ou composição pareceria acelerar uniformemente em relação ao
laboratório. É a universalidade da gravidade que nos permite substituir a força
gravitacional por uma aceleração do sistema de referência.
Talvez, sugere Einstein, seja
possível reproduzir todos os efeitos da gravidade numa tal aceleração do
laboratório. Isto conduz à hipótese de que a gravidade terá efeitos sobre
outras coisas que não a matéria constituída por partículas. Se emitirmos um
feixe de luz que atravesse um laboratório em movimento de aceleração, é de
esperar que o feixe não siga uma trajetória em linha reta relativamente ao
laboratório. Não deverá então a gravidade defletir os feixes de luz que passam
perto de um corpo que gravite?
Talvez a conclusão de que é de
esperar que a gravidade tenha um efeito sobre medições de intervalos de tempo e
de espaço, tal como relógios e réguas idealizados as revelam, seja ainda mais
surpreendente. O argumento a favor do efeito temporal é o mais fácil de seguir
e construir. Imagine- se um laboratório em aceleração que tem um relógio na sua
extremidade superior e outro relógio idêntico na sua extremidade inferior.
Enviam-se sinais do relógio inferior para o superior, e compara-se a taxa de
emissão dos sinais, determinada pelo relógio inferior, com a da sua recepção,
determinada pelo relógio superior. Quando um sinal enviado da parte de baixo
atinge a parte de cima, o relógio de cima está em movimento relativamente ao
sistema de referência em movimento uniforme onde o relógio de baixo estava em
repouso quando o sinal foi enviado. Quer se argumente a partir do efeito de
dilatação do tempo da relatividade restrita quer a partir do chamado “efeito de
Doppler” — que, mesmo na física pré-relativista, mostra que um sinal enviado de
uma fonte com uma dada frequência parece ter uma frequência mais baixa quando é
observado por alguém em movimento de afastamento relativamente à fonte —
torna-se plausível afirmar que o relógio de baixo parecerá estar a atrasar-se
relativamente ao de cima. Ou seja, a frequência do sinal recebido pelo relógio
de cima é, segundo o relógio de baixo, inferior à frequência do sinal emitido.
Mas considere-se agora um
laboratório que não está em aceleração, onde todo o dispositivo está em repouso
num campo gravitacional. Pelo argumento de Einstein (frequentemente conhecido
por “princípio da equivalência”), seria de esperar que o relógio situado mais
abaixo no campo gravitacional pareça atrasar-se, do ponto de vista do relógio
situado mais acima. Note-se que isto nada tem a ver com a força gravitacional
sentida pelos dois relógios; ao invés, é determinado por quão abaixo está um
relógio em relação ao outro no “declive” gravitacional. Assim, é de esperar que
a gravidade tenha efeitos na medição de intervalos de tempo. É possível
oferecer argumentos semelhantes, mas um pouco mais complexos, que nos levam a
prever que a gravidade também afeta as medições espaciais.
Considerados conjuntamente,
estes argumentos conduziram Einstein à sugestão assombrosa de que a maneira de
lidar com a gravidade num contexto relativista é tratá-la não como um campo de
forças que atua no espaço-tempo, mas antes como uma modificação da própria
estrutura geométrica do espaço-tempo. Na presença da gravidade, defendeu
Einstein, o espaço-tempo é “curvo”. Para saber o que isto significa, no
entanto, temos de olhar um pouco para a história da geometria tal como esta
última é estudada pelos matemáticos.
Geometria não euclidiana
Na geometria canónica, tal como
Euclides a formalizou, derivam-se todas as verdades geométricas a partir de um
pequeno conjunto de postulados básicos alegadamente auto-evidentes. Embora a
axiomatização da geometria realizada por Euclides não seja realmente completa
(isto é, não é suficiente em si mesma para permitir a realização de todas as
derivações sem se pressuporem outras premissas subjacentes ocultas), é possível
completá-la. Durante um longo período de tempo, o postulado de Euclides
conhecido por “postulado da paralela” foi gerador de perplexidade. Este
postulado é equivalente à afirmação de que, passando por um ponto que não
esteja numa dada linha, só pode traçar-se uma única linha que esteja no mesmo
plano da linha e ponto dados e que não intersecte a linha dada em qualquer direção,
por muito que as linhas se prolonguem. Os geómetras consideravam que este
postulado não possuía a auto-evidência das outras hipóteses, que são mais
simples (como “Iguais adicionados a iguais dão iguais” e “Uma linha reta é determinada
por dois pontos”). Poderia este postulado “suspeito” ser derivado a partir dos
outros postulados, tornando-se desnecessário enquanto pressuposto independente?
Se pudéssemos mostrar que a negação do postulado da paralela era inconsistente
com os outros postulados, poderíamos mostrar que esta derivação era de
confiança pelo método da reductio ad absurdum. Mas poder-se-ia mostrar tal
coisa?
Podemos negar o postulado da
paralela de duas maneiras. O postulado diz que existe uma e apenas uma linha
paralela que passa pelo ponto; para negar isto podemos afirmar que não existe
qualquer linha paralela ou que existe mais do que uma. Em 1733, Saccheri
mostrou que o postulado da inexistência de paralelas era realmente
inconsistente com os restantes axiomas, pelo menos quando os entendemos da
maneira habitual. Mas foi incapaz de mostrar que a negação do postulado das
múltiplas paralelas também era inconsistente. No século XIX, Bolyai,
Lobachevsky e Gauss compreenderam que podemos construir geometrias consistentes
que adoptem os postulados de Euclides, mas que tenham um postulado de múltiplas
paralelas em vez do postulado da paralela. Riemann mostrou então que, se os
outros axiomas forem ligeiramente reinterpretados, poderemos construir uma nova
geometria, também logicamente consistente, onde um postulado da inexistência de
paralelas ocupa o lugar do postulado da paralela. As reinterpretações
necessárias são as seguintes: “Uma reta é determinada por dois pontos” tem de
ser lida de maneira a que por vezes mais do que uma linha reta contenha um dado
par de pontos; “Uma linha pode ser prolongada arbitrariamente em ambos os
sentidos” tem de ser lida como a afirmação de que uma linha não encontraria um
ponto último se fosse prolongada, mas sem implicar que uma linha tão prolongada
quanto possível tenha um comprimento infinito.
Mais tarde compreendeu-se que,
quando se tomam estas novas geometrias não euclidianas como geometrias planas
bidimensionais, pode-se entendê-las à maneira euclidiana como a geometria das
curvas de menor distância (geodésicas) em superfícies curvas bidimensionais. Em
particular, a geometria axiomática de Riemann era apenas a geometria das
figuras construídas por arcos de círculos máximos (geodésicas) na superfície de
uma esfera. Mas essas geometrias não euclidianas, tridimensionais e logicamente
consistentes poderiam ser tomadas como sendo sobre o quê? Ou seria que, apesar
de logicamente consistentes, eram absurdas por outras razões? Gauss levou a
geometria mais longe ao desenvolver uma teoria geral sobre as superfícies
bidimensionais arbitrariamente curvas. Estas caracterizam-se por um número —
conhecido por “curvatura gaussiana” — em cada ponto. A variação desta curvatura
em função da distância, tal como é medida ao longo de curvas situadas na
superfície, determina a forma da superfície curva. Segundo Gauss, estas
superfícies curvas estão imersas no espaço euclidiano tridimensional comum. Um
resultado importante do seu trabalho, no entanto, foi o de que se podia
caracterizar alguns dos aspectos da curvatura (a curvatura “intrínseca”) por
meio de quantidades que poderiam ser determinadas por uma criatura
bidimensional imaginária que estivesse confinada à superfície curva e que nem
sequer se apercebesse da existência do espaço tridimensional que a envolveria.
A partir desta nova perspectiva, verificou-se que se pode entender as
geometrias descritas pelos sistemas axiomáticos anteriores como casos próprios.
A geometria euclidiana bidimensional, a geometria do plano, é a geometria da
superfície cuja curvatura de Gauss seja zero em todo o lado. A geometria de
Riemann, a geometria das superfícies bidimensionais das esferas, é apenas a
geometria de uma superfície cuja curvatura de Gauss seja constante e positiva.
A geometria de Lobachevsky-Bolyai é a geometria de uma superfície bidimensional
cuja curvatura de Gauss seja negativa e idêntica em cada ponto. A curvatura
negativa caracteriza um ponto como aquele ponto no centro do desfiladeiro de
uma montanha no qual a superfície se curva “em sentidos opostos”, passando por
ele ao longo de trajetórias diferentes.
Riemann foi então mais longe, e
generalizou a teoria de Gauss das superfícies curvas a espaços de qualquer
dimensão. Ao passo que Gauss pressupôs que as superfícies em questão estão
imersas num espaço euclidiano plano, Riemann não presumiu tal coisa. Afinal, um
dos resultados do trabalho de Gauss era o de que alguns aspectos da curvatura
estavam ao alcance de uma criatura bidimensional que não soubesse da existência
do espaço envolvente. A geometria geral de Riemann lida com estes aspectos da
curvatura, os aspectos intrínsecos. (Não deve confundir-se esta geometria geral
de Riemann de espaços n-dimensionais curvos com a anterior geometria axiomática
de Riemann.) O pressuposto básico desta geometria é o de que o espaço
n-dimensional curvo é susceptível de ser aproximado, em regiões suficientemente
pequenas, por um espaço euclidiano plano e n-dimensional. Para superfícies
curvas num espaço não curvo tridimensional, estas superfícies aproximadas podem
ser representadas como planos tangentes à superfície curva num certo ponto; os
planos estão também localizados no espaço tridimensional envolvente. Para um
espaço geral de Riemann, curvo e n-dimensional, postula-se a existência destes
“planos tangentes” só no sentido em que, no que diz respeito aos aspectos
intrínsecos n-dimensionais, o espaço curvo n-dimensional pode ser aproximado
num certo ponto por um espaço euclidiano não curvo e n-dimensional.
Quais são alguns dos aspectos
dos espaços curvos? Como, por exemplo, poderia uma criatura tridimensional que
vivesse num espaço tridimensional curvo descobrir que o espaço era realmente
curvo? A curvatura intrínseca revela-se na medição de distâncias. Uma criatura n-dimensional
pode realizar medições de distâncias entre pontos em número suficiente para se
assegurar de que não há qualquer possibilidade de esses pontos estarem situados
num espaço plano n-dimensional e terem as distâncias mínimas entre si ao longo
de curvas que os pontos da criatura fazem. Uma verificação das distâncias
aéreas mais curtas entre cidades terrestres, por exemplo, pode dizer-nos que a
Terra não tem uma superfície plana, mas antes uma superfície que se aproxima da
de uma esfera. Num espaço curvo n-dimensional, as curvas de menor distância,
conhecidas por “geodésicas do espaço”, seriam linhas retas caso o espaço fosse
plano. Estas linhas são também as linhas de “menor curvatura” do espaço.
Intuitivamente, isto significa que as linhas, embora não possam ser retas
devido à estrutura do espaço, não diferem das linhas retas mais do que aquilo
que a curvatura do próprio espaço lhes impõe.
A curvatura pode também
revelar-se de outras maneiras. Se pegarmos num segmento de reta orientado (um
vector), por exemplo, e o movermos em torno de uma curva fechada num espaço
plano, mantendo-o tanto quanto possível paralelo a si próprio enquanto o
movemos, quando regressarmos ao ponto de origem o vector apontará aí na mesma direção
e sentido do que quando começámos. Mas num espaço curvo este transporte
paralelo de um vector em torno de uma curva fechada irá, de uma maneira geral,
mudar a direção ou o sentido do vector, de tal forma que no fim do transporte
ele apontará para uma direção ou sentido diferente da direção ou sentido que
tinha no início do percurso.
Um espaço plano tridimensional
tem uma extensão infinita e um volume infinito. Um plano euclidiano tem uma
extensão infinita e uma área infinita. Mas a superfície intrinsecamente curva
de uma esfera, embora não tenha limites, tem uma área finita. Uma criatura
bidimensional que vivesse numa superfície esférica poderia pintar a superfície.
Nunca encontraria um limite na superfície, mas depois de um tempo finito toda a
superfície ficaria pintada e o trabalho estaria concluído. Do mesmo modo, uma
criatura tridimensional que vivesse no espaço curvo tridimensional análogo à
superfície esférica, vivendo naquilo a que se chama uma tri-esfera, poderia
encher a região com um plástico espumoso. Embora nunca encontrasse uma parede
que limitasse o espaço, concluiria o trabalho num tempo finito, quando todo o
volume do espaço tridimensional ficasse ocupado por uma quantidade finita de
plástico espumoso.
Parece assim claro que a noção
de espaço n-dimensional curvo, onde se inclui a noção de espaço tridimensional
curvo, além de ser consistente de um ponto de vista lógico, não é, manifestamente,
absurda. Enquanto ficarmos pelas características intrínsecas da curvatura, não
estamos a presumir que o espaço esteja imerso num outro espaço plano envolvente
e com mais dimensões. E os aspectos da curvatura intrínsecos ao espaço podem
ser manifestamente determinados por meio de técnicas diretas por uma criatura
que viva nesse espaço. Será então que podemos verificar se o verdadeiro espaço
tridimensional do nosso mundo é curvo, e não o espaço plano caracterizado pelos
postulados básicos da geometria euclidiana tridimensional? Estas especulações
acompanharam naturalmente a descoberta das novas geometrias.
O uso das geometrias não euclidianas na física
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