TIRADENTES
Aniversário de morte
222 anos
21 de abril de 1792/2014
PARTE I
Nascido em uma
fazenda no distrito de Pombal, próximo ao arraial de Santa Rita do Rio Abaixo,
à época território disputado entre as vilas de São João Del-Rei e São José do
Rio das Mortes, na Minas Gerais. O local de nascimento é uma ironia da
história. O Marquês de Pombal foi arqui-inimigo de Dona Maria I contra a qual
Tiradentes conspirou, e que comutou as penas dos inconfidentes.
Joaquim José da
Silva Xavier era filho do reinol Domingos da Silva Santos, proprietário rural,
e da brasileira Maria Antônia da Encarnação Xavier, tendo sido o quarto dos
sete filhos.
Em 1755, após o
falecimento da mãe, segue junto a seu pai e irmãos para a sede da Vila de São
José; dois anos depois, já com onze anos, morre seu pai. Com a morte prematura
dos pais, logo sua família perde as propriedades por dívidas. Não fez estudos
regulares e ficou sob a tutela de um padrinho, que era cirurgião. Trabalhou
como mascate e minerador, tornou-se sócio de uma botica de assistência à
pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, e se dedicou também às práticas
farmacêuticas e ao [exercício da profissão de vendedor de alho, o que lhe valeu
a alcunha Tiradentes,] [ conhecido por Tiradentes, por causa do ofício que
aprendera com o padrinho.]* um tanto
depreciativa. Não teve êxito em suas experiências no comércio.
Com os
conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em
reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos. Começou a
trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sertão brasileiro.
Em 1780, alistou-se na tropa da Capitania de Minas Gerais; em 1781, foi nomeado
comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do "Caminho Novo",
estrada que servia como rota de escoamento da produção mineradora da capitania
mineira ao porto Rio de Janeiro. Foi a partir desse período que Tiradentes
começou a se aproximar de grupos que criticavam a exploração do Brasil pela
metrópole, o que ficava evidente quando se confrontava o volume de riquezas
tomadas pelos portugueses e a pobreza em que o povo permanecia. Insatisfeito
por não conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto
de alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a função
de comandante da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da cavalaria em 1787.
Morou por volta
de um ano na cidade carioca, período em que idealizou projetos de vulto, como o
bondinho do pão-de-açúcar e a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para a
melhoria do abastecimento d'água no Rio de Janeiro; porém, não obteve aprovação
para a execução das obras. Esse desprezo fez com que aumentasse seu desejo de
liberdade para a colônia. De volta às Minas Gerais, começou a pregar em Vila
Rica e arredores, a favor da independência daquela província. Organizou um
movimento aliado a integrantes do clero e da elite mineira, como Cláudio Manuel
da Costa, antigo secretário de governo, Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da
comarca, e Inácio José de Alvarenga Peixoto, minerador. O movimento ganhou
reforço ideológico com a independência das colônias estadunidenses e a formação
dos Estados Unidos da América. Ressalta-se que, à época, oito de cada dez
alunos brasileiros em Coimbra eram oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à
elite regional acesso aos ideais liberais que circulavam na Europa.
Além das
influências externas, fatores regionais e econômicos contribuíram também para a
articulação da conspiração nas Minas Gerais. Com a constante queda na receita
provincial, devido ao declínio da atividade mineradora, a administração de
Martinho de Melo e Castro instituiu medidas que garantissem o quinto, imposto
que obrigava os moradores das Minas Gerais a pagar, anualmente, cem arrobas de
ouro, destinadas à Real Fazenda. A partir da nomeação de Luís da Cunha Meneses
como governador da província, em 1782, ocorreu a marginalização de parte da
elite local em detrimento de seu grupo de amigos. O sentimento de revolta
atingiu o máximo com a decretação da derrama, uma medida administrativa que permitia
a cobrança forçada de impostos atrasados, mesmo que preciso fosse confiscar
todo o dinheiro e bens do devedor, a ser executado pelo novo governador das
Minas Gerais, Luís Antônio Furtado de Mendonça, 6.º Visconde de Barbacena
(futuro Conde de Barbacena), o que afetou especialmente as elites mineiras.
Isso se fez necessário para se saldar a dívida mineira acumulada, desde 1762,
do quinto, que à altura somava 538 arrobas de ouro em impostos atrasados.
O movimento se
iniciaria na noite da insurreição: os líderes da "inconfidência"
sairiam às ruas de Vila Rica dando vivas à República, com o que ganhariam a
imediata adesão da população. Porém, antes que a conspiração se transformasse
em revolução, em 15 de março de 1789 foi delatada aos portugueses por Joaquim
Silvério dos Reis, coronel, Basílio de Brito Malheiro do Lago, tenente-coronel,
e Inácio Correia de Pamplona, luso-açoriano, em troca do perdão de suas dívidas
com a Real Fazenda. Anos depois, por sua delação e outros serviços prestados à
Coroa, Silvério dos Reis receberia o título de Fidalgo.
Entrementes, em
14 de março, o Visconde de Barbacena já havia suspendido a derrama o que de
esvaziara por completo o movimento. Ao tomar conhecimento da conspiração,
Barbacena enviou Silvério dos Reis ao Rio para apresentar-se ao vice-rei, que
imediatamente (em 7 de maio) abriu uma investigação (devassa). Avisado, o
alferes Tiradentes, que estava em viagem licenciada ao Rio de Janeiro
escondeu-se na casa de um amigo, mas foi descoberto ao tentar fazer contato com
Silvério dos Reis e foi preso em 10 de maio. Dez dias depois o Visconde de
Barbacena iniciava as prisões dos inconfidentes em Minas.
Dentre os
inconfidentes, destacaram-se os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da
Silva e Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco
de Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões, os coronéis Domingos de
Abreu Vieira e Joaquim Silvério dos Reis (um dos delatores do movimento), os
poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás
Antônio Gonzaga, ex-ouvidor.
Os principais
planos dos inconfidentes eram: estabelecer um governo republicano independente
de Portugal, criar manufaturas no país que surgiria, uma universidade em Vila
Rica e fazer de São João del-Rei a capital. Seu primeiro presidente seria,
durante três anos, Tomás Antônio Gonzaga, após o qual haveria eleições. Nessa
república não haveria exército – em vez disso, toda a população deveria usar
armas, e formar uma milícia quando necessária. Há que se ressaltar que os
inconfidentes visavam a autonomia somente da província das Minas Gerais, e em
seus planos não estava prevista a libertação dos escravos africanos, apenas
daqueles nascidos no Brasil.
Negando a
princípio sua participação, Tiradentes foi o único a, posteriormente, assumir
toda a responsabilidade pela "inconfidência", inocentando seus
companheiros. Presos, todos os inconfidentes aguardaram durante três anos pela
finalização do processo. Alguns foram condenados à morte e outros ao degredo; algumas
horas depois, por carta de clemência de D. Maria I, todas as sentenças foram
alteradas para degredo, à exceção apenas para Tiradentes, que permaneceu com a
pena capital, porém não por morte cruel como previam as Ordenações do Reino:
Tiradentes foi enforcado.
Os réus foram
sentenciados pelo crime de "lesa-majestade", definida, pelas
ordenações afonsinas, como traição contra o rei. Crime este comparado à
hanseníase pelas Ordenações Afonsinas:
-“Lesa-majestade
quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é
tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que
o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo,
sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e
aos que ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o
erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha
descendem, posto que não tenham culpa.”
Em parte por ter
sido o único a assumir a responsabilidade, em parte, provavelmente, por ser o
inconfidente de posição social mais baixa, haja vista que todos os outros ou
eram mais ricos, ou detinham patente militar superior. Por esse mesmo motivo é
que se cogita que Tiradentes seria um dos poucos inconfidentes que não eram
maçons.
E assim, numa
manhã de sábado, 21 de abril de 1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas
do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde
fora armado o patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa
demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A
leitura da sentença estendeu-se por dezoito horas, após a qual houve discursos
de aclamação à rainha, e o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por
toda a tropa local. Boris Fausto aponta essa como uma das possíveis causas para
a preservação da memória de Tiradentes, argumentando que todo esse espetáculo
despertou a ira da população que presenciou o evento.
Executado e
esquartejado, com seu sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a
sentença, tendo sido declarados infames a sua memória e os seus descendentes.
Sua cabeça foi erguida em um poste em Vila Rica, tendo sido rapidamente
cooptada e nunca mais localizada; os demais restos mortais foram distribuídos
ao longo do Caminho Novo: Santana de Cebolas (atual Inconfidência, distrito de
Paraíba do Sul), Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós,
atual Conselheiro Lafaiete), lugares onde fizera seus discursos
revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao terreno para
que nada lá germinasse.
Tiradentes
permaneceu, após a Independência do Brasil, uma personalidade histórica
relativamente obscura, dado o fato de que, durante o Império, os dois monarcas,
D. Pedro I e D. Pedro II, pertenciam à casa de Bragança, sendo,
respectivamente, neto e bisneto de D. Maria I, quem havia emitido a sentença de
morte de Tiradentes. Foi a República – ou, mais precisamente, os ideólogos
positivistas que presidiram sua fundação – que buscaram na figura de Tiradentes
uma personificação da identidade republicana do Brasil, mitificando a sua
biografia. Daí a sua iconografia tradicional, de barba e camisolão, à beira do
cadafalso, vagamente assemelhada a Jesus Cristo e, obviamente, desprovida de verossimilhança.
Como militar, o máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto
bigode. Na prisão, onde passou os últimos três anos de sua vida, os detentos
eram obrigados a raspar barba e cabelo a fim de evitar piolhos. Também, o nome
do movimento, "Inconfidência Mineira", e de seus participantes, os
"inconfidentes", foi cunhado posteriormente, denotando o caráter
negativo da sublevação – inconfidente é aquele que trai a confiança.
Tiradentes nunca
se casou, mas teve dois filhos: João, com a mulata Eugênia Joaquina da Silva, e
Joaquina, com a ruiva Antônia Maria do Espírito Santo, que vivia em Vila Rica.
Atualmente, foi concedida à sua tetraneta Lúcia de Oliveira Menezes, por meio
da Lei federal 9.255/96, uma pensão especial do INSS no valor de R$ 200,00, o
que causou polêmica sobre a natureza jurídica deste subsídio, mas solucionado
pelo STF no agravo de instrumento 623.655.
Rivaldo R. Cavalcante
Nenhum comentário:
Postar um comentário