terça-feira, 11 de junho de 2013


O SEGREDO*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

            Santiago só não morreu de preguiça por que preguiçoso é quem morre por último. Recebera várias heranças, ganhara dinheiro no jogo do bicho algumas vezes e agora queria viver à custa exclusiva do emprego da mulher e do que ela fazia na máquina de costura.
            De seu mesmo, possuía apenas a casa onde morava, e esta porque dona Sofia não lhe permitira vender. Mesmo assim, não a conservava.  Estava limpa e em pé, porque dona Sofia cuidava dela. A sorte ainda é que não bebia e não tivera filhos, embora a mulher o desejasse, pelo menos um casalzinho para alegrar-lhe a vida. O vício do cigarro era sustentado pela dona da casa. Uma vergonha, mas era assim. A sorte é que fumava pouco e era fumo de rolo, cigarro pé de burro. Possuía, entretanto, uma especialidade: gostava e respeitava a mulher. Era um cordeirinho.
            Certo dia dona Sofia o chamara às falas.
            - Olha, Santiago, esta tua vida não mais pode continuar. Foste infeliz nos teus haveres e graças a Deus não pedi demissão do emprego como querias, senão estaríamos em completa miséria. Terás que arranjar um trabalho qualquer. Estou ficando cansada e vejo a hora não poder mais com o batente. Sempre tive uma vida duríssima e os desgostos de te ver, por tudo fora, por ingenuidade e maus negócios, consumiram-me.
            Agora, meu amigo terá que me ajudar ou então, mais cedo do que possas esperar, estaremos no pó. O que é, afinal, o que sabes fazer. Passa pela memória e vê se descobre alguma tendência, algum ofício. Já se passaram muitos anos lutando sozinha e cheia de paciência.
            Não quero que assumas tudo, mas vamos dividir os encargos ou as responsabilidades. Também não suporto mais viver do emprego para o trabalho caseiro, sem um descanso. Podes enxergar muito bem isso. Tens sido um bom esposo, mas um marido fraco. Sempre te faltou coragem para o trabalho, o que me parece um paradoxo. Homem sadio e forte como és sem vícios, viveres assim atolado nessa pasmaceira.
            Ajudei-te até hoje e não me arrependo disso. Também não desejaria viver às tuas expensas exclusivamente, mas chegou o momento de tomares uma iniciativa. Por que não acordas dessa letargia terrível.
            - Está muito certa, mulher, já te explorei demais e para falar a verdade, nunca me adverti disso. Uma vergonha mesmo. Até o cigarro que fumo custou o teu suor. Mas prometo que de agora por diante, serei outro Santiago. Perdoa-me tudo que fui até hoje. Irás ter uma surpresa. E grande. Todos pensam que pus tudo quanto tinha no mato. É verdade que fiz alguns maus negócios, mas nunca deixei de pensar em nossa velhice. Parte do que possuía está bem guardado e contando juros. O que temos hoje permite vivermos dos rendimentos.       Nunca mexi num vintém. Quando te pedia dinheiro para o cigarro e outras coisas, é porque não queria que sonhasse com o que preparava. Simulei péssimos negócios, só pra te fazer, mais tarde uma grande surpresa. E o melhor é que tudo está no banco em teu nome. Toma aí a caderneta bancaria. Queria medir até onde iria tua paciência em sustentar um malandreco. Afinal de contas quem foi vencido fui eu. Já estava para te fazer esta confissão e agora te adoro mais do que nunca. Tua dedicação excede minhas previsões. Mas confiava tanto em ti que nada está em meu nome. Poderás deixar de trabalhar quando quiseres. Tinha pena enorme de ti. Chegava mesmo a sofrer por isso. Daqui por diante podes me sustentar sem tantos sacrifícios. E no dia que te cansares de mim, corta-me até o cigarro.
            Somente uma coisa, não quero que aconteça, que é perder o teu amor, essa tua bondade de santa. Suicidar-me-ia no mesmo instante fui mau contigo até agora, mas para os grandes males, os grandes remédios.
            - Vou passar tudo para o teu nome. Negócios quem deve mandar é o marido.
            - De forma alguma, Sofia. Conheces o meu temperamento e espero que me poupes o trabalho de ir ao banco para movimentar essa conta. Nasci preguiçoso até a raiz do cabelo. O trabalho é coisa muito aborrecida. Nasci com alergia para ter qualquer espécie de preocupação. Tive sorte, herdei muita coisa e guardei o que pude para minha querida Sofia. Pelo Amor que te tenho e a Deus, não mudes meu regime de vida! Tenho verdadeiro horror em fazer qualquer coisa...
            Tenha santa paciência minha querida. Está ai o talão de cheques e peço-te uma coisa: não me mande ao banco apanhar dinheiro. É um sacrifício enorme para o teu Santiago.
            Podes contratar um empregado para essas coisas. Deixa-me em paz. Quando diziam que eu havia gasto ou perdido com jogatina e mulheres, ficava calado para não ter que discutir e revelar a verdade. Era melhor deixar aquele magote de corno para lá. Mistifiquei até hoje.
            - Mas Santiago, me deste tantas preocupações, Santiago.
            - Mas fiz uma grande surpresa, que era o que eu queria. Larga emprego, larga tudo se quiseres. O dinheiro está ai em tuas mãos. Quero apenas, roupa, cigarros, comida e cama. Sim, se te convier compras-me uma espreguiçadeira, para um descanso. Sabes como é: esse tempão todo vivendo as tuas custas deu para cansar. Só o esforço que fazia para guardar o segredo e o ter que assistir as tuas lutas, não me era brincadeira...
            Perdoa-me meu bem. Fui ingrato contigo, mas agora estou aliviado. Compra minha espreguiçadeira...
- Vou comprar umas duas... Uma para cada um...

*O conto Pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.




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