quinta-feira, 6 de junho de 2013


AS SECAS
Euclides da Cunha*












O sertão de Canudos é um índice sumariando a fisiografia dos sertões do norte. Resume-os, enfeixa os seus aspectos predominantes numa escala reduzida. É-lhe de algum modo uma zona central comum.
De fato, a inflexão peninsular, extremada pelo cabo de S. Roque, faz que para ele convirjam as lindes interiores de seis Estados – Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará e Piauí – que tocam ou demoram distantes poucas léguas.
Desse modo é natural que as vicissitudes climáticas daqueles  nele se exercitem com a mesma intensidade, nomeadamente em sua manifestação mais incisiva, definida numa palavra que é o terror máximo dos rudes patrícios que por ali se agitam, - a seca.
Escusamo-nos de longamente a estudar, averbando o desbarate dos mais robustos espíritos no aprofundar-lhe a gênese, tateantes ao través de sem–número de agentes complexos e fugitivos. Indiquemos, porém, inscrita num traçado de números inflexíveis, esta fatalidade inexorável.
De fato, os ciclos – porque o são no rigorismo técnico do termo – abrem-se e encerram-se com um ritmo tão notável, que recordam o desdobramento de uma lei natural, ainda ignorada.
Revelou-o, pela primeira vez, o senador Tomás Pompeu*, traçando um quadro por si mesmo bastante eloqüente, em que os aparecimentos das secas, no século passado e atual, se defrontam em paralelismo singular, sendo de presumir que ligeiras discrepâncias indiquem apenas defeitos de observação ou desvios na tradição oral que as registrou.
De qualquer modo ressalta à simples contemplação uma coincidência repetida bastante para que se remova a intrusão do acaso.
Assim, para citarmos apenas as maiores, as secas de (1710-1711), (1723-1727), (1736-1737), (1744-1745), (1777-1778), do século XVIII, se justapõe às de (1808-1809), (1824-1825), (1835-1837), (1844-1845), (1877-1879), do atual.
Esta coincidência, espelhando-se quase invariável, como se surgisse do decalque de uma quadra sobre outra, acentua-se ainda na identidade das quadras remansadas e longas que, em ambas, atreguaram a progressão dos estragos.
De fato, sendo, no século passado, o maior interregno de 32 anos (1745-1777), houve no nosso outro absolutamente igual e, o que é sobremaneira notável, com a correspondência exatíssima das datas (1845-1877).
Continuando num exame mais íntimo do quadro, destacam-se novos dados fixos e positivos, aparecendo com um rigorismo de incógnitas que se desvendam. Observa-se, então, uma cadencia raro perturbada na macha do flagelo, intercortado de intervalo pouco díspares entre 9 e 12 anos e sucedendo-se de maneira a permitirem previsões seguras sobre a sua irrupção.
Entretanto, apesar desta simplicidade extrema nos resultados imediatos, o problema, que se pode traduzir na fórmula aritmética mais simples, permanece insolúvel.

Continua...

Extraido do livro Os Sertões - Campanha de Canudos

*Tómas Pompeu de Sousa Brasil, o Senador Pompeu.






(Santa Quitéria, 6 de junho de 1818Fortaleza, 2 de setembro de 1877) foi um político brasileiro. Formou-se na Faculdade de Direito do Recife e no Seminário de Olinda. Foi um dos fundadores do Liceu do Ceará e seu primeiro diretor, entre 1845 e 1849, professor de Geografia e História.

Autor de diversas obras, principalmente de História e de Geografia, foi membro de diversas sociedades científicas, destacando-se a Sociedade de Geografia de Paris, o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco e o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.


O trabalho citado por Euclides da Cunha é “Memoria sobre clima e secas do Ceará (1877).

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