terça-feira, 11 de junho de 2013



 MORENA VELHA*


João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

Burra de carga. Lerda, forte, possante e muito mansa. Não recusava peso. Era burra de coice  da tropa. Não tinha pressa, mas também não atrasava.
Lombo aprumado, não virava carga. Tinha, entretanto, uma cisma. Ninguém lhe montava em osso, sela, ou cangalha, montou, caiu. Envelheceu! Estava livre, aposentada.
- Cuidem dela!!!
Andava enchocalhada. Todo mundo conhecia o badalar do seu chocalho. Era meio fanhoso e um tanto grande.
Dependendo da pastagem vivia no cercado da Arara. Nos campos da fazenda Algodão ou no Amaro nas épocas de chuvas e de boas pastagens.
Mas Morena gostava mesmo era da Arara, onde sempre viveu. Queria ficar perto da gente.
Quando começava o período das chuvas, cá no agreste, meu pai mudava os animais: Burros e vacas iam para o cariri, onde não havia tanta mosca nos pastos e era mais saudável.
Morena Velha lá se foi nesse embrulho. Ficou por lá bastante tempo, entretida no capim e nos ervanços verdes.
Abriram roças novas no cercado onde ela vivia ao lado da mata do umbuzeiro, cá na Arara. Milho verde, feijão e muito jerimum ou abóbora.
E a partir de certo tempo, apareciam espigas de milho estragadas e abóboras parcialmente comidas. Havia rastro de animais, mas nenhum aparecia. A hipótese era que alguém soltava animais dentro da roça á noite e recolhia pela madrugada.
Mais ninguém conseguia descobrir. E os estragos continuando. Parecia impossível o que estava acontecendo. Um dia, porém, descobriram a patranha. Algum dos meninos andando pela mata, topou com Morena, deitada e tranqüila. Nem balançava o chocalho. A coisa então, se esclareceu. Morena só saia á noite, comia o que bem entendia e antes que alguém a visse, se  internava na mata.
Água, bebia no açude, também ao lado da mata e certamente á noite. Conhecia bem o local e defendia-se da melhor maneira possível.
Havia fugido do Cariri, entrara no cercado da mata onde sempre vivia e lá se ocultava inteligentemente. Possuía uma habilidade especial. Abria qualquer cancela com o focinho. E o mais interessante é que se a cancela fosse presa com laço folgado ou cambão, ela tirava, abria e passava. Era afamada nessa habilidade suja. Não havia porteira para Morena velha... Morreu de velha no mesmo cercado.
Ninguém andava de sela em Morena. Nunca cansava. Só sabia andar lerdamente. Nada de galopar ou correr. Nunca teve pressa, mas tinha muita sabedoria, e artimanha, jamais nos saiu da lembrança.

*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.




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