MORENA
VELHA*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 –
16/04/2003)
Burra de carga. Lerda,
forte, possante e muito mansa. Não recusava peso. Era burra de coice da tropa. Não tinha pressa, mas também não
atrasava.
Lombo aprumado, não virava
carga. Tinha, entretanto, uma cisma. Ninguém lhe montava em osso, sela, ou
cangalha, montou, caiu. Envelheceu! Estava livre, aposentada.
- Cuidem dela!!!
Andava enchocalhada.
Todo mundo conhecia o badalar do seu chocalho. Era meio fanhoso e um tanto
grande.
Dependendo da
pastagem vivia no cercado da Arara. Nos campos da fazenda Algodão ou no Amaro
nas épocas de chuvas e de boas pastagens.
Mas Morena gostava
mesmo era da Arara, onde sempre viveu. Queria ficar perto da gente.
Quando começava o
período das chuvas, cá no agreste, meu pai mudava os animais: Burros e vacas
iam para o cariri, onde não havia tanta mosca nos pastos e era mais saudável.
Morena Velha lá se
foi nesse embrulho. Ficou por lá bastante tempo, entretida no capim e nos ervanços
verdes.
Abriram roças novas
no cercado onde ela vivia ao lado da mata do umbuzeiro, cá na Arara. Milho
verde, feijão e muito jerimum ou abóbora.
E a partir de certo
tempo, apareciam espigas de milho estragadas e abóboras parcialmente comidas.
Havia rastro de animais, mas nenhum aparecia. A hipótese era que alguém soltava
animais dentro da roça á noite e recolhia pela madrugada.
Mais ninguém
conseguia descobrir. E os estragos continuando. Parecia impossível o que estava
acontecendo. Um dia, porém, descobriram a patranha. Algum dos meninos andando
pela mata, topou com Morena, deitada e tranqüila. Nem balançava o chocalho. A
coisa então, se esclareceu. Morena só saia á noite, comia o que bem entendia e
antes que alguém a visse, se internava
na mata.
Água, bebia no açude,
também ao lado da mata e certamente á noite. Conhecia bem o local e defendia-se
da melhor maneira possível.
Havia fugido do
Cariri, entrara no cercado da mata onde sempre vivia e lá se ocultava
inteligentemente. Possuía uma habilidade especial. Abria qualquer cancela com o
focinho. E o mais interessante é que se a cancela fosse presa com laço folgado
ou cambão, ela tirava, abria e passava. Era afamada nessa habilidade suja. Não
havia porteira para Morena velha... Morreu de velha no mesmo cercado.
Ninguém andava de sela
em Morena. Nunca cansava. Só sabia andar lerdamente. Nada de galopar ou correr.
Nunca teve pressa, mas tinha muita sabedoria, e artimanha, jamais nos saiu da
lembrança.
*O conto pertence ao
livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.
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