HIPÓTESES SOBRE A GÊNESE DAS SECAS
Impressionado
pela razão desta progressão raro alterada, e fixando-a um tanto forçadamente em
onze nãos, um naturalista, o barão de Capanema*, teve o pensamento de rastrear
nos fastos extraterrestres, tão característicos pelo período invioláveis em que
se sucedem, a sua origem remota. E encontrou na regularidade com que repontam e
se extinguem, intermitentemente, as manchas da fotosfera solar, um símile
completo.
De
fato, aqueles núcleos obscuros, alguns mais vastos que a terra, negrejando
dentro da cercadura fulgurante das fáculas, lentamente derivando à feição da
rotação do sol, têm, entre o máximo e o mínimo da intensidade, um período que
pode variar de nove a doze anos. E como deste muito a intuição genial de
Herschel lhes descobrira o influxo apreciável na dosagem de calor emitido para
a terra, a correlação surgia inabalável, neste estear-se em dados geométricos e
físicos acolchetando-se num efeito único.
Restava
equiparar o mínimo das manchas, anteparo à irradiação do grande astro, ao
fastígio das secas no planeta torturado – de modo a patentear, cômpares, os
períodos de umas e outras.
Falhou
neste ponto, em que pese à sua forma atraentíssima, a teoria planeada:
raramente coincidem as datas do paroxismo estival, no forte, com as daquele.
O
malogro desta tentativa, entretanto, denuncia menos a desvalia de uma
aproximação imposta, rigorosamente por circunstancias tão notáveis, do que o
exclusivismo de atentar-se para uma causa única. Porque a questão, com a
complexidade imanente aos fatos concretos, se atém, de preferência, a razões
secundárias, mais próximas e enérgicas, e estas, em modalidades progredindo,
contínuas, da natureza do solo à disposição geográfica, só serão
definitivamente sistematizadas quando extensa serie de observações permitir a
definição dos agentes preponderantes do clima sertanejo.
Como
quer que seja, o penoso regime dos Estados do norte está em função de agentes
desordenados e fugitivos, sem leis ainda definidas, sujeitas às perturbações
locais, derivadas da natureza da terra, e a reações mais amplas, promanadas das
disposições geográficas. Daí as correntes aéreas que o desequilibram e variam.
Determina-o
em grande parte, e talvez de modo preponderante, a monção de nordeste, oriunda
da forte aspiração dos planaltos interiores que, em vasta superfície alargada
até ao Mato Grosso, são, como se sabe, sede de grandes depressões barométricas,
no estio. Atraído por estas, o nordeste vivo, ao entrar, de dezembro a março,
pelas costas setentrionais, é singularmente favorecido pela própria conformação
da terra, na passagem célere por sobre os chapadões desnudos que, irradiando
intensamente, lhe alteiam o ponto de saturação, diminuindo as probabilidades
das chuvas, e repelindo-o, de modo a lhe permitir acarretar para os recessos do
continente, intacta, sobre os mananciais dos grandes fios, toda a umidade
absorvida na travessia dos mares.
De
fato, a disposição orográfica dos sertões, à parte ligeiras variantes – cordas de
serras que se alinham para nordeste paralelamente à monção reinante – facilita a
travessia desta. Canaliza-a. Não a contrabate num antagonismo de encostas,
abarreirando-a, alteando-a, provocando-lhe resfriamento, e a condensação em
chuvas.
Um dos
motivos das secas repousa, assim, na disposição topográfica.
Continua...
Extraído do livro Os Sertões – Campanha de Canudos* barão de capanema
Guilherme Schüch
Guilherme Schüch, posteriormente Guilherme
Capanema, primeiro e único barão de Capanema,
(Ouro Preto, 17 de janeiro de 1824 — Rio de Janeiro, 28 de julho de 1908)
foi um naturalista, engenheiro e físico brasileiro, responsável pela instalação da
primeira linha telegráfica do Brasil.
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