quinta-feira, 6 de junho de 2013


HIPÓTESES SOBRE A GÊNESE DAS SECAS


Euclides da Cunha*


(1ª. Parte)







Impressionado pela razão desta progressão raro alterada, e fixando-a um tanto forçadamente em onze nãos, um naturalista, o barão de Capanema*, teve o pensamento de rastrear nos fastos extraterrestres, tão característicos pelo período invioláveis em que se sucedem, a sua origem remota. E encontrou na regularidade com que repontam e se extinguem, intermitentemente, as manchas da fotosfera solar, um símile completo.
De fato, aqueles núcleos obscuros, alguns mais vastos que a terra, negrejando dentro da cercadura fulgurante das fáculas, lentamente derivando à feição da rotação do sol, têm, entre o máximo e o mínimo da intensidade, um período que pode variar de nove a doze anos. E como deste muito a intuição genial de Herschel lhes descobrira o influxo apreciável na dosagem de calor emitido para a terra, a correlação surgia inabalável, neste estear-se em dados geométricos e físicos acolchetando-se num efeito único.
Restava equiparar o mínimo das manchas, anteparo à irradiação do grande astro, ao fastígio das secas no planeta torturado – de modo a patentear, cômpares, os períodos de umas e outras.
Falhou neste ponto, em que pese à sua forma atraentíssima, a teoria planeada: raramente coincidem as datas do paroxismo estival, no forte, com as daquele.
O malogro desta tentativa, entretanto, denuncia menos a desvalia de uma aproximação imposta, rigorosamente por circunstancias tão notáveis, do que o exclusivismo de atentar-se para uma causa única. Porque a questão, com a complexidade imanente aos fatos concretos, se atém, de preferência, a razões secundárias, mais próximas e enérgicas, e estas, em modalidades progredindo, contínuas, da natureza do solo à disposição geográfica, só serão definitivamente sistematizadas quando extensa serie de observações permitir a definição dos agentes preponderantes do clima sertanejo.
Como quer que seja, o penoso regime dos Estados do norte está em função de agentes desordenados e fugitivos, sem leis ainda definidas, sujeitas às perturbações locais, derivadas da natureza da terra, e a reações mais amplas, promanadas das disposições geográficas. Daí as correntes aéreas que o desequilibram e variam.
Determina-o em grande parte, e talvez de modo preponderante, a monção de nordeste, oriunda da forte aspiração dos planaltos interiores que, em vasta superfície alargada até ao Mato Grosso, são, como se sabe, sede de grandes depressões barométricas, no estio. Atraído por estas, o nordeste vivo, ao entrar, de dezembro a março, pelas costas setentrionais, é singularmente favorecido pela própria conformação da terra, na passagem célere por sobre os chapadões desnudos que, irradiando intensamente, lhe alteiam o ponto de saturação, diminuindo as probabilidades das chuvas, e repelindo-o, de modo a lhe permitir acarretar para os recessos do continente, intacta, sobre os mananciais dos grandes fios, toda a umidade absorvida na travessia dos mares.
De fato, a disposição orográfica dos sertões, à parte ligeiras variantes – cordas de serras que se alinham para nordeste paralelamente à monção reinante – facilita a travessia desta. Canaliza-a. Não a contrabate num antagonismo de encostas, abarreirando-a, alteando-a, provocando-lhe resfriamento, e a condensação em chuvas.
Um dos motivos das secas repousa, assim, na disposição topográfica.

Continua...
Extraído do livro  Os Sertões – Campanha de Canudos

* barão de capanema


Guilherme Schüch
Guilherme Schüch, posteriormente Guilherme Capanema, primeiro e único barão de Capanema,
 (Ouro Preto17 de janeiro de 1824 — Rio de Janeiro28 de julho de 1908) foi um naturalistaengenheiro e físico brasileiro, responsável pela instalação da primeira linha telegráfica do Brasil. 

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