segunda-feira, 10 de junho de 2013





CIPRIANO, O INCONFORMADO*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)



            Cipriano era diferente de quase todos do vilarejo. Possuía idéias próprias, reformistas e por isso era tido como adoidado. Mas não era nada disso e sim um inconformado que lhe parecia totalmente errado na estrutura do mundo. De princípio achava que quem fez esta droga ou não sabia fazer nada ou então havia feito propositalmente pra lascar muita gente. Começava logo por essa história de dia e noite. Para que diabo noite. Só serve para gastar energia esconder ladrões e safadezas. E daí muita gente vive no escuro e gastando o dinheirinho chorado com gás, óleo ou querosene. Logicamente o certo e conveniente seria tudo claro, com um solzinho brando, suave.
            Outra coisa danadamente errada e besta era o regime das chuvas. Região com chuvas demais, aguaceiros arrasadores e outras desesperadamente secas, matando gente, bichos e lavouras de sede, como se isso fosse alguma brincadeira. Está visto que, quem promoveu essa distribuição das chuvas, ou era fraco do juízo ou o fez de caso pensando para acontecer o que sempre acontece. Quer dizer, usou de má fé.
            Outro erro injustificável e inaceitável é essa burrice de gerar, branco, amarelo e preto; três raças inteiramente diferentes na cor e nos hábitos. E, sobretudo, pergunta-se, para que diabo, tingir de preto quase metade da população mundial, tirando-lhe, além disso, certos direitos. Cipriano, no entanto, não ocultava que as pretinhas sempre foram e ainda são, sob certo ponto de vista, bem melhores que as brancas, que ainda ficam abaixo da raça amarela. Por que não fizeram todas iguais!
            E certa vez Cipriano deixou escapar uma de suas observações: - Havia mais corno branco do que preto ou amarelo. Coisa feia, mas era verdade.
            As bobagens estavam por todo lado. Ora, diga-me só. Para que diabo esse mundão de água salgada. Dois terços cobertos de lagos e mares e os mares umas verdadeira salina. Para criar peixes e navegar não era necessário salgar as águas não.
            E as mulheres engravidarem para terem filhos absolutamente desproporcionais ao seu próprio organismo. Falta de respeito, falta de humanidade, um disparate, uma falta de consciência e excesso de burrice. E os bons dos católicos ainda dizem que foi obra de Nosso Senhor. Puxa diabo. Na verdade o que foi senão uma cavalice. A mesma coisa acontece com os outros animais. Um bezerro, um jumento, um potro, um elefante, santa barbaridade! Por que não se gerarem de ovo? Foi, perversidade ou ignorância total. Deus, uma ova...
            Tem muito mais. Menino passar doze ou treze meses sem saber andar e se alimentar. Pura má vontade de quem os inventou. Pinto, codorna, nambu e outros saem do ovo, correm e procuram alimento. Com que intenção criou cobras venenosas e outros animais ferozes ou depredadores. Puxa diabo! Só um malucoíde. No entanto quem é quase doido é Cipriano. Os gaviões comem os pintos alheios, as raposas, as galinhas, as cobras engolem outras, as onças e os tigres devoram quem encontram e ainda tem idiota que acha que o mundo é uma obra prima e quem o fez; uma suprema sabedoria e bondade: um Deus.
            E os ladrões e criminosos, criaram com que finalidade. E os doidos, os imbecis, uns burroides os deformados física e mentalmente. E os pederastas, os depravados de toda ordem. Também foi Deus? Uma gaita! Ah! E o pior de tudo é essa tal de comida, essa estupidez de ou come ou morre de magro. Além da idiotice de criar gente e bichos, dar-lhe a obrigação de arranjar o que comer. Para os animais herbívoros, ainda criaram as pastagens naturais. Para o resto, se quiser que se dane para conseguir feijão e farinha. Viver sem comer ainda não seria boa coisa, mas essa obrigação danada de produzir alimento foi o pior castigo. Pra que comida. Para engolir parasitos que adoecem e matam. Bela coisa!!!
            E ainda se diz que é uma perfeição e um mundo de sabedoria e genialidade. Pode ser para quem viva à custa dos outros e pouco se da que o resto leve o diabo. Mas Cipriano é quem é doido, burro e besta. Os terremotos, furacões, maremotos, vulcões, catástrofes de toda espécie. São apenas brinquedos da natureza e quem as idealizou e deu de presente à humanidade, um gênio e super poderoso, coisa que Cipriano não engole. E é um mundo desarrumado e perigoso desse que pretendem que Cipriano aceite como obrar divina.
            E então que espécie de Deus é esse da religião católica, apostólica romana. E note-se que os padrecos que vivem a apregoar tal idiotice, achando pouco, ainda criaram o purgatório e o inferno, sem seque respeitar as criancinhas para os quais criaram também o limbo. E ainda mais para enganar os bestas, idealizaram um céu para descanso eterno, destinado àqueles que os sustentam de tripa forra e só alcançam o paraíso depois de morto; morto de repente ou morto de doença braba, após dias, semanas, meses ou anos de sofrimento terrível, muitas vezes ainda, por doença contagiosa que mata a família toda.
            Um mundo ordinário deste em que vivemos parece mais um resumo de tudo quanto não presta, do que qualquer coisa que Cipriano imaginaria e criaria.
            - Estamos conversados. Sou mesmo doido, mas como alguém já disse, não sou burro.
            Nascer magrinho, crescer com fome, trabalhar como um mouro, dormindo no chão de casa gotejante e sem porta, morrer desamparado, aleijado, magríssimo ou inchado, ser enterrado por caridade e a alminha inventada pelos padrecos ir direta para o purgatório ou para o inferno só porque disse que seu vigário era feio ou passou no papo a mulher do próximo e torrou a filha do sacristão.
            Perdão, padre nosso que está no céu...
            Perdoa amigo velho, o coitado do Cipriano!!!...
           
*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.
           
           
           
           

            

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