A
SORTE DE CRISALINA*
João Henriques da
Silva
(In Memoriam
20/09/1901 – 16/04/2003)
Crisalina, casada, morena, bem
bonitona e atraente, era uma criatura de muita sorte. Mas o casal, apesar de
não ter filhos, vivia num regime de rígida economia. Pasqualino não queria
dever a ninguém e sua profissão de vendedor ambulante não lhe rendia com sobras.
Crisalina era dessas pessoas
comunicativas e sempre tinha amigas a visitar. Pasqualino saía e logo depois do
arranjo da casa, trocava de roupa, perfumava-se com um pouquinho de água de
colônia das mais baratas e saía também. E como era bem dotada de sorte, sempre
achava, um anelzinho, uma pulseira, um brinco, e ás vezes, dinheiro. A princípio,
Pasqualino aceitava aquela boa sorte. - É, havia mesmo pessoas assim. Vai
saindo e vai logo achando qualquer coisa.
Crisalina passava semana inteira sem
encontrar nada. Noutras semanas o astral lhe era benéfico e foi não foi,
mostrava a Pasqualino o objeto achado. Não fazia mistério e mostrando teria a
confiança do marido.
Mais a coisa não parava e Pasqualino
andava de orelha em pé. Crisalina esta com sorte de mais.
Iria observar a coisa mais de perto.
Isso até lhe doía na consciência, pois Crisalina era da maior seriedade e
confiança. Poderia estar cometendo uma grande injustiça. Mudou, assim, de
idéia. Suspeitar de sua mulher, tão carinhosa, tão boa, tão honesta, era um
grande absurdo. Arrependeu-se do mau pensamento e quase lhe confessava e pedia
desculpa. Pois não era. Como se atrevia a fazer tal julgamento de sua santinha.
Por certo estava ficando com a moleira mole. Talvez cansaço, aperreio devido a qualquer
coisa anormal. Coisa que pode acontecer com qualquer vivente deste planeta.
Depois de um duro dia de jornada,
voltou à casa estremunhado. O jeito era arranjar outra atividade, pois desejava
dar mais conforto a sua fiel Crisalina. E falou com ela a este respeito.
- Não meu filho, não te mate tanto e
nem te preocupes com tua mulherzinha. Temos onde morar e não nos falta comida.
Está tudo ótimo. E olha aqui o que achei hoje. Este reloginho. No meio da rua,
meu querido. Essa gente não cuida do que possui. Quase pisava bem em cima.
Chega tomei um susto. Como já tenho um pode-se vender um dos dois. O mais velho.
- O meu não, este não. Foi presente teu.
- Mas que cabeça esta minha.
- Deste não me desfaço nunca.
Perdoa-me.
Pasqualino voltou a desconfiar. Já
andava com medo de tanta sorte. E não teve outro jeito senão comentar o negócio.
- Mas Crisalina, que tanta sorte é
esta tua. Se passares o dia andando por aí, nem precisaremos trabalhar.
Vivia-se só dos teus achados. Que diabo, eu ando o dia inteiro e não acho nada.
Que sorte exagerada é esta tua?
Crisalina percebera que a coisa
estava entortando. Não adiantava justificativas bobas. Poderia até se perder,
cair em contradição. O meio era endurecer e falar sério, recriminar o marido e
se possível e necessário, até ameaçá-lo pela falta de confiança.
- Não tenho culpa de ter sorte.
Estás ouvindo! Andas pela rua de cara para cima, certamente de olho nas
mulheres que vão passando. É isto certamente que andas fazendo. De olho nas
mulatas e sem olhar para o chão não se pode achar nada, absolutamente nada!!!
Será que chegas a desconfiar de
minha fidelidade. Já percebestes alguma diferença quando estás comigo. Duvido.
Sou uma mulher escrava dos meus deveres conjugais, mas se queres, não sairei
mais de casa e o que encontrar, lá mesmo deixarei!
- Não é nada disto, mulher. Apenas
fico impressionado com tanta sorte. Confiança? Tenho demais em ti. Como chegas
a pensar em certas coisas. Não ando de olho em ninguém. Meus pensamentos, meu
trabalho, minhas lutas são exclusivamente teus. Mas parece-me um milagre
andares achando tanto.
- Acho porque procuro, olho para o
chão, onde se encontram as coisas perdidas. De cara para cima é que não se
encontra nada. Leva-se é topada.
- Está bem, neguinha, basta, basta.
A desconfiança desta feita ficou.
Pasqualino entendia que algo estava errado. Não era comum tanta sorte. E levou
três semanas com atenção. Não tirava os olhos dos lugares por onde passava.
Achava nada. Nem brinco, nem anel, nem pulseira e muito menos relógio. O meio
que a consciência lhe sugeria era seguir, espreitar Crisalina. Achava uma coisa
meio ridícula, mas não era fácil escapar daquela maldita suspeita. E então, foi
para o trabalho e não foi. Crisalina apareceu á porta da saída. Estava tão
bonita, tão graciosa que Pasqualino quase desiste. Tinha a impressão que nunca
havia visto tão atraente. Crisalina deu um retoque nos cabelos com as mãos
perfumadas e saiu. Andava, olhando ao longe como quem procurava alguém que não
era brinco nem relógio. Entrou numa casa cuja porta já estava entreaberta. E
sumiu. Pasqualino, disfarçadamente, sondou de quem era. Era a moradia de uma
velha que não se sabia bem de que vivia. Falavam que deitava cartas e fazia
predições. Mesmo assim era tida como uma casa suspeita. Pasqualino colocou-se
numa posição que poderia perceber quem saia ou entrava pela frente e pelos
fundos. E depois de muito e muito tempo, a velha cartomante chegou á janela,
pesquisou o tempo e a rua e entrou. Ao mesmo tempo um sujeito saia pela porta
de traz. Mais alguns minutos Crisalina apareceu á porta, sondou o ambiente e
saiu. Num passinho leve e ligeiro, afastou-se. Pasqualino enterrou-se dentro de
si mesmo. Não tinha mais duvida de que estava sendo traído. Mas, só a hora
certa voltou de seu trabalho.
- “Não saístes hoje?”
- Não para não suspeitares de mim. E
não quero mais achar nada.
- Estás a mentir. Acompanhei os teus
passos. Junta tuas roupas e o que possuis e some-te daqui, antes que te mate.
Vai sair e não quero mais te ver. Estavas achando as coisas com a tua pouca
vergonha. Descarada.
E Pasqualino, depois, preparou-se e sumiu.
Iria procurar uma mulher que não achasse as coisas....
*Este conto pertence ao livro “Vidas
Nordestinas”, no prelo.
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