terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

CREDULINO


CREDULINO*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)


Quem era por Nossa Senhora, que não conhecia Credulino, uma criatura ótima e que aparentemente, acreditava em tudo que se dizia. Faveleira, uma dessas pequenas cidades do sertão da Paraíba, tinha seu Credulino como um passa-tempo e um prato feito para os espertalhões. Mas o que acontecia é que Credulino se fazia trouxa para pegar os sabidos. Vivia de sua loja, um verdadeiro bazar, onde existia de tudo. De fumo de rolo ao corte de seda. Tudo quanto lhe diziam ou contavam, achava graça e confirmava. De si para si, argumentava que o bom comerciante não deve contrariar ninguém. E, além disso, o que lhe custava concordar, pela rama, com a sabedoria dos outros. O que importava era o seu julgamento íntimo; o partido que podia tirar da boa fé dos outros. Rara era a pessoa que não se vangloriasse de haver enganado seu Credulino.
Mas enquanto faziam assim, seu Credulino ia estudando de um por um e alimentando sua vaidade. O negócio era poder enterrar a faca sem o sujeito sentir.
Mas mesmo que sentisse não iria dizer que havia sido enganado pelo boboca do Credulino. A coisa era contar vantagem. E enquanto isto seu Credulino escondia os lucros e tinha a habilidade de manter baixo o sortimento da casa. Nada de aparentar que estava fazendo bons negócios. Para onde o freguês pendesse, ele estava armado para uma traquinagem.  Procurava vender barato umas coisas para impressionar e carregava a mão em sua defesa encurtando o quilo, contagem e metro. Por vezes exagerava medindo, pesando ou contando de mais para conservar sua fama de tolo. Caso alguém reclamasse, apanhava rapidamente um saquinho ou dois dos de 1.100 gramas e punha na balança, acrescentando: Conserte sua balança. A minha está bem tarada. Nos domingos fazia sua aferição nos pesos e medidas... De pouco em pouco a galinha enche o papo. Dias havia em que as prateleiras estavam lá em baixo, desortidas propositadamente. As mercadorias estavam guardadas e por isto sempre existiam alguns pacotes nas prateleiras.
- Minha gente, seu Credulino está nas últimas. As prateleiras quase vazias.
- Só pode, não sabe pesar nem medir. A balança vai acabar com ele. Mas deixa pra lá. Aposto que não está fazendo nem pra comer. Vai ficar de esmola e não vai custar muito.
- E quem manda ser idiota. E também, para que aquele trouxa que dinheiro. Em tecidos, são quatro pecinhas de madapolão, chita, algodãozinho e brim ordinário. E não vende. Sempre o sortimento é o mesmo.
Mal sabiam que seu Credulino o estava sempre renovando. O depósito lá dentro estava bem sortido e a gaveta da cômoda velha de cedro se enchendo.
-Meu compadre, tomam tudo que seu Credulino tem. Já está reduzido a pó de traque.
Para medir fazenda seu Credulino usava uma técnica especial. Enquanto o freguês estava de olho na mão direita que levava o tecido, ele escorregava alguns centímetros na esquerda.
Aprendera essas coisas com o turco com quem trabalhara como empregado e que, aliás, foi quem lhe ensinou a ser tolerante e aceitar as reclamações dos clientes, achando-os sempre corretos. “Cada briga perde um freguês”. Pensou algumas vezes em abrir uma grande casa, mas se denunciaria e ninguém ira acreditar numa riqueza lícita. Se não proviesse de furto, teria sido passando dinheiro falso. Estava na vista. Oportunamente mudar-se-ia de lá então, espocava.
Às vezes pensava que nem valia a pena sair. Iria lutar muito mais e, além disso, desfalcar o cofre. Afinal de contas, o que valia mesmo era o dinheiro, somente o dinheiro. O tinir das moedas e a maciez dos maços de notas. Por prudência, nem pensava em casamento. Maiores despesas e maiores preocupações.
A coisa continuava ao gosto de seu Credulino, embora o falatório lá fora fosse aniquilador. Sozinho com uma empregadinha doméstica, as despesas eram limitadíssimas e os lucros iam sendo engavetados. Como só comprava à vista ia logo ganhando na compra. E mais um ano se foi sem que Credulino quebrasse, como esperavam. E parecia mais tolo ainda. Sua casa - A Barateira – conservava o mesmo padrão de negócios. Nem subia e nem desci. E foi nessa fase que Pedro Albérico, sujeito sempre reservado fez uma advertência aos que consideravam seu Credulino um boboca e em caminho da derrota comercial.
- Olha minha gente, creio que todos nos estamos equivocados com seu Credulino. Ele não é o besta que se supõe. Deve estar é se enchendo de dinheiro, mesmo com aquela malevolência. Reparem que o estoque de mercadoria é pequeno, mas não lhe falta para atender a freguesia. Repõe diariamente o que vai saindo. E donde tira. Certamente de estoque escondido. O que me parece que é um grande espertalhão. A freguesia aumenta, na expectativa de vantagens e ele forrando o bolso.
- Deve estar comprando fiado e qualquer dia destes, liquida-se.
- Espera deitado, que em pé cansa. Aquilo foi caixeiro de turco e deve ter aprendido muitas manhas. Turco começa com um bauzinho pelas portas, batendo um metro e termina rico, dono das melhores casas comerciais. E é isto que vai acontecer com seu Credulino. Aguardem-se. Os idiotas somos nós. Já repararam que sempre distribui presentinhos com a meninada da freguesia. É uma tática de atrair. Toda mãe é sensível ao agrado feito aos filhos e estes arrastam a freguesia. Menino não quer saber quanto custam às mercadorias. Só interessa-lhe os bombons que recebem – “Vamos comprar na Barateira, mãe. Lá tem confeito”.
Quanto menos se esperava seu Credulino comprou uma casa no local da feira. Casa para comércio, com quatro portas. Um casarão. Mandou retocá-la e pintar. Contratou um carpinteiro e com pouco tempo saíram: o balcão e as prateleiras. O letreiro estava lá – O Novo Baratão – dias depois as prateleiras se encheram. Um bazar completo. Tecidos, secos e molhados. Um armarinho. Dois empregados. Um rapazinho e uma moça. Fez a inauguração no meio da semana e distribuiu confeitos e doces à meninada. As mocinhas e senhoras, sabonetes cheirosos e pó de arroz Coty. Aos homens. Cigarros, charutos.
Credulino mudou completamente de sistema de vida. A fase dura, difícil, havia passado. Tinha que ser assim, enquanto estava moço e fogoso. Dali para frente poderia evitar inteiramente qualquer manobra. Bastaria zelar o que possuía e fazer um comércio limpo. Esquecer as lições do turco.
- O que era que eu dizia a vocês? Olha aí o Credulino com a maior e melhor casa de negócio da cidade. O que pensavam ser tolice, não passava de esperteza. Gente com cara de besta quase sempre é manhoso. Enrolou e zombou de todos nós. – “Coitadinho do Credulino” e ele enchendo as algibeiras. E vejam como mudou de fisionomia. Parece irreconhecível. E dizem que irá se casar. Esperem que qualquer dia destes comprará uma residência das melhores. E vai ter influência política! Vão ver.
-Duvido que, sabido como é, vai se meter em politicagem. Isto é coisa para gente vaidosa e besta, que gasta o que tem para eleger espertalhões.
- Será disputado pelos dois partidos.
E de fato não demorou. Credulino foi cercado.
- Vamos a ele. Cheio das granas poderá ajudar muito nosso partido.
- Boa tarde seu Credulino. Viemos fazer-lhe uma visita e cumprimentá-lo pelo seu grande êxito.
Foram deslizando na conversa até encostar-se ao objetivo verdadeiro. A política, seu Credulino, é a mola propulsora do progresso. E as pessoas de prestígio, como o senhor, são imprescindíveis. Precisa-se justamente de homens de tino administrativo, como o senhor. Mas tarde poderá dirigir os destinos de nossa cidade. Creio que podemos contar com o seu apoio franco e decidido.
- Pois é. Comerciante de tino não se filia à política. Conheço vário que se arruinaram por isto. Entram na política, esquecem os seus negócios, gastam o que tem e no final das contas não lhe aparece mais uma viva alma. Às pessoas afortunadas não faltam amigos. Aos decaídos, o desprezo e a solidão, além dos comentários jocosos. – “Aquele besta meteu-se em política para eleger os outros e arruinou-se. Bem feito para deixar de ser burro”.
De política partidária, não desejo ver nem a notícia. O pouco que hoje possuo, custaram-me os olhos da cara, enquanto me considerava um bobalhão. Somente eu sei o que curti para chegar a ter esses bagulhos.
A única coisa que tenho para dar é o meu voto e isto mesmo se o candidato merecer. Quero é ser amigo de todos e aumentar minha freguesia. No dia que me filiasse a um partido, os adversários sumiriam de meu balcão e ainda fariam campanha conta minha casa comercial. Pois é. Contem comigo, onde estiver menos no balcão da política. Minha parte estou fazendo. Abri uma loja apresentável, sortida, continuarei a vender barato e dormirei tranqüilo. Dinheiro para política nem um vintém. Eleja-se quem tiver prestigio. Vejam o Serafim. Está aí tomando benção as ticacas. Comeram-lhe o dinheiro que possuía, fecharam-lhe a casa comercial e não lhe arranjaram nem um lugar de coveiro ou porteiro de cemitério. Enquanto tinha o que dar aos sabidões, era seu Serafim pra aqui, seu Serafim pra acolá! Hoje não passam nem à porta dele para saber da saúde. Tem receio que peça alguma coisa. E quando eu estiver de esmola, ou morrer não irão nem ao meu enterro. Defunto não vota... Nem chaleira ninguém. Além do mais, quando vivia na pedra, quem se lembrava de Credulino, afora sua freguesia. Somente Deus que me ajudava e continua ajudando. Políticos! Desculpem-me, tem duas caras e nunca se sabe qual é a certa. Meus eleitores são minhas mercadorias e meus fregueses. Neles eu voto tranqüilamente. Foram eles que me deram esta nova “Barateira”. Disponham dela e me deixem na santa paz do Senhor. Obrigado pelo presente de gregos... Credulino é um tolo, mas não tanto pra entrar em política... Falem-me em alguma coisa que me traga vantagem, que reforce minhas economias. Nada que me tire dinheiro ou a paciência. E depois o que vai ver em política um toleirão, quase falido como diziam, nessa fase imaginária, sofri o diabo, calado e revoltado com a preocupação de muitas pessoas contra a forma de vida que eu tinha e que não era da conta de seu ninguém. Para chegar onde estou, era obrigado a fingir e suportar o visco das más línguas. Não passava de um zé-ninguém, na opinião geral. E agora tenho a confirmação de que o valor das pessoas está em função do dinheiro que possuem. A pessoa mesma é como um saco vazio que só tem importância quando se enche e se sabe que está cheio. O mundo é assim e não fui eu quem o fez. Quem me representa são estas prateleiras superlotadas de mercadorias. E elas só votam em mim e nos meus clientes. Eu próprio continuo sendo aquele Zé-ninguém que estava quase falido... Muito bem. Creio que já me expliquei.
- Até logo seu Credulino. De qualquer maneira seja nosso amigo.
- Está certo. Honro-me com isso. E espero que me compreendam. Minha Barateira está as suas ordens.

24/09/1986
*O conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.



segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

INFERNO









SEM COMENTÁRIOS

BLACK BLOC ?




PERFIL DO MILITANTE DO CAOS



É o cara que se escandaliza com Bolsonaro, mas não vê problema algum em Graça Foster, em Dilma, em Lula.
É o cidadão que se preocupa com os centavos da passagem de ônibus, mas ignora os milhões da Petrobras.
É a moça que defende o aborto, mas considera a palmada um crime hediondo.
É aquele que odeia os judeus e quer a destruição do Estado de Israel, mas faz campanha contra o racismo e xinga os adversários de nazistas.
É aquele que acusa Bolsonaro de ser apologista do estupro, mas ignora o professor que defendeu o estupro de Rachel Sheherazade.
É aquele que chama empresário de sonegador, mas aceita a maquiagem fiscal da Dilma.
É aquele que protesta quando morre um traficante, mas festeja quando morre um policial militar.
É aquele que não se importa em destruir a vida do adversário, se isso for importante para a causa.
É aquele que passa a odiar sua cidade quando a maioria não vota em sua candidata.
É aquele que chama o caso Celso Daniel de “crime comum”.
É aquele que usa a expressão “ação penal 470” para se referir ao mensalão.
É aquele que prega a estatização do financiamento eleitoral.
É aquele que usa a palavra “estadunidense”.
É aquele que tem uma grande simpatia pelos nanicos da linha auxiliar do PT.
É aquele que não vê nada demais no fato de o PIB per capita da Coreia do Sul ser de 32 mil dólares e o da Coreia do Norte, de 1.800 dólares. Afinal, a Coreia comunista é mais igualitária.
É aquele que apoia o movimento gay, mas também apoia o regime cubano, que já fez campos de concentração para homossexuais.
É aquele que acredita em governo grátis, mesmo quando o País trabalha até maio só para pagar impostos.
É aquele que odeia a censura, mas quer o controle social da mídia.
É aquele que faz tudo para acabar com a família e a igreja, pois sabe que elas são os principais focos de resistência ao poder do Estado e dos movimentos sociais.
No fundo ele sabe que o país está sendo saqueado, exaurido, violentado – mas diz que o problema é o Bolsonaro.
É aquele que nunca perdoa.
Publicado originalmente no Jornal de Londrina POR Paulo Briguet. Artigo publicado em 19.12.2014
 Pax et Lux et Bonum!
Ética, um Princípio que não pode ter Fim (Levy)
Ethic, a principle that cannot end (by.Elio)
L´étique, un principe qui ne peut pas finir (par Stela)



CRIME NO ARARIPE


CRIME NA SERRA DO ARARIPE POR: IDERVAL TENÓRIO

Era noite do dia 23 de junho de 1928, o estrategista desconhecido chegou sorrateiramente e sem nenhuma dúvida ou remorso metralhou toda uma família de dezoito componentes, do mais velho ao mais novo dos Pereiras e alguns serviçais, vasculhou todos os aposentos, conferiu cada um dos corpos, montou no seu alazão, arrumou a sua geringonça noutro animal e sumiu estrada afora...
No nascer do sol os caseiros da fazenda, que moravam nos recantos mais distantes da sede, jamais imaginariam , que aqueles estrondos de bombas de artifícios juninos fossem balas da mais afamada metralhadora nordestina, apelidada de costureira, dizimando toda a família patronal, o autor não deixou pistas, não deixou um único rastro da autoria do crime , em nada mexeu, a mesa continuo posta, cadeiras caídas no chão, sangue salpicados nas paredes, alguns corpos debruçados sobre a mesa, animais domésticos circulando pelo ambiente à procura de restos, panelas no fogão a lenha, algumas com os alimentos esturricados, todos os potes e barricas aos cacos, água ensopando os corpos e estes com vários orifícios transpassando os tórax na altura dos peitos, todos, todos sem vida.
Na Serra do Araripe, não ficou um só cristão que não tomasse conhecimento da fatídica tragédia, quem era aquele forasteiro, porque aniquilou toda uma família que até aqueles dias se mostrava pacata, trabalhadora e honesta, não se conheciam inimigos num raio de 50 quilômetros, os Pereiras eram respeitados naquela redondeza, era o ano de 1928 , Lampião e o seu bando, já se encontravam pelos lados da Bahia, naquele arrebol já reinava a paz, muitos núcleos familiares se expandiam com os casamentos consanguíneos e moravam em casas equidistantes desde quando uma avistasse a frente ,a lateral e a saída da outra, era uma maneira de um proteger o outro. A dúvida tomou conta da pequena população, quem foi o forasteiro que cometeu tão sanguinário crime.
Os familiares distantes apareceram, os corpos foram contados, muitos não possuíam documentos, os serviçais só tinham apelidos, todos foram sepultados em covas rasas enfileiradas nos aceiros da velha estrada , fincado uma cruz na cabeceira de cada monte de terra, primeiro o chefe , depois os outros por ordem de importância. A polícia foi informada, compareceu timidamente e pelo pequeno contingente três soldados, dois cabos, um sargento , pouca munição e seis mulas esquálidas foi a primeira a fugir com receio de ser atacada de surpresa pelo o assassino ou os assassinos dos Pereiras, nunca mais apareceu ou tomou conhecimento dos fatos.
A sede da Fazenda ficou abandonada por pouco tempo, os moradores mais antigos aos poucos foram se acostumando com o acontecido, os parentes mais distantes voltaram para os seus distritos, ficando apenas as indagações sobre o horrendo crime, quem teria motivos para tal desventura, roubo não foi, só poderia ter sido vingança, a melhor maneira de cobrar dos desafetos os males cometidos em datas
anteriores, só poderia ser vingança, não haveria outra explicação, só poderia ser vingança.
O PASSADO...
Conta o velho Malaquias do altos dos seus 90 anos, que tempos atrás, lá pelos meados de 1871, quando um jovem padre de 27 anos de idade assumiu a capela do povoado Tabuleiro Grande no Sul do Ceará, hoje Juazeiro do Norte, duas famílias de Alagoanos foram morar nesta região para ajudar este jovem missionário. Com as duas famílias completas, o jovem Padre aconselhou aos amiguinhos que fossem morar na Serra do Araripe plantar feijão de pau, conhecido como o serial ANDÚ muito apreciado naquele mundo. As famílias se deslocaram e começaram a habitar a mesma gleba de terra por manterem parentesco , viviam em paz até o dia em que, o governo de Pernambuco resolveu legalizar a posse e criar uma escritura, houve desentendimento entre os líderes de cada família e numa noite escura do dia 23 de junho de 1897, ano em nasceu Virgulino Ferreira Lampião , uma das famílias aniquilou todos os componentes adultos da outra família, todavia, cometeu um grande pecado, não vistoriou todos os aposentos da pequena casa e lá deixou vivo um criança de 09 meses que engatinhava por debaixo da cama do infeliz casal aniquilado .
A criança sem pais , sem parentes foi assumida por tropeiros, que cruzavam a velha serra Pernambucana com destino à mais nova vila Nordestina no sul do Ceará, a famosa vila do Juazeiro que crescia com muitos fanáticos religiosos devido o milagre da Beata Maria de Araújo em 1889, quando na comunhão, a hóstia saída das mãos do Padre Cícero se transformava em sangue e derramava-se pelos cantos da boca da jovem negra e beata de 28 anos de idade. A criança foi criada no mais diferente mundo que deveria ser criado, não tinha paradeiros, não tinha endereço fixo e à proporção que crescia tomava conhecimento da grande chacina que aniquilou uma determinada família, no topo da Serra do Araripe no idos de 1897, a criança cresceu, virou homem . Naquela redondeza não se conhecia o seu destino ou paradeiro. A família que cometera a esquecida e distante chacina se encontrava bem instalada e próspera no cume daquela abençoada Serra , o cangaço que reinava na região estava em baixa devido acordos feitos pelos governadores da época dando total poderes à polícia a entrar no território do outro à caça de qualquer desordeiro. Grassava no arrebol o sentimento de congraçamento e descontração devido o grande número de parentes casados entre si, existia calmaria.
A VINGANÇA...
O Jovem morava num pequeno sítio distrito da então e próspera cidade de Juazeiro do Norte , conhecia muito bem a grande Chapada do Araripe , divisa do Ceará com Pernambuco, celeiro fóssil das Américas , hoje fazendo parte do Geoparque do Araripe.
O jovem procurou se familiarizar com os moradores do distrito , aos poucos foi mapeando o fatídico acontecimento de 1897 e localizando os familiares que junto com os seus pais se mudaram para a velha serra a pedido do jovem padre em 1871, ficou claro e ciente de cada componente, colheu a história da época , como mercante compareceu à sede da fazenda e conheceu cada membro. Voltou aos seus afazeres de almocreve e numa noite de são João , quando os fogos de artifícios pipocavam nos ares da silenciosa serra, o jovem estrategista, na sorrelfa executou o seu vingativo e mirabolante plano, eliminando de uma só vez todos os descendentes dos criminosos da noite de São João do século passado , tomando o cuidado de vistoriar exaustivamente todos os aposentos, todos os ambientes e arredores para não cometer os mesmos erros dos autores da chacina de 1897, com esta atitude fechou o ciclo do grande ditado do povo nordestino: quem comete um mal um dia será vingado pela vitima, pelo filho da vítima, pelo neto ou bisneto da vítima, um dia o crime será vingado.
E foi assim que se desenrolou a grande chacina de 1897.
Vingança, pura vingança.
PIderval Reginaldo Tenório

http://www.cariricangaco.com/

fóssil do Araripe

FÓSSIL INÉDITO DE 120 MILHÕES DE ANOS É ENCONTRADO NA BACIA DO ARARIPE, NO CEARÁ

Por Tribuna do Ceará em Cotidiano
20 de janeiro de 2015
Um artigo sobre a descrição do fóssil foi publicado recentemente nos anais da Academia Brasileira de Ciências para anunciar a descoberta do achado.





Imagem da Cratosmilax jacksoni (esquerda) publicada na pesquisa da professora Flaviana Jorge de Lima. À direita, foto da Japecanga, que é uma representante atual do fóssil (FOTO: Divulgação)Imagem da Cratosmilax jacksoni (esquerda) publicada na pesquisa da professora Flaviana Jorge de Lima. À direita, foto da Japecanga, que é uma representante atual do fóssil (FOTO: Divulgação)


Um achado fóssil inédito de 120 milhões de anos será anunciado nesta quarta-feira (21), por pesquisadores da Universidade Regional do Cariri (Urca), no Geopark Araripe, em Crato. Trata-se de uma planta do período Cretáceo inferior que ainda possui representantes atuais na encosta da Chapada do Araripe, conhecida popularmente como Japecanga, da família da Smilacaceae.
Um artigo sobre a descrição do fóssil foi publicado recentemente nos anais da Academia Brasileira de Ciências para anunciar a descoberta do achado, cujo nome Cratosmilax jacksoni é uma homenagem ao professor Jackson Antero (in memoriam). O docente foi um dos grandes nomes que se ergueu no Cariri na luta incansável pela preservação da Chapara do Araripe, e chegou a ser o chefe da Área de Proteção Ambiental da Chapada do Araripe (APA – Araripe).
A Smilacaceae é uma família de plantas monocotiledôneas basais que ocorrem em basicamente todos os continentes e está relacionada com a origem de plantas com flores. Fósseis dessa família são conhecidos desde o Cretáceo Superior. No artigo é apresentado o novo gênero e espécie (Cratosmilax jacksoni) da família do Cretáceo Inferior (Aptiano-Albiano), encontrado em lâminas de calcário da Formação Crato, na Bacia do Araripe.
Ainda conforme os pesquisadores é o mais antigo registro de Smilacaceae. O fóssil descrito é baseado em uma folha com características semelhantes às do gênero Smilax, frequente nas Américas, Europa e sudeste asiático. Segundo o orientador da pesquisa, professor Álamo Feitosa, o fóssil em perfeito estado foi resgatado nas minas de calcário laminado, em Nova Olinda. O achado ocorreu em 2012. O trabalho de descrição foi realizado por uma equipe de pesquisadores da Urca, e tem como autora a professora Flaviana Jorge de Lima. Ela destaca que essa é a primeira pesquisa a ser descrita com localidade estratigráfica, possibilitando estudos detalhados das camadas das rochas.
Com informações da Urca
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Academia Brasileira de Ciências
 Chapada do Araripe
 Cratosmilax jacksoni
 fóssil
 Geopark Araripe
 Jackson Antero
http://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/cotidiano-2/fossil-inedito-de-120-milhoes-de-anos-e-encontrado-na-bacia-araripe-no-ceara/

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

O ALUNO BRASILEIRO



O ALUNO BRASILEIRO BUSCA A EXCELÊNCIA?

Quando escrevo aluno brasileiro, refiro-me a um conceito generalizante e não a qualquer aluno brasileiro. Por este conceito, estou tentando visualizar características pertencentes a maioria dos alunos brasileiros e, neste artigo, se a busca pela excelência seria uma dentre elas. Além disso, restrinjo o campo de observação a minha  experiência como professor do ensino fundamental, médio e superior na cidade de Campina Grande, Paraíba, há mais de quarenta anos.
Esta questão deve ser logo respondida como um não. Isto é, a maioria dos alunos brasileiros não vão à escola buscar a excelência no domínio de uma área do conhecimento e, nem tão pouco a excelência no domínio do conhecimento como um todo.
A meta do aluno brasileiro é ser aprovado em cada disciplina em que se encontra matriculado. Saber, dominar, todo o conteúdo da disciplina é secundário. Doravante, refiro-me ao aluno brasileiro apenas pela palavra aluno.
Tanto é assim que, ao ser considerado aprovado, por ter obtido média igual ou maior que sete nas avaliações parciais de uma dada disciplina, o aluno imediatamente cessa de estudá-la. Observe, ele assim o faz mesmo não tendo tirado nota dez; mesmo assim, o seu foco é concentrado nas disciplinas que ainda não obteve aprovação.
Quando o aluno obtém média inferior a quatro nas avaliações parciais de uma dada disciplina, ele está automaticamente reprovado. Todavia, em algumas escolas, há ainda um processo de recuperação, ensejando a oportunidade do aluno participar de uma avaliação global do seu aprendizado na disciplina. Em outras, a recuperação é oferecida para cada avaliação parcial, de modo que o aluno poderá até mesmo ser aprovado por média.
Se o aluno obteve nota média inferior a sete e superior ou igual a quatro nas avaliações parciais de uma dada disciplina, ele estará automaticamente habilitado a participar da avaliação global no processo de ensino aprendizagem disciplinar.
Uma vez aprovado, o aluno cessa de estudar a disciplina, mesmo que tenha passado com nota global mínima, no caso 5. Portanto, o foco não é a excelência no domínio do conhecimento do conteúdo de uma dada disciplina, mas na aprovação nos exames avaliadores do processo de ensino aprendizagem da mesma.
Ser considerado aprovado é sempre motivo de comemoração, mesmo que esta aprovação seja obtida mediante o Conselho de Classe. Neste o aluno reprovado, tem a oportunidade de ser considerado apto a continuar os seus estudos nas etapas superiores, mesmo não tendo obtido nota mínima necessária para a sua aprovação na disciplina.
O que legitima outorgar igual título de aprovação aos alunos, independentemente da aprovação ser com nota máxima ou mínima? O mercado de trabalho e/ou o governo federal. Ser portador de um histórico escolar brilhante não é garantia de sucesso na vida profissional, assim como não tê-lo não é passaporte para o fracasso profissional. E o governo federal está prioritariamente interessado nos números de formados; quanto maior, melhor. Aliás, igual interesse dos empregadores, maior oferta, menor salário.
Este mundo acima descrito é o oposto do mundo das práticas esportivas profissionais. Lá os que militam buscam a excelência. Lá não adianta em nada apenas participar, o que importa mesmo é vencer. Ao vencedor toda a glória, aos derrotados a vergonha e o choro.
Da escolinha de futebol à condição de jogador profissional de futebol só avança quem tem real vocação, determinação na execução dos exercícios, pontualidade, disciplina... mérito. Ser o melhor, estar em primeiro lugar, mesmo que coberto com uma postura de humildade, de respeito ao adversário, etc... é o que efetivamente importa. Afinal, o que interessa a quem paga ingresso é vê o seu time vencedor, é gritar gol, e cantar "que felicidade, o meu time é o melhor da cidade".
Diferentemente, para quem paga as mensalidades escolares e outros custos, em que importante é a aprovação nos exames escolares, para o torcedor o que efetivamente importa é o resultado final.
A consequência disso é fácil de ver mediante outros olhares. Compare, por exemplo, os  salários dos professores universitários - os que recebem maiores salários - com os dos treinadores de futebol. Estes nem precisam de sindicatos, de carreira estável e nem de greves para garantirem melhores salários do que os que são pagos aos professores universitários.
Além disso, as pessoas que se aventuram na profissão de treinador de futebol não precisarão ficar, a vida inteira, amarguradas por estarem condenadas a ensinar a quem não quer aprender em primeiro lugar; mas, muito mais e muitas vezes apenas, ser aprovado nos exames da disciplina.
Se, também, o treinador não tornar o time que treina campeão, logo estará desempregado. Não é o caso dos professores, estes terão para sempre os seus empregos garantidos e os seus salários melhorados, independentes do sucesso profissional, caso exista, dos seus alunos.
Para que não julguem, precipitadamente, que culpo o aluno por este cenário, devo lembrar que a criança não opta por entrar ou não na escola. A ela, a escola é imposta sem consulta e é para o seu "bem". Depois, sair dela não é fácil. O medo vai está presente tanto no ficar para enfrentar os exames, quanto no sair da escola sem diploma.
Também não culpo os professores, não me culpo. Nós nada mais somos do que alunos que receberam os diplomas, mas não soubemos viver longe da escola. Assim, somos eternos estudantes, cada vez mais envelhecidos e distantes da vida fora da sala de aula e dos laboratórios de ensino e de pesquisa.

Dr. Hiran de Melo - Professor Associado da UFCG

Postado há 4 days ago por Hiran Melo

domingo, 25 de janeiro de 2015

NAÍRA


NAÍRA*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

Naíra era uma menina angustiada. No entanto não deixava transparecer. Internada desde a infância, num orfanato. Desde os oito anos, começara a sonhar com o mundo lá de fora. Os passeios que faziam, enfileiradas duas a duas, aguçava-lhe ainda mais a ansiedade de se ver livre daquele ambiente fechado e sem perspectivas.
Atendendo aos apelos da diretora do orfanato, famílias mais famílias iam ali e levavam outras companheiras que seriam adotadas e teriam a vida que Naíra tanto desejava. Mas parecia uma maldição. Ela sempre ficando dentro daquelas quatro paredes que limitavam os seus sonhos. As Irmãs preferiam que ela ficasse. Era, enfim, uma pessoa útil aos trabalhos do internato. Conduta exemplar, diligente e estimada. Mas ignorando essa particularidade, julgava que era simplesmente má sorte. Nunca era apresentada nos momentos das escolhas. Sua aplicação em tudo que fazia, tirava-lhe o interesse das Irmãs em facilitar sua saída. Dava-lhe vontade de pedir, mas retraia-se diante do acolhimento que recebia. A ingratidão seria um sentimento desprezível, no seu entender. Mas o que pretendiam fazer dela naquele internato. Quanto tempo ainda levaria metida ali dentro naquele cotidiano amargo. É verdade que os estudos enriqueciam seu espírito e poderiam mudar inteiramente sua vida mais tarde. Mas, se nunca lhe viesse oportunidade de libertar-se, para ir ver o mundo lá fora, o mundo que ela imaginava e via apenas de longe, superficialmente, parecia-lhe, então, que o meio seria fugir, aproveitar-se da confiança que merecia, e não ficar mais uma hora sequer só a sonhar.
Naíra, entretanto, não aprendera a ser indigna e falsa. Era esperar que chegasse sua vez. Não era possível que um dia qualquer, chegasse a ser vista e convidada. Antes pensava que teria direito de escolher um casal que lhe agradasse, que lhe fosse simpático e que Deus a livrasse de cair em casa de velhos conservadores, gente do passado. O ideal seria gente moça, que sempre saísse, e freqüentasse lugares alegres. No entanto já estava disposta a tudo. Afinal de contas era confiar sua sorte ao próprio destino.
E numa quarta-feira de setembro, um casal de velhinhos de uma aparência agradável, entrou em companhia da Irmã Superiora. Talvez fosse apenas uma visita e esse pensamento entristeceu Naíra. Sentia fugir-lhe mais uma oportunidade.
A Irmã pediu que todas se levantassem. Foi um momento de expectativa. Quem seria a escolhida. Todas o desejavam, exceto as menores que não possuíam ainda uma noção exata do que era o internato. O casal demorava na escolha. Conversavam em particular até que apontaram em direção a Naíra. Mas poderiam não ser para ela. Em todo caso sentiu-se nervosa. Depois de entendimento com a Irmã, Naíra notou um gesto negativo.
- Porque, Irmã. Aquela é a moça de nossa escolha, mas já que não pode ser, deixaremos para outra ocasião. Iremos a outro orfanato.
– Mas, com tantas moças para escolha?
- Sim Irmã. É uma questão de simpatia. Foi aquela que nos agradou e seria desinteressante conviver com uma pessoa que não nos despertou simpatia. Se não pode ser aquela...
- É , ela não tenciona sair.
- Não podemos lhe falar. Talvez conversando ela se convença. Como é mesmo o nome dela?
- Naíra. Naíra das Graças. É uma moça temperamental, voluntariosa. Gosta de fazer o que entende.
- Não aparenta.
- Mas, é assim. E por isto ainda está aqui.
- Podemos conversar um pouco com a menina?
- Podem, mas irão se arrepender da escolha. Depois não queiram devolve-la.
- Chame-a, por favor.
- Vem aqui Naíra.
- Boa tarde, Naíra. Estamos aqui à procura de uma moça para nossa companhia. Não se agradaria de ir para nossa casa? É verdade que somos um casal de velhos já sem muita animação, mas em todo caso acreditamos que poderá viver bem com a gente.
- É! Só depende da Irmã Superiora, se ela consentir, irei.
 – E então, Irmã?...
- É como já expliquei, mas o gosto é dos dois.
- Veja bem, Naíra, irá para a companhia de um casal de velhos, sem atração. Em todo caso poderá ter uma vida um tanto folgada. Não será nossa empregada. Será, sim, nossa filha. Será adotada em cartório. Queremos é uma filha, uma pessoa que nos ajude o viver. Nos acompanhará para onde formos. Ou pensa em sair para a casa de seus pais?
- Não. Nunca tive pais. Não sei se existem e se existem, nunca quiseram saber de mim. Logo não tenho pai e não tenho mãe. E mesmo que me aparecessem, jamais os acompanharia. Quem abandona um filho à porta de um orfanato, não tem amor a ninguém. Devo tudo às Irmãs do orfanato. Até hoje têm sido meus únicos parentes e meus amigos. Irei se me quiserem levar. Ao menos darei descanso às Irmãs.
- Irmã. Que nos diz.
- Uma vez que Naíra quer ir, está em suas mãos.
- Ótimo. Então, mande que apanhe seus pertences e vamos assinar o documento de responsabilidade.
- Vai, Naíra, prepara-te. Queres nos deixar, então teremos que nos despedir.
- Quero que me de tempo a despedir-me de todas as companheiras e pessoas desta casa. Assim não sentirei tantas saudades.
- Ora, menina poderá vir aqui quantas vezes quiseres. Lembra-te que será nossa filha. Os trabalhos de casa já estão todos entregues as empregadas. Farás apenas o que desejares fazer o que te agradar.
Uma hora depois, Naíra entrava no automóvel do casal, dirigido por um motorista de quepe. Teve até certo acanhamento. Não estava habituada a conviver com gente rica e importante.
Quase se arrependia de haver aceito o convite. Mas era tarde. O carro rodava, entrando em novas ruas que ela nunca sonhara que existissem. Parou diante de um portão de chácara que um vigilante abriu. Naíra sentiu-se aniquilada com aqueles aparatos todos, embora notasse que os seus protetores viam as coisas com a maior simplicidade. Era como se estivesse chegando a um lugar qualquer. Estava perplexa. Como iria se ajeitar naquele ambiente novo, naqueles espaços todos. Talvez a Irmã Superiora tivesse razão. E ela com aquela roupinha de orfanato, aqueles sapatinhos baratos. Dobrou-se dentro de si mesmo e entregou-se a seu próprio destino.
- Está aí Naíra, onde iremos conviver. Tomarás conta da casa e de nos dois. Não servíamos mais para quase nada. Foi para isto que fomos te buscar. Não te acanhes de nada, faças de conta que nascestes e crescestes aqui. Amanhã já será outra Naira. Está vendo esta velhinha aqui, a dona Angelina, minha mulher. Ela tomará conta de ti. Depois tomarás conta de nos dois. Estás certo?
- Sim senhor. Mas não sei nem andar aqui dentro.
Muitas vezes chegava a pensar que o mundo todo era um grande orfanato. Toda minha vida enfiada lá dentro, sem perspectivas.
No dia seguinte Naíra nada tinha mais em cima de si que lembrasse o orfanato e um mês depois já estava adotada. Afinal, o casal passava a sentir o prazer de ter uma filha. A preocupação era fazê-la feliz. Completar os seus estudos e capacitar-la a dirigir mais tarde, os bens da família. Naíra desfazia-se em atenções sem precisar forçar sua sensibilidade. O que fazia era tão natural e espontânea que nem dava para perceber qualquer esforço ou artificialismo de sua parte.
Ao mesmo tempo o casal Costa Cirneiros devotava a Naíra uma estima especial. Naíra assumira facilmente todos os encargos domésticos e servia ainda de mensageira para algumas ocupações externas. Naíra cantava e enchia o casarão de uma alegria e vivacidade comovedoras. Tudo se tornara jovem naquele ambiente antes povoado de silencio e velhice. Por mais que o casal quisesse antes torná-lo ameno e alegre, faltava-lhe sempre qualquer coisa viva para animá-lo. Com a chegada de Naíra foi como se houvesse acordado todos os passarinhos.
- É verdade, santa, envelhecer sozinhos é um perigo. Têm-se a experiência, a prudência, os meios para viver despreocupados, mas falta o essencial, aquela alegria da juventude. Cada passo que se dá já é descendo a ladeira da vida, sem esperança de voltar. Há uma névoa que encurta os horizontes.
O amor é um amor tecido só de lembranças. Tudo já era. A gente vai ficando espiritualizado e dos prazeres da vida nem mais as recordações. O corpo tão cheio de atração no passado, passa a ser apenas uma forma material da existência. O espírito não serve se não para reviver saudades e gerar desilusões. Morrer nessa fase já é um quase nada. O mundo perdeu as cores e não existem mais os bons desejos. Uma mulher que passa, só nos deixa um perfume vago e distante. As vibrações da matéria não acendem mais o fogo dos desejos. Era a vida se apagando como uma lamparina que vai consumindo o restinho do azeite.
Naíra reavivou a chama com o óleo verde de sua juventude. Dois anos depois se reuniram os três para uma conversação muito íntima.
- Olha, Naíra, não desejamos que um dia fique sozinha. Certamente que não temos época marcada para deixar-te e esperamos que isto não aconteça, pelo menos, nesses próximos anos. Mas ser previdente nunca fez mal a ninguém. Já deves ter percebido que o que é nosso te pertencerá um dia. Pois bem, filha, desejamos que te cases, mas com uma condição única, alias, isto é, com a pessoa que escolheres e que seja de nosso agrado e aprovação. Não queremos que esse alguém, por qualquer circunstancia, venha a causar-te o menor dissabor. Por isto essa pessoa não deverá saber que és nossa herdeira. Assim, será interessada apenas por ti e não pela tua situação econômica. É provável que já tenhas pensado em casamento
- Sim, pensar, pensei, mas não enquanto estiver a fazer-lhe companhia e enquanto me quiserem. Não desejo que alguém possa a vir trazer-lhes a menor preocupação. Uma pessoa estranha, nunca se sabe o que será na intimidade. A simulação encobre muitas manhas. Portanto, acho melhor não falar em casamento. Francamente, ainda não senti necessidade dele.
- É, Naíra, entendemos os teus propósitos, mas estás falando de uma coisa da qual a experiência é nossa. O que existe de bom na vida é justamente em tua idade, enquanto se tem no corpo, o fogo sagrado do amor, dos sonhos e das ilusões. Depois tudo são cinza fria, os restos de velhos amores e lembranças. Cuida em escolher um noivo, se é que já não o fizestes, minha sonsinha... Queremos que seja plenamente feliz e realizada. É isto que desejamos. E mereces muito mais. Não te preocupes com riqueza. O que terás sobrara para viverem despreocupadamente. Pensa apenas no amor e na boa compreensão dos dois. Dois que se querem realmente e sempre se entenderão bem. Mas olha, não te deixes levar por paixão, que é uma péssima conselheira. O amor sim, e que é duradouro e permanente.
- É, minha filha, eu e o Posidônio, vivemos de amor, só de amor. Paixão é coisa passageira. É como quem corre atrás de um fruto dourado e que afinal de contas é azedo ou amargo. Ainda hoje somos dois namorados, mesmo de fogo apagado... Queremos que te cases e cuida nisso, sem tempo marcado. Mas não esqueças que a velhice é como uma mola que perde a ação. Não funciona mais. Um molho que não arde mais...
Em 16.10.1986


*O conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

ZÉ MORENO



ZÉ MORENO*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/4/2003)

            Todo mundo se admirava da feiura de Zé Moreno. Havia nascido feio e foi piorando a medida que ia crescendo. A mãe, coitada, tinha dó daquilo, mas não tinha o que fazer.
            Comprava-lhe uma roupinha nova, penteavam-lhe o cabelo, ajeitava pra lá e pra cá e tudo quanto fazia só servia para realçar-lhe ainda mais a feiura. O menino era de cabeça grande e chata, nariz espragatado, boca de meia légua, orelhas de abano e só os olhos era normais e castanhos. Mas, dentro do conjunto, pareciam errados, mal colocados. Além disso, Zé Moreno criou barba serrada e grossa, apareceram tufos de cabelo nas venta e orelhas, o qual não se preocupava de aparar. Parecia mais um bisão.
            E o diabo é que Zé Moreno não se dava por achado. Deixava a barba crescer e os cabelos cobrindo às orelhas. Mas o engraçado é que se tornou uma figura popular e estimada no povoado.
            Deus lhe dera inteligência e espiritualidade. Era um sujeito engraçado, contador de histórias e valente nas piadas. Também a cara desarrumada dava-lhe um visual curioso. Aonde chegava, acabava-se a tristeza. Também fazia anedotas com ele, o que lhe aumentava a popularidade, mesmo por que nem ligava.
            Até se envaidecia. Tinha uma coisa consigo. Era um mouro pra trabalhar e vivia bem. Propriedadezinha, casa boa para morar e de certa forma endinheirado. Causava inveja há muita gente. Homem feito, embora amarrotado, entendeu de se casar. No entanto, guardava consigo essa intenção. E tinha uma coisa preliminar. A moça devia ser nova e bonita. Não tinha pressa, ou chegava para seu figurino ou então continuaria solteirinho da silva. Tinha algum dinheiro solto e o mais se tornava fácil. Sem dinheiro não. E o tempo corria tranquilo até que Zé Moreno foi premiado na loteria federal. Tirou um dinheirão. Uma porção de contos de réis. E os comentários circulavam pelo povoado e Zé Moreno não parava de receber visitas.
- Felizardo!
Mas Zé Moreno nem ligava. Não tinha ambição e tinha até medo daquele dinheiro que bem poderia alterar a sua vida, tão boa que era. Não deveria ter comprado aquelas tirinhas da loteria.
E o que diabo iria fazer com aquele dinheirão que deram a troco de uns pedacinhos de papel desenhados. Havia de pensar calmamente. Terras já possuía; entrar no comércio, nem pensava. Não tinha jeito e Deus o livrasse de ficar preso, por trás de um balcão esperando a freguesia. Estava mesmo atrapalhado.
Além disso, começava a ser atormentado. Vez por outra lhe aparecia uma comissão, pedindo donativo para isso e para aquilo. Padre Amaro também foi visitá-lo:     
- A igreja estava carecendo de pintura e algumas remodelações.
Zé Moreno encolheu-se. Não podia fazer nada, por enquanto. Não queria bulir naquele dinheiro. E chegou a ser muito claro:
- Antes, nunca alguém se lembrou de Zé Moreno. Iam festas e vinham festas e ninguém se lembrava dele. E, então, por que agora. Não entendia. Está se vendo que Zé Moreno mesmo não vale nada. O que tem valor é o dinheiro que lhe chegou de supetão.
E foi despistando a turma. Não demorou também que lhe aparecesse candidatas a casamento. E vinham os comentários e insinuações:
- Olha Zé Moreno, já estás ficando maduro e nem pensastes em te casar. Precisa ter um lar, uma companheira, filhos. Moças não faltam, e de ótima família. Todos os teus companheiros já estão casados, enquanto vais ficando velho e perdendo as esperanças.
- Perdendo o quê?
- A esperança de casar, Zé Moreno. Não tens medo da solidão na velhice. Será que não irás sentir a falta de uma mulher, de filhos, do aconchego do lar?
- Não acredito. As coisas chegam ao seu tempo. Não vistes. Todos jogam e fui eu o sortudo, sem esperar. Não se deve ter pressa. E depois, até hoje não encontrei alguém que se interessasse por minha cara de mouro. Que diabo vai olhar por meu lado. Está visto que não. Também não dou cavaco pra isso, Qualquer moça teria acanhamento de sair comigo. A rua está repleta de jovens de rostinho bonito, elegante, atraente.
Mas Zé Moreno só era admirado pela sua feiura e pelas cosas engraçadas que fazia. Vez por outra fazia uma tentativa, mas logo recuava. O que ninguém sabia é que ele trazia um segredo secreto. Era a Dorinha, moça já um tanto castigada pela idade e que, no entanto conservava um visual simpático e agradável.
 Não se casaria simplesmente pelo fato de querer conviver com um amigo e não com qualquer carinha lisa, de boa aparência. Jamais pensava em Zé Moreno, mas notava que Zé tinha certa caída para seu lado. E andou pensando nisso. Do dinheiro dele não precisava. Era uma moça independente. No entanto começava a sentir-se como se estivesse ficando só.
 Zé Moreno bem que era engraçado e quem sabe se não mudaria, com alguma arrumação, aquele jeitão de bicho do mato. Pois é. E certo dia, numa oportunidade de estarem sozinhos sapecou-lhe uma sugestão:
- O Zé, por que diacho não raspas essa barba e não cortas bem cortado, essa cabeleira de espantar menino. Ora diabo! Faz uma experiência. Quem sabe não mudarás completamente.
Zé Moreno saiu pensando como se tivesse ouvido vozes do céu. É mesmo gente. Vou aparecer de um momento para o outro inteiramente diferente. Barba feita, cabelo aparadinho. E foi a um barbeiro conhecido.
- Olha, Paulinho, mete a tesoura e a navalha para cima e muda minha figura. Pois é.
E no domingo, dia seguinte, dia de missa, apareceu um cara novo na igreja. Quem é, quem não é, por fim, já no fim da missa, alguém perguntou, por acaso:
- O senhor veio de longe?
- Sim, seu idiota, vim da casa do barbeiro. Deixa de ser burro. Adriano. Sou Zé Moreno seu besta.
- Não, não é possível. E Adriano, na porta da igrejinha, espalhou a história.
E Zé Moreno com um sorrisão bem aberto e bem largo no bocão de mãe-da-lua, ria para toda gente, numa gozação.
- Mas, que mudança danada. Ficou parecendo gente.
Dorinha ao sair da igreja, deu com Zé Moreno inteiramente novo.
- Está vendo ai, Zé Moreno. Parece um rapazinho de quinze anos, simpático e alegre. Aquela barbicha tornava-o antigo e o cabelão assanhado arrasava o seu visual. Gostei da mudança. Falta apenas vestir uma roupa alegre. Botar fora esse paletó marrou e entonar-se numa camisa riscada.
Que diabo! Gente é gente, bicho é bicho. Você sabe que estou quase sozinha. Perdi meus pais, não tenho irmãos. Vivo solitária e só! Não acha que poderíamos dar certo?
- Quem? Eu com esse bocão, esse nariz espragatado, essas orelhas exageradas?
- Isso a gente põe de lado.
O certo é que depois de três recusas estavam ajoelhado aos pés do vigário. Zé Moreno fazia a barba com frequência, andava escacaboado, cabelo cortado e falando com a boca apertada.
Em casa nada faltava. Zé Moreno estava rico. Dona de casa, cama bem arrumadinha, mesa posta e boas conversas.
Dorinha ria à toa. Zé Moreno, não a deixava cansar-se. - Não senhora. Deixe o pesado comigo. Vá apenas sonhando e eu vou realizando.
- Aquela barba e aquele cabelão, afastavam-me de minha felicidade. Abraça-me Zé Moreno.


*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.