sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

ZÉ MORENO



ZÉ MORENO*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/4/2003)

            Todo mundo se admirava da feiura de Zé Moreno. Havia nascido feio e foi piorando a medida que ia crescendo. A mãe, coitada, tinha dó daquilo, mas não tinha o que fazer.
            Comprava-lhe uma roupinha nova, penteavam-lhe o cabelo, ajeitava pra lá e pra cá e tudo quanto fazia só servia para realçar-lhe ainda mais a feiura. O menino era de cabeça grande e chata, nariz espragatado, boca de meia légua, orelhas de abano e só os olhos era normais e castanhos. Mas, dentro do conjunto, pareciam errados, mal colocados. Além disso, Zé Moreno criou barba serrada e grossa, apareceram tufos de cabelo nas venta e orelhas, o qual não se preocupava de aparar. Parecia mais um bisão.
            E o diabo é que Zé Moreno não se dava por achado. Deixava a barba crescer e os cabelos cobrindo às orelhas. Mas o engraçado é que se tornou uma figura popular e estimada no povoado.
            Deus lhe dera inteligência e espiritualidade. Era um sujeito engraçado, contador de histórias e valente nas piadas. Também a cara desarrumada dava-lhe um visual curioso. Aonde chegava, acabava-se a tristeza. Também fazia anedotas com ele, o que lhe aumentava a popularidade, mesmo por que nem ligava.
            Até se envaidecia. Tinha uma coisa consigo. Era um mouro pra trabalhar e vivia bem. Propriedadezinha, casa boa para morar e de certa forma endinheirado. Causava inveja há muita gente. Homem feito, embora amarrotado, entendeu de se casar. No entanto, guardava consigo essa intenção. E tinha uma coisa preliminar. A moça devia ser nova e bonita. Não tinha pressa, ou chegava para seu figurino ou então continuaria solteirinho da silva. Tinha algum dinheiro solto e o mais se tornava fácil. Sem dinheiro não. E o tempo corria tranquilo até que Zé Moreno foi premiado na loteria federal. Tirou um dinheirão. Uma porção de contos de réis. E os comentários circulavam pelo povoado e Zé Moreno não parava de receber visitas.
- Felizardo!
Mas Zé Moreno nem ligava. Não tinha ambição e tinha até medo daquele dinheiro que bem poderia alterar a sua vida, tão boa que era. Não deveria ter comprado aquelas tirinhas da loteria.
E o que diabo iria fazer com aquele dinheirão que deram a troco de uns pedacinhos de papel desenhados. Havia de pensar calmamente. Terras já possuía; entrar no comércio, nem pensava. Não tinha jeito e Deus o livrasse de ficar preso, por trás de um balcão esperando a freguesia. Estava mesmo atrapalhado.
Além disso, começava a ser atormentado. Vez por outra lhe aparecia uma comissão, pedindo donativo para isso e para aquilo. Padre Amaro também foi visitá-lo:     
- A igreja estava carecendo de pintura e algumas remodelações.
Zé Moreno encolheu-se. Não podia fazer nada, por enquanto. Não queria bulir naquele dinheiro. E chegou a ser muito claro:
- Antes, nunca alguém se lembrou de Zé Moreno. Iam festas e vinham festas e ninguém se lembrava dele. E, então, por que agora. Não entendia. Está se vendo que Zé Moreno mesmo não vale nada. O que tem valor é o dinheiro que lhe chegou de supetão.
E foi despistando a turma. Não demorou também que lhe aparecesse candidatas a casamento. E vinham os comentários e insinuações:
- Olha Zé Moreno, já estás ficando maduro e nem pensastes em te casar. Precisa ter um lar, uma companheira, filhos. Moças não faltam, e de ótima família. Todos os teus companheiros já estão casados, enquanto vais ficando velho e perdendo as esperanças.
- Perdendo o quê?
- A esperança de casar, Zé Moreno. Não tens medo da solidão na velhice. Será que não irás sentir a falta de uma mulher, de filhos, do aconchego do lar?
- Não acredito. As coisas chegam ao seu tempo. Não vistes. Todos jogam e fui eu o sortudo, sem esperar. Não se deve ter pressa. E depois, até hoje não encontrei alguém que se interessasse por minha cara de mouro. Que diabo vai olhar por meu lado. Está visto que não. Também não dou cavaco pra isso, Qualquer moça teria acanhamento de sair comigo. A rua está repleta de jovens de rostinho bonito, elegante, atraente.
Mas Zé Moreno só era admirado pela sua feiura e pelas cosas engraçadas que fazia. Vez por outra fazia uma tentativa, mas logo recuava. O que ninguém sabia é que ele trazia um segredo secreto. Era a Dorinha, moça já um tanto castigada pela idade e que, no entanto conservava um visual simpático e agradável.
 Não se casaria simplesmente pelo fato de querer conviver com um amigo e não com qualquer carinha lisa, de boa aparência. Jamais pensava em Zé Moreno, mas notava que Zé tinha certa caída para seu lado. E andou pensando nisso. Do dinheiro dele não precisava. Era uma moça independente. No entanto começava a sentir-se como se estivesse ficando só.
 Zé Moreno bem que era engraçado e quem sabe se não mudaria, com alguma arrumação, aquele jeitão de bicho do mato. Pois é. E certo dia, numa oportunidade de estarem sozinhos sapecou-lhe uma sugestão:
- O Zé, por que diacho não raspas essa barba e não cortas bem cortado, essa cabeleira de espantar menino. Ora diabo! Faz uma experiência. Quem sabe não mudarás completamente.
Zé Moreno saiu pensando como se tivesse ouvido vozes do céu. É mesmo gente. Vou aparecer de um momento para o outro inteiramente diferente. Barba feita, cabelo aparadinho. E foi a um barbeiro conhecido.
- Olha, Paulinho, mete a tesoura e a navalha para cima e muda minha figura. Pois é.
E no domingo, dia seguinte, dia de missa, apareceu um cara novo na igreja. Quem é, quem não é, por fim, já no fim da missa, alguém perguntou, por acaso:
- O senhor veio de longe?
- Sim, seu idiota, vim da casa do barbeiro. Deixa de ser burro. Adriano. Sou Zé Moreno seu besta.
- Não, não é possível. E Adriano, na porta da igrejinha, espalhou a história.
E Zé Moreno com um sorrisão bem aberto e bem largo no bocão de mãe-da-lua, ria para toda gente, numa gozação.
- Mas, que mudança danada. Ficou parecendo gente.
Dorinha ao sair da igreja, deu com Zé Moreno inteiramente novo.
- Está vendo ai, Zé Moreno. Parece um rapazinho de quinze anos, simpático e alegre. Aquela barbicha tornava-o antigo e o cabelão assanhado arrasava o seu visual. Gostei da mudança. Falta apenas vestir uma roupa alegre. Botar fora esse paletó marrou e entonar-se numa camisa riscada.
Que diabo! Gente é gente, bicho é bicho. Você sabe que estou quase sozinha. Perdi meus pais, não tenho irmãos. Vivo solitária e só! Não acha que poderíamos dar certo?
- Quem? Eu com esse bocão, esse nariz espragatado, essas orelhas exageradas?
- Isso a gente põe de lado.
O certo é que depois de três recusas estavam ajoelhado aos pés do vigário. Zé Moreno fazia a barba com frequência, andava escacaboado, cabelo cortado e falando com a boca apertada.
Em casa nada faltava. Zé Moreno estava rico. Dona de casa, cama bem arrumadinha, mesa posta e boas conversas.
Dorinha ria à toa. Zé Moreno, não a deixava cansar-se. - Não senhora. Deixe o pesado comigo. Vá apenas sonhando e eu vou realizando.
- Aquela barba e aquele cabelão, afastavam-me de minha felicidade. Abraça-me Zé Moreno.


*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

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