POESIAS ESCONDIDAS
As pérolas das
poesias, muitas vezes estão onde a gente nunca espera. Num verso de um
violeiro, na conversa de um matuto, num papo de um bêbado, na filosofia de um
preso, na cadência de um samba, na briga de arranca saia, na entoada de um
vaqueiro, no canto solitário de um jangadeiro, no gorjeio de um sabiá
laranjeira, na metodologia de um matemático, num grito de um baleeiro no meio
da feira pedindo para passar, quando a lua pede licença ao sol para se mostrar,
no murmúrio das ondas cheias de planctos, no bacurau a baca da noite anunciando
a escuridão, as faíscas de “estrelas” percorrendo os vastos céus, o cego
pedindo licença numa briga, no silencio da natureza as plantas se confundido, as
abelhas desenhando sonoramente seus caminhos de ida e volta, as borboletas nas
suas formas de danças descrevendo a espetacular transformação da vida, os doidos entre doidos
sussurrando suas verdades, a ameba dizendo ao mar sou o primeiro, o machado
feroz batendo constantemente para dizer que sou mais forte, no coice da mula preta
rimando sua raiva, na estrada enganadora, nos desvios e nos atalhos traiçoeiros,
no copo recebendo o gargarejar da bebida, na descarrega do banheiro, no vómito
de um bêbado, na queda de um velho, no relinchar de um cavalo, na queda de um
muro, na enchente de um rio, na queda de uma cachoeira, num deslizar de uma
pedra, numa picada de uma cobra, na queda de um raio, numa batida de caminhão,
no tropicão de um moleque, na carreira de um cavalo doido, num trem
desgovernado, numa lamparina sem gás,
numa panela fervente, numa barriga com fome,
numa briga de foice, num algodão doce fiado, num
balanço quebrado, numa botija esquecida, num paralelepípedo quadrado,
num arco íris sem cor, num vento sem volta, numa mentira safada, cabra de peia
ordinário, sertão sem fim à vontade, buraco com terra dentro, maré seca no
mangue, transição dos planetas, maribondo
assanhado, caixa d’água vazando, zoada do pica-pau, coelho fazendo amor, piolho coçando muito, um adeus
desesperado, saudade que nunca volta, desgraça pouca é lucro, mentira nunca se
esconde, papagaio fala a verdade, o papa reza missa, a rezadeira lhe benze, o
trem corre nos trilhos, os rios despejas nos mares, o fogo solta faísca, o
mundo dar muitas voltas, a casa amarela foi herança, chuva com sol casa raposa
com rouxinol, água na pedra não fura, quem balança não cai, tijolo de
cemitério, caminho que não acaba mais, todo pobre é enxerido, quem casa não
casa mais; Tudo isso espremendo sai verso, mas queria saber dos versos
escondidos nas músicas dos esquecidos cancioneiros, boêmios, amantes da noite,
poetas arrependidos, perdidos nos amores, e por ai vai.
No meu pouco sofrimento da vida, classifiquei várias
poesias escondidas em músicas de autores às vezes desprezados, mas que foram
eternizadas.
Chão de estrelas
Minha vida era um
palco iluminado
Eu vivia vestido
de dourado
Palhaço das
perdidas ilusões
Cheio dos guizos
falsos da alegria
Andei cantando a
minha fantasia
Entre as palmas
febris dos corações
Meu barracão no
morro do Salgueiro
Tinha o cantar
alegre de um viveiro
Foste a
sonoridade que acabou
E hoje, quando do
Sol, a claridade
Forra o meu
barracão, sinto saudade
Da mulher
pomba-rola que voou
Nossas roupas
comuns dependuradas
Na corda, qual
bandeiras agitadas
Pareciam um
estranho festival
Festa dos nossos
trapos coloridos
A mostrar que nos
morros mal vestidos
É sempre feriado
nacional
A porta do
barraco era sem trinco
Mas a Lua,
furando o nosso zinco
Salpicava de
estrelas nosso chão
Tu pisavas nos
astros, distraída
Sem saber que a
ventura desta vida
É a cabrocha, o
luar e o violão.
ROSA
Tu és divina e graciosa
Estátua majestosa
Do amor!
Por Deus esculturada
E formada com ardor
Da alma da mais linda flor
De mais ativo olor
Que na vida é preferida
Pelo beija-flor
Se Deus
Me fora tão clemente
Aqui neste ambiente de luz
Formada numa tela
Deslumbrante e bela
Teu coração
Junto ao meu lanceado
Pregado e crucificado
Sobre a rosa e a cruz
Do arfante peito teu
Tu és a forma ideal
Estátua magistral
Oh! Alma perenal
Do meu primeiro amor
Sublime amor
Tu és de Deus
A soberana flor
Tu és de Deus a criação
Que em todo coração
Sepultas um amor
O riso, a fé, a dor
Em sândalos olentes
Cheios de sabor
Em vozes tão dolentes
Como um sonho em flor
És láctea estrela
És mãe da realeza
És tudo enfim
Que tem de belo
Em todo resplendor
Da santa natureza
Perdão!
Se ouso confessar-te
Eu hei de sempre amar-te
Oh, flor!
Meu peito não resiste
Oh, meu Deus
O quanto é triste
A incerteza de um amor
Que mais me faz penar
Em esperar
Em conduzir-te
Um dia ao pé do altar
Jurar aos pés do Onipotente
Em preces comoventes
De dor, e receber a unção
Da tua gratidão
Depois de remir meus desejos
Em nuvens de beijos
Hei de envolver-te
Até meu padecer
De todo fenecer
A
DEUSA DA MINHA RUA
a
deusa da minha rua
Tem os olhos onde a Lua
Costuma se embriagar
Nos seus olhos, eu suponho
Que o Sol, num dourado sonho
Vai claridade buscar
Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz
Na rua, uma poça d'água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu para o chão
Tal qual o chão da minha vida
A minh'alma comovida
O meu pobre coração
Espelhos da minha mágoa
Meus olhos são poças d'água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu e ela é nobre
Não vale a pena sonhar
Espelhos da minha mágoa
Meus olhos são poças d'água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu e ela é nobre
Não vale a pena sonhar
AO LUAR
Minha eterna e doce amada
A chamar-te me insinua
Nos acordes desta lira
Que de amor geme e suspira
Ante o albor níveo da lua
O rendado da neblina
Mais parece uma cortina
Numa festa de noivado
A lua é noiva bela
Recostada na janela,
Vê um palácio constelado
Que beleza nas estrelas
Ah! Se tu pudesses vê-las
Como estão no céu sorrindo
Espreitando com cautela
Pelas frestas da janela
Do quarto onde estas dormindo
Minh'alma dorme sonhando
Geme e chora te chamando
Pelo espaço como louca
Ah, se a aurora despontasse
Quem me dera que me encontrasse
A beijar a tua boca
Desperta, vem matar meu desejo
A minh'alma, vaga incerta
A procura do teu beijo
Dileta, tu formosa eu poeto
Quero para os tristes versos meus
As rimas dos beijos teus
A natureza te chama
O meu peito já reclama
A quentura dos teus seios
Os astros são já escassos
Vem, sufoca-me em teus braços
Antes que eu morra de anseios
As estrelas cintilantes
São lanternas dos amantes
Pelo espaço a flutuar
Como Deus é inspirado
Inventou para o pecado
Estas noites de luar
Desperta, vem matar o meu desejo
A minh'alma vaga incerta
A procura do teu beijo
Dileta, tu formosa eu poeto
Quero para os tristes versos meus
As rimas dos beijos teus.
BRIGAS
Veja só
Que tolice nós dois
Brigarmos tanto assim
Se depois
Vamos nós a sorrir
Trocar de bem no fim
Para que maltratarmos o amor
O amor não se maltrata não
Para que se essa gente o que quer
É ver nossa separação
Brigo eu
Você briga também
Por coisas tão banais
E o amor
Em momentos assim
Morre um pouquinho mais
E ao morrer então é que se vê
Que quem morreu fui eu e foi você
Pois sem amor
Estamos sós
Morremos nós
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