segunda-feira, 21 de abril de 2014

TIRADENTES II


TIRADENTES

Aniversário de morte

222 anos

21 de abril de 1792/2014

 

 

PARTE II

 

O MARTÍRIO DE TIRADENTES: UMA FARSA CRIADA POR LÍDERES DA INCONFIDÊNCIA MINEIRA

Autor: Guilhobel Aurélio Camargo

Ele estava muito bem vivo, um ano depois, em Paris. O feriado de 21 de abril é fruto de uma história fabricada que criou Tiradentes como bode expiatório, que levaria a culpa pelo movimento da Inconfidência Mineira. Quem morreu no lugar dele foi um ladrão chamado Isidro Gouveia.

A mentira que criou o feriado de 21 de abril é: Tiradentes foi sentenciado à morte e foi enforcado no dia 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro, no local chamado Campo da Lampadosa, que hoje é conhecido como a Praça Tiradentes. Com a Proclamação da República, precisava ser criada uma nova identidade nacional. Pensou-se em eternizar Marechal Deodoro, mas o escolhido foi Tiradentes. Ele era de Minas Gerais, estado que tinha na época a maior força republicana e era um polo comercial muito forte. Jogaram ao povo uma imagem de Tiradentes parecida com a de Cristo e era o que bastava: um “Cristo da Multidão”. Transformaram-no em herói nacional cuja figura e história “construída” agradava tanto à elite quanto ao povo.

Foi morar com seu padrinho, Sebastião Ferreira Dantas, um cirurgião que lhe deu ensinamentos de Medicina e Odontologia. Ainda jovem, ficou conhecido pela habilidade com que arrancava os dentes estragados das pessoas. Daí veio o apelido de Tira-Dentes. Tiradentes foi iniciado na Maçonaria pelo poeta e juiz Cruz e Silva, amigo de vários inconfidentes. Tiradentes teria salvado a vida de Cruz e Silva, não se sabe em que circunstâncias.

Em todos os movimentos libertários acontecidos no Brasil, durante os séculos XVIII e XIX, era comum o "dedo da Maçonaria". E Tiradentes foi maçon, mas estava longe de acompanhar os maçons envolvidos na Inconfidência, porque esses eram cultos, e em sua grande parte, estudantes que haviam recentemente regressado "formados” da cidade de Coimbra, em Portugal. Uma das evidências documentais da participação da Maçonaria são as cartas de denúncia existentes nos autos da Devassa, informando que maçons estavam envolvidos nos conluios.

Os maçons brasileiros foram encorajados na tentativa de libertação, pela história dos Estados Unidos da América, onde saíram vitoriosos - mesmo em luta desigual - os maçons norte-americanos George Washington, Benjamin Franklin e Thomas Jefferson. Também é possível comprovar a participação da Maçonaria na Inconfidência Mineira, sob o pavilhão e o dístico maçônico do Libertas Quae Sera Tamen, que adorna o triângulo perfeito, com este fragmento de Virgílio (Éclogas, I, 27).

Em 21 de abril de 1792, com ajuda de companheiros da Maçonaria, foi trocado por um ladrão, o carpinteiro Isidro Gouveia. O ladrão havia sido condenado à morte em 1790 e assumiu a identidade de Tiradentes, em troca de ajuda financeira à sua família, oferecida a ele pela Maçonaria. Gouveia foi conduzido ao cadafalso e testemunhas que presenciaram a sua morte se diziam surpresas porque ele aparentava ter bem menos que seus 45 anos.

No livro, de 1811, de autoria de Hipólito da Costa ("Narrativa da Perseguição") é documentada a diferença física de Tiradentes com o que foi executado em 21 de abril de 1792. O escritor Martim Francisco Ribeiro de Andrada III escreveu no livro "Contribuindo", de 1921: "Ninguém, por ocasião do suplício, lhe viu o rosto, e até hoje se discute se ele era feio ou bonito...".

O corpo do ladrão Gouveia foi esquartejado e os pedaços espalhados pela estrada até Vila Rica (MG), cidade onde o movimento se desenvolveu. A cabeça não foi encontrada, uma vez que sumiram com ela para não ser descoberta a farsa. Os demais inconfidentes foram condenados ao exílio ou absolvidos.

Há 41 anos (1969), o historiador carioca Marcos Correa estava em Lisboa quando viu fotocópias de uma lista de presença da galeria da Assembleia Nacional francesa de 1793. Correa pesquisava sobre José Bonifácio de Andrada e Silva e acabou encontrando a assinatura que era o objeto de suas pesquisas. Próximo à assinatura de José Bonifácio, também aparecia a de um certo Antônio Xavier da Silva. Correa era funcionário do Banco do Brasil, se formara em grafotécnica e, por um acaso do destino, havia estudado muito a assinatura de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Concluiu que as semelhanças eram impressionantes.

Tiradentes teria embarcado incógnito, com a ajuda dos irmãos maçons, na nau Golfinho, em agosto de 1792, com destino a Lisboa. Junto com Tiradentes seguiu sua namorada, conhecida como Perpétua Mineira e os filhos do ladrão morto Isidro Gouveia. Em uma carta que foi encontrada na Torre do Tombo, em Lisboa, existe a narração do autor, desembargador Simão Sardinha, na qual diz ter-se encontrado, na Rua do Ouro, em dezembro do ano de 1792, com alguém muito parecido com Tiradentes, a quem conhecera no Brasil, e que ao reconhecê-lo saiu correndo. Há relatos que 14 anos depois, em 1806, Tiradentes teria voltado ao Brasil quando abriu uma botica na casa da namorada Perpétua Mineira, na Rua dos Latoeiros (hoje Gonçalves Dias) e que morreu em 1818.

Autor: Guilhobel Aurélio Camargo

 


 

TIRADENTES


TIRADENTES

Aniversário de morte

222 anos

21 de abril de 1792/2014

                                                                          PARTE I

 

Nascido em uma fazenda no distrito de Pombal, próximo ao arraial de Santa Rita do Rio Abaixo, à época território disputado entre as vilas de São João Del-Rei e São José do Rio das Mortes, na Minas Gerais. O local de nascimento é uma ironia da história. O Marquês de Pombal foi arqui-inimigo de Dona Maria I contra a qual Tiradentes conspirou, e que comutou as penas dos inconfidentes.

Joaquim José da Silva Xavier era filho do reinol Domingos da Silva Santos, proprietário rural, e da brasileira Maria Antônia da Encarnação Xavier, tendo sido o quarto dos sete filhos.

Em 1755, após o falecimento da mãe, segue junto a seu pai e irmãos para a sede da Vila de São José; dois anos depois, já com onze anos, morre seu pai. Com a morte prematura dos pais, logo sua família perde as propriedades por dívidas. Não fez estudos regulares e ficou sob a tutela de um padrinho, que era cirurgião. Trabalhou como mascate e minerador, tornou-se sócio de uma botica de assistência à pobreza na ponte do Rosário, em Vila Rica, e se dedicou também às práticas farmacêuticas e ao [exercício da profissão de vendedor de alho, o que lhe valeu a alcunha Tiradentes,] [ conhecido por Tiradentes, por causa do ofício que aprendera com o padrinho.]*   um tanto depreciativa. Não teve êxito em suas experiências no comércio.

Com os conhecimentos que adquirira no trabalho de mineração, tornou-se técnico em reconhecimento de terrenos e na exploração dos seus recursos. Começou a trabalhar para o governo no reconhecimento e levantamento do sertão brasileiro. Em 1780, alistou-se na tropa da Capitania de Minas Gerais; em 1781, foi nomeado comandante do destacamento dos Dragões na patrulha do "Caminho Novo", estrada que servia como rota de escoamento da produção mineradora da capitania mineira ao porto Rio de Janeiro. Foi a partir desse período que Tiradentes começou a se aproximar de grupos que criticavam a exploração do Brasil pela metrópole, o que ficava evidente quando se confrontava o volume de riquezas tomadas pelos portugueses e a pobreza em que o povo permanecia. Insatisfeito por não conseguir promoção na carreira militar, tendo alcançando apenas o posto de alferes, patente inicial do oficialato à época, e por ter perdido a função de comandante da patrulha do Caminho Novo, pediu licença da cavalaria em 1787.

Morou por volta de um ano na cidade carioca, período em que idealizou projetos de vulto, como o bondinho do pão-de-açúcar e a canalização dos rios Andaraí e Maracanã para a melhoria do abastecimento d'água no Rio de Janeiro; porém, não obteve aprovação para a execução das obras. Esse desprezo fez com que aumentasse seu desejo de liberdade para a colônia. De volta às Minas Gerais, começou a pregar em Vila Rica e arredores, a favor da independência daquela província. Organizou um movimento aliado a integrantes do clero e da elite mineira, como Cláudio Manuel da Costa, antigo secretário de governo, Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor da comarca, e Inácio José de Alvarenga Peixoto, minerador. O movimento ganhou reforço ideológico com a independência das colônias estadunidenses e a formação dos Estados Unidos da América. Ressalta-se que, à época, oito de cada dez alunos brasileiros em Coimbra eram oriundos das Minas Gerais, o que permitiu à elite regional acesso aos ideais liberais que circulavam na Europa.

Além das influências externas, fatores regionais e econômicos contribuíram também para a articulação da conspiração nas Minas Gerais. Com a constante queda na receita provincial, devido ao declínio da atividade mineradora, a administração de Martinho de Melo e Castro instituiu medidas que garantissem o quinto, imposto que obrigava os moradores das Minas Gerais a pagar, anualmente, cem arrobas de ouro, destinadas à Real Fazenda. A partir da nomeação de Luís da Cunha Meneses como governador da província, em 1782, ocorreu a marginalização de parte da elite local em detrimento de seu grupo de amigos. O sentimento de revolta atingiu o máximo com a decretação da derrama, uma medida administrativa que permitia a cobrança forçada de impostos atrasados, mesmo que preciso fosse confiscar todo o dinheiro e bens do devedor, a ser executado pelo novo governador das Minas Gerais, Luís Antônio Furtado de Mendonça, 6.º Visconde de Barbacena (futuro Conde de Barbacena), o que afetou especialmente as elites mineiras. Isso se fez necessário para se saldar a dívida mineira acumulada, desde 1762, do quinto, que à altura somava 538 arrobas de ouro em impostos atrasados.

O movimento se iniciaria na noite da insurreição: os líderes da "inconfidência" sairiam às ruas de Vila Rica dando vivas à República, com o que ganhariam a imediata adesão da população. Porém, antes que a conspiração se transformasse em revolução, em 15 de março de 1789 foi delatada aos portugueses por Joaquim Silvério dos Reis, coronel, Basílio de Brito Malheiro do Lago, tenente-coronel, e Inácio Correia de Pamplona, luso-açoriano, em troca do perdão de suas dívidas com a Real Fazenda. Anos depois, por sua delação e outros serviços prestados à Coroa, Silvério dos Reis receberia o título de Fidalgo.

Entrementes, em 14 de março, o Visconde de Barbacena já havia suspendido a derrama o que de esvaziara por completo o movimento. Ao tomar conhecimento da conspiração, Barbacena enviou Silvério dos Reis ao Rio para apresentar-se ao vice-rei, que imediatamente (em 7 de maio) abriu uma investigação (devassa). Avisado, o alferes Tiradentes, que estava em viagem licenciada ao Rio de Janeiro escondeu-se na casa de um amigo, mas foi descoberto ao tentar fazer contato com Silvério dos Reis e foi preso em 10 de maio. Dez dias depois o Visconde de Barbacena iniciava as prisões dos inconfidentes em Minas.

Dentre os inconfidentes, destacaram-se os padres Carlos Correia de Toledo e Melo, José da Silva e Oliveira Rolim e Manuel Rodrigues da Costa, o tenente-coronel Francisco de Paula Freire de Andrade, comandante dos Dragões, os coronéis Domingos de Abreu Vieira e Joaquim Silvério dos Reis (um dos delatores do movimento), os poetas Cláudio Manuel da Costa, Inácio José de Alvarenga Peixoto e Tomás Antônio Gonzaga, ex-ouvidor.

Os principais planos dos inconfidentes eram: estabelecer um governo republicano independente de Portugal, criar manufaturas no país que surgiria, uma universidade em Vila Rica e fazer de São João del-Rei a capital. Seu primeiro presidente seria, durante três anos, Tomás Antônio Gonzaga, após o qual haveria eleições. Nessa república não haveria exército – em vez disso, toda a população deveria usar armas, e formar uma milícia quando necessária. Há que se ressaltar que os inconfidentes visavam a autonomia somente da província das Minas Gerais, e em seus planos não estava prevista a libertação dos escravos africanos, apenas daqueles nascidos no Brasil.

Negando a princípio sua participação, Tiradentes foi o único a, posteriormente, assumir toda a responsabilidade pela "inconfidência", inocentando seus companheiros. Presos, todos os inconfidentes aguardaram durante três anos pela finalização do processo. Alguns foram condenados à morte e outros ao degredo; algumas horas depois, por carta de clemência de D. Maria I, todas as sentenças foram alteradas para degredo, à exceção apenas para Tiradentes, que permaneceu com a pena capital, porém não por morte cruel como previam as Ordenações do Reino: Tiradentes foi enforcado.

Os réus foram sentenciados pelo crime de "lesa-majestade", definida, pelas ordenações afonsinas, como traição contra o rei. Crime este comparado à hanseníase pelas Ordenações Afonsinas:

-“Lesa-majestade quer dizer traição cometida contra a pessoa do Rei, ou seu Real Estado, que é tão grave e abominável crime, e que os antigos Sabedores tanto estranharam, que o comparavam à lepra; porque assim como esta enfermidade enche todo o corpo, sem nunca mais se poder curar, e empece ainda aos descendentes de quem a tem, e aos que ele conversam, pelo que é apartado da comunicação da gente: assim o erro de traição condena o que a comete, e empece e infama os que de sua linha descendem, posto que não tenham culpa.”

Em parte por ter sido o único a assumir a responsabilidade, em parte, provavelmente, por ser o inconfidente de posição social mais baixa, haja vista que todos os outros ou eram mais ricos, ou detinham patente militar superior. Por esse mesmo motivo é que se cogita que Tiradentes seria um dos poucos inconfidentes que não eram maçons.

E assim, numa manhã de sábado, 21 de abril de 1792, Tiradentes percorreu em procissão as ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro, no trajeto entre a cadeia pública e onde fora armado o patíbulo. O governo geral tratou de transformar aquela numa demonstração de força da coroa portuguesa, fazendo verdadeira encenação. A leitura da sentença estendeu-se por dezoito horas, após a qual houve discursos de aclamação à rainha, e o cortejo munido de verdadeira fanfarra e composta por toda a tropa local. Boris Fausto aponta essa como uma das possíveis causas para a preservação da memória de Tiradentes, argumentando que todo esse espetáculo despertou a ira da população que presenciou o evento.

Executado e esquartejado, com seu sangue se lavrou a certidão de que estava cumprida a sentença, tendo sido declarados infames a sua memória e os seus descendentes. Sua cabeça foi erguida em um poste em Vila Rica, tendo sido rapidamente cooptada e nunca mais localizada; os demais restos mortais foram distribuídos ao longo do Caminho Novo: Santana de Cebolas (atual Inconfidência, distrito de Paraíba do Sul), Varginha do Lourenço, Barbacena e Queluz (antiga Carijós, atual Conselheiro Lafaiete), lugares onde fizera seus discursos revolucionários. Arrasaram a casa em que morava, jogando-se sal ao terreno para que nada lá germinasse.

Tiradentes permaneceu, após a Independência do Brasil, uma personalidade histórica relativamente obscura, dado o fato de que, durante o Império, os dois monarcas, D. Pedro I e D. Pedro II, pertenciam à casa de Bragança, sendo, respectivamente, neto e bisneto de D. Maria I, quem havia emitido a sentença de morte de Tiradentes. Foi a República – ou, mais precisamente, os ideólogos positivistas que presidiram sua fundação – que buscaram na figura de Tiradentes uma personificação da identidade republicana do Brasil, mitificando a sua biografia. Daí a sua iconografia tradicional, de barba e camisolão, à beira do cadafalso, vagamente assemelhada a Jesus Cristo e, obviamente, desprovida de verossimilhança. Como militar, o máximo que Tiradentes poder-se-ia permitir era um discreto bigode. Na prisão, onde passou os últimos três anos de sua vida, os detentos eram obrigados a raspar barba e cabelo a fim de evitar piolhos. Também, o nome do movimento, "Inconfidência Mineira", e de seus participantes, os "inconfidentes", foi cunhado posteriormente, denotando o caráter negativo da sublevação – inconfidente é aquele que trai a confiança.

Tiradentes nunca se casou, mas teve dois filhos: João, com a mulata Eugênia Joaquina da Silva, e Joaquina, com a ruiva Antônia Maria do Espírito Santo, que vivia em Vila Rica. Atualmente, foi concedida à sua tetraneta Lúcia de Oliveira Menezes, por meio da Lei federal 9.255/96, uma pensão especial do INSS no valor de R$ 200,00, o que causou polêmica sobre a natureza jurídica deste subsídio, mas solucionado pelo STF no agravo de instrumento 623.655.

 Rivaldo R. Cavalcante

 

domingo, 20 de abril de 2014

AUGUSTO DOS ANJOS


Hoje é o dia do aniversário do meu legitimo e predileto poeta Augusto dos Anjos. Faz hoje cento e trinta anos do seu nascimento no Engenho Pau D’Arco Munícipio de Cruz do Espirito Santo/Paraíba, Seguem abaixo, como sempre, uns versos sobre as suas dificuldades em permanecer num mundo tão volúvel e ingrato.

GM. Henriques

 
 
 
 
 
A ESPERANÇA
 
A Esperança não murcha, ela não cansa,
Também como ela não sucumbe a Crença.
Vão-se sonhos nas asas da Descrença,
Voltam sonhos nas asas da Esperança.
 
Muita gente infeliz assim não pensa;
No entanto o mundo é uma ilusão completa,
E não é a Esperança por sentença
Este laço que ao mundo nos manieta?
 
Mocidade, portanto, ergue o teu grito,
Sirva-te a Crença de fanal bendito,
Salve-te a glória no futuro - avança!
 
E eu, que vivo atrelado ao desalento,
Também espero o fim do meu tormento,
Na voz da Morte a me bradar; descansa!
 
 
 
“Augusto dos Anjos
Poeta Brasileiro
Biografia de Augusto dos Anjos:
 
Augusto dos Anjos (1884-1914) foi poeta brasileiro. Sua obra é extremamente original. É considerado um dos poetas mais críticos de sua época. Foi identificado como o mais importante poeta do pré-modernismo, embora revele em sua poesia, raízes do simbolismo, retratando o gosto pela morte, a angústia e o uso de metáforas. Declarou-se "Cantor da poesia de tudo que é morto". O domínio técnico em sua poesia, comprovaria também a tradição parnasiana. Durante muito tempo foi ignorado pela crítica, que julgou seu vocabulário mórbido e vulgar. Sua obra poética, está resumida em um único livro "EU", publicado em 1912, e reeditado com o nome "Eu e Outros Poemas".
 
Augusto dos Anjos (1884-1914) nasceu no engenho "Pau d'Arco", na Paraíba. Filho de Alexandre Rodrigues dos Anjos e de Córdula de Carvalho Rodrigues dos Anjos. Recebeu do pai, formado em Direito, as primeiras instruções. No ano de 1900, ingressa no Liceu Paraibano e compõe nessa época, seu primeiro soneto, "Saudade".
 
Augusto dos Anjos, ingressa na Faculdade de Direito do Recife em 1903 e em 1907, formado em Direito, retorna a João Pessoa, capital da Paraíba, onde passa a lecionar Literatura Brasileira, em aulas particulares.
 
Augusto dos Anjos é nomeado, em 1908, para o cargo de professor do Liceu Paraibano mas, em 1910, é afastado do cargo. Nesse mesmo ano casa-se com Ester Fialho e muda-se para o Rio de Janeiro, depois que sua família vendeu o engenho Pau d'Arco. Em 1911 é nomeado professor de Geografia, no Colégio Pedro II.
 
Durante sua vida, publica vários poemas em jornais e periódicos. Em 1912 publica seu único livro "EU", que causou espanto, nos críticos da época, diante de um vocabulário grotesco, na sua obsessão pela morte: podridão da carne, cadáveres fétidos e vermes famintos. Como também por sua retórica delirante, por vezes criativa, por vezes absurda, como neste trecho do poema "Psicologia de um vencido": "Eu, filho do carbono e do amoníaco,/ Monstro da escuridão e rutilância,/ Sofro, desde a epigênese da infância,/ A influência má dos signos do zodíaco".
 
Em 1914, Augusto dos Anjos é nomeado Diretor do Grupo Escolar Ribeiro Junqueira, em Leopoldina, Minas Gerais, para onde se muda. Nesse mesmo ano, depois de uma longa gripe, é acometido de uma pneumonia.
 
Augusto de Carvalho Rodrigues dos Anjos morre em Leopoldina, Minas Gerais, no dia 12 de novembro de 1914.”
 
http://www.e-biografias.net/augusto_anjos/
 

quarta-feira, 16 de abril de 2014

O mestre Amaro


O mestre Amaro*

 
                                                                      João Henriques da Silva

(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

 

**O conto de hoje que transcrevo é em homenagem ao meu pai que desencarnou, há onze anos passados, com quase 102 anos. Lúcido e com uma saúde de bicho, apenas findara o seu tempo de luta aqui na terrinha. Quem quiser saber se suas histórias são verdadeiras é só ir encontrar-se com ele e tirar suas dúvidas!

               O mestre Amaro tinha a cabeça como um granito. Era inútil querer mudar as suas idéias. Fincava o pé na parede e dali ninguém o tirava. Obstinado como era por isto mesmo vivia só. Solteirão e teimoso. Ninguém conhecia parente seus e muito menos de onde havia vindo. Nunca falava nessas coisas.

            Sabia-se apenas que existia e não dava o braço a torcer. Não encolhia, nem esticava. Resistência do tempo de pé de serra.

            Chegara a um grau de velhice como se Nosso Senhor houvesse congelado sua idade. Dali parecia não sair. Mais um ano que chegasse parecia não lhe alterar o vigor nem as convicções.

            Mesmo assim, todos gostavam do velho Amaro, de quem também não se conhecia o sobrenome. Poderia ser: Ferreira, Prudêncio ou Moreira, tanto fazia.

Também não aparecia em Macambira, alguém que o reconhecesse. Dava até a idéia que havia caído de algum planeta de lá das bandas do infinito. E não adiantava fazer sondagens, pois, não soltava nem um peido...

            Homem esquisito, como nunca se havia visto. O que era curioso é que fumava, bebia moderadamente e não perdia festas que estivesse dentro do seu figurino social. Também não era mão fechada. Usava uma profissão limpa e honesta: Marcenaria.

No ramo era especialista. Fosse uma porta, uma janela, um brinquedo para a garotada, tudo fazia com perfeição e entregava invariavelmente na data marcada.

Só uma coisa não fazia nem a peso de ouro, que era caixão de defunto. Nem queria ouvir falar. Quando passava em frente a uma casa mortuária virava a cara para um lado e fechava os olhos. Nem conseguia entender como havia quem se dedicasse a uma profissão tão fúnebre.

Se passava um enterro pela sua porta, batia a janela ia parar no fundo do quintal.

Tudo que cheirasse a morte e no outro mundo lhe apavorava. Quando um dia foram convidar para o enterro do velho vigário já aposentado da paróquia, colocou a mão nos ouvidos e desapareceu.

Ninguém sabia a razão, que era seu grande segredo. Havia escapado de ser enterrado vivo, por um milagre.

Tivera um troço, foi considerado morto, e quando despertou estava dentro do caixão, cercado de quatro velas acesas e o povo do velório rezando uma ladainha.

Não era para menos, um quadro daquele. Nunca lhe saíra da memória a idéia de ter despertado debaixo de sete palmos de terra, sem ter por quem gritar, isto é, sem alguém para ouvi-lo e salva-lo. Não poderia haver desespero maior.

É por isso, sempre pensava que enterro só deveria ser feito quando o defunto estivesse fedendo. Perto dele ninguém falava em coisas mortuárias. Dava no pé.

O velho Amaro, cinqüenta anos, não envelhecia. Zelava-se. Não fazia excessos. Nem no trabalho nem nas diversões. Tudo era bem medido. Fazia barba diariamente, não relaxava o corte de cabelo e tinha nojo de quem usava bigode, costeletas ou cavanhaque. Considerava imoral.

Não usava gravata, nem sapato apertado. Eram incômodos e atrapalhavam a circulação. Da mesma forma cinturão apertado. O seu era só para compor.

Cômodo mesmo era o suspensório, que não fazia pressão e deixava todo o corpo arejado. Era outra coisa muito mais saudável. Desde muito cedo conservava o hábito de fazer economias sem quebrar o seu ritmo de vida.

De tudo quanto ganhava líquido, guardava vinte por cento. Nem lhe fazia falta e era uma garantia para quando chegasse à fase de não poder mais trabalhar ou satura-se da profissão.

Mensalmente aquela quantia e algumas sobras iam render juros no banco. Não devia a ninguém e nem vendia fiado. Preferia dar. Quem vendia fiado, vez por outra perdia o dinheiro e o amigo.

E já havia passado pelo que passara o certo mesmo era não ter qualquer contrariedade.

O velho Amaro gostava de mulheres. Tinha sempre, sigilosamente, seus “quebras-resguardo”. Embora não tivesse a quem prestar contas, além da sociedade, gostava de ser cauteloso. Para esse lado não confiava em amigos. Não podia haver confiança, quando se fala em mulher. Sempre o diabo atenta.

Mesmo sem se prender a nenhuma, não aceitava dividir o pão com seu ninguém. E quando percebia que a sua preferida pestanejava para alguém, desfazia logo o ninho.

Sem esperar o velho Amaro, conheceu Mirícia, mulher nova ainda e reservada. Parecia até demais para ele, mas a diaba passou a querer-lhe bem. E fazia questão de repetir-lhe que era ele o segundo homem de sua vida. Abandonara o primeiro porque gastava com as outras, enquanto sempre lhe fora fiel. Afinal de contas passara a não lhe dar atenção.

Foram apenas alguns meses de convivência. Menos de um ano. Havia jurado não se ligar mais a outro, embora tivesse que curtir a solidão. Não estava se oferecendo, confiava e gostava do velho Amaro. Poderia ser uma ligação para sempre. Não o faria por necessidade financeira, mas exclusivamente para ter um bom companheiro que atendia os seus desejos de mulher ainda moça. Não pesava em casamento. Não tinha essa pretensão. Precisava sim, de afeto e de alguém a quem pudesse dizer que pertencia.

Os bordados e costuras que fazia eram suficientes para não necessitar de vender amor. Além disso, não era nenhuma mariposa. Havia sido apenas, uma criatura infeliz em sua primeira experiência.

Que ficasse com ela até quando sentisse que deveria terminar. Não queria entrar e sair de homem em sua vida. E deveria ser horrível receber alguém que não se deseja. A não ser alguma sádica ou depravada.

O velho Amaro saiu rezando o credo. E contra os princípios, pela primeira vez sentiu uma pontinha de ciúme. Mirícia lhe parecia uma criatura inteiramente diferente das outras, mas se não fosse. E aquela confissão, aquela fraqueza fosse simplesmente um ardil?

Poderia ser uma espertinha preparando o lance. E o pior de tudo é que não tinha a quem pedir informações. Encontrou-a por acaso em plena feira, na mesma barraca, comprando as mesmas coisas. Foi ali o começo e o “apareça lá em casa”. Está aí o meu endereço. Vivo sozinha, esquecida do mundo. Conversaremos um pouco.

Mirícia estava ali há pouco tempo. Saíra de sua terra para não ver o ex-companheiro que prometera tudo e tudo lhe negara. No entanto lhe parecia sincera, simples e necessitada de amor.

Havia sentido isto muito bem. E ficou visitando-a. Ninguém batia a sua porta, ninguém a procurava. Não havia mais dúvidas de que Mirícia era uma mulher honesta. E nessa vai e vem, aconteceu o inesperado. Mirícia engravidou. O mestre Amaro de nada desconfiou até que Mirícia não teve mais como ocultar.

- O que é isso Mirícia? Estás ficando gordinha e com uma feição diferente, mais pensativa. Aconteceu alguma coisa?

- Sim, aconteceu. Peguei um filho sem esperar. Mais foi um descuido bom. Gostaria tanto de ser mãe, mas pensava que era incapaz de gerar. Foi naquele dia, creio que desfaleci de amor. E é isto que me dá maior felicidade.

Jamais havia me doado com tanto prazer. Foi como se houvesse casado com um príncipe encantado e tivesse vivendo o melhor sonho de minha vida. Até então, juro-lhe não conhecia o verdadeiro amor. Antes, tudo não passava de um ato, puramente carnal. Mas naquela noite para cá era como se estivesse me entregando de corpo e alma, mais alma do que corpo. E agora que serei mãe, sou uma mulher tão feliz como as outras. Deixarei de ser só. E só o que peço a Deus é que não seja uma mulher para não, por desventura, ter que amargar os dias de minhas tormentas e desilusões.

Minha única preocupação tem sido uma coisa que guardo em segredo. Mas não deve haver segredo entre nós. Pelo menos não deveria haver.

É uma coisa que não te diz respeito, nem de longe e peço que me perdoes em não revelar.

- Mas Mirícia, isto me deixa numa terrível dúvida. Tiras-me a parte da felicidade que me pertencia. Suponho que teu segredo é simplesmente algum zelo de tua parte. Não queres me magoar, talvez.

Será que esse teu filho não é também meu. Que não tenho metade dele. Que no momento de minha maior alegria, tenho também minha maior desilusão? Queria tanto que fosse meu. Sou também um homem só, sem ninguém que me dê continuidade. E agora me matas afogado na maior dúvida da minha vida.

Eu que te queria tanto. Que já te amava com se tivesse encontrado a verdadeira felicidade. Preparara-me para casar contigo. Sem te dizer nada, com certo receio de me recusares, de não pretenderes a te unir a alguém em definitivo. Preparava-me e esperava a oportunidade de te falar. E tudo agora se desmoronou em cima de mim.

O segredo de uma pessoa a quem se ama, por ínfimo que seja, é como se fosse uma montanha rolando por cima da gente. Hoje foi o meu dia aziago, o enterro de todos os meus sonhos.

- Não é nada disso, mestre Amaro. O que eu não queria era justamente não me insinuar. Tenho aquele filho que desejava e quando mais tarde perguntasse pelo pai, não saberia o que dizer ou teria que confessar que era um filho de uma mulher solteira. De uma mulher que não havia tido a ventura de se casar, embora amando tanto quanto te amo.

Não poderia acreditar que pensavas em casar com uma criatura como eu que já se encontra sem a pureza das virgens.

- Pela cruz Divina que cheguei a pensar que esse teu filho era filho de outro.

- Ah! Então, não tinhas confiança em mim. Supunhas que eu seria capaz de uma traição. É isto que querias dizer?

Não percebias que eu não era daquelas mulheres que trocam noites de ilusão por dinheiro. Nunca me faltou pão e nem roupas. Faltava-me sim, amor, carinhos, amizades. Sobrava-me solidão.

- É que um grande amor do tamanho do meu, desconfia até das onze mil virgens. Desde o dia do nosso primeiro encontro, comecei a ter ciúmes de ti, coisa que jamais havia sentido por outra mulher. Mas vais acabar com as explicações. Vai ou não, casar comigo? Sejas sincera para depois não te maldizeres.

- É o que eu mais poderia desejar Amaro. São duas grandes felicidades batendo ao mesmo tempo na mesma porta. Sempre fui uma mulher que nasceu para amar puramente. E não tive culpas de teres aparecido em minha vida e nem te querer tanto. Mas de ti não tinha o direito de exigir, nem pedir mais nada. Além da felicidade de ter um bom amigo. Não merecia mais nada. Casar contigo é assim como uma rosa que desabrocha novamente, numa manhã luminosa e orvalhada. Poderia pensar em tudo, menos numa felicidade tão grande. Quem sofreu como eu é que pode medir o tamanho das asas douradas da felicidade. Tenho medo de morrer de amores.

- Chega Mirícia, vem cá. Vamos festejar nossa felicidade.

E lá se foram os dois para jantar no melhor restaurante da cidade.

- Quero que tenham ciúmes de nossa felicidade. Felicidade minha, tua e desse safadinho que vai nascer... Sei que vou matá-lo de beijos... Mato os dois... Tu e ele.

Durante o jantar no “Come-se Bem”, Amaro interpelou Mirícia. Não entendia como ela era tão confiante que se casaria com ele sem nada conhecer de seu passado. Não sabia bem quem era ele e muito menos de sua origem.

- Não sabes Mirícia, que te arriscas muito, apesar de nosso bem-querer. Se eu fosse, por exemplo, um criminoso perverso, um sujeito casado que abandonara a família, um procurado pela justiça. Conhece-me de pouco tempo e quem sabe se não sou um homem exigente demais, mandão digamos mesmo, intolerável?

- Olha mestre Amaro, uma mulher sofrida como eu, tem faro, vê as coisas que estão por trás do muro. Não creio que uma pessoa com os teus hábitos, com a tua conduta, com o teu recato, possa ter uma má procedência. Em todo o caso gostaria de saber mais sobre tua vida. Só por curiosidade. Só isto!

- Pois é minha “nega”, admiro teu julgamento. Na verdade nunca fui uma má criatura. Nasci pobre e ainda o sou, relativamente à riqueza de muitos. Creio que minha maior fortuna, hoje, é haver te conhecido e nos casarmos.

O comportamento é o meu caráter. Sempre fui assim desde menino. Tenho família no vale do Piancó, onde nasci. Quando desapreço daqui por alguns dias é porque vou visitá-la.

Hoje está muito melhor do que anteriormente. Já não se fala mais em pobreza. Não é rica, mas vive bem. Meu pai, e minha mãe estão bem velhinhos, mas saudáveis. Só se vendo como são felizes e como adoro vê-los. Cinco por cento do meu trabalho é para eles. Não é muito, mas é o que posso fazer-lhes. Aliás, não precisam disso. Não querem; no entanto, sabem que me magoam se não aceitarem.

- Não precisamos meu filho. Guarda para a tua velhice que o mundo dá muitas voltas.

- Para as voltas do mundo já tenho minha previsão. Dêem aos netos, aos afilhados. Também não é grande coisa. Não me faz falta.

Hás de ver como são duas criaturas adoráveis. Mamãe sempre me pergunta por que não me casei. Saí de lá quase menino. Um rapazinho inexperiente, mas um tanto teimoso. Saí para teimar com a vida.

- Mas o nome de tua família?

- Andrade.

- Andrade?

- Sim. Souto de Andrade.

- De onde? Deve ser brincadeira tua. Sou também Andrade Santos.

- Como?

- Isto mesmo. Filha de Idalina Souto de Andrade, naturalmente uma tua parente, que se foi para o sul de Pernambuco e nuca mais viu a família.

- Idalina Souto de Andrade, irmã de minha mãe, e de quem ela sempre fala que desapareceu com o marido numa grande seca.

Meu Deus, tu, minha prima legítima. Que coincidência, meu Deus. E minha tia Idalina onde anda?

- Vive lá mesmo com meu pai, dono de uma mercearia. Vivem bem. E foi de lá que fugi para a infelicidade.

- E porque não voltastes?

- Envergonhada do que fiz. Nem valia a pena recordar minhas amarguras.

- Ah! Não. Depois de casados iremos visitá-los. Imaginas o quanto tem sofrido sem notícias tuas.

- Imagino, sim. E não podes avaliar as minhas angustias por não vê-los há tanto tempo. Além disso, sou filha única. Cometi os mesmos erros de todas as moças apaixonadas. Paixão é uma espécie de doidice que ataca as pessoas e morre logo. Confundia paixão com amizade. Minha mãe e pai são tão bons, que nunca tive coragem de voltar a vê-los e nem de dizer como estou e quando sofria. Fizeram o máximo para evitar meu casamento, mas a tal paixão me cegara. Chegara a dizer-lhe que não queriam a minha felicidade.

Ah! Se tivesse o dom de adivinhar coisas do futuro. Morro de vergonha de voltar. Não quero que saibam que sofri.

- E onde mora o miserável que te traiu? Vou ajustar contas com ele, doa em quem doer.

- Não. Não. Basta vivermos a nossa felicidade. Já assisti o enterro da minha frustrada paixão. Frustrada e infeliz. E basta saber que o miserável anda se arrastando na pior miséria. Felizmente casei-me apenas no religioso. Tentou voltar para mim. Escreveu-me cinicamente. Não lhe dei resposta. Dele toda distância ainda é curta. Apesar disso, sempre vivi assustada, com medo de avistá-lo em qualquer curva do caminho.

- Bem, de hoje por diante podes ficar tranqüila. Nos casaremos com o juiz logo amanhã. Ou achas tarde... Já são onze horas da noite. Falta apenas uma hora para amanhã. Não adianta mais nos separarmos.

- Não, não se deve ver a noiva no dia do casamento. Vamos nos separar, só veremos agora no cartório. Somente depois das assinaturas, podes acender a tua lamparina e eu a minha. Deixa de tanto fogo.

- E como será mesmo o nome do menino?

- Caso seja homem, o nome do teu pai, se for mulher, o nome de minha mãe.

- Está apostado.

- Dito e feito.

- Vou te levar em casa antes das doze.

- Fica comigo.

- Nada disso. Amaro não quebra a palavra, meu primo.

- Depois eu desconto uma noite de atraso...

- E eu também.

- Vê bem. Depois não quebras a palavra...

- Mas, como é que vou cuidar sozinha, este resto de noite, deste menino peralta?

- Se ele espernear dá-lhe umas palmadinhas... E olha, às onze horas no cartório.

- E vou só?

- Não, nunca. Já tens companhia aí dentro. Queres melhor?

Na hora exata casaram-se.

- Espere, são parentes. O mesmo sobrenome.

- Descobrimos ontem que somos primos.

- E onde tiraram esse sobrenome Souto de Andrade?

- Somos da gema da família no vale do Piancó.

- Vale do Piancó?

- Exatamente.

- Quando fui juiz lá, conhecia um casal de velhinhos, também Souto de Andrade. Duas criaturas adoráveis. Estive em casa deles em Nova Olinda.

- Em casa de meus pais, minha Nossa Senhora Aparecida! E que foi fazer lá o senhor?

- Andava visitando parentes distantes. Não sou de lá, mas é lá que estão as raízes de minha família. Onde andar um Souto de Andrade, está um parente. Então somos da mesma grei. Que coincidência curiosa. Meus parabéns, onde vão morar?

- Aqui mesmo.

- Então, seu mestre Amaro, vão jantar hoje lá em casa.

- Mas a gente havia feito uma aposta. Tirar o atraso.

- Tiram depois do jantar. Vá devagar, mestre Amaro: Coelho velho não agüenta carreira...

- Está ouvindo, Mirícia?

- E vais quebrar tua palavra...

- É conselho do Dr. Juiz. É melhor quebrar a palavra do que outra coisa...

Mas foi conversa do mestre Amaro. Depois do jantar, tiraram o atraso de uma noite perdida. Amor de casado era diferente. Era a posse legal dentro do código civil, com papeis passados. Tinha agora a vida toda pela frente e sem ter mais que “rezar” às escondidas.

- Mestre Amaro, casou-se minha gente!

- Com tal de Mirícia!

- Ah! Sei. A desquitada. Um pedaço de mulher. Vai tirar o sarro do mestre Amaro. Uma lapa daquela, descansada e do vale do Piancó, segundo dizem. Não dou um mês que não esteja andando de muletas. Bem que se sabia que o espertalhão estava andando pro lado de lá. Viu que não conseguia nada e terminou se casando. Segundo as más línguas, o padre Beldroega já havia mandado o sacristão convidá-la para ser a zeladora da igreja.

- Mas, agora, Deus nos livre que mestre Amaro venha, a saber, da tramóia do reverendo. Falam que também é do vale do Piancó e cabra daquelas bandas não torra pipoca com mururú.

- Vale a pena fazer uma fofocazinha para ver o que dá...

- Nem se meta. O padre Beldroegas é sim das bandas de Catolé do Rocha, terra de cabra doido, cala teu bico.

Dois meses depois, mestre Amaro, andava mais gordo e mais corado. A dona Mirícia anda empinada.

- Brinquem com o mestre Amaro... Ontem estive na oficina dele. Está fazendo uma cama de casal reforçada.

- Era encomenda?

- Que nada. Disse que a outra havia se quebrado...

 

*O conto pertence ao livro Vidas Nordestinas, no prelo.

 

**Grijalva Maracajá Henriques – Historiador Positivista.