quarta-feira, 9 de outubro de 2013

Zé Timbira




ZÉ TIMBIRA*

João Henriques da Silva
(Im Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)


Zé Timbira era um desses tipos populares que nunca faltava numa cidade. E em cidade pequena, todos o conhecem e estimam. Zé Timbira, então, que era um sujeito alegre, brincalhão, contador de histórias, enchia o vazio da cidade. Sua predileção era conquistar as moças bonitas e espalhar que já estava quase noivo. Casaria qualquer desses dias e que a noiva morria de paixão, não o deixava em paz e não perdoava suas ausências.
Vivia pedindo a um e a outro, comendo aonde chegava e dormindo em casa de uma preta ainda moça, de vida desmantelada. Dava-lhe o dinheiro que conseguia para ajudar nas despesas. Não bebia e o seu único vício era fumar sem comprar cigarros. Quando lhe perguntavam por que não procurava um trabalho, dizia a queima roupa que procurar trabalho dava muito trabalho. E será que queiram mais do que o trabalho de andar pedindo. Que pensassem bem nisso. Além de ter que sair sempre, tinha que ser um artista na arte de pedir. Não se pensasse que era tão fácil assim. Precisava de muita habilidade, pois tinha sempre que voltar às mesmas pessoas, sem aborrecê-las. E também não era lá nenhuma brincadeira, arranjar boas desculpas. O que lhe valia eram os namoros com as mais requintadas moças da sociedade. Quase todas as senhoras desfazia um dos seus noivados e isto lhe dava assunto para filar uma boia ou algum dinheiro.
- Como é Zé Timbira. Como vai o noivado com a filha do Juiz?
- Caí fora. A menina não me soltava. Dia e noite naquele agarradio dos diabos, querendo apressar o casamento. Queria até que eu fizesse certas coisas proibidas. vi que não dava para mim e acabei com o noivado. O Dr. Juiz danou-se e até me ameaçou. Não me perdoaria se eu houvesse abusado da inocência da filha. Imagina que ela bem queria, mas sou um sujeito honesto. Zé Timbira mesmo não cai nessa armadilha.
- E a filha do prefeito, a Zitinha?
- Ora, esta continua me perseguindo. Tem que se casar comigo. Mas é muito gordinha e não gosto de toucinho. Pensa que vai pegar o besta... Bem, afinal, será que tem hoje uma sobrazinha de almoço para o Timbira? Qualquer coisinha. Ainda estou em jejum. Graças a Deus o povo desta cidade é maravilhoso. Às vezes não preciso nem de pedir. Quando me veem já vai enfiando a mão no bolso ou preparando meu prato. Gente boa, gente boa. Terra onde se pode viver. Não nasci aqui, mas daqui jamais sairei. O meu noivado agora é para valer.
- Filha de quem Zé?
- Sei quem é não. A única coisa que sei é que é sobrinha do padre Formigão. Moção bonita, de olhos pretos, pernas de endoidar e sacudida. Como não conheço o pai, tenho que pedi-la ao padre mesmo. E ele não poderá me negar. A menina diz que em último caso fugirá comigo. Mas afinal de contas, ainda quero conhece-la melhor. Pode ser que tenha alguma manha encoberta. Sobrinha de padre, quem saberá. Bicho manhoso como é, mesmo sem querer, transmite por indução as suas manhas clericais.
O diabo é que não tenho casa para morar e o mais que vejo é ir também morar na casa paroquial, fazer companhia a seu vigário. Nunca é bom viver sozinho, ou sem um homem com quem faça suas confidencias. Aliás, talvez até prefira casar a sobrinha para ter oportunidade de fazer livremente o que desejar.
E neste caso, terá que nos dar uma casa já mobiliada. Por outro lado, se quer se ver livre da sobrinha deve cuidar dessas coisas. Casa, feira, roupas decentes e um dinheirinho para o cigarro. É justo. Também, ter um genro como eu não é coisa para se desprezar.
Dias depois Timbira acabou o noivado. A sobrinha do reverendo noivou com outro.
 - Não queria ser concorrente de ninguém.
Depois de algum tempo puseram o apelido de “Manuel das Moças”. Até que um dia apareceu noivo da Gerusa, filha do delegado. Moça que era uma joia de menina. O delegado Pastelão tomou conhecimento do noivado. E como era um homem espirituoso, resolveu pregar- lhe uma peça.
- Manda chamar o Manuel das Moças. Quero falar com ele já e já.
- O senhor delegado mandou chama-lo à delegacia. Quer vê-lo com urgência. Tem contas a ajustar.
- Sim senhor seu Manuel das Moças, precisava conhecê-lo de perto, uma vez que está para ser meu genro, não é verdade?
Zé Timbira mudou de cor. Chegou a ter a impressão que se havia sumido dentro das calças. Não sabia que diabo lhe havia dado na cabeça de noivar com a filha do delegado. Não passava mesmo de um refinado imbecil. Procurava palavras para se desculpar, explicar-se, mas achava-se entupido até as coronárias. Somente as vias urinárias estavam desentupidas, vendo a hora molhar as calças. Era uma cadeia e algumas dúzias de bolos na certa. O delegado era afamado nessas proezas.
- Vamos, fale!
- Ah! Seu delegado é o povo quem fala estas coisas. Longe de eu pensar em semelhante doidice. Sou um pobre diabo, sem eira nem beira, um pé rapado, comendo de esmolas.
- Pois, está muitíssimo enganado. Minha filha está loucamente apaixonada pelo senhor e, além disso, ficando falada. Vou chamá-la para que conte o que o senhor já andou fazendo com ela. O resultado vai depender da gravidade dos acontecimentos.
- Chama aí a Gerusa, depressa!
- Sim, papai, o que é que há, e que quer com sua filha?
- Conta aí, menina, o que este senhor já andou fazendo contigo?
- Olhe papai, beijou-me, chamou-me para o escuro, quis tirar-me a roupa e tentou outras coisas.
- Está ouvindo, seu patife?
- Estou sim senhor. É, agora não tem mais jeito. Sendo assim o remédio é casar. Pode marcar o casamento. Só tem uma coisa, o senhor vai nos sustentar de tudo. Eu entro só com o material...
Quem estava ouvindo ficou arrepiado da ponta dos dedos ao cabelo. A Gerusa sumiu. E o delegado, sem graça, gritou para um soldado:
- Leva este patife daqui, aplica-lhe uma dúzia de bolos e o põe no olho da rua.
- Mas senhor delegado, uma dúzia de bolos?
- É, por ora só uma dúzia. Depois desta, mais outra por conta do “material”... E tem mais uma coisinha de agrado. Dou-lhe oito dias para arranjares trabalho, seu vagabundo e se brincares, cobrarei os noivados que já tivestes.
Zé Timbira preferiu dá na perna. Ninguém o viu mais. Havia errado no noivado
13.7.86

*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.


Nenhum comentário:

Postar um comentário