terça-feira, 26 de fevereiro de 2013




O SONHO*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 –16 04/2003)

            Crivaldo era um sonhador. Via sempre as coisas por um prisma diferente dos outros. Aquilo que as pessoas faziam estava sempre muito distante de tudo que pretendia.
            Grandes planos, realizações fora do normal, isto sim, seriam atividades dignas de um homem de inteligência e operosidade como ele. Não iria perder tempo com insignificâncias, fazendo o que outros faziam. Quando aparecesse seria para estarrecer. Daria um exemplo àquela gente rotineira, sem idéias, sem imaginação. Enquanto sonhava ia levando a vida, gastando o pouco que possuía. Os juros já eram insuficientes e o capital baixava de nível. Mas Crivaldo sabia muito bem que isso é passageiro.
            Havia de realizar-se antes de entrar em liquidação. A coisa, porém, seria dar início a uma indústria qualquer e ir subindo, subindo até atingir o máximo de seu ideal. E começou ocultamente a fabricar cachimbos de barro. Dispunha de matéria prima em abundancia. Construiu no fundo do quintal um fornozinho para cozimento dos produtos industriais. Fabricou a primeira partida. Teria, então que viajar para vendê-los lá fora sem que alguém viesse, a saber. Apurou o primeiro dinheiro. O lucro foi mínimo, mas como ele próprio dizia, a alma do negócio era o segredo e o início. Com pouco tempo o mercado estava quase saturado. Foi indo mais longe, sempre mais longe. Teria que diversificar a produção e depois de muito pensar entrou no fabrico de berimbaus. A meninada gostou. Aprimorou o artesanato. Berimbau mais afinado. Boa saída e melhores lucros. Mas acontecia que o uso do berimbau enjoava logo. Antes, porém, que isso acontecesse e estivesse havendo grande procura, aumentou o fabrico para vender em grosso. Lotou as casas comerciais. Quando a garotada se enjoasse, já teria feito bons negócios. E não demorou. Berimbau caiu em desuso completo.
            E agora, Crivaldo, que irás fazer. Lembrou-se de fabricar chamas de nambus, juritis e outros bichos. Era interessante saber imitar pássaros. Ótima aceitação. E era mesmo divertido. Passou para os apitos e terminou esgotando a sua criatividade, no ramo de barro. A esta altura já toda a cidadezinha sabia que Crivaldo era o industrial dos artefatos de barro. Como era um idealista e um sujeito correto, não se divertiam excessivamente com os seus projetos. Algumas alusões e brincadeiras sem conseqüências. As indústrias reunidas de Crivaldo já contavam com operários treinados e a fabricação dependia da procura. Mantinha pequenos estoques para que não houvesse desatendimento. A freguesia gostava da presteza nos atendimentos. A pontualidade dava força ao negócio.
Depois de sérios estudos, Crivaldo abriu nova linha de fabricação, tamancos de vários formatos. Contratou um marceneiro. Arrumou uma oficina. Indústria de quintal. Os primeiros tamancos fabricados sob medidas foram distribuídos com os operários, e mestre marceneiro, ele próprio era um meio de propaganda. Coisa barata, leve e mais que isso, uma novidade. Boa saída. Só se ouvia o estalo dos tamancos pelas calçadas. A meninada adorava. Não davam muita importância as “indústrias reunidas” de Crivaldo. Consideravam um entretimento e uma mania de ser industrial.
A verdade é que Crivaldo juntava dinheiro. Pagava a todos por produção, mas exigia qualidade. Sempre havia procura de um ou outro produto. Abriu uma lojinha ao lado. Quando menos esperava, o uso do berimbau reapareceu. E como era fácil comprar, vendia satisfatoriamente qualquer artigo. Chegavam maiores encomendas e mais freqüentes. Por mais que fabricasse e vendesse, quem diabo ira dar valor àquelas bugigangas. Só mesmo quem não tinha outra coisa para fazer. Cachimbos de barro, berimbaus, apitos, chamariz para pássaros e por fim, tamancos e vassouras de folhas de carnaúba. E mais tarde iria mais adiante com o seu parque industrial. Fabricava abanos e espanadores.
 A lojinha repleta de produtos industrializados chamava atenção. O movimento de vendas crescia e Crivaldo se enriquecia. Construiu galpões, adquiriu máquinas, aumentou o número de operários. Já se comentava, então, a prosperidade de Crivaldo, o sonhador.
- O homem está indo longe. Não tarda ampliar mais ainda suas indústrias. Quando se pensava que era um bobo, um visionário, aí está à frente da maioria.
 E não tardou. Crivaldo movimentava-se em silêncio, como sempre fazia.
Instalou uma fabrica de redes. Disparou, sem, todavia, abandonar qualquer de suas especialidades iniciais. Era conservador e não iria desprezar os seus pontos de partida. Tudo lhe dava dinheiro. As redes de tapuarana tornaram-se famosas. Redes para gente importante, com largas varandas e redinhas para crianças, de tecido fofo e macio. Não se falava mais noutra coisa. Crivaldo não dava demonstração do seu desenvolvimento. Conservava o seu otimismo, sem fazer alarde. A tendência era crescer. Solteirão e até então somente trabalhador feito um bicho, achava que estava na hora de começar a viver como os outros. Já tinha base sólida para isso, inclusive ótimos auxiliares que manejavam peça por peça de suas indústrias. Sentia-se despreocupado e estava na hora de usufruir os resultados dos seus sonhos realizados.
Construiu uma boa casa e preparou-a confortavelmente, sem luxo, está visto. Luxo era, ao seu entender, esbanjamento e vaidade. Passou à sua nova residência e começou novamente a sonhar, mas desta feita com uma companheira. Tivera uma vida de lutas e sacrifícios. Agora era viver no aconchego de um lar, ao lado de uma mulher e de alguns filhos.
O fato de ter casa nova despertou atenção de todos. As fofoqueiras abriram logo o jogo – “O Crivaldo está se preparando para casar. Na certa. Um bom partido, aliás...”.
- Bom não, ótimo. Trabalhador, dedicado, sério, honesto. Excelente pessoa. Vai pegar uma moça rica, já deve ter muita gente de bico aberto.
Os comentários galopavam, embora Crivaldo não tivesse ninguém na mira.
- É Fulana, é Cicrana, é Beltrana. A coisa lá fora se acelerava. E estava todo mundo enganado. Crivaldo sabia muito bem o tipo de moça que ele queria. Quando era um sonhador, apenas sem eira sem beira, só se lembravam dele para motejar.
- “Aquilo é um doido. Um preguiçoso. Só vive a sonhar com coisas impossíveis. É uma forma de despistar a falta de coragem para o trabalho”.
Poderiam até correr atrás dele, acender velas a Santo Antonio. Sabia onde encontrar a pessoa que lhe agradava. Estava entre as famílias pobres que lutavam como ele para sobreviver. E quando menos se esperava, Crivaldo estava noivo.
- “Noivo de quem. Quem é a felizarda”.
Era realmente uma felizarda. Filha de um sapateiro, que lutava noites e dias para sustentar honestamente a família. Cinco filhos que os ajudavam no ofício, exceto os dois menores, pirralhos ainda. Maria Rosa, a mais velha, sua noiva, não tinha pecado, além da pobreza. Arrumadinha de corpo, como se tivesse sido encomendada a algum santeiro. Uma nossa senhora da perfeição. Rosto de santa, cor de uma rosa ao desabrochar, fala musicada e cabelos castanhos, do jeitinho que Crivaldo gostava. Dos olhos nem era bom falar. Concentravam a luz das estrelas e às vezes possuíam a melancolia de uma noite de luar.
Crivaldo não queria mais. O resto ele possuía. Riacho Seco tomou um choque. Crivaldo havia ficado mais doido ainda. Depois de tantas lutas casar-se com filha de sapateiro, quando tantas moças ricas o esperavam. Cada uma trazia traçado o seu destino.
Casou-se no civil e no religioso. Estava seguro pelos dois todos. Podiam falar, criticar, como entendessem. O sogro recebeu a orientação de fechar a sapataria. Tomaria conta de uma parte de seus negócios. Maria Rosa, simples como era, tornou-se a santa da devoção de Crivaldo, o casal mais certo e mais querido de Riacho Seco.
30.1.1984
*O conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.


            A NEGRA SEBASTIANA*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)


            A negra Sebastiana aparecera no povoado como um furacão. E por isto puseram-lhe o apelido de Pé de Vento. Não respeitava macho e muito menos as mulheres casadas. Negra vadia gabava-se de ser a mulher melhor das redondezas e ninguém que andasse com ela deixaria mais de frequentá-la. Negra bonita era ali. Perfeita dos pés á cabeça, andava tremendo as carnes e os olhos faiscavam como olhos dessas pessoas ambiciosas que querem tudo para si. E tinha uma especialidade que era prender o sujeito e tomar-lhe o dinheiro sob ameaça de escândalo.
            Caia-lhe nas malhas, estava perdido, a menos que fosse uma pessoa descompromissada, que não tivesse de prestar contas a ninguém. E tinha o campo livre, pois as vitimas não diziam a ninguém que estavam sendo exploradas. Mas tudo tem seu dia e a negra Sebastiana apaixonou-se pelo padre da freguesia e de tal ordem que foi largando os outros. No entanto, o Vigário era honesto, ainda um novato de ministério e não dava atenção a Sebastiana. Notava que ela o perseguia, cortava caminho, rezava para esconjurá-la, trancava-se em casa o quanto podia, mas a negra Sebastiana não lhe dava tréguas. Coitado. Não tinha culpa de nada, achava que era um pecado mortal irreparável, mas a negra não lhe dava tréguas, e sempre procura estar onde Padre Sebastião estivesse. Na igreja, situava-se em posições que ficasse bem a vista de sua paixão e só faltava mesmo engoli-lo com os olhos de caninana faminta. Chegara a ponto de quase desiludir-se, mas a negra Sebastiana não era negra para fugir, nem deixar de mão suas vitimas. E jurara consigo mesma desacuar o novato e chamá-lo nos peitos. Ele iria ver quem era a negra Sebastiana. O negócio era apanhá-lo a primeira vez. E não desejava explora-lo. Queria, ambicionava, endoidecia era pelo homem que estava embisacado naquela saia preta que só servia para atrapalhar sua vida e a dele próprio.
            Estudava planos, cercava o reverendo por todos os lados, mas o bicho resistia a todas as artimanhas. Já quase desenganada, foi retomando a sua antiga freguesia, tomando-lhes dinheiro, exigindo presentes sob pena de escândalo para os seus encontros; arranjava sempre um lugar discreto. Qualquer moita servia, contanto que ninguém adivinhasse.
            Dormia pensando em Sebastião e quando mantinha seus contatos era como se quem estivesse ali fosse Sebastião em carne e osso. Era ele que estava em sua imaginação de mulher diabólica. Padre Sebastião, tinha, aliás, ojeriza a negro. Se ao menos fosse uma mulher branca como ele, mas logo um mutum daquele. E de qualquer forma havia feito voto de castidade e acabou-se. Novato ainda na batina, era desses que ainda acreditava nas penas do purgatório e do inferno. Não iria perder sua alma por uma coisa proibida rigorosamente pela Santa Igreja Católica Apostólica Romana. Não era nem doido. Fora ao seminário, meninote ainda sem qualquer experiência no gênero. Além disso, um pecado não poderia ter gosto de nada. Mal sabia que a negra Sebastiana continuava de olho nele.
            Não tinha nada a ver com os seus juramentos e muito menos com castidade religiosa. E pouco também se lhe dava que o Padre Sebastião fosse ou não para o inferno ou as penas do purgatório. Isto não lhe dizia respeito. Em primeiro lugar estavam os seus desejos. E que culpa tinha ela de haver se metido no seminário. Nenhuma, nenhuma. O que lhe interessava era aquilo que seu corpo pedia. Ora essa. E Padre Sebastião iria ver quem era a negra Sebastiana. E apostava com sigo mesma, que tiraria o cabaço do reverendo.
            Era só mesmo o que lhe faltava. Ele que se atasse lá com sua igreja e as palhaçadas dos patrões. E dizia de si para si, - “prepara-te Padre Sebastião que a negra Sebastiana não brinca em serviço”. E foi aí que lhe veio à ideia mãe.
            Confessar-se e dar a primeira cantada, direta. Esperou o sábado dia de confessionário.
            Entrou na fila e foi se chegando diabolicamente. Queria mesmo ser a última para dispor de tempo e não ser reparada. Ajoelho-se com jeito de beata
            - Reze, reze irmã, o credo.
            E Sebastiana rezou piedosamente.
            - Agora confesse seus pecados com toda fé em Cristo, nosso Salvador.
            E Sebastiana foi contando à toa o que pouco interessava. Afinal fez uma parada e o Padre perguntou-lhe se não havia mais nada.
            - Sim, tenho, mas não é propriamente um pecado. É apenas um desejo. Mas é tão grande que tenho vergonha de confessá-lo.
            - Ora, filha, não há nada que não se possa perdoar em nome de Deus, nosso Salvador.  Então fala filha.
            - É que tenho uma paixão doida pelo Padre Sebastião e não sei o que fazer para conquistá-lo.
            - Com Padre não se brinca, minha filha. Padre faz juramento de celibato, quer dizer, renuncia as mulheres. Deve olhar para elas, apenas como uma ovelha do rebanho santo.
            - Mas Padre, o senhor não sai do meu juízo. Ando pertinho de endoidar. Ou o senhor me aceita e me ama ou perderei o juízo.
            - Não insista neste pecado monstruoso. E exijo que me respeites. Quase não posso te perdoar. Ou te arrependes dessa tua loucura, dessa tua perversão, ou sou obrigado a te esconjurar. Vai, reza o credo, três vezes.
            Rezou.
            - Tem jeito não, o senhor não sai de dentro de mim.
            - Eu te excomungo.
            - Não adianta. E vou lhe dizer a verdade. Não vim aqui senão para confessar-lhe minha grande paixão. E vou lhe dizer. Ou me aceita ou irei fazer um escândalo. Direi a todo mundo que no confessionário, faltou-me com o devido respeito e a igreja. Decida-se qual será o melhor caminho, isto é, se ter prazer com a negra Sebastiana, a insaciável ou perder esse prazer e ser tido como um padre irreverente e mulherengo. Eu não tenho o que perder na vida e também não quero perdê-lo.
            - Prefiro o escândalo e sei que não será capaz de tal infâmia. Ademais ninguém vai deixar de acreditar no Padre para levar em conta as calunias de uma negra perdida de tua qualidade.
            - Ah! Seu Padre, o senhor não sabe até onde nos leva uma paixão desenfreada, apaixonei-me pelo senhor e não vou desistir. Tenha santa paciência. Toda vez que lhe vejo ou apenas me lembro do senhor, meu corpo se agita, se dana como se quisesse explodir. Será que não quer me salvar. Não é nada demais dormir comigo. E, aliás, porque não me dá um emprego de arrumadeira. Ninguém iria desconfiar. E veja bem, se me recusar, vão saber que saio de sua casa todas as noites e vão saber que estou saindo às ocultas da santa casa do Padre.
            - Pois fique sabendo que nem quero vê-la mais e muito menos arranjar-lhe emprego em minha casa. E se insistir vou mandar pô-la da cidade para fora debaixo de vara e lhe darei a excomunhão.
            - E o escândalo. Está pensando que deixarei de fazer o que disse. E quanto à excomunhão pode dar, pois a negra Sebastiana não acredita nestas bobagens. E agora, para terminar, não tenha duvida de quem anda com a negra Sebastiana não a deixará mais. Sei dar voltas no corpo e endoidar qualquer um. Por que não deixa essa pieguice religiosa. Se tiver de ir para o céu, irá, pois provar o que é bom até ajuda. Já pensou, um homem tão forte, tão sadio e bonitão como é. Ter de levar a vida toda pensando nas mulheres e recusar uma, do meu tipo, se é só por falta de coragem para enfrentá-la. Onde foi que o senhor leu que padre andar com mulher é pecado. Onde? E depois ninguém irá saber seu tolo. Coloque-me como sua arrumadeira e deixe o resto por minha conta. Dormir sozinho, viver na solidão, quando pode ter nos braços e na cama, uma negra infernal como sou. Uma negra apaixonada é a melhor coisa que Deus inventou. Pensa que Português gosta de negra só pela cor? Está muito enganado. Gosta porque negra vale por cem outras mulheres. Não tem experiência, mas lhe ensinarei tudo. Sei que já está ai sonhando comigo. E olhe se não gostar da brincadeira, vou embora no mesmo instante; vai, me leva, para tua casa. Agora, tem uma coisa, se gostar da folia, não abusará da negra Sebastiana, está feito?
            - Olha endemoniada. Não fiques me tentando mais. Já te disse que sou um padre e nada disso me tenta e nem faz quebrar o meu juramento. Some-te, pois, de minha vista. Só te perdôo porque sei que tudo isto é fraqueza da carne. Tem muito homem por aí sem proibição.
            A negra Sebastiana resolveu, então, mudar de tática. Começou a chorar.
            - Deixa disto minha filha, vai-te com Cristo. Ele te amparará nesses teus maus pensamentos.
            - Não estou chorando por isto não, seu padre. Choro porque tenho passado fome e ninguém me ajuda. Preciso é ter comida e onde dormir. Usei daqueles artifícios, erradamente, pensando que seria o meio mais fácil de conseguir trabalho. Só assim, juro que poderei deixar a vida miserável que tenho tido. O senhor avalia o nojo e a vergonha que tenho de ter sempre que vender-me para obter o pão de cada dia.  Não tenho outra coisa senão o corpo para vender e a troco de migalhas. Sou a criatura mais infeliz deste mundo. E ninguém ajuda me salvar. O senhor não imagina o que é ser mulher de todo mundo, sem amor, sem prazer. Tenho que aceitar qualquer sujo e indecente que aparece. E uns nem me dão um níquel e ainda me ameaçam se insistir. E mais ainda. Ninguém dar valor a negro. E por isto só me procuram quando não tem uma branca disponível. Se o senhor me der emprego, todo mundo irá dizer que o Santo Vigário regenerou a negra Sebastiana, fez uma obra de caridade. Irei às missas e todos os atos religiosos. “Passarei a ser gente” e não mais “a quenga” Negra Sebastiana. E aumentou o choro.
            - Podem pensar coisas, Negra Sebastiana. Bem sabes como o povo é maldoso.
            - Ora, o Senhor é um padre irrepreensível, puro quase um Santo. Ninguém não atreverá a abrir o bico. E se abrir, será que vai dar ouvido a fofocas de desocupados. Basta que o senhor saiba que vai para o céu e que tem sua consciência tranquila  Pelo o amor de Deus, tire-me do lodo, da miséria em que estou. Não ira querer que eu continuasse uma negra perdida, cada vez mais chegando perto do inferno.
 E benzeu-se.
            - Bem negra Sebastiana, vou enfrentar as más línguas. Vou te dar o emprego, mas vê lá, todo respeito será pouco, estás me ouvindo. E fique sabendo que a carne não me tenta e nem tentará. Não quebrarei meu juramento aos pés do altar.
            - Quer dizer que o senhor vai mesmo salvar a negra Sebastiana. Louvado seja. E quando poderei me apresentar.
            - Hoje mesmo, se quiser. Mas não digas nada a ninguém.
            - Ora, ninguém mais me verá, isto é, verá, mas não conseguirá nada de mim. Só isto já será uma prova de que me regenerei. Afinal o que pretendia já consegui. Não ser mais dessa canalha que me procura. A negra Sebastiana passa a ter dono e a chegar perto do céu que ardentemente deseja. O inferno que tinha dentro de mim, irá se consumir. Quem espera sempre alcança. Em mim, agora, sim quem manda é o senhor. Que alivio já estou sentindo. Agora poderei dizer a esses patifes todos, que me respeitem, senão vou contar ao padre.
            - Mas olha todo respeito é pouco. Vou te dar dinheiro para comprares roupas novas e adequadas. Nada dessas roupas que usavas nas tuas loucuras. Só assim iras te desencarnando da vida passada. Posso confiar em ti?
            - Juro, juro, juro. Ninguém lhe será mais fiel e obediente. Se quiser posso até lavar-lhe os pés e tirar-lhe a batina.
            - O que???!!!
            - É só uma maneira de falar. Querendo dizer tudo, tudinho.
            E logo à noitinha Sebastiana entrou pela porta da cozinha do Padre. Sebastiana precisava começar reconhecendo o seu lugar de empregada de casa paroquial.
 Logo no dia seguinte, ninguém acreditava que Sebastiana estivesse em casa do Padre. Uma negra pervertida daquela, ter o topete de enganar o vigário a ponto de convencê-lo a dar-lhe emprego, era mesmo um devaneio. O Padre Sebastião não passava mesmo de um inocente. Coitado dele. Não tinha nem noção de quem era a negra Sebastiana. Iria terminar pervertendo um padre tão virtuoso. E não houve quem o advertisse. É conveniente ir alguém á sua casa, dizer quem é a negra Sebastiana. Será uma falta de atenção para com o pároco, um santo vigário da igreja.
            - É melhor deixar como está. Ela não irá dizer quem é e talvez seja melhor não despertar a atenção do Padre. Só o fato de ela sair de circulação, já é um milagre. Só assim a cidade vai ficar em paz. A preta resolveu regenerar-se e porque então ir perturbar sua nova vocação. Se o vigário sonhar, irá botá-la fora e o diabo se solta novamente.
            - É mesmo. Deixa como está.
O primeiro dia foi de total reserva. A negra Sebastiana, toda recolhida e cerimoniosa, cuidava apenas de seus afazeres, como se nem a presença de sua grande paixão. Apenas estudava-lhe as habilidades e a melhor forma de ataque. O padre olhava para ela de soslaio, observando-a também. Na verdade não tinha receio de tentação, pois sua formação moral era inabalável. Havia seguido a carreira eclesiástica, certo de que renunciaria as mulheres. E ninguém o iria modificá-lo. Sebastiana, no entanto, cada vez se incendiava mais, ficando ali sozinha com a sua paixão devoradora. Mas havia de ser sutil. Nada de agressividade, para não espanta-lo. Passou, então a procurar cativa-lo, oferecendo isso, oferecendo aquilo, num gesto de agrado e respeito. Em seguida passou a servi-lo do lado dele, recendendo ligeiramente a um perfume discreto. Casualmente tocava no seu braço, ora na mão. E notava que o reverendo mordia os lábios e ficava um tanto nervoso. Mas não dizia nada, o que era um bom sinal de começo feliz. E foi avançando lentamente, sem demonstrar interesse direto. Isto ficaria por conta do tempo e do padre. E foi evoluindo até chegar ao ponto de entrar em seu quarto de dormir para saber se desejava alguma coisa. De começo era sempre nada. Sebastiana passou sua mão umedecida de perfume que usava, na fronha do travesseiro e ficou na expectativa. Se reclamasse ou não ela saberia tirar suas conclusões. E como não reclamou nada, a coisa ia mudando ás mil maravilhas. E Sebastiana foi aos poucos perfumando todas as coisas de uso do padre Sebastião. Se não reclamava é porque estava gostando. Passou a usar roupas mais soltas e mais livres e atraentes. Não fez qualquer observação. Aumentou o decote e pedaços dos seios negros e rígidos ficavam um tanto á mostra. Achou que estava no ponto, inclusive por notá-lo olhando discretamente. Ia dar o bote. Não se enganava com os momentos psicológicos. Ao ir se deitar, Sebastiana ficou em trajes sumários. Padre Sebastião chamou-a para uma recomendação. Iria viajar muito cedo e queria o café mais cedo. Sebastiana com os peitos de fora, as pernas, e o umbigo também, apresentou-se.
            - O que é isto menina!!!
            - Ora, não estamos os dois sozinhos.
            - Mas assim também é demais. Não sabes que o diabo atenta.
            - E daí...
            - Tenho que te dizer uma coisa, mas é segredo. Vai lá para o meu quarto...
            E Sebastiana foi vitoriosa. Tirou o resto da roupa e esperou deitadinha na cama do reverendo.
            - Assim também, não sinhá doidinha.
            E às oito horas do dia seguinte ainda dormiam, Padre Sebastião esqueceu o café e a viagem.
            - Olha aí o que fizestes, perdi a viagem e já é tarde demais para celebrar a missa...
            - Amanhã, também não iras viajar. Vai adiando. Aqui viajar-se melhor.
            - Me enganastes, não foi?...
            - Eu! Eu não. Mas deu certo. É difícil alguém ficar perto da negra Sebastiana, sem desejá-la. Foi só isto.
            - E para que tirastes à roupa toda, exibindo o corpo e as coisas proibidas pela igreja.
            - Proibidas coisa nenhuma. Já contou os tempos que perdeu com suas besteiras de proibição...
            - Negra do diabo, vamos os dois pro inferno.
            - Mas enquanto isto fiquemos no céu...

*O conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013




Será que é verdade?

Carta à Shell em 1986, uma relíquia histórica.


Este fato é verdadeiro. A Shell tem a carta arquivada. Isto é fantástico. Não tem preço, uma raridade.
A empresa Shell abriu seus arquivos e veio a conhecer o conteúdo e uma carta enviada por um consumidor nos anos 80, ao seu Serviço de Atendimento ao Consumidor. Ela está transcrita na sua forma original, inclusive com os erros gramaticais isto é, ipsis litteris.

Olá! Tenho um Corcel II 1986 a alço e sou cliente dos posto Shell. Não abasteço em nenhum outro posto há mais de 5 ano. Tô escrevendo porque to com uma dúvida na qual acho que vocês são os mais indicado a me ajuda. A questã é que to progamando uma viagem para domingo dia 27/10. Nesse dia será realizado o 2º turno das eleição de venda de alço da meia noite até a meia noite de domingo. A chamada lei seca. Mas o trajeto que pretendo percorre no domingo é muito maior do que cabe de alco no tanque do meu carro, já que não vai tê venda de alço, vô te que carrega em alguma vasilha o resto que segundo meus cálculo é um tanque e meio quase 100 litro.
Gostaria de sabe qual a vasilha mais segura pra transporta o alco ou se tem alguma outra solução pro meu pobrema. Pensei em talvez abastece com gasolina por que a proibição de venda é so de alco pelo que eu vi.
Caso a solução seja mesmo a de transporta o combustive a se usado, gostaria de sabe se algum posto de vocês na região da Grande ABC poderia faze um desconto por que eu vo está comprando mais de 150 litro de alço no sábado.
Assinado:
Luis Inacio da Silva
Torneiro Mecânico
São Bernardo do Campo/SP

Resposta da SHELL:

Prezado Sr. Luis Inácio da Silva. Em retorno à sua carta, gostaríamos de esclarecer que a lei a que o senhor se refere, proíbe apenas a venda de bebidas alcoólicas nos dias de eleições e não a de combustíveis automotores.
Shell Brasil S.A. Petróleo.

TEXTO DE TEREZA COLLOR

Publicado por Mendonça Neto, Jornal Extra - Rio de Janeiro.



Carta aberta ao Senador Renan Calheiros



 “Vida de gado. Povo marcado. Povo feliz". As vacas de Renan dão cria 24 h por dia. Haja capim e gente besta em Murici e em Alagoas!
Uma qualidade eu admiro em você: o conhecimento da alma humana. Você sabe manipular as pessoas, as ambições, os pecados e as fraquezas.

Do menino ingênuo que eu fui buscar em Murici para ser deputado estadual em 1978 - que acreditava na pureza necessária de uma política de oposição dentro da ditadura militar - você, Renan Calheiros, construiu uma trajetória de causar inveja a todos os homens de bem que se acovardam e não aprendem nunca a ousar como os bandidos.

Você é um homem ousado. Compreendeu, num determinado momento, que a vitória não pertence aos homens de bem, desarmados desta fúria do desatino, que é vencer a qualquer preço. E resolveu armar-se. Fosse qual fosse o preço, Renan Calheiros nunca mais seria o filho do Olavo, a degladiar-se com os poderosos Omena, na Usina São Simeão, em desigualdade de forças e de dinheiros.

Decidiu que não iria combatê-los de peito aberto, descobriria um atalho, um mil artifícios para vencê-los, e, quem sabe, um dia derrotaria todos eles, os emplumados almofadinhas que tinham empregados cujo serviço exclusivo era abanar, durante horas, um leque imenso sobre a mesa dos usineiros, para que os mosquitos de Murici (em Murici, até os mosquitos são vorazes) não mordessem a tez rósea de seus donos: Quem sabe, um dia, com a alavanca da
política, não seria Renan Calheiros o dono único, coronel de porteira fechada, das terras e do engenho onde seu pai, humilde, costumava ir buscar o dinheiro da cana, para pagar a educação de seus filhos, e tirava o chapéu para os Omena, poderosos e perigosos.

Renan sonhava ser um big shot, a qualquer preço. Vendeu a alma, como o Fausto de Goethe, e pediu fama e riqueza, em troca.

Quando você e o então deputado Geraldo Bulhões, colegas de bancada de Fernando Collor, aproximaram-se dele e se aliaram, começou a ser Parido o novo Renan.

Há quem diga que você é um analfabeto de raro polimento, um intuitivo. Que nunca leu nenhum autor de economia, sociologia ou direito.
Os seus colegas de Universidade diziam isso. Longe de ser um demérito, essa sua espessa ignorância literária faz sobressair, ainda mais, o seu talento de vencedor.

Creio que foi a casa pobre, numa rua descalça de Murici, que forneceu a você o combustível do ódio à pobreza e o ser pobre. E Renan Calheiros decidiu que, se a sua política não serviria ao povo em nada, a ele próprio serviria em tudo. Haveria de ser recebido em Palacios, em mansões de milionários, em Congressos estrangeiros, como um príncipe, e quando chegasse a esse ponto, todos os seus traumas banhados no rio Mundaú, seriam rebatizados em Fausto e opulência; "Lá terei a mulher que quero, na cama que escolherei. Serei amigo
do Rei."

Machado de Assis, por ingênuo, disse na boca de um dos seus personagens: "A alma terá, como a terra, uma túnica incorruptível." Mais adiante, porém, diante da inexorabilidade do destino do desonesto, ele advertia: "Suje-se, gordo! Quer sujar-se? Suje-se, gordo!"

Renan Calheiros, em 1986, foi eleito deputado federal pela segunda vez. Nesse mandato, nascia o Renan globalizado, gerente de resultados, ambição à larga, enterrando, pouco a pouco, todos os escrúpulos da consciência. No seu caso, nada sobrou do naufrágio das ilusões de moço! Nem a vergonha na cara. O usineiro João Lyra patrocinou essa sua campanha com US1.000.000. O dinheiro era entregue, em parcelas, ao seu motorista Milton, enquanto você esperava, bebericando, no antigo Hotel Luxor, Av. Assis Chateaubriand, hoje Tribunal do Trabalho.

E fez uma campanha rica e impressionante, porque entre seus eleitores havia pobres universitários comunistas e usineiros deslumbrados, a segui-lo nas estradas poeirentas das Alagoas, extasiados com a sua intrepidez em ganhar a qualquer preço. O destemor do alpinista, que ou chega ao topo da montanha - e é tudo seu, montanha e glória - ou morre. Ou como o jogador de pôquer, que blefa e não treme, que blefa rindo, e cujos olhos indecifráveis Intimidam o adversário. E joga tudo. E vence. No blefe.

Você, Renan não tem alma, só apetites, dizem. E quem, na política brasileira, a tem? Quem, neste Planalto, centro das grandes picaretagens nacionais, atende no seu comportamento a razões e objetivos de interesse público? ACM, que, na iminência de ser cassado, escorregou pela porta da renúncia e foi reeleito como o grande coronel de uma Bahia paradoxal, que exibe talentos com a mesma sem-cerimônia com que cultiva corruptos? José Sarney, que tomou carona com Carlos Lacerda, com Juscelino, e, agora, depois de ter apanhado uma tunda de você, virou seu pai-velho, passando-lhe a alquimia de 50 anos de malandragem?

Quem tem autoridade moral para lhe cobrar coerência de princípios? O presidente Lula, que deu o golpe do operário, no dizer de Brizola, e hoje hospeda no seu Ministério um office boy do próprio Brizola?
Que taxou os aposentados, que não o eram, nem no Governo de Collor, e dobrou o Supremo Tribunal Federal?
No velho dizer dos canalhas, todos fazem isso, mentem, roubam, traem. Assim, senador, você é apenas o mais esperto de todos, que, mesmo com fatos gritantes de improbidade, de desvio de conduta pública e privada, tem a quase unanimidade deste Senado de Quasímodos morais para blinda-lo.

E um moço de aparência simplória, com um nome de pé de serra - Siba - é o camareiro de seu salvo-conduto para a impunidade, e fará de tudo para que a sua bandeira - absolver Renan no Conselho de Ética - consagre a sua carreira.
Não sei se este Siba é prefixo de sibarita, mas, como seu advogado in pectore, vida de rico ele terá garantida. Cabra bom de tarefa, olhem o jeito sestroso com que ele defende o chefe... É mais realista que o Rei. E do outro lado, o xerife da ditadura militar, que, desde logo, previne: quero absolver Renan.

Que Corregedor!... Que Senado!...Vou reproduzir aqui o que você declarou possuir de bens em 2002 ao TRE. Confira, tem a sua assinatura:

1) Casa em Brasília, Lago Sul, R$ 800 mil,
2) Apartamento no edifício Tartana, Ponta Verde, R$ 700 mil,
3) Apartamento no Flat Alvorada, DF, de R$ 100 mil,
4) Casa na Barra de S Miguel de R$ 350 mil ..

E SÒ.

Você não declarou nenhuma fazenda, nem uma cabeça de gado!!
Sem levar em conta que seu apartamento no Edifício Tartana vale, na
realidade, mais de R$1 milhão, e sua casa na Barra de São Miguel, comprada de um comerciante farmacêutico, vale mais de R$ 2.000.000. Só aí, Renan, você DECLARA POSSUIR UM PATRIMONIO DE CERCA DE R$ 5.000.000.

Se você, em 24 anos de mandato, ganhou BRUTOS, R$ 2 milhoes, como comprou o resto? E as fazendas, e as rádios, tudo em nome de laranjas? Que herança moral você deixa para seus descendentes?.

Você vai entrar na história de Alagoas como um político desonesto, sem escrúpulos e que trai até a família. Tem certeza de que vale a pena?
Uma vez, há poucos anos, perguntei a você como estava o maior latifundiário de Murici. E você respondeu: "Não tenho uma só tarefa de terra. A vocação de agricultor da família é o Olavinho." É verdade, especialmente no verde das mesas de pôquer!

O Brasil inteiro, em sua maioria, pede a sua cassação. Dificilmente você será condenado. Em Brasília, são quase todos cúmplices.
Mas olhe no rosto das pessoas na rua, leia direito o que elas pensam, sinta o desprezo que os alagoanos de bem sentem por você e seu comportamento desonesto e mentiroso. Hoje perguntado, o povo fecharia o Congresso. Por causa de gente como você!

Por favor, divulguem pro Brasil inteiro pra ver se o congresso cria vergonha na cara.
Os alagoanos agradecem.
Thereza Collor


segunda-feira, 28 de janeiro de 2013





NO CEARÁ TEM DISSO SIM!

Grijalva Maracajá Henriques*

Vejam que perola de missiva para um pedido de empréstimo ou doação de um dicionário.
As pessoas citadas são verdadeiras. O solicitante o Sr. Antonio Ramos de Oliveira fora professor Municipal na cidade de jardim e nascido em Jati CE.
E o Sr. Antonio Franco Neves (Totonho) era irmão do meu sogro, José Franco Neves morador da cidade de jardim – Ceará.
O bilhete original foi extraviado, porém decorado e recitado por meu cunhado Teodomiro Sampaio Neves Sobrinho do solicitado, para empréstimo do dificultoso “Pai dos Burros”.




Ilmo.  Senhor ilustre Antônio Neves é um tédio manifesto que faço essa majestosa benevolência desejando boa saúde a sua mercê com a mais excelentíssima família.
Envio-lhe essas missivas linhas coordenando sem fatos emergentes com a lecionação de aula vocálica no termo do pequeno contingente e etc. E se possível confessar-me ao ilustre de alto senhoril pois se têm-se-me-nos para ministrar-me-o é que pretendemo-nos pois magnificências.
É um desejo falar-lhe sobre a vossa passagem para a fazenda Baixa Grande, mas não vi vossa passagem ao refém do tratado que ia falar-lhe. Peço me franquear por meio de pagamento ou queira deter-me um dicionário, ainda que seja pequeno muito bem poderá consinenciar-me  com seu valor categórico.
Descorne-me-o seu servo e criado
 Antônio Ramos de Oliveira

“Achar que o mundo não tem um criador é o mesmo que afirmar que um dicionário é o resultado de uma explosão numa tipografia.”
Benjamim Franklin

*O autor é historiador e pesquisador.


quarta-feira, 23 de janeiro de 2013






O Brasil nunca pertenceu aos índios

Sandra Cavalcanti

Quem quiser se escandalizar, que se escandalize. Quero proclamar, do fundo da alma, que sinto muito orgulho de ser brasileira. Não posso aceitar a tese de que nada tenho a comemorar nestes quinhentos anos. Não agüento mais a impostura dessas suspeitíssimas ONGs estrangeiras, dessa ala atrasada da CNBB e dessas derrotadas lideranças nacional-socialistas que estão fazendo surgir no Brasil um inédito sentimento de preconceito racial.

Para começo de conversa, o mundo, naquela manhã de 22 de abril de 1500, era completamente outro. Quando a poderosa esquadra do almirante português ancorou naquele imenso território, encontrou silvícolas em plena idade da pedra lascada. Nenhum deles tinha noção de nação ou país. Não existia o Brasil.

Os atuais compêndios de história do Brasil informam, sem muita base, que a população indígena andava por volta de cinco milhões. No correr dos anos seguintes, segundo os documentos que foram conservados, foram identificadas mais de duzentos e cinqüenta tribos diferentes. Falando mais de 190 línguas diferentes. Não eram dialetos de uma mesma língua. Eram idiomas próprios, que impediam as tribos de se entenderem entre si. Portanto, Cabral não conquistou um país. Cabral não invadiu uma nação. Cabral apenas descobriu um pedaço novo do planeta Terra e, em nome do rei, dele tomou posse.

O vocabulário dos atuais compêndios não usa a palavra tribo. Eles adotam a denominação implantada por dezenas de ONGs que se espalham pela Amazônia, sustentadas misteriosamente por países europeus. Só se fala em nações indígenas.

Existe uma intenção solerte e venenosa por trás disso. Segundo alguns integrantes dessas ONGs, ligados à ONU, essas nações deveriam ter assento nas assembléias mundiais, de forma independente. Dá para entender, não? É o olho na nossa Amazônia. Se o Brasil aceitar a idéia de que, dentro dele, existem outras nações, lá se foi a nossa unidade.

Nos debates da Constituinte de 88, eles bem que tentaram, de forma ardilosa, fazer a troca das palavras. Mas ninguém estava dormindo de touca e a Carta Magna ficou com a palavra tribo. Nação, só a brasileira.

De repente, os festejos dos 500 anos do Descobrimento viraram um pedido de desculpas aos índios. Viraram um ato de guerra. Viraram a invasão de um país. Viraram a conquista de uma nação. Viraram a perda de uma grande civilização.

De repente, somos todos levados a ficar constrangidos. Coitadinhos dos índios! Que maldade! Que absurdo, esse negócio de sair pelos mares, descobrindo novas terras e novas gentes. Pela visão da CNBB, da CUT, do MST, dos nacional-socialistas e das ONGs européias, naquela tarde radiosa de abril teve início uma verdadeira catástrofe.

Um grupo de brancos teve a audácia de atravessar os mares e se instalar por aqui.
Teve e audácia de acreditar que irradiava a fé cristã. Teve a audácia de querer ensinar a plantar e a colher. Teve a audácia de ensinar que não se deve fazer churrasco dos seus semelhantes.
Teve a audácia de garantir a vida de aleijados e idosos.
Teve a audácia de ensinar a cantar e a escrever.
Teve a audácia de pregar a paz e a bondade.
Teve a audácia de evangelizar.

Mais tarde, vieram os negros. Depois, levas e levas de europeus e orientais. Graças a eles somos hoje uma nação grande, livre, alegre, aberta para o mundo, paraíso da mestiçagem. Ninguém, em nosso país pode sofrer discriminação por motivo de raça ou credo.

Portanto, vamos parar com essa paranóia de discriminar em favor dos índios. Para o Brasil, o índio é tão brasileiro quanto o negro, o mulato, o branco e o amarelo. Nas nossas veias correm todos esses sangues. Não somos uma nação indígena. Somos a nação brasileira.

Não sinto qualquer obrigação de pedir desculpas aos índios, nas festas do Descobrimento. Muitos índios hoje andam de avião, usam óculos, são donos de sesmarias, possuem estações de rádio e TV e até COBRAM pedágio para estradas que passam em suas magníficas reservas. De bigode e celular na mão, eles negociam madeira no exterior. Esses índios são cidadãos brasileiros, nem melhores nem piores. Uns são pobres. Outros são ricos. Todos têm, como nós, os mesmos direitos e deveres. Se começarem a querer ter mais direitos do que deveres, isso tem que acabar.



terça-feira, 15 de janeiro de 2013


AS BELEZAS DO ENEM 2011


"O Brasil não teve mulheres presidentes mas várias primeiras-damas foram do sexo feminino".


(Ou seja: alguns ex-presidentes casaram-se com travestis.)


"Vasilhas de luz refratória podem ser levadas ao forno de microondas sem queimar".


(Alguém poderia traduzir?!)


"O bem star dos abtantes da nossa cidade muito endepende do governo federal capixaba".


(Vende-se máquina de escrever faltando algumas letras.)


"Animais vegetarianos comem animais não-vegetarianos".


(Esse aí deve comer capim.)


"Não cei se o presidente está melhorando as insdiferenças sociais ou promovendo o sarneamento dos pobres. Me pré-ocupa o avanço regresssivo da violência urbana".


("Sarneamento” deve ser o conjunto de medidas adotadas por Sarney no Maranhão. Quer dizer, eu “axo”, mas não me “pré-ocupo” muito.)


"Fidel Castro liderou a revolução industrial de 1917, que criou o comunismo na Russia".


(Não, besta, foi o avô dele.)


"O Convento da Penha foi construído no céculo 16 mas só no céculo 17 foi levado definitivamente para o alto do morro".


(Demorou o "céculo" inteiro pra fazer a mudança.)


"A História se divide em 4: Antiga, Média, Momentânea e Futura, a mais estudada hoje".


(Esqueceu a História em Quadrinhos.)


"Os índios sacrificavam os filhos que nasciam mortos matando todos assim que nasciam".


(Mas e se os índios não matassem os mortos????)


"Bigamia era uma espécie de carroça dos gladiadores, puchada por dois cavalos".


(Ou era uma "biga" macho que tinha duas "bigas" fêmeas, puxada por um burro?!)


"No começo Vila Velha era muito atrazada mas com o tempo foi se sifilizando".


(Deve ter sido no tempo em que lá chegaram as primeiras prostitutas.)


"Os pagãos não gostavam quando Deus pregava suas dotrinas e tiveram a idéia de eliminá-lo da face do céu".


(Como será que eles pretendiam fazer isso?!)


"A capital da Argentina é Buenos Dias".


(De dia. À noite chama-se Buenas Noches.)


"A prinssipal função da raiz é se enterrar no chão".(


E a "prinssipal" função do autor deveria ser a mesma. E ainda vivo...)


"As aves tem na boca um dente chamado bico".


(Cruz credo.)


"A Previdência Social assegura o direito a enfermidade coletiva".


(hehe. Esse é espirituoso...)


"Respiração anaeróbica é a respiração sem ar, que não deve passar de 3 minutos".


(Senão a anta morre.)



“Ateísmo é uma religião anônima praticada escondido. Na época de Nero, os romanos ateus reuniam-se para rezar nas catatumbas cristãs".

(E alguns ainda vivem nas "catatumbas".)


"Os egipícios dezenvolveram a arte das múmias para os mortos poderem viver mais".


(Precisa "dezenvolver" o cérebro. Será que egipício é para rimar com estrupício?)


"O nervo ótico transmite idéias luminosas para o cérebro".


(Esse aí não deve ter o tal nervo, ou seu cérebro não seria tão obscuro.)


"A Geografia Humana estuda o homem em que vivemos".


(I will survive.)


"O nordeste é pouco aguado pela chuva das inundações frequentes".


(Verdade: de São Paulo até o Nordeste, falta construir aquadutos para levar as inundações.)


"Os Estados Unidos tem mais de 100.000 Km de estradas de ferro asfaltadas".


(Juro que eu não li isso.)


"As estrelas servem para esclarecer a noite e não existem estrelas de dia porque o calor do sol queimaria elas".


(Hum... Desconfio que vai ser poeta!)


"Republica do Minicana e Aiti são países da ilha América Central".


(Procura-se urgente um Atlas Geográfico que venha com um Aurélio junto.)


"As autoridades estão preocupadas com a ploleferação da pornofonografia na Internet".


(Deve estar falando do CD dos Raimundos.)


"A ciência progrediu tanto que inventou ciclones como a ovelha Dolly".


(Teve a ovelha Katrina, também. Só que ela era meio violenta...)


"O Papa veio instalar o Vaticano em Vitória mas a Marinha não deixou para construir a Capitania dos Portos no mesmo lugar".


(Foi quando ele veio no papamóvel, lembra?)


"Hormônios são células sexuais dos homens masculinos".


(Isso. E nos homens femininos, essas células chamam-se frescurormônios.)


"Os primeiros emegrantes no ES construiram suas casas de talba".


(Enquanto praticavam “Tiro ao Álvaro”.)


"Onde nasce o sol é o nacente, onde desce é o decente".


(Indecente: o sol não nasceu pra todos).


Minha gente esse povo vai ser professor, médico, dentista, enfermeiro, jornalista, advogado, político, motorista, policial, ministro e o diabo a quatro; ainda de quebra vão votar. Durma-se com uma COTA dessa.

Grijalva Maracajá Henriques




BOA SORTE*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)


Ter boa sorte é um privilegio e não adianta correr atrás dela, mesmo porque não se sabe onde está, ou se vai ou se vem. É um bichinho invisível e muitas vezes traiçoeiro e enganoso. Esconde-se para muita gente e nem dá a graça de botar a cara de fora. Algumas vezes aparece, dá um empurrão no sujeito para frente, mas acontece que no melhor embalo da rede, a corda se quebra e a queda parte a espinha. E daí para frente não há mais remédio, nem garrafada de esperança que sirva. Nem por isto deixa de haver algum felizardo.
            E um deles era o Birindiba. Imagine-se nasceu num dia santo dia da ressurreição, a mãe amamentou-o quase um ano inteiro sobrando leite, nunca adoeceu, não teve sarampo nem doenças de olhos, dor de barriga nem se fala, e durante a dentição não sofreu a menor alteração. Quando completou os sete anos de vida feliz, foi para a escola e sentia prazer nisso. Era capaz de chorar quando a professora faltava. Terminou o curso primário e achou que já era suficiente, e os pais concordaram com ele. Não pretendia ser doutor de coisa nenhuma e o que sabia dava demais para conduzir-se bem. No entanto, gostava de ler jornais, revistas e bons livros. Maneiroso, fazia montes de bons amigos e as meninas o adoravam, não porque fosse uma imagem, mais pela sua graça e maneira de dizer as coisas. Olhava tudo com simpatia e nunca notava ou criticava defeitos alheios. O seu segredo era este: Ora, não era nem pretendia ser palmatória do mundo. Dava conselhos só, para o bem e desviava os companheiros do mau caminho.
- Ermírio, porque estas atirando pedras no cachorrinho de seu Tristão. Que mal que ele te fez?
- Pode me morder. Sei lá.
- Não, faze o contrário, chama-o e dá-lhe carinhos. Ficará teu amigo e mais tarde poderá até te defender. Cachorro tem bom faro e vê ou percebe as coisas, primeiro do que a gente. Assim, se tem uma cobra na tocaia ele chama a atenção. Qualquer bicho mau que aparece, ele afugenta. Quando se ouve o latido de um cão, já se sabe que há qualquer coisa a chamar atenção. Não se maltratam os animais. Aqueles passarinhos que crias em gaiolas são contra as leis da natureza. Foram criados com asas para voar e é tão bonito ver os bichinhos alegres, voando e cantando. São os donos do espaço e destroem os insetos maus que estragam as lavouras. É bem certo que não gostarias de ficar engaiolado nem preso dentro de casa. Gostas de andar e correr pelos campos como eles também; gosta de voar, de fazer seus ninhos nas frondes das árvores para criar seus filhotes. Repara que o canto deles, soltos no campo é muito mais alegre, mais solto, mais mavioso. Na gaiola o canto é só tristeza e saudade. É possível que nunca hajas notado.
- Ora, mas tem comida sem precisar procurar.
- O que? Alpiste e água. Comer o que lhe dão. Quantos dias suportarias somente arroz. Ficarias zangado até com tua mãezinha, não é mesmo. Eu sou uma pessoa feliz, pois não faço mal nem contrario ninguém.
Birindiba dizia essas coisas com docilidade, sem parecer uma recriminação. Não queira impor nada a ninguém e assim não sofria angustias e nem se tornava antipático.
Birindiba foi crescendo e já era um rapaz feito, trabalhando na mercearia do pai. E era ali a maior atração. Não por ganância ou ambição, mas apenas pela maneira natural de ser feliz e querer desejar felicidade aos outros.
O pai já lhe parecia cansado e a mãe saturada do cotidiano, aquele dia a dia a fazer as mesmas coisas, como um mecanismo de repetição.
O pai teria que ficar somente na supervisão dos negócios. O restante seria com ele. Não iria fazer mais nada por obrigação.
E com a mãe, deu-lhe uma boa empregada. E que fosse descansar. Já haviam lutado demais. Aquele começo de velhice havia de ser respeitado. Os filhos vinham ao mundo para substituir-los na velhice, para poupá-los. E quando isto não acontecia obviamente os filhos não reconhecia o valor de quem os criou. E acrescentava:  - Mais tarde pagará na mesma moeda. Os filhos lhe farão o mesmo. Era questão somente de esperar.
 Tudo quanto João Birindiba fazia era com satisfação, como se nada lhe fosse pesado ou difícil e sim um alegre entretimento. Era de sua própria índole. Nunca se via Birindiba sem um sorriso a soltar-se como uma grande flor que desabrocha. Jamais amanhecera com a boca amargando e nem com enfado. Se por acaso sentia qualquer achaque, guardava só para ele. Não havia porque angustiar alguém.
Birindiba estava à frente dos negócios do pai e em casa, havia quem a dirigisse, para descanso de dona Flor. Os rendimentos do comércio iam sobrando e se acumulando. E para que maior tranqüilidade de espírito. Trabalhar; trabalhava com afinco e honestidade, sem explorar ninguém. Não ia além dos vinte por cento de praxe.
Era necessário, para uma completa felicidade, fazer o bem estar dos ouros. Se os animais domésticos ou silvestres amam-se e se protegem, por que então os homens não fazem o mesmo e mais refinadamente.
Birindiba preocupava-se com o amor universal e em sua forma de ser feliz. Esquecia-se de complementar o seu próprio, com o amor de uma mulher.
E, no entanto, já era tempo de cuidar de si próprio. Mas sem experiência, receava cometer o maior erro de sua vida. Errar na escolha e interromper sua felicidade. Poderia casar-se com alguém que não o compreendesse, uma moça exigente, e egoísta. Rica ou pobre, ninguém estava lá dentro dela para adivinhar seus pensamentos e seus propósitos. O certo era esperar que alguma desse sinal de amizade para uma aproximação reveladora. Lembrou-se, então, de uma sua companheira de escola, menina dócil e que estudava para aprender e não pela vaidade de ser a melhor da classe. Freqüentava a sociedade desprendidamente, sem afetação e com uma humildade encantadora.
Já era professora e querida de seus alunos. Nenhum deixava de querer-lhe bem e, respeita-la apesar de sua modéstia. Tornava-se fácil, portanto, avaliar o temperamento de Maria Lia, através dos alunos.
Parecia-lhe lógico que se a meninada a adorava não haveria dúvida que era dócil e compreensiva. Seria terrível tornar alguém infeliz. Se Maria Lia não era nenhum padrão de beleza, também ninguém transpirava maior simpatia. Resolveu, então, fazer uma visita à escola, levando confeitos para distribuir com a meninada. Queria ver Maria Lia de perto, sentir-lhe o perfume suave que toda mulher exala quando gosta de alguém. Cheiro de amor. E foi um momento de encantamento. Um reencontro com os tempos de escola. Dias depois a conversa amiudou.
- Poderia saber por que tem vindo visitar minha escola, Birindiba?
- A escola, não. Venho vê-la e posso fazer-lhe uma pergunta?
- Pode, sim.
- E se nos casássemos...
- Aí não sei. Não parece que como estamos somos felizes?
- É. Até hoje me considero uma pessoa feliz. Mas não seria melhor somarmos nossa felicidade. Sei que se este meu sonho falhar, começarei a sentir-me infeliz.
- E será que o tornarei mais feliz do que é?
- Não tenho dúvida. Somos amigos desde a infância. E amizade de infância é como uma pedra preciosa. Nunca perde o brilho.
Casaram-se. E verificaram que a felicidade anterior era apenas uma rima do espírito. Agora era um poema em sextilha, rimado pelos dois no balanço da rede.

                                              Em 29-9-1986.

*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.