terça-feira, 26 de junho de 2012

O LEITEIRO



O LEITEIRO*
João Henriques da silva
(In Memoriam – 17/09/1901 – 16/04/2003)

              - Leite puro, leite puríssimo, diretamente do peito da vaca. 
            E Jotoca ia rua acima, rua abaixo, fazendo a entrega e recebendo o dinheiro. Na verdade só o que era puro era a água, que fazia questão de colocá-la limpinha, coada em pano fino. Também não misturava mais de vinte por cento. Fazia questão de ser honesto. A água era rigorosamente medida. Adquiriria diariamente cinqüenta litros e entregava sessenta. Nem mais uma gota. E tinha também o cuidado especial de fazer uma mistura absolutamente homogênea. Assim tinha a certeza de que todos recebiam um produto igualzinho. Filho de rico e filho de pobre bebia o mesmíssimo leite.
         Não admitia privilégios. Seria desumano. E mesmo rico não dava oportunidade a ninguém. De qualquer forma tomava algumas precauções. Sabia que os fiscais da saúde vez por outra examinavam o produto. E por isto levava sempre um ou dois litros de leite realmente puro. Não fazia como os outros que vendiam leite a granel, em baldes. E todos os dias, um ou dois fregueses eram beneficiados com leite de primeiríssima qualidade. E para ser rigoroso e honesto, fazia a distribuição de forma que variassem os contemplados. Não queria privilégios.
            Jotoca aumentou a freguesia. Já fornecia 70 litros. Estava satisfeito com o negócio. O lucro não era lá essas coisas todas, mas era um ganho certo. No entanto, pensou, em maiores lucros. Não era nada de mais um aumentozinho de cinco por cento. Um quarto de boa água não iria fazer mal a ninguém. Água pura, potável, qualquer um beberia sem reclamar. Além disso, todos pagavam água que até às vezes faltava. Apenas cinco por cento, pouco representava. Poderia até, colocar dez por cento. Ainda era pouca água para tanto leite. E depois o consumidor devia atentar para o fato de que o leite é uma coisa preciosa, saída de xiringuinha em xiringuinha do peito da vaca. Coisa muito limitada. A água, não, descia nas chuvas, ou vinha das fontes e o governo cobrava. Setenta e cinco por cento ainda era muito leite. Se era!
            A experiência ia dando certo. Ninguém havia estranhado ou reclamado. Mas, imprevistamente, o fiscal encontrou. Jotoca apressou-se em apresentar-lhe um litro de leite.
            - Muito bem. Bom, bom mesmo. Quero ver outro.
            - Todo é do mesmíssimo.
            - Faz mal não. E deixe que eu apanhe.
            O grau baixou muito. Jotoca empalideceu. Iria perder tudo. Falou com o fiscal tentando explicar-lhe.
            - As vacas haviam bebido água perto da ordenha e por isto o leite estava dosado. Foi somente naquele dia. Tivesse paciência. Era pobre vivia daquele pequeno negócio.
            Saíram lágrimas forçadas dos olhos cínicos.
            - Tinha mulher e filhos para alimentar.
            O fiscal condoeu-se e marcou a multa e a perda do leite para a próxima vez. Jotoca agradeceu e saiu. Havia se livrado daquela vez. Mas, pela sua experiência, só de mês em mês ou mais, o fiscal lhe aparecia. Tinha, pois, uma boa folga. E logo no dia seguinte, o fiscal pegou-o logo na entrada da rua. Jotoca esfriou. Quase se mija da surpresa.
            - E, então. Como vai o leite?
            - Ótimo, ótimo.
            - Deixa ver. Quero recomendar o teu produto. Sabes como é. Se o fiscal disser que o leite é puro, venderás mais e poderás até aumentar um pouco o preço.
            - Não. Como está, está muito bem.
            - Em todo caso queria fazer uma aferição para comparar com o leite dos outros.
            E foi aquele aguaceiro.
            - Que diabo é isto Jotoca?
            - O dono do estábulo que suspendeu a ração de concentrado. Está dando somente capim verde. Ponta de rama que só tem água. Deixe que leve ao menos para casa, para os meninos.
            - Não admito que dê aos seus filhos, esta porcaria. Esta visto que você não tem o menor escrúpulo. Dar leite com água aos filhos, onde já se viu uma barbaridade desta. Derrama essa água já e já.
            - Mas seu fiscal, eu nem sou casado nem tenho filhos. No entanto, os outros têm. E se eu não entrego este leite, vão passar o dia com fome. Já pensou que desgraça. E eu vou perder a freguesia.
            - Vê bem! Não passa de hoje. Da próxima vez quebro até as garrafas.  É uma pouca vergonha!!!
            - Não senhor, não é falta de vergonha não. É que não sei vender leite sem água, e se levar puro, a freguesia vai estranhar, e serei perseguido pelos outros leiteiros. Poderei ser até vítima de uma agressão. Água limpa nunca fez mal a ninguém. Leite sem uma dosagenzinha, o lucro é tão pouco que não paga nem o capim do burro... E não tenho nem água limpa de graça para dosar.
            - Vai, vai embora. E nunca mais passes perto de mim. Mas te previno de uma coisa. Leite com mais de 50 por cento de água passa a ser água com leite e o preço será outro. Vê bem, seu sabidão. Afinal de contas, o teu leite ainda é o mais puro que tenho encontrado. Pelo menos não tem piaba, nem larvas de mosquito...

*Este conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

sábado, 9 de junho de 2012

2012 no Brasil


                 Poderia ser de 2.012 no Brasil
                           FRASE DE 1920 ...
Frase da filósofa russo-americana Ayn Rand (judia, fugitiva da revolução russa, que chegou aos Estados Unidos na metade da década de 1920), mostrando uma visão com conhecimento de causa: 
"Quando você perceber que, para produzir, precisa obter a autorização de quem não produz nada; quando comprovar que o dinheiro flui para quem negocia não com bens, mas com favores; quando perceber que muitos ficam ricos pelo suborno e por influência, mais que pelo trabalho, e que as leis não nos protegem deles, mas, pelo contrário, são eles que estão protegidos de você;
quando perceber que a corrupção é recompensada, e a honestidade se converte em auto sacrifício; então poderá afirmar, sem temor de errar, que sua sociedade está condenada".
 
 
 
 
 

sexta-feira, 8 de junho de 2012


ANIVERSÁRIO DA TRANSIÇÃO DO JORNALISTA
ROBÉRIO MARACAJÁ HENRIQUES
(17/09/1929 – 08/06/2000)


Vai ai, através destes versos, meus abraços, do tempão que nos separa nestes dois mundos.
Grijalva Maracajá Henriques
08/06/2012



A VIDA

(Excerto)

A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!

A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou

JOÃO DE DEUS
(1830-1896)







quarta-feira, 6 de junho de 2012

O CROINHA


O CROINHA*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

                Filho de pais pobres e religiosos, o Croinha, foi viver em casa do padre João e começou espanando os altares, mudando as velas dos castiçais e em seguida passou a ajudar missa com todas as respostas decoradas. Memória não lhe faltava. Memorizava tudo com facilidade, inclusive partes das epístolas dos sermões dos domingos. Padre João não teve dúvida que o Francisco dos Santos, daria um padre de boa raça. Falou com o Bispo e com o Reitor do Seminário e lá se foi o Francisco para o Seminário sob o patrocínio das Vocações Sacerdotais e ajuda do padre João que lhe dava o enxoval e algum dinheiro para lanches.
                Francisco dos Santos não se embaraçou. Enfiou-se no meio dos colegas, fez rapidamente camaradagem. Com a facilidade que tinha de decorar as coisas, tornava-se um contador de anedotas. Gostaria tanto de saber por que existe a Santíssima Trindade e ninguém lhe explicava: Pai, filho e Espírito Santo. O Pai, certamente refere-se a Deus, o supremo criador de todas as coisas. O Filho deve ser Jesus Cristo, mas o Espírito Santo, em forma de uma pombinha, não tinha a mínima idéia de quem poderia ser.
                - Pois olhe, se quer continuar aqui, deixe de tanta pergunta e aprenda o que se ensina. Religião e dogmas não se discutem. O problema é ter fé. Acreditar sem ver, sem pegar, sem pesar nem medir. É muito mais cômodo. E basta!
                Francisco dos Santos resolveu fazer o seu curso sem pestanejar. Virar padre, ganha uma paróquia, afinar as mãos e viver tranqüilo como os outros. Não adiantava ficar questionando com coisas da Santa Fé. Quem com muitas pedras bole, uma lhe cai na cabeça. Era aprender o latinório, decorar alguns trechos sagrados de uso corrente e deixar mistérios e dogmas para lá. Era coisa que nem dava conforto e muito menos dinheiro. E davam, sim pelo mistério que os envolvia. As coisas misteriosas causam medo, especialmente tendo purgatório e inferno pela frente. Para haver bom rendimento sem trabalho, havia de ser assim. Implantar o pavor do desconhecido. Quem quiser ganhar um cantinho no Paraíso, que colabore com a igreja, isto é, com os reverendos.
                Francisco dos Santos lia e relia o que pegava, mas guardava só para ele. Exteriorizar somente a velha rotina, o beabá costumeiro e acentuar os rigores das penas eternas. Na intimidade, Francisco dos Santos – o Croinha – meditava e se perguntava quem havia criado Deus, e tantos mistérios, senão os próprios padres. Imaginaram, passaram para o papel, enfeitaram os pés do pavão, a coisa deu certa e tocaram pra frente, tocando seu berimbau... E agora estava ele fazendo parte da orquestra, embora tocando rabeca. Da daqui e da de lá. O Croinha ordenou-se. Deram-lhe uma freguesia nos confins do Sertão, metida nas brenhas. Já conheciam suas tendências e que fosse viver com elas pra lá. Caso subvertesse a ordem, teria pouca repercussão. Mas estavam completamente enganados. O Croinha não queria outra coisa senão ganhar dinheiro, e cumprir religiosamente sua ordenação. Sabia que quando estivesse rico seria chamado e adulado. Teria paróquias para escolher e promoções da dar com o pé. Iriam ver quem era o Croinha. E assim, não perdia vasa para fazer festas e leilões. Santos que os paroquianos nunca tinham ouvido falar, eram festejados. E venha dinheiro. Comprou fazendas, gados, andava como um penitente, quase um flagelado, um modelo de humildade. Recomendava aos seus fieis, honestidade, trabalho e amor ao próximo. Não seria necessário passar o tempo rezando. O cumprimento das obrigações agrada muito mais a Deus. Essa era sim obrigação dele. Rezava por todos. Para isto havia se ordenado. No entanto não deixassem de contribuir para a Madre Santa Igreja. Os locais de oração deveriam ser mantidos limpos e bem zelados. E era assim que conservava a matriz e as capelas dos distritos. Fazia gosto vê-las. Fazia, do púlpito suas prestações de conta. Havia gasto para isso, parte de suas minguadas economias.
- E minha gente, dizia a zeladora chefe, precisa-se ajudar melhor a igreja. Não vêem como são tratadas as igrejas. Lá dentro está Nosso Senhor e os Santos, olhando por todos. Permaneceu lá a vida toda só vigiando os seus irmãos na fé.
E o padre João somava suas economias, engrossava sua fortuna. Em casa não lhe faltava galinhas gordas e capões. Doces e frutas sertanejas. O que havia de melhor.
Tempos depois correu a notícia entre o clero; o padre João de Cacimbas, estava rico. Monsenhor Salustiano foi lá e viu. Ficou espantado. Não atinava como era que num lugarejo pobre daquele, se podia fazer tamanho milagre. Fazendão, muito gado e muito dinheiro. As gavetas da cômoda estavam apipadas. Muita nota e muita prata. E quando padre João menos esperava, já havia sido promovido a cônego, por merecimento. E só se vendo o zelo com as casas de oração. Uma jóia. O povo o venerava pela sua humildade. Considerado um santo.
Tentaram dar-lhe outra paróquia maior e mais perto do bispado. Recusou. Estava muito bem onde estava. Que o deixassem lá. Não tinha ambições.
E do púlpito da igreja explicou o seu gesto ao seu povo. E foi aplaudido. Ninguém desejava sua saída. “Deus que nos livre”.
Seu apostolado era ume exemplo. Pensaram, em castiga-lo, pelas suas impertinências de seminarista e o tiro saiu pela culatra. Mas haviam de dar um jeito. Havia muitas freguesias que pouco rendia e deveriam ser recuperadas. E para isso ninguém melhor do que o padre João com sua santa habilidade. Arrecadadora. O senhor bispo chamou-o e tentou convencê-lo. Porque então, iria envelhecer naquele buraco lá nos confins daqueles Sertões brabos. Não seria justo.
- Não senhor, dom Patrício, ainda não paguei minhas irreverências de seminarista. Sofreria muito se saísse de perto daquele meu povo.
- Mas padre João, há diversas freguesias por aí a fora que rendem muito pouco. Uma lástima os vigários não têm habilidade ou o povo não acredita neles. O jeito é mandá-lo para essas paróquias. Prepara uma, prepara outra e assim, no final, escolhe uma a seu gosto.
- Não, senhor bispo. Trabalhei de mais com humildade e zelo. Iria envelhecer sem tranqüilidade.
-Ora, dizem que o senhor já possui uma fortuna. Terá, assim, uma velhice de rico. A igreja exige um pouco de sacrifício de sua parte.
-Oh! Excelência, mais do que já fiz quando me jogaram, moço e inexperiente para uma lonjura daquela. E além disso um lugar atrasado e perigoso. Piedosamente submeti-me. Agora, deixei-me lá.
- Mas isto é um ato de rebeldia. Uma falta de espírito de colaboração, para com a igreja.
- Bem, o senhor me exige, eu recuso.
- Sabe que posso suspender-lhe as ordens
- Sei, sim senhor, mas dela não sairei nem por gosto nem á força. Prefiro deixar a batina. Na realidade, dentro das normas práticas da igreja, não preciso mas dela. Tenho com que viver. Voltarei a ser um civil e com vantagem de poder me casar, coisa que a santa Sé, não permite, embora seja absurda.
Aliás, é o que devo fazer. Saio num dia , caso-me no outro.
- A Igreja proíbe e poderá ser excomungado. Esta lembrado disto?
Quero ver se a excomunhão vai acabar com o meu gado, minhas terras, meu dinheiro e evitará que o Sr. Juiz me case. E quer saber de uma coisa, faça o senhor como quiser. Vou voltar e lá ficarei esperando o impacto. Só de pedrada grande. Se for pequena eu aparo!
- O senhor é irreverente. O seminário estava mal dirigido. Comigo não teria se ordenado.
- Por ventura o senhor pensa que não conheço a vidoca dos bispos e padres. De mim é que nenhum terá o que mostrar de errado. E nem tenho culpa de o povo de minha freguesia me querer bem. Apenas trato-os bem ora esta. E essa estima nasce de minha conduta de padre, fiel ao seu apostolado. Os outros que façam o mesmo. Já deixei, por ventura, de recolher-lhe sua participação no pouco que arrecado sem abusar de minha profissão. Nunca, bem sabe o senhor disso. Alias, há muito tempo estou pra fazer-lhe uma consultazinha.
- Sobre o que? Não me venha com um de seus disparates.
- Não eminência. É sobre uma dúvida, que me acompanha. Coisa tola, mas, gostaria de se esclarecido.
- Vai lá, desembucha de uma vez.
- Bem, porque os senhores chamam paróquia de “freguesia”. Entendo que freguesia é de casa comercial e a Igreja não é casa de negócio. Freguesia! A coisa me parece de origem suspeita e explorativa.
- Eu já sabia que seria um disparate. E o que tem isto. É apenas uma forma de expressão.
- Está bem. Deixe como está, já entendi. É o que eu pensava mesmo. Lá em minha terra, não uso essa expressão. Não tenho freguesia. Tenho irmãos e uma “paróquia”. Pois será assim, serei padre até o momento que V. Excelência quiser. Teria preocupação se me faltasse coragem para trabalhar e não tivesse tido o bom senso de fazer economia, vivendo modesta e honestamente.
Praticamente, só me falta uma coisa: - uma companheira legalizada. Já estou saturado de andar pegando biscate, trocando de arrumadeira e andando escondido como se fosse um marginal ou um ladrão de frutas dos quintais alheios.
Será que só quem se cansa disto sou eu. É tão bonito ter um lar, mulher que a gente ame e um par de filhos legítimos.
- Ponha-se fora daqui, seu desabusado. Não quero mais vê-lo.
- Ponha-me para fora da Igreja; isto sim. Ou então me espere. Eu mesmo tomarei a iniciativa. Já tenho na visada, uma companheira que é uma jóia. Só me falta mesmo desabotoar esta saia preta, saia da renúncia.
- Imagino como anda essa sua paróquia!
- Bem, até outra vista. Já ouvi demais, suas pieguices...
Despediu-se e se foi.
Dias depois recebeu o padre João uma suspensão de seis meses. E não teve dúvida. Enrolou uma de suas batinas mais novas e mandou-a de presente ao bispo, com o seguinte recado:
 Sua “freguesia” esta vaga. Convido-o para o meu casamento. Meu endereço, por ora, é Fazenda “Mulher Bonita”, o resto do endereço é o mesmo. Quando quiser passar umas férias no meu retiro, apareça. Agradeço a suspensão, que deu oportunidade de tornar-me um dos homens mais felizes de seu bispado. Não tenha acanhamento.
Padre João.
- Bandido... Só eu não tenho esta coragem. Esta vida é uma pinícula. Um padreca daquele, rico, independente e cerrando de cima. Mete-se na batina, enrola os bestas, compra fazenda, enche-a de gado, junta dinheiro e, por fim, desabotoa a batina, tem o desplante de mandar-me de presente e convidar para o casamento. É, está de papo cheio! Bandido. Além de tudo perdi a côngrua. Mando pra lá uma zebra qualquer e está visto que não me vai arrecadar um quarto. E na certa o fogoso padre João, não me mandava pelo contado... O bicho é muito esperto. Dinheiro, saúde de jumento, mulheres... E vai se ver que daqui por diante não pega mais no rosário.
 E pegou o breviário e atirou-o em cima da mesa com certo desprezo. Rezar, só rezar feito um idiota, pregando velhacarias, contando lorotas, comendo como um bicho e dormindo como uma jibóia empapada. O que é bom mesmo é para o padre João, mau seminarista e manhoso. Croinha de uma figa! Está me tentando ir visitá-lo, conhecer sua mulher e se puder aplicar-lhe um bom par de galhos. Só é o que aquele safadório e espertalhão merece...
Mas, afinal , depois de algumas noites de insônia, resolveu o contrario. O padre João não era sopa. Poderia até tirar partido de sua visita. Pregar-lhe alguma peça.
Pois não é que dias depois recebeu o bispo uma fotografia do casamento do sem vergonha, beijando a mulher, com uma dedicatória: Ao meu amado bispo, João e Letinha, a felicidade a dois.
Em 28.7.1986
*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.
maracajag@hotmail.com

CENTENÁRIO DO LIVRO EU DE AUGUSTO DOS ANJOS



Centenário do lançamento do livro EU do poeta paraibano Augusto dos Anjos

            Lia e relia, suas poesias, - quando tinha meus quinze anos – sem entender quase nada. Porém, continuei lendo porque aquilo me enfeitiçara de tal maneira que parecia que ele falava de mim, acho que também de muita gente. Foi passando o tempo e hoje de posse da 29ª. Edição – Comemorativa do Cinquentenário do seu Aparecimento 21 de junho de 1912 – 1962, - já perto das vascas do meu destino final – continuo perambulando entre suas páginas, perdido e amedrontado, sem saber “Se sou uma sombras, ou se venho de outras eras, ou do cosmopolitismo das moneras ou se procedo da escuridão do cósmico segredo”.
            Aí achei nestes versos, abaixo, talvez, ter encontrado respostas para minhas dúvidas.  
Minhas homenagens!
Grijalva Maracajá Henriques
06/06/2012
maracajag@hotmail.com


UM MORTO ILUSTRE DESCREVE O PRÓPRIO ENTERRO



Noite de 17 de junho de 1945. Chico Xavier, a serviço da repartição da qual é empregado, achava-se na cidade de Leopoldina, em Minas Gerais, numa exposição agropecuária.
            Findo o labor do dia, foi visitar o “Centro Espírita Amor ao Próximo”, daquela cidade.
            Como se sabe, naquela cidade mineira, desencarnou o Poeta Augusto dos Anjos, cujos despojos, até hoje, ainda lá se encontram.
            Alguém, na reunião, que se compunha de mais de cem pessoas, Comentou:
            — Ora essa! Se os espíritos se comunicam conosco, seria interessante que o Augusto dos Anjos nos viesse contar, em versos, como foi o seu enterro.
            E o Poeta veio mesmo.
            Em concentração junto à mesa que dirigia os trabalhos da noite, Chico psicografou a interessante Mensagem que transcrevemos:

RECORDAÇÕES EM LEOPOLDINA

A sombra amiga destes montes calmos,
Meu pobre coração de anacoreta,
Amortalhado em fina roupa preta
Desceu à escuridão dos sete palmos.


Viera o fim dos sonhos intranquilos
entre grandes e estranhos pesadelos,
Satisfazendo aos trágicos apelos
Da guerra inexorável dos bacilos.

A morte terminara o horrendo cerco,
Sufocando as moléculas madrastas...
Eram milhões de células nefastas,
Voltando à paz do túmulo de esterco.

Indiferente aos últimos perigos,
Meu corpo recebeu o último beijo
E comecei o lúgubre cortejo,
Sustentado nos braços dos amigos.

Em triste solilóquio no trajeto,
Espantado, fitando as mãos de cera,
Rememorava o tempo que perdera,
Desde as primárias convulsões do feto.

Por que morrer amando e haver descrido
Do Eterno Sol, do qual vivera em fuga?
Como é sombrio o pranto que se enxuga
Pelo infinito horror de haver nascido!...

Depois, vi-me no campo onde a dor medra,
Ao contacto do chão frio e profundo,
Chegara para mim o fim do mundo,
Entre as cruzes e os dísticos de pedra.

Terrível comoção pintou-me a cara,
Na escabrosa cidade dos pés juntos,
Tornara-se defunta, entre os defuntos,
Toda a ciência de que me orgulhara.

Trêmulo e só, no leito subterrâneo,
Sentia, frente à lógica dos fatos,
O pavor dos morcegos e dos ratos,
Dominar os abismos de meu crânio.

Meus ideais mais puros, meus lamentos,
E a minha vocação para a desgraça
Reduziam-se à mísera carcaça
Para o açougue dos vermes famulentos.

Em seguida o abandono, enfim, do plasma,
Os micróbios gritando independência...
E tomei nova forma de existência
Sob a fisiologia do fantasma.

Fugindo então ao gelo, à sombra e à ruína
Do caos sinistro em que vivi submerso
Revelou-se-me a glória do universo,
Santificado pela Luz Divina.

Oh! Que ninguém perturbe os meus destroços,
Nem arranque meu corpo à última furna,
É Leopoldina, a generosa urna,
Que, acolhedora, me resguarda os ossos.

Beije minhalma, alegre, o pó da rua
Deste painel bucólico e risonho,
Onde aprendi, no derradeiro sonho,
Que o mistério da vida continua...

Bendita seja a Terra, augusta e forte,
Onde, através das vascas da agonia,
Encontrei a mim mesmo, em novo dia,
Pelas revelações de luz da morte.

AUGUSTO DOS ANJOS

O experimentador, que duvidava da comunicação dos Espíritos, ao escutar a Mensagem, franziu a testa e, com toda a assembleia, ficou meditando...

Livro: Lindos Casos de Chico Xavier
Ramiro Gama

Francisco Rebouças
Postado por O Espiritista às 05:46 http://img1.blogblog.com/img/icon18_email.gif 













sábado, 19 de maio de 2012

SECA 2012



SECA 2012

Secas, fenômeno climático que aterroriza as populações interioranas há tempos imemoriais, vetoras de catástrofes, inimiga pungente da qualidade de vida, artifício vergonhoso de uma indústria mais que secular.

A história das secas no nordeste brasileiro é antiga. Inúmeros registros descreveram com linhas fortes a ação inexorável da natureza sobre o homem do semiárido, pois diversas trouxeram o signo de tragédias indescritíveis.

A calamidade que atingiu o nordeste brasileiro quando da grande e inesquecível seca de 1877-1879, a qual na definição de Rodolfo Teófilo caracterizou-se por ter sido um dos mais castigante fenômeno de estiagem que atingiu a região nordestina, responsabilizou-se só no Ceará pela morte ou pela emigração de mais de 300 mil pessoas.

O ano de 2012 iniciou-se com uma incógnita: chuvas cairão para alento do heroico povo do semiárido? Poucos milímetros estão sendo registrados, mesmo assim impossíveis de garantir que a agricultura de subsistência abasteça com o excedente os centros urbanos, tendo em vista que o agrobusiness impera de forma avassaladora visando o mercado externo, com toda tecnologia de primeiro mundo que desdenha a necessidade da maioria da população que depende da química dos céus a fim de garantir o sucesso do plantio.

Seca lastimável, providências tétricas e patéticas que nem sempre cumprem papel democrático em assistir o imenso somatório de desafortunados que em um passado distante comoveram Jesuíno Brilhante, fazendo-o agir de forma Robinhoodiana nos sertões potiguares e paraibanos à base da força coercitiva dos seus bacamartes que ousaram com coragem a apontar bem no coração dos agentes a serviço da indústria das secas.

A calamidade que se agiganta, trazendo dia após dia agruras à população, provocadas com a seca de 2012, está sendo comparada ao que foi observado há trinta anos quando da indescritível estiagem que teve inicio em 1979 e adentrou de forma intolerável, desumana e horripilante até meados da década seguinte do século passado.

Dramático observar que a poesia de Patativa do Assaré, imortalizada pelo expoente maior da música regional nordestina, continua atualíssima. A fuga em direção a centros mais hospitaleiros do ponto de vista socioeconômico, de geração de emprego e renda, embora eivado de preconceitos, ainda continua a afligir mentes e corações daqueles que são por natureza apegados à terra, possuidores de relação telúrica extraordinária com o meio. 

Cotidianamente milhares de nordestinos desembarcam na porção mais rica da nação em busca de melhores condições de vida. Em inúmeros casos encontram condições de existência piores do que deixou em seu torrão natal. Subemprego e marginalidade passam a integrar de forma corriqueira as paisagens nas quais se inserem.

Triste constatar em nossas feiras que a lei da oferta e da procura rege as relações comerciais. O feijão, símbolo da agricultura familiar, alcança preços estratosféricos a cada dia que passa, frutos da indisponibilidade do produto em razão da ausência de chuvas.

Penoso é saber que a falta de critérios e de humanismo com a região nordeste em tempos de crises provocadas pelo drama climatérico ainda são constantes e tidos como naturais por aquela minoria que usurpou o poder e todas as benesses enquanto legados meticulosamente trabalhados desde a nossa formação socioeconômica.

* José Romero Araújo Cardoso, geógrafo, professor-adjunto do departamento de geografia do Campus Central da UERN.