terça-feira, 15 de julho de 2014

SALUSTIANO


SALUSTIANO*


João Henriques da Silva
(In Memoriam – 20/09/1901 – 16/04/2003)

            Roceiro desde menino Salustiano gostava mesmo era da vida do campo. Ia à cidade por obrigação. Nos dias de feira ou comprar remédios. Isso mesmo quando não encontrava quem fosse. O seu maior prazer era plantar e cuidar de sua roça ou sair de espingarda ao ombro à procura de caças. Nunca frequentara uma escola e achava que leitura não botava alguém para frente.
Ai estava o coronel Justiniano, analfabeto de pai e mãe, rico como um danado, respeitado, dono de muitas terras e gado como folha de mato no tempo de chuva.
E depois, ter que ir á escola decorar um bocado de besteiras e quando não aprende entra no bolo, como se não tivesse nem pai nem mãe. Os coitados dos molequinhos da dona Sebastiana, só faltavam morrer de apanhar. Eles nem tem culpa de terem nascido tapados. Mas a culpa é daquela égua velha que bota os bichinhos na escola daquela veiota desgramada. Deus que me livre. Os meus tão ai ajudando na roça e não tem escola melhor. Pra que moleque letrado? Quando cresce aprendido não quer mais trabalhar. É só pelintrar por ai, comendo à custa dos bestas. Essa não! E quando os bichinhos chegam em casa, a mãe vai logo gritando, – deram a lição certa? Se não deram quebro tudo no pau. Como é que se cria filho desse jeito, apanhando dos outros e voltando pra casa todo mijado. E a mãe já sabe. - Chegou mijado apanha de novo!
            Nasci e me criei sem escola. Não sou rico, mas tenho o que comer com a minha cambada. Dr. Currupaco, como chamam o filho do dono da botica, passou a vida estudando, gastou o dinheiro do pai e não tem o que o priquito roa.
            Quem quiser ir pra cadeia é só botá-lo como advogado. Todo mundo conhece o caso de seu Dias. Buliram com a fia dele, uma menina e só porque matou o safado pegou quatro anos de xilindró. Uma vergonha. Devia andar solto, defendendo a honra das mocinhas que os sem vergonhas enganam.
            Salustiano, não via vantagem em estudo. Achava que ensinar moça a ler e escrever era a mesma coisa que “botar esquipa em besta”.
            - Não adiantava nada. Ninguém bota sela em besta. E sabem para que serve estudo em moça? Pra fazer biête pra namorado. Muié casada também. 
            E o doutor Juiz inda é pior. Estudou só pra botar gente na cadeia. Bela coisa. O delegado para prender e dar surra. Médico para matar à-toa e ninguém nem vê. Comerciante furta a gente, fica rico e quem quiser que se meta com ele. Tem dinheiro e todo mundo respeita.
            Padre vive aí sem dar um prego numa barra de sabão. E é tudo rico à custa dos bestas. Botar fio na escola pra viver dessas trapaiadas, Deus que me livre. Quero os meus trabalhando, suando comigo na roça, mas comendo comida limpa. Tem outros cabras por aí que cobram impostos até de poleiro e máquina de costurar, tomando o dinheirinho de quem trabaia. E todos eles com o pezinho no sapato, roupinha engomada, lucrando à custa dos outros. Ora, se todo mundo estivesse na roça trabaiando, não havia necessidade dessas qualidades de gente. Aprendeu a ler? ninguém pega mais no cabo da enxada. Os bestas que se danem na chuva e no sol para encher a barriga desses sabidões. Galinha gorda pra seu vigário, peru gordo pra seu Juiz, continência pra seu delegado e a peia comendo no lombo dos bestas.
            E ainda o pobre do seu Dias que pagou advogado burro para botá-lo na cadeia. Isso não tem tria.
            No dia das inleição, todo mundo é bonzinho. Saem de porta em porta, oferecendo mundos e fundos em troca de votos. – Vou acabar com os impostos, arranjar emprego para seus filhos, bota luz e água em sua casa, construir estradas, baratear o custo de vida, ninguém vai mais adoecer, comida não vai mais faltar, - e até vai arranjar com o padre pra fazer casamento e batizado de graça.  As cadeias serão derrubadas, os delegados demitidos. O povo vai ficar livre da peia e cabresto. Por fim um prometeu uma coisa feia.
            E quando menos Salustiano esperava, o filho mais velho fugiu. Ganhou o oco do mundo e nunca mais mandou notícia.
            - Imagina muié, se o bicho soubesse ler...


*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo. 

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