JOSE
NICOLAU*
João Henriques da
Silva
(In Memoriam
20/09/1901 – 16/04/2003)
Pitombeiras, povoado de cruzamento
de estradas, vivia assustado com José Nicolau, cabrão alto e lazareto que não
largava uma faca de ponta e uma pistola de dois canos. Morava fora dali, mas,
quando aparecia, dava feriado e dia santo e até a bodega do Epaminondas fechava
as portas, isto é, ficava proibida de vender. Era um Deus nos acuda. E ninguém
tinha coragem de reagir. E não havia peditório. O bicho não voltava à palavra.
E ainda, por cima ameaçava:
- Estou esperando que alguém me
denuncie. Aí, então vão pagar inocentes e pecadores.
Alguns mais medrosos mudaram-se das
Pitombeiras e o resto, que não tinha para onde ir, conserva-se calado e
obediente.
- Lá vem José Nicolau. E ouvia-se o
bater das portas como se estivesse vindo um redemoinho ou a própria figura do
satanás.
Mas aconteceu que José Nicolau,
achou que era desaforo e desconsideração á sua pessoa. E expediu uma ordem:
- Abrir já e já, todas as portas. E
da próxima vez não queria ver portas fechadas.
O diabo é que sem cometer violência
todo mundo tinha medo e respeitava as suas determinações. Bastava o bigodão e
as armas na cintura. Comprava fiado, pagava quando muito bem entendia e pelo
preço que ele mesmo marcava. Quando chegava, ninguém botava a cara de fora. O
arruado parecia um cemitério quando não havia enterro. Expediu nova ordem:
- Quero todo mundo na rua. Homem,
menino e mulher.
E ninguém ficava em casa. Saiam até
as mulheres grávidas.
- Não quero cometer violência, mas
não tolero falta de respeito.
E então contava em voz alta, para
que todos ouvissem bem, as suas estripulias por onde havia andado. Lugares que
o povo não conhecia. Já havia mandado mais de uma dúzia para o outro mundo,
dependurado gente, carregado moças e mulheres casadas. Certa ocasião começara a
tirar o couro de um cabra vivo. E descrevia o esperneado e a gritaria. – Cala
esta boca, cabra senão eu te sangro, de uma vez. E a turma tinha que achar
graça em suas diabruras.
O povoado não crescia, assustado com
o valentão.
- Toma cuidado, gente, - recomendava
seu Epaminondas. Esse cabra veio das profundezas do inferno e é bom que façam o
que ele manda, senão vai haver desgraça. Uma cara daquela não engana ninguém.
Cabra de olho amarelo e um bigodão daquele tem parte com o diabo.
Certo dia entra José Nicolau de
surpresa, na bodega de seu Epaminondas, a turma da conversa, calou-se de
repente.
- Que negócio é este. Por que se
calaram assim de repente, estavam falando de mim?
Uns foram se levantando com vontade
de dar o fora.
- Não sai ninguém. Quero todo mundo
ai. Não sou nenhum bicho, entenderam? E continuem conversando.
- Era nada não seu José Nicolau. A gente
estava combinando fazer uma festinha e convidar o senhor.
- Se era isto, ainda bem. Entretanto,
quero avisar de uma coisa. Não gosto que parem as conversas quando eu
chego. Creio que ouviram bem!
- Pois não, pois não, desculpe
chefe. O senhor sabe que quando não está aqui à gente sente muita falta. Todo
lugar precisa de uma autoridade. Depois que o senhor começou a aparecer por
aqui, tudo anda em paz. Há muito respeito e ordem. Talvez o senhor nem adivinhe,
mas o povo daqui lhe adora....
- Isto é bom, pois não gosto de saber
que alguém não gosta de José Nicolau.
Aquilo causou um arrepio no grupo. O
homem era mesmo os pés do diabo.
Momento depois, entra na bodega um amarelinho
desconhecido. Vinha cansado e batendo o papo. Via-se que era uma figura
desamparada e mal de vida. Pediu a seu Epaminondas para botar um bom trago de
pinga.
- Não posso, seu moço. Seu José
Nicolau já decretou feriado e hoje não vendo nada.
José Nicolau dentro da bodega, ficou
satisfeito com a resposta. Havia
respeito ás suas ordens.
Mas o amarelinho insistiu rogou a
seu José Nicolau que lhe deixasse tomar um trago. Andava doente, fraco, cansado
e precisava se reanimar um pouco.
- Ordem é ordem.
- Não faça isso, seu José Nicolau,
eu bebo e vou embora. Não incomodo ninguém. Sou de paz.
Depois de muito peditório, José
Nicolau consentiu.
- Beba e suma-se, amarelo de uma
figa. Aqui tem lei e quem manda sou eu. Beba e não cuspa no chão, senão vai
lamber.
O amarelinho tremia as bochechas.
- E sabe de uma coisa curta e certa,
deixe de tremedeira...
Afinal seu Epaminondas carregou na
mão e o amarelinho engoliu a pinga de uma chamada.
- Agora seu José Nicolau, queria que
o senhor deixasse eu fazer um agradecimento. O senhor nem sabe quanto esta
cachacinha me fez bem.
José Nicolau atirou-lhe duas chispas
de olho e concordou.
- Mas, veja lá, não sou de
brincadeira. O povo daqui já me conhece.
- Não, seu José Nicolau, é uma
louvação. O senhor vai gostar.
- Pois solta lá, teu fraseado.
O amarelinho temperou a goela, abrumou
a cabeça, encarou Zé Nicolau e desfechou o agradecimento.
- Mandei fazer uma aguia da espinha
de um bacaiau. Pra costurar a xoxota da mãe de Zé Nicolau.
Zé Nicolau estremeceu-se e ia saindo
pela portinhola do balcão para pegar o amarelinho. Mas o amarelinho já estava
com a faca de ponta na mão, uma lambedeira de mais de dois palmos. Zé Nicolau
parou, engolindo o palavrão que ia soltar.
- Você não é besta, não, seu cabra
de peia. Você pode dar feriado, seu bosta de cabra morta! Mexa-se daí que eu
quero botar-lhe as tripas no chão. E suma-se daqui! Não ponha mais os pés neste
povoado. Vou ficar esperando. E vá logo.
Zé Nicolau passou de lado e foi à última
vez que botou as patas em Pitombeiras.
O povo cercou o amarelinho. Queriam
saber quem era, de onde vinha.
- Ando procurando um lugar para
ficar. Sou do oco do mundo. Doente, levado da breca.
- Agora me digam uma coisa. Nesta
terra não tem homem, para deixarem um cabra de peia daquele dar dia santo.
Ponha mais um trago que quero ir andando.
- Fica aqui com a gente. Não vai te
faltar nada. Remédio, comida, pinga.
Era a vidoca que o amarelinho
queria. Seu Epaminondas deu logo emprego ao amarelinho. Zé Nicolau poderia
voltar. Com pouco tempo o amarelinho estava gordo e corado. Tinha sido um santo
remédio.
Depois souberam que era cangaceiro
do grupo de Antonio Silvino. Deixou de beber e findou se casando nas Pitombeiras.
*O conto pertence ao livro “Vidas
Nordestinas”, no prelo.
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