segunda-feira, 22 de abril de 2013

  
DESCOBRIMENTO DO BRASIL*
22 de abril de 1500 – 22 de abril de 2013





Vicente Rodrigues Palha, frei Vicente do Salvador**

A terra do Brasil, que está na América, uma das quatro partes do mundo, não se descobriu de propósito, e de principal intento; mas acaso indo Pedro Álvares Cabral, por mandado de El-rel d. Manuel, no ano de 1500 para as Índias, por capitão-mor de 12 anus, afastando-se da costa de Guiné, que já era descoberta ao Oriente, achou estoutra ao Ocidente, da qual não havia notícia alguma, foi costeando alguns dias com tormenta até chegar a um porto seguro, do qual a terra vizinha ficou com o mesmo nome.
Ali desembarcou o dito capitão com seus soldados armados, para pelejarem; porque mandou primeiro um batel com alguns a descobrir campo, e deram novas de muitos gentios, que viram; porém não foram necessárias armas. Porque só de verem homens vestidos, e calçados, brancos, e com barba / do que tudo eles carecem / os tiveram por divinos, e mais que homens, e assim chamando-lhes Caraíbas, que quer dizer na sua língua coisa divina, se chegaram pacificamente aos nossos.
Donde assim como os índios da Nova Espanha, quando viram desembarcar nela os espanhóis lhe chamaram viracocés, que significa escuma do mar, parecendo-lhes que o mar os lançara de si como escumas, e este nome lhe ficou sempre, assim somos ainda destoutros chamados Caraíbas e respeitados mais que homens. Mas muito mais cresceu neles o respeito, quando viram oito frades da ordem do nosso padre São Francisco, que iam com Pedro Álvares Cabral, e por guardião o padre frei Henrique, que depois foi  bispo de Cepta, o qual disse ali missa, e pregou, onde os gentios ao levantar da hóstia, e cálice se ajoelharam, e batiam nos peitos como faziam os cristãos, deixando-se bem nisto ver como Cristo senhor nosso neste divino Sacramento domina os gentios, que é o que a igreja canta no Invitatório de suas Matinas, dizendo: Christum regem dominantem gentibus, qui se manducantibus dat spiritus pinguedinem, venite adoremus.
Do deus Pã, diziam os antigos gentios, que dominava e era senhor do Universo, e disseram verdade se o entenderam desse Pã divino; porque sem falta ele é o Deus que tudo domina, e apenas há lugar em toda a terra onde já não seja venerado, nem nação tão bárbara de que não seja querido e adorado, como estes Brasis bárbaros fizerem.
Bem quiseram os nossos frades, pela facilidade que nisto mostraram, para aceitarem a nossa fé católica, ficar-se ali, para os ensinarem e batizarem, mas o capitão-mor, que os levava para outra seara não menos importante, partiu daí a poucos dias com eles para a Índia, deixando ali uma cruz levantada como também dois portugueses degredados pra que aprendessem a língua, e despediu um navio a Portugal, de que era capitão Gaspar de Lemos com a nova a el-rei d. Manuel, que a recebeu com o contentamento, que tão grande coisa, e tão pouco esperada merecia.



                                                                  Pedro Álvares Cabral

*Escrito na Bahia a 20 de dezembro de 1627.
**Missionário e historiador franciscano brasileiro nascido em Matuim, nos arredores de Salvador da Bahia, considerado o autor do primeiro documento da historiografia brasileira, leitura indispensável para o conhecimento do primeiro século da vida no Brasil. Depois de estudos no Colégio dos Jesuítas da Bahia, cursou Direito em Coimbra e doutorou-se em teologia pela universidade de Coimbra. Ordenou-se e voltou ao Brasil (1587) onde exerceu sucessivamente os cargos de cônego, vigário-geral e governador do bispado da Bahia, até entrar para a Ordem Franciscana (1599). Foi guardião da Ordem da Paraíba (1603–1606), servindo na Paraíba, Pernambuco e Bahia, e viajou para a cidade do Rio de Janeiro, onde permaneceu (1607–1608) e colaborou na fundação do Convento de Santo Antonio. Foi para Portugal onde pesquisou dados para a sua História do Brasil, que concluiu em sua terra natal. No regresso definitivo à Bahia (1624) foi aprisionado na baia de Todos os Santos pela esquadra holandesa que invadiu o Brasil, mas logo foi libertado e morreu no final da década seguinte, em Salvador.
Escreveu Crônicas da Custódia do Brasil (1618), cujos originais foram perdidos, e História do Brasil (1627), encontrada nos códices da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro (1881), por Capistrano de Abreu, que a publicou em uma primeira versão (1888) e numa edição definitiva (1918).
Na sua obrar relatou a história da sua terra desde o descobrimento até à expulsão dos holandeses, de uma forma rigorosa, ainda que com uma visão medieval da história, descritiva e linear, mas com o mérito de ter realizado a primeira tentativa no gênero.

Nota:
No momento da partida de Cabral um marinheiro pulou do navio fugindo para a praia, ficando na nova terra três portugueses, que talvez  tenham dado início a mistura entre os dois primeiros povos do Brasil.
Grijalva Maracajá Henriques  
Historiador






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