domingo, 3 de janeiro de 2016

O BODEGUEIRO




O BODEGUEIRO*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

Beira da estrada, um povoadozinho de nada, com uma capelinha do tamanho de uma caixa de fósforos e lá bem afastado, um casebre miserável onde morava a Biá, chegada de fora, sem outro emprego além da vadiagem. E era mesmo uma mulata vadia, querida de todo mundo. Era, aliás, o entretimento da turma local e de quem por ali passava. O bodegueiro – Seu Atílio – solteiro, com poucos fios de barba na cara, era outro forasteiro. Chegara ali vendendo missangas num bauzinho e resolvera estabelecer-se. Era um da freguesia da Biá. Só que lhe pagava com mercadorias da bodega. Dinheiro, nunca! Dinheiro que entrava era guardado religiosamente e só saia para a compra de mercadorias ou para necessidades inadiáveis. Também não vendia fiado. Podia chorar. – Vai da um jeitinho. Toma emprestado. Vendo barato. Se vender fiado não poderei comprar mais nada e a bodega fecha. Aí então não terão a quem comprar.
E naqueles tempos corriam moedas de prata. Essas não saiam mais do bisaco. Já era uma mania juntar moedas de prata. Disso, no entanto, não dava sinal a ninguém. E ensinava que aquela qualidade de dinheiro iria sair de circulação e que as moedinhas que arranjava levavam para trocar imediatamente na cidade. Assim, quem as possuía procurava delas se desfazer. - Só recebo isso porque tenho onde trocar... Pior ainda essas moedas antigas do tempo do Império. E ia, assim, abiscoitando a prata que circulava. Com o tempo correu a noticia de que tudo aquilo era velhacaria. As pratas estavam valendo bem mais do que o valor das moedas. E ninguém lhe levava mais uma prata, especialmente do tipo “pau nas costas”. Quem despertou atenção fora um sujeito que, de passagem, dormira com a Biá e andava comprando coisas antigas. Bicho do oco do mundo, trapaceiro, tinha certeza, certíssima de que seu Atílio estava cheio de moedas de prata. Era uma mina. E foi à bodega procurando antiguidades, inclusive moedas velhas, ouro, prata, níquel e cobre. Pagava bem.
- Só tenho mesmo moedas de cobre. Vinténs, patacas e dobrões. É o que tenho para vender. Quando recebo uma pratinha corro logo à cidade e troco. Um arrasado da minha marca pode lá juntar dinheiro...
- O senhor sabe que é um perigo guardar prata, e ouro. Se os ladrões sabem, fazem logo um assalto e podem até matar para roubar.
- Mas se não tenho nenhuma?
- Basta o boato, meu velho. Tenha ou não, assaltam e ou entrega ou morrer. Tenha cuidado.
E o espertalhão desapareceu. No entanto, seu Atílio ficou com uma pulga atrás da orelha. E como também não era bobo, preveniu-se. Achava provável o assalto e o assaltante seria o comprador de bugigangas. O cabra não tinha cara de boa gente. Falou com a Biá:
- Olha Biá, aquele sujeito que dormiu contigo a semana passada, comprador de objetos antigos disse-me que iria voltar. Vou te pedir uma coisa. Quando ele chegar me avisa. É provável que chegue à noite. Tenho umas moedas para vender que ele me pediu para juntar. Mas não diga nada a ele. Além de minha velha amizade te darei uma recompensa. Mereces. Mas não digas nada, nada mesmo. Manda um menino me avisar. Não te esqueças. Assim que chegar e disfarçadamente.
- Deixe com sua nega...
- Ainda iremos morar juntos. Queres?
- Por que não fala sério?
Atílio armou sua arapuca. Tinha certeza de que seria assaltado. Mas suas pratas ninguém levaria. Era toda sua fortuna.
Mas de três semanas depois, chega o recado da Biá.
- O homem chegou!
Atílio fez os últimos preparativos e esperou. Fechara a porta mais cedo e ocultara-se fora de casa com a espingarda cheia até os graneás. Uma bala de rolimã misturado com chumbo grosso e cabeças de prego.
Já estava enfadado de esperar por trás da moita. Já mais de meia noite, o cabra chegou. Chamou, bateu à porta da frente e depois na dos fundos. Nenhuma resposta.
Com toda certeza o Atílio estava com medo e escondido debaixo da cama. Tinha cara de moleirão. Havia de pegar o frouxo e obriga-lhe a entregar a prataria. Não tinha vindo para perder o salto. Resolveu, então, derrubar a porta ou arromba-la sem fazer ruído. Puxou um ferro e forçou para deslocar a fechadura. A porta cedeu e ia entrar cauteloso quando ouviu o tiro. Caiu de bruços, estrebuchou e veio o silencio. Atílio carregou a espingarda e foi indo cauteloso. Poderia ser um manhoso e o estar esperando. Mas não era, o cabra estava de olho vidrado e as moedas de prata lá no seu cantinho, Chamou gente para testemunhar o assalto, com a porta rebentada, Um revolver e uma faca na cintura do cabra, Fizeram o enterro e nunca apareceu alguém para reclamar o defunto.
- Pensava que eu estava cheinho de moedas de prata. Ia morrer para descobrir o que não tenho. Coitado de mim. Tinha até graça, com uma bodega mixa dessa, juntar dinheiro.
E seu Atílio continuou juntando suas pratinhas.
Biá, um dia perguntou-lhe pela promessa de morar com ela.
- Podia ir. Era sozinho e não tinha quem lhe fizesse as coisas. E depois, era tão ruim viver só.
Biá mudou-se. O pretexto de mudar de vida e ser cozinheira de seu Atílio. As pratas foram crescendo. Seu Atílio vendeu a bodega. Iria mudar de ramo. E quando menos se esperava desapareceram os dois e jamais se tive notícia. Atílio i Biá, estavam longe, na cidade de Areia, lá no cocuruto da Serra da Borborema, com casa comercial aberta, Dinheiro das pratas. Biá era sua legítima mulher. E nunca lhe pediam comprovação. Dona Biá era ouvida e cheirada. Também minguem era mais amiga e prestativa. Seu Atílio, nem se fala. Falavam dele como se fosse um filho da terra. Não falava em politica e nem discutia religião. Péssimas coisas para um comerciante. Biá, nunca mais foi uma moça triste. Dona Biá...

*O conto paz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.



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