terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

PADILHA


PADILHA*


João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)



Só pode ter sido o Padilha, onde anda o Padilha. Procura o Padilha. E nem sombra do Padilha.
Enquanto isso, Padilha ia-se enfiando mundo a fora. Ninguém havia de apanhá-lo. Andaria enquanto houvesse caminho. Mas, afinal de contas, o que havia de tão grave que somente poderia ter sido o Padilha. E que espécie de gente era esse Padilha. Sim, muito bem. Padilha era um sujeito magricela, altão, feioso, mas habilidoso e engraçado.  Ocupava-se em pegar um biscate aqui, outro ali e disso ia vivendo. Suas diabruras eram conhecidas. Não perdia ocasião para fazer uma brincadeira de bom ou mau gosto. E sempre se saia, espirrando para um lado ou para outro. Mas, já se sabia. O que aparecia de presepada no povoado era arte do Padilha. Além disso, existia uma turmazinha que lhe fazia as insinuações. E ele as aproveitava ao seu modo. Sabia escorregar e defender-se. “Ora quem sou eu”. Fazem as coisas e o besta do Padilha que pague. E ia nessa desandada.
Quando aconteceu o pior. Padilha estava chateado de levar tanta culpa, inocentemente, dizia ele. Então preparou uma de grosso calibre. Aí, sim iriam ver quem era Padilha. E não o veriam mais. Que fossem para a casa do diabo! Mas o que foi, afinal, o que Padilha arrumou. Coisa simples. Preparara durante dias e dias, um monte de bilhetinhos. Contara a casa dos mais importantes da vila e teve a paciência de anotar os nomes dos casais. O bilhetinho, lacônico dizia apenas: “Fulano, tua mulher está de namoro serrado com o marido de fulana. Não sabes, mas eu sei. Abre teus olhos.” E pelas altas horas da noite, enfiou-os sorrateiramente por baixo das portas.
A vila, ao amanhecer entrou em pé de guerra. As ameaças de mata-mata, de separação, as descomposturas estremeciam a terra e os céus. Pelo visto não havia uma mulher honesta, nem um marido que prestasse. A confusão era a maior de todos os tempos. Até as mulheres mais puras e os homens mais honestos, estavam todos no rolo.
- Corre, chama o Padre Benedito. Para ver se acalma os ânimos e controla a situação a vila vai se acabar. Só pode ter sido arte do demônio. Uma presepada dessa só pode ter saído da cabeça maligna do capiroto, dizia a zeladora, solteirona, Ambrosina.
E de repente, alguém se lembrou do Padilha para mandar chamar o vigário na sede da Freguesia.  - “Corre, chama o Padilha”.
Que Padilha que nada. Ninguém dava noticia dele. Num fuzuê daquele, Padilha não havia aparecido, era para estranhar. Daí surgiu logo à idéia que deveria ter sido artimanha dele. Outro fora às carreiras chamar o Padre Benedito. - “Vai voando Jota. Mata o cavalo, mas chega depressa”. Já anda todo mundo armado. O diabo está solto.
O Padre chegou, mas amedrontado. Nem sabia por que o metiam numa embrulhada daquela. Arrependeu-se até do dia que tinha tido falta de juízo de se meter no Seminário. Estava ai em que deu sua besteira, em vez de chamarem o delegado e a policia embalada, apelam para ele. E logo para um assunto daquela natureza. Tinha nada que ver com desonestidade da mulher ou do marido de ninguém. Ora favas, o fato é que enquanto ruminava essas coisas, entrou na vila e foi direto à igreja. Já informado do que havia, benzeu-se. Pois não era. Tinha aquela gente toda em conta de honestíssima e dava tudo numa água suja daquela. Nem sabia por onde começar e muito menos o que fazer. Muitas mulheres correram para a igreja. Pelo menos ficariam um pouco amparadas. E Padre Benedito começou o interrogatório. E a primeira pergunta foi a quem atribuíam a denuncia:
- Ninguém sabe.
- Tem alguém desaparecido.
- Que se saiba, só o Padilha.
O lembrete deste nome contagiou todo mundo.
- Foi, foi só arte do excomungado do Padilha.
E a suposição correu logo pela cidadezinha inteira. Não havia dúvida, tinha sido obra do Padilha. Aquilo não era qualidade de gente. Quem conhecia a letra do Padilha?
- Eu,
- Eu,
- Também eu.
E a letra foi conhecida era mesmo do Padilha. E já se foram convencendo que não passava de uma infernal brincadeira do patife. Os ânimos serenaram e a coisa virou gracejo. O Padre Benedito, tomou a deixa para falar.
- Será possível, minha gente, esta cidade é reconhecida como uma terra de gente honesta e digna. Nunca se registrou um caso, sequer de prevaricação. E, pois, como é que de um momento para outro passa a reinar tanta desconfiança. Voltem aos seus lares, peçam desculpas uns aos outros e procurem descobrir o caluniador, no caso, ao que parece, esse tal de Padilha.
- Corre todo mundo. Descubram e peguem o Padilha. O Padilha não pode escapar. É um patife. Queremos Padilha aqui. Somente Padilha seria capaz de praticar uma diabrura dessas. Pega o Padilha, amarra o Padilha, queremos o Padilha, vivo ou morto.
Ora Padilha. Padilha já andava longe. Mais longe do que pensavam.
- Haveremos de apanhá-lo! Ajude a gente, Padre Benedito.
- O que posso fazer é o excomungar. E lá vai brasa.
Abriu o livro e pronunciou as palavras de condenação.
- Pelo menos para o céu não vai mais.
- Procura Padilha, minha gente. Ele tem que nos pagar todo este alvoroço.
Inesperadamente uma magricela velha amiga de Padilha, e que lhe dava hospedagem, gritou de lá.
- Foi pouco. Foi embora e me deixou por culpa de vocês todos. Tudo quanto aparecia nesta povoeta de borra, era ele quem fazia. Coitado e nunca praticou nada de ruim. Suas brincadeiras não ofendiam a viva alma. Agora eu sei quem fazia aquelas coisas. Se me apertarem eu digo. E sei também quem presta e quem não presta.  Padilha me contava tudinho. É melhor deixarem Padilha em paz. Não deveria ter feito assim com todo marido e somente com aqueles que mereciam. Aliás, vocês sabem muito bem quem são os bons e os ruins, os errados.
- Cala a boca, mula. Dá o fora daqui, ou queres pagar pelo que Padilha fez?
- Não me insulte que eu falo e haverá muita surpresa.
Padre Benedito, o apaziguador, meteu-se no meio.
- Vem cá, como é mesmo o teu nome!
- Avenira Padilha, prima de Padilha,
- Vem cá perdoa tudo isto. Vai para casa.
- Mas o senhor amaldiçoou Padilha e ele não vai mais para o céu quando morrer!
E o Padre Benedito segredou-lhe ao ouvido:
- Foi tapeação. Eu enrolei esses bobocas, magotes de cornos. Aqui só tem mesmo corno. Conheço isto aqui. Toma estas notas. Vai para casa...

Em, 25/07/1985
*O conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.




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