EDUCAÇÃO BASEADA NO SENTIMENTO OU NA RAZÃO?
Encontrei um par de sandálias na
garagem aqui de casa. Pertencia a um dos meus filhos. Então, resolvi levá-las
ao quarto dele. Lá chegando, joguei-as em um local "apropriado". Mas,
uma das sandálias caiu virada para baixo. Não caíra na ordem esperada. Nada
demais nos dias de hoje, qualquer ordem é aceita, está bom. Mas, não era assim
nos dias da minha infância...
As sandálias tinham que obedecer
uma ordem exata: estarem voltadas para cima, para os céus. Do contrário, minha
mãe sofreria uma séria ameaçada de morte. Estaria sendo mal agourada, e o
culpado seria eu. Portanto, imediatamente, se fazia necessário colocá-las na
ordem preestabelecida pelos antigos.
Apesar da minha mãe já haver
morrido, a lembrança da ameaça fez com que eu voltasse para colocar o par de
sandálias na ordem certa. A Ordem das coisas me fora apresentado de forma a não
esquecer jamais.
Este é um simples exemplo. Posso
citar um montão, mas não será necessário. O que eu quero aqui dizer é muito
simples: fomos - os que possuem mais de cinquenta anos - educados na base da
emoção, do sentimento. Tudo tinha um lugar certo, e assim se formava uma visão
límpida, cristalina, do que era certo e do que era errado.
A defesa da família em primeiro
lugar, a integridade dos pais, a conservação do patrimônio e a lembrança das
lições dos avós, mesmo que modesta, era uma questão de sentimento, não de
razão. Os valores eram passados para os filhos mediantes parábolas, contos,
alegorias, símbolos, lendas e os mistérios.
Hoje estes mecanismos são ditos
arcaicos e os próprios valores tidos como atrasados, reacionários, etc. No seu
lugar é erigido um templo à razão. O ensino dos valores deve se dar mediante
mecanismos racionais. O convencimento pela razão. Nem preciso me deter muito
para lembrar que os tais valores contemporâneos são relativos, dependem de cada
um, do grupo e/ou dos interesses conjunturais.
O valor problematizado neste
texto é o sentido da adoção de uma ordem. Ou, em termos simples, questionar se
existe algum ganho em dispor os objetos de um quarto em conformidade com um
preestabelecido ordenamento?
Vamos encontrar, para esta
questão, duas respostas opostas e tantas razões para fundamentá-las; quantas
você tiver ouvido para ouvi-las e paciência para suportá-las. No mundo do
relativismo, do depende para quê, do em nível de... tudo é possível. Exceto, o
juízo definitivo da validade de qualquer valor.
O lugar de educar os filhos foi
deslocado da casa, do lar familiar, para a escola; e, lá, a tentativa de educar
se faz mediante disciplinas. Disciplinar a mente mediante o estudo da
matemática, da física, da química, da história, da geografia, da economia, da
sociologia, da biologia, da... Um conjunto quase infinito de disciplinas que
fragmentam o conhecimento estabelecido e, nesta fragmentação, espera-se que o
aluno adquirira unidade e ordenamento na sua atividade mental.
Citei algumas disciplinas e
falei que elas são tantas que formam um conjunto quase que infinito. E se você
pensa que estou exagerando, lembre-se que cada uma das citadas se divide ainda
em muitas outras partes, estudadas muitas vezes isoladamente. Matemática, por
exemplo, é estuda nas disciplinas aritmética, álgebra, geometria, geometria
analítica, cálculo integral e diferencial.... e, cada uma delas, ensinada por
professores distintos, especialistas na matéria de cada disciplina.
Não é à toa que uma parte do
conhecimento é denominada de disciplina. O objetivo principal do ensino é
disciplinar o aluno que chega à escola sem ter sido educado pelos pais. Também,
não é à toa que os primeiros "educadores" dos alunos não são chamados
de professores, mas de tios e tias. Tios e tias de mentirinha, é claro. Em
verdade, pobres professores que buscam a aprovação dos seus
"sobrinhos" e "sobrinhas" para garantir os seus empregos.
Além da fragmentação do
conhecimento e da falta de interação entre os que ministram disciplinas
distintas, também observamos a presença, subjacente nos discursos de cada
professor, do ensino de ideologias que muitas vezes visam objetivos opostos.
Na escola privada o foco da
administração é o lucro, não poderia ser diferente. Na escola pública é atender
os indicadores que servem de base para a avaliação do desempenho da escola,
tipo a redução da evasão e a aprovação dos alunos.
Observe que os objetivos são
semelhantes - das escolas privadas e públicas – e que tudo pode ser resumido na
palavra produtividade.
Tanto é assim que um novo
conceito já se impõe: indústria do ensino.
A escola não pode oferecer outra
coisa, senão treinamento, habilitação para o exercício de uma determinada
profissão. Jamais a escola, como hoje se apresenta, poderá oferecer educação e
observância de valores.
Na ausência da família e da não
adequação da escola ao ensino de valores, quem educa? As igrejas, os partidos
políticos, as empresas de comunicação, os escritores, poetas, livres
pensadores, navegadores da internet... Um aberto para a manipulação da
informação e da emoção?
Voltando ao quarto do meu filho,
observo que tudo está desarrumado. A cama continua do jeito que estava quando
ele acordou, roupas usadas misturadas com roupas limpas, meias jogadas por
todos os lados. Mais uma vez e inutilmente reclamo, escutando a mesma razão que
se resume na pergunta “para que ‘arrumar’, se depois tudo voltará ao estado
caótico como se encontra?”
Na minha infância esta pergunta
não fazia sentido. O permanente era a ordem (o cosmo) e não o caos. O
"apropriado" - entre parentes - no primeiro parágrafo se justifica
porque não faz mais sentido falar em algo apropriado - justo e perfeito - em um
mundo caótico.
Prof. Dr. Hiran de Melo - Professor Associado II da
Universidade Federal de Campina Grande
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