sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

 

CHEGADA DA FAMÍLIA REAL AO BRASIL

 

 



 

Hoje faz 212 anos da chegada da família real ao Brasil, até hoje ninguém sabe ao certo se foi bom o ruim para nossa pátria – Coração do Mundo, a vinda deles. Muitas hipóteses foram levantadas e ainda são dessa carreira desabalada de mar a dentro, uns dizem que foi uma estratégia outros medo, quem ler que tire suas conclusões. Faço uma pequena discrição dessa viagem, numa história que estou escrevendo.

 O mar estava revolto naquele domingo. Chovia e as fragatas, brigues e escunas se espalhavam por todo o Tejo e arredores, e, do cais de Belém, principal ponto de encontro e partida, o ruge-ruge era imenso. Todo mundo queria embarcar sem saber ao certo por que, e para onde. Não sabiam talvez que a viagem fosse só de ida, como se fossem tomar a Nau dos Loucos. Era o caos. Talvez o terremoto de 1755 tivesse sido mais assustador do que este movimento, antes, se abrira as terras, agora os mares seriam abertos para as embarcações sulcarem por mares nunca dantes navegados por D. João e Dona Carlota. Somente uns, ainda perplexos, ou se faziam, que aquele momento fosse apenas mais uma pitoresca aventura palaciana. Lisboa estava sendo invadida pelas tropas de Napoleão. Ninguém sabe por que diabo a quatro, - se o diabo tinha alguma coisa a haver com isso, – ou se fora covardia ou estratégia, a precipitada fuga da família Real e sua Corte (muitos bajuladores) entre dez a quinze mil pessoas de todos os níveis sociais, carregando quase tudo que podiam: o tesouro, muitas quinquilharias inclusive o mais importante, acho eu, a Biblioteca Real. Transcrevo abaixo um resumo bem sucinto e racional. Pois o assunto que debulho agora nada tem a haver com aqueles fatos passados entre Lisboa e a Colônia, por enquanto:

 

 O Embarque e a Viagem da Corte

 

A hesitação de D. João em cumprir as determinações de Napoleão fez com que se visse com o Exército francês praticamente às suas costas. Sem saída, embarcou para o Brasil com toda a família real e a Corte, cerca de 10 mil pessoas da aristocracia, além de trazer todo o Tesouro português. Este embarque, realizado às pressas, como uma fuga, apenas um dia antes de as tropas napoleônicas ocuparem Lisboa, tirou a grandeza da ideia da transferência da Corte.

Alguns historiadores, como Oliveira Lima, consideram que a vinda da Corte para as terras americanas foi uma inteligente e feliz manobra política. Para ele, agindo assim, D. João "escapava, de todas as humilhações sofridas por seus parentes castelhanos e mantinha-se na plenitude dos seus direitos, pretensões e esperanças. Era como que uma ameaça viva e constante à manutenção da integridade do sistema napoleônico. (...)." Entretanto, há aqueles que a veem como uma deserção covarde, não percebendo nela qualquer resquício de estratégia política.

O embarque de milhares de pessoas e seus pertences, em um dia bastante chuvoso, foi extremamente confuso, visto D. João ter se decidido em cima da hora. Todo um aparelho burocrático vinha para a Colônia: ministros, conselheiros, juízes da Corte Suprema, funcionários do Tesouro, patentes do Exército e da Marinha e membros do alto Clero. Baús com roupas, malas, sacos e engradados seguiam junto com as riquezas da Corte. Obras de arte, objetos dos museus, a Biblioteca Real com mais de 60 mil livros, todo o dinheiro do Tesouro português e as joias da Coroa iam sendo colocados nos porões dos navios, bem como cavalos, bois, vacas, porcos e galinhas e mais toda a sorte de alimentos. Na manhã do dia 29 de novembro a esquadra portuguesa finalmente partiu do porto de Lisboa com destino ao Rio de Janeiro.

A população de Lisboa assistia atônita a toda essa movimentação. Não podia acreditar que estivesse sendo abandonadas pelo príncipe-regente e demais autoridades, levando tudo o que estivesse à mão, deixando-a totalmente desamparada para enfrentar o Exército de Napoleão. Lisboa estava um caos. Junot e sua tropa, apesar de bastante desfalcada, não tiveram problema para dominar a cidade, cuja população estava atordoada com o que consideravam uma fuga vergonhosa.

Mais tarde, no Rio de Janeiro, na nova sede do Reino, essa situação seria assim traduzida em versos populares:

 

"É chegado a Portugal

O tempo de padecer,

Se te oprime a cruel França

Sorte melhor hás de ter".

"Quem oprime os portugueses,

Quem os rouba sem ter dó?

É esta tropa francesa

De quem é chefe Junot".

 

A viagem foi difícil. Com os navios superlotados não havia espaço para todos se acomodarem. Muitos viajaram com a roupa do corpo, pois nem tudo pôde ser embarcado, já que a capacidade dos navios há muito havia sido superada. A água e os alimentos foram racionados. A higiene era de tal forma precária, que houve um surto de piolho nos navios, obrigando as mulheres a rasparem a cabeça, entre elas a princesa Carlota Joaquina e as demais damas da família real e da Corte.

Para complicar a situação, quando a esquadra portuguesa estava próxima à ilha da Madeira, uma forte tempestade a dividiu, sendo que metade das embarcações, inclusive a que levava o príncipe-regente, foi parar no litoral da Bahia. Preocupado em evitar maiores problemas, D. João ordenou que todos parassem no porto mais próximo antes de seguir viagem para o Rio de Janeiro. A esquadra portuguesa, com o príncipe-regente, aportou assim, em Salvador, em 22 de janeiro de 1808, após 54 dias de viagem.

http://www.multirio.rj.gov.br/historia/modulo02/embarque.html

 

 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

 PADRE PIMENTA

 

 

Padre Pimenta era os pés do cão na cidade de Mulungu. Lugar perdido no meio do mundo, esquecido do tempo e das autoridades. Dava nó até em pingo d’água. Velhaco, pidão, mulherengo, cachaceiro e metido a brabo de quem fosse reclamar das besteiras que fazia nas redondezas da sua paróquia. Só queria ser o cara. Acima dele e bem longe tinha Deus, Jesus e os superiores hierárquicos aqui na terra, mesmo assim longe do seu terreiro e dos fuxicos paroquianos. Baixinho, barrigudo, poucos cabelos, usava óculos para ler e ver de longe os trouxas onde ia dar sua botada. Vocês sabem que padre em lugar pequeno vale mais do que o prefeito e vereadores juntos, se brincar entra no rolo Delegado, Juiz e promotor. É assim mesmo que funciona em lugar perdido do mapa. O padre é a última palavra. Dono e representante das respostas divinas.

Seu Malaquias e dona Suzana, não gostava muito do padre Pimenta. Já tinham levado uma bordoada, tempos atrás, onde numa quermesse forçou o casal já meio de idade e pobre a arrematar uma galinha assada que por eles tinha sido ofertada por um valor exorbitante.

Vingança: Ação de se vingar, de causar dano físico, moral ou prejuízo a alguém para reparar uma ofensa, um dano ou uma afronta causada por essa pessoa. Mas no caso do casal havia doído no bolso. Nos cochilos da noite e na madorna do meio dia em redes vizinhas no alpendre da casinha, os dois bolaram um plano para descascar e virar pele o avesso o padre Antônio Pedro de Almeida Pimenta. Padre Pimenta, o sabidão!

A missa em Mulungu era no sábado, dia de feira. No final da tarde para poder encher a igreja dos devotados e as espórtulas crescerem nas sacolas das beatas. Era uma festa naquele dia. Compadres, vizinhos, ricos, pobres, aleijados, cegos, raparigas, bêbedos, trapaceiros, ladrões de cavalos, inimigos, todos naquele dia e naquela hora, aproveitavam as bençãos do padre Pimenta para aliviar seus pecados e suas raivas. Ninguém perdia a missa no sábado. Vinha cabra de todos os buracos do município. Era a alegria do padre Pimenta e do seu sacristão que alegremente dividiam o apurado depois da missa.

Após os últimos sons do sino morrerem calmamente, o povo se reunião ao redor do átrio da igreja para botar o papo em dia. Foi nessa hora que o casal Malaquias jogou o plano mentiroso, no ar o para lascar o padre Pimenta.

- Minha gente perdi um parente muito rico lá pras bandas do litoral e deixou uns cinquenta mil reais para a gente. Não sei o que vou fazer!

- Compre uma casinha aqui na cidade.

- Não. Suzana não gosta da cidade.

- Compre gado que o lucro é certo.

- Que nada, empreste a juros e que não lhe dar trabalho e o lucro é certo.

- Tenho medo de levar um trambique e ficar sem nada.

- Procure um homem de bem que não faz medo, seu Malaquias.

- Vou pensar no assunto logo que o dinheiro estive no meu bolso.

Lá se vai outra semana outra missa e outros encontros.

- E aí compadre, já recebeu o dinheiro da herança?

- Tá no bolso, graças a Deus. Já sei como vou empregar essa dádiva caída dos céus.

- Quem vai ser seu beneficiário?

- Padre Pimenta. Homem honrado e amigos de todos.

- Boa escolha. Todos presentes afirmaram.

Mais um tempão se passou, mais missa, mais encontros mais conversas fiadas, mais desabafos, muitas fofocas e intrigas, e o assunto era quase o mesmo.

- Deu certo com o padre?

- Claro, fizemos um acordo que só pediria o dinheiro numa necessidade grande. Todo mês ele ficou de dá um jurinho em cima do valor.

A fama do padre até que melhorou, ajudando um casal de pobres que a sorte tinha abençoado.

Meia noite, Malaquias não pegava no sono, sonhava que ia para o inferno enganando um representante de Deus na terra.

- Suzana, Suzana, tá acordada?

- Que diabo tu queres homem de Deus? não venha me aperrear para aquelas coisas.

- Que nada! Estou pensando no nosso dinheiro com o padre. Acho que tá na hora de ver se dá certo. Amanhã na missa, no meio de todo mundo vamos cobrar a devolução do dinheiro para a gente comprar uma terrinha vizinha da gente.

- Tô com medo Malaquias, isso é contra Nosso Senhor.

- Que nada, aquele safado tomou nossas economias ligeirinho na compra daquela galinha choca que doamos para as missões da igreja. Estou só cobrando com juros mesmo.

A cidade estava novamente toda no átrio da igreja após a sagrada missa. Quando o padre deu as caras para apertar as mãos dos fies, Malaquias sussurrou, meio alto, preciso falar em particular com vossa dignidade.

- Pode falar abertamente meu filho, estamos na casa de Deus.

Malaquias não se fez de rogado, era isso que ele esperava, oportunidade de ouro, no meio de toda sociedade de Mulungu.

- Quero comunicar que estou indo morar na terra de minha esposa, no Município de Costela Seca. Seus pais estão precisando de nossa ajuda pela sua idade avançada. Portanto, preciso resgatar o valor que depositamos nas suas sagradas mãos.

- O quê? Que dinheiro, que conversa é essa seu Malaquias? Tá ficando doido, o senhor nunca me deu dinheiro para guardar. Só pode estar caducando com essa conversa.

- Oxente padre – disse Tônho Peba. Todo mundo sabe que seu Malaquias lhe entregou o dinheiro da herança que recebeu, faz tempo.

- Vocês estão brincando comigo. Nunca vi dinheiro nenhum desse homem.

- Só o senhor não sabe. A cidade está de prova que seu Malaquias lhe emprestou o dinheiro que recebeu da vereança. Estou de prova.

O povaréu caiu em cima do padre Pimenta. Os comentários nas ruas, nos bares, nas bodegas, na pracinha do coreto era um só: padre Pimenta quer enrolar o pobre do casal. Acho que não é a primeira vez que faz isso. Comenta que saiu da sua última paroquia por esperteza.

A missa esvaziou-se. As coletas diminuíram, os agrados cessaram. Sem galinha gorda, sem feijão verde, sem linguiça caseira (que tanto gostava) sem convite para almoço nos domingos.

 Sozinho, foi remoer o que o capiroto estava aprontando para ele. Danou-se a rezar de joelhos nos degraus dos seus santos favoritos e nada de uma resolução. Tava perdido por uma injuria, um falso levantado, uma coisa que Jesus nunca iria perdoar. O que fazer?

A culpa: uma realidade da vida humana. Estaria pagando alguma coisa a que não se lembrava. A consciência apertava, se espremia para ver onde tinha errado de mais. Passou a noite em claro. Sonhos bons, pesadelos difíceis de resolver. Amanheceu amorriado. Os olhos quase não abriam.  Levantou-se chamou Dorinha sua arrumadeira e pediu que fosse em busca do danado de seu Malaquias e a danada da sua esposa – mulher do cão.

- Bom dia seu padre, mandou me chamar?

- Não. Mandei lhe intimar cabra safado. Não quero nem saber com qual santo você anda, me diga logo quanto dinheiro você me emprestou seu filho de uma gata.

- Oxente seu vigário, não foi 50.000 mais uns jurinhos.

- Descarado, safado, corno, profano dos quintos dos infernos, amaldiçoado, desconjurado, nunca mais você vai entrar num batente de uma igreja, vou proclamar por toda a diocese que você e sua esposa estão excomungados até a sétima geração.

Tome esse maldito dinheiro e suma de uma vez da minha frente. Seu parasita das classes improdutivas.

Grijalva

06/01/2022 às 20.59

 

 

 

 

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

 

O VELHO CHICO

 

Agrº. João Henriques

 

 

La vem o Velho Chico descendo dos contrafortes da serra da Canastra, numa longa e constante caminhada, cortando o planalto central, varando as caatingas secas, despenhando-se em Paulo Afonso, para trazer-nos as suas águas límpidas ou barrentas e férteis. E o Velho Chico, no salto da cachoeira, nos manda também a energia, no impulso das suas águas, naqueles oitenta metros de queda. E depois de transpor a garganta das corredeiras, espraia-se e corre manso entre os barrancos que se distanciam à medida que se aproxima do litoral. E mais largo e mais tranquilo, refluindo nos remansos, vem, afinal, derivando as suas águas para as várzeas e lagoas, as terras dos farturosos arrozais.

Mas o Velho Chico de nossa intimidade, é ainda um rio inconformado, inconformado porque não cumpriu a sua destinação. Não nasceu e avolumou-se para ser tragado pelo mar.

O São Francisco, Deus o criou para a integração política, social e econômica nacional. Abriu-lhe caminho pelos sertões, para que os brasileiros pudessem conquistar as imensas áreas de sua dilatada bacia fluvial e aí florescesse uma civilização dinâmica, fundamentada no sulco dos arados, na hidroeletricidade e, sobretudo, na irrigação.

A energia hidrelétrica, já percorre sertões, caatingas e litorais, iluminando cidades, impulsionando industrias, criando riquezas, dinamizando atividades. Mas a utilização de suas águas no amanho do solo, na implantação da agricultura intensiva, está ainda na sua fase primaria. O barraqueiro não se apercebeu ainda do imenso potencial que são as águas do Velho Chico, fator de desenvolvimento das atividades rurais. E no dia em que com a energia hidrelétrica do próprio rio, as águas subirem as barrancas e as terras não sentirem mais sede e os campos se conservarem sempre verdes e exuberante, esta região privilegiada, tornar-se-á maior celeiro deste nordeste. E o lavrador e o criador verão que as águas do São Francisco, são, na verdade, um manancial de ouro líquido que ainda está esperando pelas bateias do lavrador.

No dia em que cada agricultor ribeirinho tiver a sua moto bomba molhando as terras que cultiva, sem se preocupar que venham ou não as chuvas, então o rio são Francisco, o nosso Velho Chico, sentirá cumprida a sua predestinada missão – Irrigar.

Quando o Velho Chico transborda, inundando as terras dos combros, e aí deixando a sua “colha” que enriquece o solo e aumenta as colheitas, ele nos dá uma boa lição, fazendo lembrar e sugerindo o seu aproveitamento na irrigação dessas extensas áreas ribeirinhas, de produção intermitente e escassa.

O rio sobe, o rio desce, estala o verão, as terras se ressecam, as lavouras definham, as pastagens se empobrece e as águas vão passando como se delas não precisássemos, como se não fossem a maior riqueza do lavrador ribeirinho.

 

            Penedo, 04 de setembro de 1965

 

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O Rio São Francisco


O RIO SÃO FRANCISCO E A CHAPADA DIAMANTINA

Grijalva Maracajá Henriques
Campina Grande, 28 de outubro de 2019
Hoje me deu uma saudade danada do velho Chico, rio que beirei durante vários anos, pescando e caçando, tomando banho, me servindo como estrada, através das lanchas que serviam de ônibus, com seus bancos de madeira desconfortáveis e pequenas canoas para Neópolis, Passagem, Carrapicho, Propriá, Porto Real do Colégio, Pão de Açúcar; parando em seus pequenos portos que dava acesso para fazendas e arruados. Uma história leva a outra. Num belo domingo logo pela manhã embarcamos numa minúscula canoa para caçar e pescar; Seu Domingos, seu genro Ari e eu. A tiracolo levávamos espingardas, cigarros, frutas, almoço e varas de pescar com seus anzóis.   A canoa encomendada, que por nossa demora, havia sido alugada para outros; procuramos então uma substituta e só encontramos uma muito pequena. Os panos (velas) que seu Domingos tinha era exatamente certo para a tal canoa que se fora. Mesmo assim combinamos não voltar com toda aquela tralha.
Subimos o rio em direção a uma fazenda cujo dono era freguês da bodega do velho Domingos. Antes de alcançarmos a cuja dita, depois de umas duas horas de viagem, onde a água entrava na canoa pela velocidade que as velas grandes impulsionava, avistamos no lado de Sergipe bandos e bandos de patos e paturis. Por minha insistência, resolvemos atravessa as águas, que naquela época era de cheia e estava muito barrenta e forte. Arriamos o pano para não virar a canoa nesse bordejo. Seu Domingos na popa direcionando a bichinha, Ari remando no meio e eu na proa, rezando; não sabia nadar. No meio da travessia seu Domingos caiu n’água. A canoa virou. Quando me dei conta estava sendo puxado pelas mãos de Ari que era um cabra forte e bom nadador, como é costume acontecer a canoa pequena não afundou de todo, voltou a flutuar ficando só a proa e a popa de fora d’água. Mandaram que me segurasse nas bordas, enquanto seu Domingos ia empurrando a canoa por trás, Ari nadava com uma mão e puxava a teimosa canoinha em direção a Sergipe que estava mais perto, enquanto isso éramos levados rio abaixo por um bom tempo. Avistamos pessoas dentro do baixio próximo da margem do lado de Sergipe. Gritamos, gesticulamos e eles nem dava bolas para gente, tínhamos certeza que íamos morrer afogados. Seu Domingos muito religioso começou a rezar e disse, vamos morrer, e, a prevenir o que fazer quando a canoa afundasse de vez. Coisa interessante aconteceu não tive medo da morte. Mandaram que eu fosse para a proa, balançado as pernas e usando um braço para ajudar, que os dois iam tentar segurar a maldita e ao mesmo tempo empurrar para frente para onde estavam as pessoas. Era tão distante que pareciam anões. Mesmo assim era a única solução antes do desastre certo. Enquanto isso víamos as laranjas, cigarros e muita troçada boiando fora da canoa descendo o rio em procura do mar. Olhei e notei que meu braço direito que ficava preso na borda da canoa estava sangrando muito do esforço que fazia para não ser levado pelas águas. Chamei a atenção dos dois alertando do perigo do sangue para as piranhas que em águas barrentas se tornam mais ferozes ainda. Ficaram calados.
 De repente dei um grito infernal: - Bati em um peixe grande. - Nessa época de cheia subia o rio Camurupins enormes. - Não se mexa, disse seu Domingos. Levantei as pernas gelado de medo, com isso, a canoa começou a afundar pela proa. Grita agora Ari – Solte a canoa que se não afunda – Relaxei e fiquei batendo novamente com as pernas para me manter boiando, mas segurando ainda nas bordas da bichinha nossa salvadora. Mais uma vez, outro grito muito maior do que o primeiro: estou pisando em lama. Ari veio para a frente conferir e de fato era lama mesmo, final das croas (baixios submersos) que se formam e mudam de lugares sempre que o rio enche. Estávamos salvos. Com água pelo pescoço, porém seguros, pudemos pensar mais calmamente o que fazer. Ari desamarrou a corda na poita (âncora) e prendeu na frente da canoa e a outra extremidade prendeu nos dentes e nadando com as duas mãos até encontrar arreia mais dura, mesmo ainda com água pela cintura.
 As pessoas na nossa frente ainda estavam a grande distância. Gritávamos e não nos ouvia. Desistimos. Salvo da morte certa, seu Domingos decidiu voltar para os lados das Alagoas. Não concordei. Vou voltar a pé. Vamos puxar até a terra e de lá desço para Neópolis. Nessa bicha não subo mais. Fui convencido que não era viável. Estávamos distantes de Penedo mais de três léguas por terra, pela posição do sol era mais ou menos meio dia. Tiramos toda água, e para surpresa as três espingardas estavam lá no fundo, salvas. Até hoje a minha Belga se encontra dependurada na parede.  Quando os corações desaceleraram, seu Domingos então contou por que caiu na água. Remava em pé como é costume de quem vai na popa direcionando a embarcação, de repente sentiu uma agonia infernal no peito e sabendo que seu coração já tinha sido remendado, pulou n’água para tentar reanimar o velho relógio cansado. Escapou de morrer nesse dia duas vezes. Voltamos agora diferente do que viemos. Eu no meio, seu Domingos agora na frente remando e Ari comandando em pé balançando o remo para equilibrar a canoa. Chegamos ao outro lado quase a boca da noite. Daí em diante formos bordejando os paredões, a meu pedido, até Penedo. Ora remava Ari, Seu Domingos e eu, chegamos em casa por volta da meia noite, mortos de fome. Sabíamos que a zoada estava feita nas nossas casas. O alvoroço e o chororô eram visíveis. Quando bati na porta de casa, com as calças rasgadas nas pernas de cima até em baixo, sabia que a recepção não ia ser boa. Minha casa era quase vizinha da bodega de seu Domingos, minha mãe abrindo a porta disse:
- Nunca mais vai pescar. Isso é coisa que se faça, deixando todo mundo doido!
Tinha meus quinze ou dezesseis anos. Velhos tempos.... Entrou pela perna de pato saiu pela perna de pinto, seu rei mandou dizer que depois eu contasse mais cinco...
Voltado ao início, comecei a ler os livros sobre a vida do Rio São Francisco, que meu pai deixou de herança. O Homem no Vale do São Francisco, dois volumes, onde o autor cita meu pai como colaborador da região do baixo são Francisco, O Vale do são Francisco, o Médio São Francisco, O Rio São Francisco, Ribeira do São Francisco; todos eles fazem menção do livro O RIO SÃO FRANCISCO E A CHAPADA DIAMANTINA de Teodoro Sampaio. Como não tinha na coleção pesquisei e baixei o dito cujo. Livro fabuloso. Fui então, como faço sempre, saber tudo sobre o autor. E descobri essa figura fantástica. Escrevo essa história e publico também no meu Blog, para ver ser algum “Afrodescendente” valorize esse homem notável da história do nosso Brasil.
Biografia

Teodoro Fernandes Sampaio (Santo Amaro da Purificação, 7 de janeiro de 1855 — Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1937) foi um engenheiro geógrafo, escritor e historiador brasileiro.
Nasceu no Engenho Canabrava, pertencente ao visconde de Aramaré, hoje localizado no município baiano de Teodoro Sampaio.
Era filho da escrava Domingas da Paixão do Carmo e do padre Manuel Fernandes Sampaio. Ainda em Santo Amaro estuda as primeiras letras no colégio do professor José Joaquim Passos. É levado pelo pai, em 1864 para São Paulo e depois para o Rio de Janeiro, onde estuda no Colégio São Salvador e, em seguida, ingressa no curso de Engenharia do Colégio Central. Ao tempo em que estuda leciona nos Colégios São Salvador e Abílio, do também baiano Abílio César Borges (Barão de Macaúbas), sendo ainda contratado como desenhista do Museu Nacional.
Formou-se em 1877, quando finalmente volta a Santo Amaro, na Bahia, onde nasceu. Ali, revê a mãe e os irmãos, e comprando, no ano seguinte, a carta de alforria de seu irmão Martinho, gesto que repete com os irmãos Ezequiel (1882) e Matias (em 1884). Por ser filho de branco, Sampaio nunca fora um escravo.
Em 1879 integra a Comissão Hidráulica, nomeada pelo imperador Dom Pedro II, sendo o único engenheiro brasileiro entre estadunidenses.
A convite de Orville Derby, que conhecera numa expedição aos sertões sanfranciscanos, participa de nova comissão que realiza o levantamento geológico do Estado de São Paulo (1886). Antes havia realizado o trabalho de prolongamento da linha férrea de Salvador ao São Francisco (1882). No ano seguinte é nomeado engenheiro chefe da Comissão de Desobstrução do Rio São Francisco, que deixa em virtude do convite de Derby para trabalhar em São Paulo. Ali, dentre outras realizações, participa em 1890 da Companhia Cantareira (engenheiro-chefe), é nomeado Diretor e Engenheiro Chefe do Saneamento do Estado de São Paulo (de 1898 a 1903). Participou da fundação da Escola Politécnica, junto com Sales Oliveira e com o Coronel Jardim.
Foi, em 1894, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo; membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (1898), que presidiu em 1922; sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1902).
Teodoro Sampaio, que nasceu negro e filho de escrava, foi um dos maiores pensadores brasileiros de seu tempo. Engenheiro por profissão, legou-nos uma bibliografia de vasta erudição geográfica e histórica sobre a contribuição das bandeiras paulistas na formação do território nacional, entre outros temas. É formidável sua sofisticação na percepção da importância dos saberes indígenas (caminhos, mas não só) na odisseia bandeirante. Igualmente digna de consideração foi sua contribuição ao estudo de vários rios brasileiros, de pinturas rupestres em sítios arqueológicos nacionais, do tupi na geografia brasileira e da geologia no País. Neste campo, a geologia brasileira, participou de momentos marcantes, como a expedição de Orville Derby ao vale do rio São Francisco e de comissões específicas. Além disso, foi grande amigo de Euclides da Cunha, e auxiliou o escritor com conhecimentos sobre o sertão baiano na elaboração do livro Os Sertões.
Seu nome figura na memória intelectual do País ao lado de Capistrano de AbreuJoaquim NabucoNina Rodrigues e outros do mesmo patamar. Em sua memória, foram batizados dois municípios brasileiros (na Bahia e em São Paulo) e também uma importante rua da cidade de São Paulo.
Principais obras
O rio São Francisco e a chapada Diamantina (1906)
O tupi na geografia nacional (1901),
Atlas dos Estados Unidos do Brasil (1908)
Dicionário histórico, geográfico e etnográfico do Brasil (1922)
História da Fundação da Cidade do Salvador (póstumo).