segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

COMO APRENDER SEM OUVIR O OUTRO



COMO APRENDER SEM OUVIR O OUTRO

Existia, e ainda existe, uma ladeira enorme que vai do bairro de Nova Brasília ao sítio Vargem Grande. Pelo menos, era assim que se chamava a pequena propriedade rural do Tio João.  Por ser pequena, não era tida como uma fazenda; por não ser tão pequena, não era tida como granja.
No seu sítio, Tio João plantava de tudo; logo, colhia de tudo. Além de criar gado, galinhas e outros. Portanto, não havia necessidade de ir à cidade de Campina Grande para comprar alimentos. Nem para comprar medicamentos, as ervas curavam de tudo.
Sair aos domingos pela manhã na direção do sítio do Tio João, era bom demais! Lá, além da boa comida, havia diversão e arte. Esperávamos, na varanda, o dono do pedaço com um sorriso largo de satisfação. E nós, levávamos a certeza de que seria um dia de muita satisfação e aprendizagem.
A satisfação já começava na descida da ladeira, esforço mínimo, sol a menos, algumas sombras das árvores, que invadiam por cima a estrada, mesmo que nem fariam falta se não existissem. Havia em abundância juventude nas pernas e no coração de cada um de nós.
Em verdade, nada faltava mesmo. As sombras estavam por acréscimo. Bom, se voltássemos antes das três da tarde, até que elas seriam mais do que um simples acréscimo. Havia uma longa ladeira a subir e barrigas cheias clamando por digestão.
Mas, confesso que logo-logo a caminhada terminava sem que nem sentíssemos o esforço para subir a ladeira. Era que cada um tinha muitas coisas a relatar. A realidade registrada ao modo de cada um ver, encantava quem relatava e fazia com que cada um aguardasse a sua vez.
Ah! Mas, antes de adentrar as plantações do sítio e nos deliciarmos com uma variedade imensa de frutas frescas - tiradas na hora do pé - havia a sessão de perguntas. Na varanda, sentado na cadeira de balanço, Tio João iria comandar a festa, tal qual um palestrante do outro mundo.
Do outro mundo porque o Tio João raramente saia de casa, do sítio, e, penso, pouco fora à escola. Tudo que sabia havia aprendido por conta própria, na escuta, nas ondas de radiofrequência e nas leituras dos livros que lhe caiam nas mãos. Lia tudo como um menino pleno de curiosidade.
Entretanto, já não era época de escuta. Estava saturado de tantas informações e saber. Era época de jogar fora tudo que sabia. Distribuir como quem distribui chuvas. Não escolhia terreno para molhar. Embora elogiasse muito quem sabia ouvir e calar.
Ele me fazia uma pergunta e antes que eu pudesse pronunciar a primeira palavra, ele já estava dando a resposta, e no final agradecendo por ter aprendido muito comigo.
No começo, embora me sentido importante como professor de um sábio, estranhava aquele tipo de coisa. Depois compreendi melhor, a gente aprende muito mais com quem nos permite falar, do que com quem nos quer ensinar qualquer coisa.
Assim é que pude observar que cada vez que ele respondia a mesma pergunta - que ele mesmo havia feito em outra oportunidade - o fazia de uma maneira diferente e mais rica.
Então, para quê melhor? O homem fazia as perguntas e dava as respostas, nem nos incomodava com o silêncio de quem espera respostas inteligentes. E sorrir das bobas que escuta.
O que nos restava fazer, fazíamos com grande prazer: nos espreguiçar nas espreguiçadeiras antigas e gostosas, mantendo os ouvidos atentos.
Lá para tantas, Tio João dava por encerrada a sessão de perguntas e respostas, agradecia pelo que ele havia aprendido conosco e, assim feliz, nos encaminhava para a segunda delícia do dia: a cozinha da casa.
Era hora de tomar café com bolacha melada na manteiga da terra, tudo feito no sítio. Em verdade, não era hora de comer, mas de se deliciar. Não havia pressa, não teríamos nenhuma tarefa a desempenhar que exigisse trabalho.
Barriga cheia, estava na hora de estirar as pernas. Hora de ir ao quintal da casa. Aprazermos com as sombras de árvores centenárias; apreciar as galinhas catando a terra, indiferentes a nossa presença e sentir o ócio de um cachorro deitado no chão, com mais preguiça do que todos nós juntos.
O tempo deslizava sem urgência nenhuma. Era só esperar a hora do almoço. Enquanto isso não chegava, ia se jogando conversa fora, papo descompromissado sem qualquer sentido ou conteúdo inédito.
- E Dona Creusa, com vai? - Vai bem, obrigado. - E os seus estudos... vai passando de ano? - Tudo bem, vão dando para os gastos, já estou fazendo o ginasial. - Muito bem, gosto de ver assim...
Por brevidade vou pular o almoço, não vou desta vez relatar como era. Vamos direto ao passeio, pós almoço, pelo sítio. Hora de colher frutas no pé. Todo mundo podia tirar à vontade, tudo que pudesse comer. Nada de desperdícios e nem de levar para comer outro dia.
No final, lá no fundo do sítio, havia uma plantação de cana de açúcar. Aquilo não era para amador. Tio João fazia o trabalho sozinho. Cortava a cana. Levava no ombro e voltávamos para o quintal da casa. Lá existia um moinho.
Lá, na barriga de cada um, haveria ainda de ter um lugarzinho para acolher o caldo de cana com pão doce, tudo na hora, tudo feito com amor. E, como é próprio do amor, de graça.

Hiran, Campina Grande, 26.04.2014
Postado há 26th April por Hiran Melo

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

ANIVERSÁRIO DE MORTE DE DOM PEDRO II

ANIVERSÁRIO DE MORTE DE DOM PEDRO SEGUNDO
(123 ANOS)


Dom Pedro II (1825-1891) foi o segundo e último Imperador do Brasil. Tornou-se príncipe regente aos seis anos de idade, quando seu pai Dom Pedro I, abdicou do trono. José Bonifácio de Andrada e Silva foi nomeado seu tutor e depois foi substituído por Manuel Inácio de Andrade Souto Maior Pinto Coelho. Aos 15 anos foi declarado maior e coroado Imperador do Brasil.
Dom Pedro II (1825-1891) nasceu no Palácio da Quinta da Boa Vista, Rio de Janeiro, Brasil, no dia 02 de dezembro de 1825. Filho do Imperador Dom Pedro I e da Imperatriz Dona Maria Leopoldina. Ficou órfão de mãe com apenas um ano de idade. Com nove anos perdeu também seu pai. Era o sétimo filho, mas tornou-se herdeiro do trono brasileiro, com a morte de seus irmãos mais velhos. Cresceu aos cuidados da camareira-mor Dona Mariana Carlota de Verna Magalhães Coutinho, mais tarde condessa de Belmonte.
No dia 2 de agosto de 1826, Dom Pedro foi reconhecido como herdeiro da coroa do império brasileiro. No dia 7 de abril de 1831, seu pai Dom Pedro I, que vinha enfrentando severa oposição política, acusado de favorecer os interesses portugueses no Brasil independente, abdica do trono e embarca de volta a Portugal, deixando Pedro como regente, com apenas seis anos de idade. Para tutor de Pedro, seu pai nomeou José Bonifácio de Andrada e Silva.
Com a abdicação e a menoridade do herdeiro do trono, foi eleita pela Assembleia, obedecendo à Constituição, uma Regência Trina até a maioridade de Dom Pedro. Estando o Senado e a Câmara de férias, foi eleita uma Regência Trina Provisória, que permaneceu de 7 de abril a 17 de junho de 1831. Em seguida foi eleita a Regência Trina Permanente, entre 1831 e 1835. A Regência Una de Feijó governou entre 1835 e 1837. E a Regência Una de Araújo Lima governou entre 1838 e 1840.
Durante a menoridade, Dom Pedro teve aulas com diversos mestre ilustres, escolhidos por seu tutor José Bonifácio. Estudou caligrafia, literatura, francês, inglês, alemão, geografia, ciências naturais, pintura, música, dança, esgrima e equitação.
Os liberais moderados governavam o País com dificuldades, enfrentando os que preferiam a República. Outro grupo queria a volta de Dom Pedro I. As crises se acumulavam. Em 1840 os conservadores mantinham a maioria parlamentar e fizeram aprovar a Lei de Interpretação do Ato Adicional que reduzia as conquistas feitas pelos liberais. Esses, inconformados começaram a luta pela maioridade do imperador, então com 15 anos. No dia 22 de julho, indagado, Dom Pedro aceita assumir o Governo do Império brasileiro. No dia 23 de julho de 1840, Dom Pedro II é coroado Imperador. O ato ficou conhecido como o Golpe da Maioridade.
Os primeiros anos de reinado de Dom Pedro II foram de aprendizado político. Aplicava-se inteiramente aos negócios de Estado, exercia a risca a Constituição. Aos poucos o país se pacificava. No dia 3 de setembro de 1843, Dom Pedro II esperava no porto, sua esposa Teresa Cristina de Bourbon. O casamento era um arranjo político com Francisco I, rei das Duas Sicílias. Tiveram quatro filhos, mas só sobreviveram Isabel e Leopoldina. A vida na corte era calma. As portas do Palácio Isabel, hoje Palácio Guanabara, eram abertas quatro vezes por ano, ao corpo diplomático e à nobreza.
No início de seu governo, Dom Pedro I fez viagens diplomáticas às províncias onde estavam ocorrendo conflitos. Em 1850, Dom Pedro II ainda não completara 25 anos , mas seu império já estava consolidado. A constituição de 1824, com as modificações introduzidas pelo Ato Adicional, dava ao Imperador um Governo quase autocrático. Mas Pedro II optou, sempre, pela moderação. Os partidos políticos do Império representavam a aristocracia rural e a técnica política do Imperador era revezar os partidos no poder. Essa política sobreviveu por quase vinte anos.
Dom Pedro era acusado de dedicar mais tempo aos livros do que às questões políticas. O império que gozava de certa prosperidade econômica, começou a perder o equilíbrio, com as guerras na região do rio da Prata. As forças imperiais lutaram em 1850, contra Rosas e Oribe e em 1864 contra Aguirre. Em 1865, teve inicio a Guerra do Paraguai, que durou cinco anos e finalmente o Paraguai foi vencido. Ao terminar a guerra, o movimento abolicionista tomava impulso e no Rio de Janeiro fundava-se em 1870, o Partido Republicano.
Na década de 70, Dom Pedro II viajou duas vezes à Europa, deixando sua filha a Princesa isabel como Regente. Em ambos os momentos a princesa resolveu causas difíceis. Em 1871, assinou a lei do Ventre Livre e em 1875 foi resolvida a Questão Religiosa. Em 1886, Dom Pedro adoece e parte novamente para a Europa. No dia 13 de maio de 1888, com a Regência da Princesa Isabel, é assinado o decreto que acaba com a escravidão no Brasil.
O ideal republicano que surgiu no Brasil em vários movimentos, como na Guerra dos Farrapos e na Revolução Praieira, só após a Guerra do Paraguai ressurgiu e se fortaleceu. No dia 15 de novembro de 1889, pela conjugação de interesses políticos, o governo imperial foi derrubado. Estava proclamada a República no Brasil. No dia seguinte organizou-se um governo provisório, que deu 24 horas para Dom Pedro deixar o país.
Dom Pedro de Alcântara embarca com a família para Portugal. Era 17 de novembro de 1889, dois dias após a proclamação da República. Chegando em Lisboa no dia 7 de dezembro seguiu para o Porto, onde a imperatriz morreu no dia 28 do mesmo mês. Pedro, com 66 anos, segue sozinho para Paris, onde fica hospedado no Hotel Bedford, onde passava o dia lendo e estudando. As visitas à Biblioteca Nacional eram seu refúgio. Em novembro de 1891, doente não saia mais do quarto.
Pedro de Alcântara João Carlos Leopoldo Salvador Bibiano Francisco Xavier de Paula Leocádio Miguel Gabriel Rafael Gonzaga de Bragança, morre no dia 5 de dezembro de 1891, em consequência de uma pneumonia. Seus restos mortais são transladados para Lisboa, e depositados no convento de São Vicente de Fora, juntos aos da esposa. Quando revogada a lei do banimento em 1920, os despojos dos imperadores foram trazidos para o Brasil e depositados na catedral do Rio de Janeiro em 1921. Em 1925, foram transferidos para Petrópolis.

http://www.e-biografias.net/dompedro_ii/

EDUCAÇÃO BASEADA NO SENTIMENTO OU NA RAZÃO



EDUCAÇÃO BASEADA NO SENTIMENTO OU NA RAZÃO?

Encontrei um par de sandálias na garagem aqui de casa. Pertencia a um dos meus filhos. Então, resolvi levá-las ao quarto dele. Lá chegando, joguei-as em um local "apropriado". Mas, uma das sandálias caiu virada para baixo. Não caíra na ordem esperada. Nada demais nos dias de hoje, qualquer ordem é aceita, está bom. Mas, não era assim nos dias da minha infância...
As sandálias tinham que obedecer uma ordem exata: estarem voltadas para cima, para os céus. Do contrário, minha mãe sofreria uma séria ameaçada de morte. Estaria sendo mal agourada, e o culpado seria eu. Portanto, imediatamente, se fazia necessário colocá-las na ordem preestabelecida pelos antigos.
Apesar da minha mãe já haver morrido, a lembrança da ameaça fez com que eu voltasse para colocar o par de sandálias na ordem certa. A Ordem das coisas me fora apresentado de forma a não esquecer jamais.
Este é um simples exemplo. Posso citar um montão, mas não será necessário. O que eu quero aqui dizer é muito simples: fomos - os que possuem mais de cinquenta anos - educados na base da emoção, do sentimento. Tudo tinha um lugar certo, e assim se formava uma visão límpida, cristalina, do que era certo e do que era errado.
A defesa da família em primeiro lugar, a integridade dos pais, a conservação do patrimônio e a lembrança das lições dos avós, mesmo que modesta, era uma questão de sentimento, não de razão. Os valores eram passados para os filhos mediantes parábolas, contos, alegorias, símbolos, lendas e os mistérios.
Hoje estes mecanismos são ditos arcaicos e os próprios valores tidos como atrasados, reacionários, etc. No seu lugar é erigido um templo à razão. O ensino dos valores deve se dar mediante mecanismos racionais. O convencimento pela razão. Nem preciso me deter muito para lembrar que os tais valores contemporâneos são relativos, dependem de cada um, do grupo e/ou dos interesses conjunturais.
O valor problematizado neste texto é o sentido da adoção de uma ordem. Ou, em termos simples, questionar se existe algum ganho em dispor os objetos de um quarto em conformidade com um preestabelecido ordenamento?
Vamos encontrar, para esta questão, duas respostas opostas e tantas razões para fundamentá-las; quantas você tiver ouvido para ouvi-las e paciência para suportá-las. No mundo do relativismo, do depende para quê, do em nível de... tudo é possível. Exceto, o juízo definitivo da validade de qualquer valor.
O lugar de educar os filhos foi deslocado da casa, do lar familiar, para a escola; e, lá, a tentativa de educar se faz mediante disciplinas. Disciplinar a mente mediante o estudo da matemática, da física, da química, da história, da geografia, da economia, da sociologia, da biologia, da... Um conjunto quase infinito de disciplinas que fragmentam o conhecimento estabelecido e, nesta fragmentação, espera-se que o aluno adquirira unidade e ordenamento na sua atividade mental.
Citei algumas disciplinas e falei que elas são tantas que formam um conjunto quase que infinito. E se você pensa que estou exagerando, lembre-se que cada uma das citadas se divide ainda em muitas outras partes, estudadas muitas vezes isoladamente. Matemática, por exemplo, é estuda nas disciplinas aritmética, álgebra, geometria, geometria analítica, cálculo integral e diferencial.... e, cada uma delas, ensinada por professores distintos, especialistas na matéria de cada disciplina.
Não é à toa que uma parte do conhecimento é denominada de disciplina. O objetivo principal do ensino é disciplinar o aluno que chega à escola sem ter sido educado pelos pais. Também, não é à toa que os primeiros "educadores" dos alunos não são chamados de professores, mas de tios e tias. Tios e tias de mentirinha, é claro. Em verdade, pobres professores que buscam a aprovação dos seus "sobrinhos" e "sobrinhas" para garantir os seus empregos.
Além da fragmentação do conhecimento e da falta de interação entre os que ministram disciplinas distintas, também observamos a presença, subjacente nos discursos de cada professor, do ensino de ideologias que muitas vezes visam objetivos opostos.
Na escola privada o foco da administração é o lucro, não poderia ser diferente. Na escola pública é atender os indicadores que servem de base para a avaliação do desempenho da escola, tipo a redução da evasão e a aprovação dos alunos.
Observe que os objetivos são semelhantes - das escolas privadas e públicas – e que tudo pode ser resumido na palavra produtividade.
Tanto é assim que um novo conceito já se impõe: indústria do ensino.
A escola não pode oferecer outra coisa, senão treinamento, habilitação para o exercício de uma determinada profissão. Jamais a escola, como hoje se apresenta, poderá oferecer educação e observância de valores.
Na ausência da família e da não adequação da escola ao ensino de valores, quem educa? As igrejas, os partidos políticos, as empresas de comunicação, os escritores, poetas, livres pensadores, navegadores da internet... Um aberto para a manipulação da informação e da emoção?
Voltando ao quarto do meu filho, observo que tudo está desarrumado. A cama continua do jeito que estava quando ele acordou, roupas usadas misturadas com roupas limpas, meias jogadas por todos os lados. Mais uma vez e inutilmente reclamo, escutando a mesma razão que se resume na pergunta “para que ‘arrumar’, se depois tudo voltará ao estado caótico como se encontra?”
Na minha infância esta pergunta não fazia sentido. O permanente era a ordem (o cosmo) e não o caos. O "apropriado" - entre parentes - no primeiro parágrafo se justifica porque não faz mais sentido falar em algo apropriado - justo e perfeito - em um mundo caótico. 

Prof. Dr. Hiran de Melo - Professor Associado II da Universidade Federal de Campina Grande