quarta-feira, 15 de maio de 2013



João Henriques da Silva
CHICO CROATÁ*

Moço forte, um desadorado no trabalho, mas inconstante e um vira mundo. Parecia que o sangue só lhe andava fervendo como a panela de Pedro Malazarte.
Poderiam gostar dele ou não, só vivia de leu em leu, de fazenda em fazenda, sempre alegre, mostrando a dentadura perfeita e alva.
            - Já me vou, patrão. A vida da gente é muita curta para se estar muito tempo num lugar só. Quando os pés me pedem para andar, não tenho o que fazer senão dar no pé, sem voltar onde já estive. Conhecer mais gente, mais lugares, trabalhos diferentes, até que um dia venha a me aquietar. Às vezes me chamam de doido, mas não há nada disso. Nasci assim mesmo, um andarilho. Fico agitado quando demoro demais em qualquer parte. Perco o sono, a vontade de comer, a cabeça esquenta e os pés começam a ginetear. É uma coisa muito esquisita, mas não posso me controlar.
            - Toma um remédio Croatá. Uma garrafada que acalme esses teus nervos. Desta forma nunca farás nada. Será sempre um itinerante, trabalhando apenas para comer. Quando ficares velho, estarás perdido e abandonado. Este mundo velho de hoje, Croatá, não tem pena de ninguém. Está todo mundo seguindo o exemplo dos padres. Ninguém dá nada a ninguém. Padre cobra até a missa de corpo presente, mesmo que o defunto não tenha deixado nem saudade. Se não tem dinheiro, o diabo que tome conta dele. Fica por aí, Croatá, baixa esse fogo de viver correndo terra. Faz um tratamento.
            - Tratamento de que! Sou forte como um touro marroá, não sinto dores, não tenho preguiça, não me canso. Remédio para que, então. É assim mesmo. Uns gostam  de estar parados, dormindo ou cochilando, outros são impacientes, agitados como sou. Além disto, não tenho vícios. Não fumo, não bebo, não jogo. Pra que remédio. Não parar é simplesmente uma forma de viver, que Deus me deu.
            - Mas vem cá, Croatá, nunca encontras em que te apegar uma coisa qualquer que te corte a vontade de sair, andar, mudar de ambiente?
            - Não, nunca. Para mim as pessoas são mais ou menos iguais, me tratam da mesma forma, me pagam com o mesmo dinheiro.
            - Mas nem as mulheres te prendeu, Croatá?
            - E sabe a senhora, D. Maria Arruda, nem pensei muito ainda. Também elas não se importam comigo. Parece que nem me vêem.
            - Quem deve procurar a mulher é o homem, sem bobação. Olha pra elas, chamas-lhe atenção, conversa com elas. Aposto que, quando gostares de uma, deixarás este hábito de andarilho.
            - Ora, pelo que observo, mulher dá muito trabalho, especialmente quando está para ter filhos. Além disso, dá até pena vê-las deformadas, com enjôos e assustadas. O melhor mesmo é estar longe delas, e livre de tantas obrigações que o casamento impõe.
            - Talvez em parte tenhas razão, mas Deus fez o homem para as mulheres. É uma lei natural. Nem entendo como se pode viver sem gostar de mulheres.
            - Não é não gostar. É porque considero mulher um animalzinho perigoso. Existem umas que casam com um e vão gostar de outros. E no final de contas quem passa pela vergonha e pela humilhação é o marido. Não diz que a mulher é uma quenga não, o marido é que é o corno, o safado, o desmoralizado. É uma  lei do cão. E se o marido enganado mata a mulher torna-se, na boca dos justos, um bandido.
            - Matar uma mulher, que absurdo. Na mulher “não se bate nem com uma flor”... É sempre assim. Por isto é melhor mesmo fazer como eu faço não me meter com elas.
            - Ora, seu Chico Croatá, mulheres desonestas, que traem os maridos são poucas e por exceção. Há tantas mulheres honestas. E além do mais, quase sempre os maridos são os culpados. Deixam suas mulheres em casa, no borralho e vão se ter com outras a custa de bom dinheiro ou ricos presentes. Uns chegam a sacrificar a família. E o que essas mulheres querem dos bestas é dinheiro, não tem amor a ninguém. E como as legítimas se vêem abandonadas e traídas, procuram se vingar, às vezes. A maioria fica em casa cuidando honestamente dos filhos e humilhadas. E se reclamam, apanham. Logo, a culpa quase sempre não é das mulheres. Algumas se casam com A ou B, por insistência do sujeito, sem lhe ter verdadeiro amor e, insatisfeitas, procuram outro que complete sua vida. Tudo acontece. Afinal de contas, a culpa dos desajustamentos é sempre dos homens. E somente eles, por safados que sejam não são as vítimas. E muitas quengas que convivem com eles, os descarados, ainda dizem que os homens procuram outras porque as esposas não têm atrativos, são umas desleixadas. Pois é, seu Chico Croatá, a mulher é quem corre risco e não os homens, que se consideram livres, independentes, donos das mulheres e do mundo. Duvido que uma mulher bem casada. Que tem um marido honesto e compreensivo, procure outro, a não ser que seja mesmo uma tarada.
            Chico Croatá se foi, mas, pensando naquelas coisas  a respeito das mulheres. Na verdade era esquisito que não tivesse dado atenção ao chamado belo sexo. Refletia que todo mundo andava até se matando por causa delas. Deveria ter mesmo qualquer coisa especial. E o que lhe custaria experimentar. Deveria se ajeitar, cuidar-se mais, roupas melhores, cabelo cortado, penteado, alpercatas novas e cara raspada. Talvez assim as donas ouvissem e gostassem dele. Quem podia saber se aquela sua inquietude não fosse mesmo falta de mulher. O diabo não perdia oportunidade para mexer e atormentar as pessoas. Ele sabia que não era doido, mas andava perto, segundo diziam.
            Croatá passou a olhar para as mulheres como se nunca as houvesse visto. Achava-as  atraentes, mas nenhuma parecia querer nada com ele. No entanto insistiu, perseverou, até que um belo dia uma delas tirou fino com ele. Chegou-se e foi se chegando, conversinha vai, conversinha vem, e travou-se no namoro. Do namoro ao noivado foi um pulo e do noivado ao casamento, um pulo ainda mais rápido. Oito dias depois, Croatá já era outra pessoa, mas revoltado com sua vida anterior. Não podia atinar como havia sido tão idiota. Bem que o chamavam de doido. Mas concluíra que não havia sido apenas doido, tinha sido o pai de todos os burros. Viver sem mulher até aquela idade era coisa para não se contar a ninguém. Mulher era a coisa melhor que Nosso Senhor Jesus Cristo havia fabricado.
            E chegava a discutir com os amigos, afirmando que a mulher dele, a Corina, era muito melhor do que a mulher de qualquer cristão batizado ou não.
            - Que nada, é só impressão tua.
            - Duvido! Pode ser igual.
- Mesmo assim, tenho certeza que não é. Vou te levar acolá a um cantinho para conheceres outras mulheres. E então verás que toda mulher tem um saber diferente.
            - Não, Deus me livre. Igual à minha não existe outra.
            - Tolice tua. Não acredito que a tua seja esse disparate todo.
            - Não acreditas, não é? Pois bem, só se sabe provando. Aparece lá em casa experimenta. Mas vai lá quando eu não estiver em casa. Deixarei tudo acertado. Depois me dirás se tenho ou não razão.
            Separaram-se. E Salustiano, chegou à conclusão de que Croatá era muito mais doido do que diziam. Doido varrido.
            E como não desejava decepcionar o amigo, não faltou no dia seguinte. Precisava ser correto com o amigo tão caridoso. Além disso, não devia brincar com doido.
            - Então! Que tal, é ou não é o que lhe disse.
            - Olha amigo Croatá, mulher igual à tua não existe mesmo.
            - A minha é um sabão da terra. A tua não tem comparação. Meus parabéns. É um homem de muita sorte. Um felizardo.
            - Pois é, volta lá quando quiseres. Amigo merece tudo. Agora tem uma coisa. Quero conhecer a tua mulher, pois não acredito que seja tão aguada como me dizes. Acerta com ela direitinho para amanhã.
            - Vê bem, Croatá, já te disse que minha mulher não tem gosto de nada e quem tem uma igual à tua, não cai na bobagem de experimentar outra.
            - Irei assim mesmo. Quero só tirar uma dúvida. Sabes como é. Doido tem cada idéia. Amanhã, amanhã mesmo. Amigo é para servir os amigos...
           
 Em 17.7.1986.

*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

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