DICOTILEDÔNEA
Esse
nome me fascinava. Era como um pedaço de mim que desconhecia. Vivi, até pouco
tempo, desencantado da vida porque não soubera desmistificar seu segredo. Por
falta de tempo ou por vagabundagem mental. Desprezei-a, mas quando alguém
pronunciava seu nome ou então lia por aí, me dava uma ciumeira da gota serena.
Esse nome era meu. Havia descoberto sozinho aos poucos anos de vida quando
aprendi a ler e a mexer nos alfarrábios do meu pai. Eram centenas de livros,
revistas folhetos e muito mais coisas distribuídas em várias estantes, todas
fechadas e com portas de vidros, como para mostrar a riqueza escondida. Os
bichos eram em inglês, espanhol, francês, tupi guarani e no bom e velho
português. Tinha sobre todos os assuntos, no começo procurava principalmente
aqueles que tinham figuras coloridas. Folheava, no começo as escondidas, meu
pai gostava mais dos livros do que da pirralhada, acho! O tempo foi passando e
eu perpendicularmente acompanhando por muito tempo esses queridos livros dele. Viajaram como turistas junto a gente, de rua
em rua de cidade em cidade e de estado em estado, como se fosse gente mesmo.
Era um amor sem fim que meu pai dedicava a aquelas milhares de letras pintadas
no papel branco, as vezes já meio amarelado pelo tempo, traduzindo a fantástica
“Ideia” posta no papel e aí me lembro do Augusto, que o conheci dentro daquelas
estantes:
De onde ela vem? De que
matéria bruta
Vem essa luz que sobre as nebulosas
Cai de incógnitas criptas misteriosas
Como as estalactites duma gruta?!
Vem da psicogenética e
alta luta
Do feixe de moléculas nervosas,
Que, em desintegrações maravilhosas,
Delibera, e depois, quer e executa!
Vem do encéfalo absconso
que a constringe,
Chega em seguida às cordas da laringe,
Tísica, tênue, mínima, raquítica…
Quebra a força centrípeta
que a amarra,
Mas, de repente, e quase morta, esbarra
No mulambo da língua paralítica!
Era
por isso que meu pai tinha tanto cuidado e amor pelas ideias dos outros que estavam
escritas; seguimos seus rastros, juntando qualquer pedaço de papel rabiscado
até agora. Aí vem um dos maiores poetas
de pareia com Augusto, o fabuloso Castro, dizendo:
Oh! Bendito o que semeia
Livros... livros à mão cheia...
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n'alma
É germe – que faz a palma,
É chuva – que faz o mar!
E
eu na minha insignificância ainda pensando o que poderia ser dicotiledônea.
Entre milhares de milhares de palavra, apenas essa ficou gravada na minha
obtusa memória. O tempo passa sorrateiramente pela gente e o “mundo não poupa,
o tempo cobra caro não perdoa juros nem dá prazo a gente” como dizia o poeta. Segui
em frente, as vezes de banda, pegando atalhos para poupar tempo, fui indo e
sempre pensando nos caminhos que trilhei. Coisa que a gente não pode esquecer
durante nossa caminhada.
Depois
de cansado e atrevido me meti a besta e fui estudar o ramo da ciência que meu
pai dedicou por oitenta e mais anos. Chamado de: O conjunto das ciências e dos
princípios que regem a prática da agricultura; no mesmo estado onde ele lutou
para aprender seus vastos conhecimentos do curso na Escola Superior de
Agronomia e Medicina Veterinária de Belo Horizonte. Cheguei perto, fiquei por Caratinga,
onde ainda estou pelejando, e, por atrevimento, achando pouco, fui complementar
para entender o que meu pai nos ensinava, o curso de Zootecnia na Universidade Federal
da Paraíba Campus de Areia. Isso tudo à procura do meu dourando sonho: o que
Bixiga da gota serena é Dicotiledônea?
E
o pior era que sempre fui um transeunte durante meus oitenta anos, entre suas
belíssimas, raízes, caules, flores, frutos, sementes e folhas. Mas mesmo assim,
ainda não sabia distinguir o que era a danada da dicotiledônea.
Aí
veio a ciência para dirimir de vez por todas minhas dúvidas e de qualquer
quadrupede que deseje conviver sabiamente com a mãe natureza.
Dicotiledôneas
são plantas com flores (angiospermas) que possuem duas folhas
embrionárias, chamadas cotilédones, nas sementes. Dois cotilédones
presentes na semente, que fornecem nutrientes para o desenvolvimento inicial do
embrião. As nervuras das folhas são reticuladas, ou seja, formam uma rede
que se ramifica. Sus raízes pivotantes, que crescem profundamente no
solo. Os feixes vasculares no caule são arranjados em um padrão
circular. As peças florais (pétalas, sépalas, etc.) são geralmente em
números de 5 ou múltiplos de cinco.
Agora sei de cor e salteado...
Morria
e não sabia que essa danada andava, entrava de boca a dentro e me seguia, ora
dando sombra ora me alimentando; semeei, plantei, colhei, roubei seus descendentes
pelo mundo afora.
Vejam
as riquezas que são as dicos (apelido que botei para facilitar), até a
mitologia já falavam delas: plantas e flores frequentemente desempenham papéis
simbólicos importantes, muitas vezes representando a vida, a morte, o amor, a
transformação e a conexão com o divino. A hortelã, o Jacinto, o Narciso, a Romã,
o Lotus, a Rosa e por aí vai.
Aqui
em baixo, na plebe, a gente acha coincidentemente juntos e misturados: as
roseiras, a soja, feijão, ervilha, tomate, girassol, abacate, mamão, café,
algodão, margarida, eucalipto, pau d’arco, macambira, xique-xique, mandacaru,
pau brasil, acerola, vitória régia, amendoim, laranja, batata, alface, manga e
muito mais.
Acho
que agora vou me acostumar...
Campina
Grande 19 de maio de 2022
Grijalva
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