BRASILEIRINHO*
João
Henriques da Silva
(In Memoriam
20/09/1901 – 16/04/2003)
A
madrasta de Brasileirinho parecia uma santa mãe até o primeiro ano de casada, até
nascer o primeiro filho; dai em diante tratava o pobre menino como se não
soubesse que ele existia. Era como se fosse uma pedra no sapato ou uma dor de
dente aguda e permanente.
Brasileiro
vivia assustado e nem o pai acreditava nas histórias de maus tratos que ele
contava. As orelhas ardiam-lhe e a cabeça e o corpo doíam-lhe dos piparotes e
beliscões que frequentemente levava. Mas isso era o menos. O que mais lhe doía
era a desigualdade de tratamento. Um biscoito, uma fruta, um bombom, uma
guloseima qualquer, tudo era para o filho da madrasta e Brasileirinho ficava
apenas com os olhos compridos de desejo. Até suas roupas eram descuidadas e
mais ainda tinha que dormir cedo e sozinho para não ficar a incomodá-la.
O
tempo se passava e o pai não via nada. Quatro anos de sofrimento e abandono já
era muita coisa para uma criaturinha sem mãe e sem outros irmãos. Morria de
saudade da manzinha que o adorava.
Já
imaginava coisas, um meio de livrar-se das crueldades da segunda mãe, por quem
o pai nutria uma paixão doentia.
Mulher
nova, bonitona, egoísta, ambiciosa e voluptuosa; fazia tudo para agradar e
prender o marido. Tinha os olhos em cima dos bens e do dinheiro do marido que
ela esperava morresse primeiro do que ela. Mais velho puxado no trabalho e pela
vontade insaciável da mulher, era mesmo provável que fosse antes. Quando mais
cansado, mais ela lhe caia em cima. Voluptuosa e matreira. Na verdade não havia
se casado por amor e sim por interesse. Mas tanto amor aparente, tornava o marido
um apaixonado, pelos olhos e o corpo daquela mulher satânica.
-
Pai, não agüento mais, pai. Fala com a mãe. Ela não gosta de mim. Só que saber
do Alírio. Já ando fofo de muxicões. E não me dá as comidas. Mãe não era assim.
Não faço nada demais.
-
Celeste, o Brasileiro está se queixando de que não o tratas bem.
-
Invenção, meu queridinho. Não sabes, nem advinha quem é este menino. Passa o
dia a mexer com o Alírio e não me obedece em nada. Respondão e preguiçoso. Quando
estás em casa, ele muda. Parece um santinho. Procuro ajeitá-lo, tornando um
menino dócil e bom, mas é tudo inútil.
-
Estás vendo aí porque é, seu peralta. Cuida em respeitar Celeste. Ela trata com
todo carinho e ao teu irmão, logo o culpado és tu mesmo. Não me venhas mais com
essas conversas fiadas, senão dou-te um ensino bem dado para acabares com
fofoca. Respeita Celeste e cuida em obedecê-la. Onde poderias encontrar uma
criatura mais amável e mais zelosa? Reparas quando chego a casa como é. Vai logo
a meu encontro e só falta me carregar nos braços. Olha a casa, toda arranjada
de fazer gosto. Então não seria possível que fosse diferente contigo. És tu
mesmo culpado e não quero menino desobediente e mau.
Brasileirinho
quase se mordia, mas não atinava porque o pai o abandonava também. Não tinha
idade para perceber a artimanha da madrasta. Sabia que era só e só maldade para
com ele porque não era seu filho legítimo. Mas um dia havia de crescer e se
libertar de casa.
Já
com nove anos. Foi se deitar e não conseguiu dormir. A madrasta mandava no pai.
Não tinha jeito. Observava que ela tratava o pai cada vez mais carinhosamente.
Ao irmãozinho também. Só era má com ele. Tinha que se livrar dela. E no dia
seguinte, quando o pai saíra para o trabalho da loja, ela o chamou.
-
Ouvistes bem o que teu pai disse? Não te metas a ir contar mais as tuas
mentiras, senão tiro-te lapas no couro. Safadinho...
Brasileirinho
decidiu-se. Pegou as escondidas alguma roupinha fez uma trouxa, aproveitou-se
de uma oportunidade e mandou-se no oco do mundo. Ninguém, ali gostava dele e,
portanto, o melhor era isso mesmo. A madrasta nem o procurava. Quando menos o
visse melhor. Quando o pai chegou e já na mesa, o almoço sentiu a falta de Brasileirinho.
-
Onde anda Brasileirinho?
-
Por aí. Não sabe ele como é!
-
Não sabe mais a hora das refeições. Quando aparecer torço-lhe as orelhas.
Mas
Brasileirinho não apareceu. Seu Adelino ficou preocupado. Mandou procurá-lo e
nem sinal de Brasileirinho. Ninguém o vira, nem sabia do seu destino.
-
Deve ter fugido. Vou olhar as coisas dele. Deve ter fugido mesmo Adelino, levou
as melhores roupas.
-
Vamos procurá-lo. Menino treloso. Se tivesse dado-lhe uma boa surrota, não
teria feito isso. Batestes nele Celeste?
-
Nem por sombra. Estava por aí e depois não o vi mais. Pensei que estava aí
pelas casas, como fazia sempre.
Adelino
saiu e mandou gente por todos os lados. A mulher mostrava-se apreensiva e
penalizada. Simulou algumas lágrimas. O que será daquele bobinho por aí a fora
sem dinheiro, sem ninguém que lhe dê os carinhos que lhe dávamos.
Adelino
ficou meio desconfiado de que a mulher houvesse batido em Brasileirinho. Mas
havia percebido que ela estava chorando. O certo é que ninguém deu notícias de
Brasileirinho. De qualquer forma, o pai escrevia para os delegados, promotores
e juízes, solicitando ajuda para localizar o menino. Mas o mundo trancou-se,
Brasileirinho estava onde ninguém o poderia encontrar.
Mais
distante do que poderiam pensar. Andara enquanto pudera e trocara de nome. Agora
era Jacinto. Estava em Campina Grande, trabalhando em casa de família, cuidando
da casa e do jardim. O que lhe interessava de imediato era casa para dormir,
comida certa e umas roupinhas para andar limpo. Todos na casa gostavam dele.
Para não ser descoberto sempre dizia que não tinha mãe, nem pai, nem ninguém.
Freqüentava uma escolainha à noite e juntava qualquer dinheirinho que lhe davam
e que sobrava de suas pequenas coisas. A dona da casa era quem guardava.
Pensava
em casa, no pai e no irmãozinho e conservava ódio da madrasta, que afinal de
contas já estava livre dela. Dois anos mais tarde veio-lhe o desejo de visitar
o pai. Afinal de contas diretamente ele não tinha culpa de suas desditas. E
quem poderia saber se as coisas já não teriam mudado? No seu entendimento de
rapazinho sofrido na vida, era possível até que o pai já houvesse compreendido
e maldade da mulher que possuía. Aqueles carinhos, aqueles aparatos poderiam
muito bem ser puro fingimento. Era bom ver de perto. E talvez até o pai
estivesse necessitando de sua presença.
Sua
fuga poderia ter despertado desentendimentos. Se ele havia se destinado deixar
a casa, necessariamente teria que haver uma causa justa.
A
paixão que o dominava nos primeiros tempos de casado poderia ter arrefecido e
Adelino talvez tivesse se arrependido de não ter dado credito.
Brasileirinho
arranjou uma licença e botou-se para o Sertão do Piancó. Seria uma surpresa e
já não temia mais a madrasta.
Não
era mais aquele menino tímido. Se o pai não o aceitasse voltaria depois de rever
os antigos companheiros. Tinha dinheiro bastante para pagar alguns dias de
pensão. Fazia mesmo questão de mostrar-se na cidade, contar coisas de sua vida
e matar as saudades.
A
tarde já se ia quando bateu a porta da casa, com certo nervosismo. Preferia não
ver a cara da madrasta, mas enfrentaria sem susto. Já levava na ponta da língua
o que desejava dizer-lhe caso não o recebesse bem.
-
Quem é?
-
Sou eu o Brasileirinho!
A
madrasta apareceu com um arzinho de riso no canto da boca atrevida.
-
És tu? Resolvestes voltar, hem seu trabalhão. Teu pai te espera para um ajuste
de contas. É melhor não esperá-lo.
-
Espero sim. Quero vê-lo e vim aqui só por isso. Não vim para ficar. Deus que me
livre de ter que ver a sua cara todos os dias. Não sou mais aquele desvalido de
outros tempos. Mas afinal, onde anda meu pai?
-
É bem melhor não teres pressa. Somente para não dares o desgosto de ele te ver.
O filho que ele tem é Alírio, que está na loja com ele.
-
Então vou até lá. Vou encontrá-lo.
-
Olha. Aqui quem manda sou eu.
-
De o fora, deixa-nos em paz.
E
retirou-se bruscamente. Era mesmo o que me faltava. Chegar esse desmancha
prazeres para criar novos problemas. Adelino vai ficar ao lado desse
idiotazinho e é capaz de exigir que ele fique. Depois da fuga, perdi o terreno
que havia conquistado. Não tem mais carinho que o domine. Passei a ser uma
mulher como outra qualquer. Adelino chega a casa quando muito bem entende,
virou durão, só me procura quando muito bem entende, sai às vezes sem ao menos
olhar para mim e tudo por causa desse bichote. Mas não tem nada. Quando Adelino
chegar faço-lhe uma boa cama. Conto que me tratou mal, só não me chamou de
santa. Irá encontrar-me amuada e chorando, vou esfregar os olhos para que os
encontre vermelhos. Dá-se um jeito. Adelino irá se condoer de mim, nem vou
aparecer-lhe. Certamente haverá de perguntar-lhe - O que foi que fizeste com a
Celeste? Porque voltastes? Só para trazer novos desgostos. Deixastes de ser meu
filho. Um filho que abandona o pai só merece desprezo. Some-te da minha vista.
Celeste
esperava confiante no seu veneno acumulado. Seria tiro e queda. E esperou
preparada para o drama.
Adelino
entrou com o filho e sem a companhia do Brasileirinho. O Alírio a procurou e
foi encontrá-la chorando.
-
Onde está tua mãe? Nem a mesa está pronta. Parece que se esqueceu da gente.
-
Está lá no quarto, deitada e chorando.
Agora
mais esta. Sem dúvida, alguma doença ou algum grande desgosto. E foi lá vê-la.
-
O que há Celeste?
-
O teu filho! Não encontrastes com ele?
-
Quem, o Brasileirinho?
-
Exatamente. Só faltou me bater. Procurei recebê-lo bem, com todo carinho, mais
vinha envenenado. Está um bichão e depois de tudo quando me disse, saiu a tua
procura. Quando pensei que iria ter nosso filho em casa para nossa
tranqüilidade, veio agredindo-me.
-
Vou procurá-lo. Acabe com esse chororô. Que coisa. Aquele menino continua dando
trabalho.
Andou
pela rua, voltou a casa e depois do jantar saiu novamente à sua procura. Então
lhe informaram onde estava. Na pensãozinha de dona Fifiu. Botou-se pra lá. E
foi aquela alegria do reencontro.
-
O que estás fazendo aqui Brasileirinho?
-
Ora pai, fui para casa, pois voltei só para vê-lo, mas dona Celeste disse que o
senhor esta a minha procura para um ajuste de contas. Tratou-me mal, quase me
bateu, ameaçou-me e aconselhou-me a desaparecer antes que o senhor me visse.
Fiquei assustado, não queria dar-lhe mais desgosto e vim para aqui enquanto
aparecia transporte para ir-me, naturalmente com muita pena e desapontado.
-
E maltratastes a tua madrasta?
-
Deus me livre. Disse-lhe somente que não era mais o menino daqueles tempos que
vivia no inferno nas unhas dela, a ponto de ter que fugir. – Vai-te embora
antes que teu pai de pegue. – Foi isto o que houve. E vim me esconder para não
lhe dar mais desgosto e nem ser humilhado. Falava-me com tanta clareza que só
podia acreditar.
É
Brasileirinho. No comecinho de tua fuga, tinha vontade de te pegar. Depois
compreendia friamente o que acontecera. A Celeste não gostava mesmo de ti. Só
do Alírio. Mas tudo já passou de minha parte.
-
Vamos pra casa. Pega tua maleta.
-
Não pai. Não dará certo. A dona Celeste não quer me ver. Prefiro também não
vê-la mais. Não quero contrariar a ela nem ao senhor.
-
Mas quero que fiques. Preciso de ti lá na loja.
-
Não meu pai. Para morar em casa não dá. Seria atormentá-los. Assim, volto para
onde estou. Morar aqui na pensão, tendo família, ficaria muito feio. Ninguém
deixaria de censurar. Virei vê-lo uma vez por outra.
Adelino
foi para casa mastigando o problema. O que poderia ter a mulher contra o Brasileirinho?
Criar ódio a uma criança e que era seu filho. Não justificava. Afinal, nada
faltava ao Alírio. Dava-lhe o conforto que podia e ao mesmo deveria ser feito
com o Brasileirinho. Havia de tomar uma atitude, uma decisão definitiva. Por os
pontos nos lugares certos.
A
mulher teria que explicar-lhe claramente as razões daquela ojeriza com o seu
filho. Casara-se a segunda vez, com a intenção de ter uma boa companheira e uma
segunda mãe para o Brasileirinho e dera tudo naquilo. Como poderia acreditar no
amor e na sinceridade de uma mulher que desprezava o seu filho órfão. Deveria
estar tudo errado e ele andaria na certa comendo mosca. Haveria alguma coisa
oculta que ele não entendera até então. Não poderia acreditar em tanta
sensibilidade numa mulher, tão egoísta. Como poderia lhe ter amor ao lhe
desprezar o filho, o seu primeiro filho. Aquilo tinha água no bico. Com certeza
andava cego até então.
Entrou
em casa com gosto de gás. Não podia perder um filho sem uma explicação que o
convencesse. A mulher, ao avistá-lo, caiu-lhe nos braços em grosso pranto.
-
Sou uma mulher infeliz. Não fiz nada para ser tão insultada pelo nosso filho.
Estava ansiosa que ele voltasse a nossa casa, mas o menino me odeia. Quando me
viu tremeu as bochecha. Via-lhe o ódio nas palavras e em tudo.
-
Mas não se cria ódio sem algum motivo especial. Sobretudo uma criança. Para que
ela chegasse a ti odiar, certamente o desprezastes e não lhe deste carinho.
Parece evidente. Como explicar isto?
-
Não conheces o teu filho. Rusguento e ambicioso é o que ele é.
-
Pois olha Celeste, sou franco contigo. Brasileirinho sempre foi um menino bom e
obediente. Não acredito mais no que dizes. E vou te dizer uma coisa. Ele irá
morar com a gente, e tratarás como um filho. Procura mudar e mudar totalmente.
Não entendo como podes odiar uma criança a tal ponto a obrigá-lo a abandonar a
casa e sair pelo o mundo afora, como um desvalido. E como poderias fazer-me
tantos carinhos, odiando o meu filho.
-
Prefiro ir-me embora. Não posso ver o teu mimoso Brasileirinho.
-
Pensastes bem no que estás dizendo, com esta tua resolução maluca, ou tens sido
até hoje uma fingida? Faças o que entenderes, mas nesta casa quem ditará as
coisas serei eu. Sempre te ouvi e perdi o meu filho. Preparar-te para aceitá-lo
como meu filho. Era só mesmo o que me faltava. Sempre fui tolerante demais,
pelo que vejo, afinal, qual era o teu intento quando casastes comigo e me
acariciavas como um eterno namorado. Haveria algo por trás disso? Vou agora
mesmo buscar o meu filho. Não posso admitir nessa separação de um adolescente
só e só por capricho teu. E mais uma coisa. Haverá tratamento igual para os
dois.
-
Mas Adelino...
-
Nada de Adelino. Faças o que entenderes, já ti disse, mais exijo tranqüilidade
nesta casa.
Brasileirinho
não te incomodará e vai ser bom e obediente. Não desejo que te vás, mas a vontade
é tua e será respeitada. Parece-me tão fácil ser cordato e amigo, que nem compreendo
os teus caprichos. Lembra-te que me mentistes demais sobre o Brasileirinho.
Cometi um tremendo erro porque considerava inacreditável que fosse simplesmente
uma trama tua. Deixei-me levar pela paixão, pelas tuas simulações, mas agora
entendo tudo. Mas, olha, não exijo que faças qualquer sacrifício. Também sei
que não te custará nada conviver honestamente comigo e o Brasileirinho.
Brasileirinho é o meu filho e casei-me contigo tanto por amor como para
dar-lhes o carinho que ele necessitava. Mas se o teu mundo interior é outro,
decide-te.
-
É. Vais buscar o Brasileirinho!
-
Não, vamos buscar os dois, isto sim.
-
Tens razão. Fui uma tonta e egoísta. Não queria dividir o amor materno com mais
alguém. Para mim só existia o Alírio. É por isso que se fala tão mal das madrastas.
Ciúme. E se o Brasileirinho não me perdoar Como irá ser?
-
Bem, aí será com ele.
-
Brasileirinho, estamos aqui para voltares para nossa companhia, Celeste
reconheceu que foi injusta contigo e vem se penitenciar. Quer que esqueças
tudo. Não fez por maldade, mas unicamente por ciúmes do filho legítimo.
-
É Brasileirinho, foi tudo fraqueza minha. Será que podes perdoar-me Ninguém me
advertia do mal que eu causava injustamente. Esse tem sido o caminho de muitas
madrastas. Não fui eu a primeira a despertar e não serei a última a cometer
esse desatino.
-
Está certo! Quero apenas lembra-lhe que não há nada que doa mais numa criança
do que o abandono e as injustiças. Meu pai também não acreditava em mim e fui
obrigado a fugir. Sofri até hoje a separação. Minha sorte foi ter encontrado outra
mãe e um novo pai. Há, porém, uma condição. Ficarei se eles concordarem. Eles
que me deram abrigo, escola e carinho, lá nunca me faltou nada. O meu trabalho
não pagava o que faziam por mim. É verdade que não lhes dei muitas
preocupações, mas também é verdade que não tinham obrigações comigo. Nunca lhes
contei porque havia fugido. Havia saído para conhecer o mundo e mentia para não
revelar a minha desdita. Achava que era feio acusar pai e mãe. Voltarei à casa
dos meus protetores. Explicarei tudo, farei o meu agradecimento, ouvirei o que
dizem e então, estarei de volta.
E
foi isso o que aconteceu.
-
É, já que encontrastes os teus pais e desejas retornar, não podemos privar-te
disso. Mas será que têm condições para te dar um bom padrão de vida? Não
queremos que sofras quaisquer provações.
-
Não senhor. Papai não é rico, mas é quase. Possui cada comercial e fazenda.
Vive muito bem.
-
E já era assim quando saístes de casa?
-
Já. É que meu pai casou-se novamente. Deu-me um irmão da segunda mulher. E
minha madrasta não me via como filho. Para ela só existia o Alírio. Moça nova e
que ainda hoje é bonitona, cegou meu pai, um apaixonado pela dona Celeste.
Depois passaram a sentir minha falta e sofrer por não terem notícias minhas. Eu
poderia estar passando fome, dormindo pelas portas, maltrapilho, sujo e pedindo
para comer. Sofreram demais. Querem que retorne a casa, mas dei uma condição:
só se concordares e permitirem que eu volte.
-
Olha. Sentimos enormemente a tua falta e teremos muitas saudades. Voltaras
sempre a nos visitar e iremos te levar em casa.
-
Mas é longe.
-
Que nada. Temos um velho desejo de conhecer o sertão e esta é uma boa
oportunidade. Freta-se um automóvel e chega-se lá rapidinho. Ouvimos tanto
falar nas belezas do Vale do Piancó que não podemos deixar de conhecê-lo.
E
uma semana depois, um Jipe parava à porta da casa de Brasileirinho. Juntou gente
para ver, pois automóvel era ainda uma raridade. Só as pessoas ricas possuíam.
E foi aí que descobriram que era o Brasileirinho voltando de automóvel.
Luxando. E foi uma festa a chegada dos padrinhos de Brasileirinho. Adelino e a
mulher nem sabiam onde botá-los.
-
Que surpresa agradável, meu Deus. Meu filho só falava nos dois e chegou a nos
afirmar que só voltaria se tivesse consentimento para isso.
-
Um rapazinho ótimo. E para nós que não temos filho, foi uma maravilha. Agora
estamos sozinhos novamente. Vamos viver com as saudades. Seria ótimo se nos
encontrássemos outro menino para nos fazer companhia.
-
Ora, talvez não seja muito difícil. A dona Sinhazinha, com cinco filhos e pobre
com é, quem sabe se não dará um deles. Os bichinhos andam tão magrinhos e tristes.
-
Muito bem, veremos depois.
E
logo no dia seguinte procuraram dona Sinhazinha.
-
Ah! Meu senhor e minha dona seria uma caridade. Já não suporto mais vê-lo como
vivem.
-
Mais será que alguém quer ir com a gente?
Dava
vontade de chorar com o estado lastimável das crianças.
-
Quem de vocês quer ir morar com este casal? Lá não faltará nada. Boa comida
caminha para dormir e bons tratos.
E
dois quiseram ir. Um casal.
-
Amabílio, e se levássemos os dois. Um casalzinho.
-
Ótimo Cecília. Os dois. Um fará companhia ao outro.
E
no dia seguinte entraram no Jipe e a tarde estava em Campina Grande.
Daí
por diante a vida mudou muito para os dois. Duas ótimas crianças. Ajudaram em
tudo. Garotos sem vícios, com pouco tempo mudaram de aparência. Aprenderam a
sorrir como sorriem as pessoas felizes. E o casal não esqueciam as que ficaram
em companhia da mãe pobre. Todos os meses mandavam por intermédio da família de
Brasileirinho, donativos em dinheiro. Eram os maninhos que mandavam. E tempos
depois seguiram também retratos para que vissem como os maninhos estavam
vivendo, se já havia alguma diferença. Era uma forma de matar saudades. Mas não
ficou apenas nisso. Arranjaram famílias que adotassem outros dois. Em casa
ficaria o maiozinho que já ajudava a mãe. E foi buscá-los.
A
mãe ficou feliz da vida em rever os filhos e ter mais quem cuidasse dos outros
dois.
-
E porque a senhora não vai também? Arranjar-se-á trabalho, lavagem de roupas,
serviços domésticos. Ficará pertinho dos filhos.
E
dona Sinhazinha lá se foi também. A felicidade havia entrado de casa adentro. Devia
tudo isso a família de Brasileirinho e ao próprio Brasileirinho. Antes de sair,
dona Sinhazinha foi lá agradecer-lhes.
-
É assim, dona Sinhazinha, quando Deus tarda já vem no caminho.
*O
conto pertence ao livro “Vias Nordestinas”, no prelo.
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