quarta-feira, 4 de novembro de 2015

BRASILEIRINHO



BRASILEIRINHO*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

A madrasta de Brasileirinho parecia uma santa mãe até o primeiro ano de casada, até nascer o primeiro filho; dai em diante tratava o pobre menino como se não soubesse que ele existia. Era como se fosse uma pedra no sapato ou uma dor de dente aguda e permanente.
Brasileiro vivia assustado e nem o pai acreditava nas histórias de maus tratos que ele contava. As orelhas ardiam-lhe e a cabeça e o corpo doíam-lhe dos piparotes e beliscões que frequentemente levava. Mas isso era o menos. O que mais lhe doía era a desigualdade de tratamento. Um biscoito, uma fruta, um bombom, uma guloseima qualquer, tudo era para o filho da madrasta e Brasileirinho ficava apenas com os olhos compridos de desejo. Até suas roupas eram descuidadas e mais ainda tinha que dormir cedo e sozinho para não ficar a incomodá-la.
O tempo se passava e o pai não via nada. Quatro anos de sofrimento e abandono já era muita coisa para uma criaturinha sem mãe e sem outros irmãos. Morria de saudade da manzinha que o adorava.
Já imaginava coisas, um meio de livrar-se das crueldades da segunda mãe, por quem o pai nutria uma paixão doentia.
Mulher nova, bonitona, egoísta, ambiciosa e voluptuosa; fazia tudo para agradar e prender o marido. Tinha os olhos em cima dos bens e do dinheiro do marido que ela esperava morresse primeiro do que ela. Mais velho puxado no trabalho e pela vontade insaciável da mulher, era mesmo provável que fosse antes. Quando mais cansado, mais ela lhe caia em cima. Voluptuosa e matreira. Na verdade não havia se casado por amor e sim por interesse. Mas tanto amor aparente, tornava o marido um apaixonado, pelos olhos e o corpo daquela mulher satânica.
- Pai, não agüento mais, pai. Fala com a mãe. Ela não gosta de mim. Só que saber do Alírio. Já ando fofo de muxicões. E não me dá as comidas. Mãe não era assim. Não faço nada demais.
- Celeste, o Brasileiro está se queixando de que não o tratas bem.
- Invenção, meu queridinho. Não sabes, nem advinha quem é este menino. Passa o dia a mexer com o Alírio e não me obedece em nada. Respondão e preguiçoso. Quando estás em casa, ele muda. Parece um santinho. Procuro ajeitá-lo, tornando um menino dócil e bom, mas é tudo inútil.
- Estás vendo aí porque é, seu peralta. Cuida em respeitar Celeste. Ela trata com todo carinho e ao teu irmão, logo o culpado és tu mesmo. Não me venhas mais com essas conversas fiadas, senão dou-te um ensino bem dado para acabares com fofoca. Respeita Celeste e cuida em obedecê-la. Onde poderias encontrar uma criatura mais amável e mais zelosa? Reparas quando chego a casa como é. Vai logo a meu encontro e só falta me carregar nos braços. Olha a casa, toda arranjada de fazer gosto. Então não seria possível que fosse diferente contigo. És tu mesmo culpado e não quero menino desobediente e mau.
Brasileirinho quase se mordia, mas não atinava porque o pai o abandonava também. Não tinha idade para perceber a artimanha da madrasta. Sabia que era só e só maldade para com ele porque não era seu filho legítimo. Mas um dia havia de crescer e se libertar de casa.
Já com nove anos. Foi se deitar e não conseguiu dormir. A madrasta mandava no pai. Não tinha jeito. Observava que ela tratava o pai cada vez mais carinhosamente. Ao irmãozinho também. Só era má com ele. Tinha que se livrar dela. E no dia seguinte, quando o pai saíra para o trabalho da loja, ela o chamou.
- Ouvistes bem o que teu pai disse? Não te metas a ir contar mais as tuas mentiras, senão tiro-te lapas no couro. Safadinho...
Brasileirinho decidiu-se. Pegou as escondidas alguma roupinha fez uma trouxa, aproveitou-se de uma oportunidade e mandou-se no oco do mundo. Ninguém, ali gostava dele e, portanto, o melhor era isso mesmo. A madrasta nem o procurava. Quando menos o visse melhor. Quando o pai chegou e já na mesa, o almoço sentiu a falta de Brasileirinho.
- Onde anda Brasileirinho?
- Por aí. Não sabe ele como é!
- Não sabe mais a hora das refeições. Quando aparecer torço-lhe as orelhas.
Mas Brasileirinho não apareceu. Seu Adelino ficou preocupado. Mandou procurá-lo e nem sinal de Brasileirinho. Ninguém o vira, nem sabia do seu destino.
- Deve ter fugido. Vou olhar as coisas dele. Deve ter fugido mesmo Adelino, levou as melhores roupas.
- Vamos procurá-lo. Menino treloso. Se tivesse dado-lhe uma boa surrota, não teria feito isso. Batestes nele Celeste?
- Nem por sombra. Estava por aí e depois não o vi mais. Pensei que estava aí pelas casas, como fazia sempre.
Adelino saiu e mandou gente por todos os lados. A mulher mostrava-se apreensiva e penalizada. Simulou algumas lágrimas. O que será daquele bobinho por aí a fora sem dinheiro, sem ninguém que lhe dê os carinhos que lhe dávamos.
Adelino ficou meio desconfiado de que a mulher houvesse batido em Brasileirinho. Mas havia percebido que ela estava chorando. O certo é que ninguém deu notícias de Brasileirinho. De qualquer forma, o pai escrevia para os delegados, promotores e juízes, solicitando ajuda para localizar o menino. Mas o mundo trancou-se, Brasileirinho estava onde ninguém o poderia encontrar.
Mais distante do que poderiam pensar. Andara enquanto pudera e trocara de nome. Agora era Jacinto. Estava em Campina Grande, trabalhando em casa de família, cuidando da casa e do jardim. O que lhe interessava de imediato era casa para dormir, comida certa e umas roupinhas para andar limpo. Todos na casa gostavam dele. Para não ser descoberto sempre dizia que não tinha mãe, nem pai, nem ninguém. Freqüentava uma escolainha à noite e juntava qualquer dinheirinho que lhe davam e que sobrava de suas pequenas coisas. A dona da casa era quem guardava.
Pensava em casa, no pai e no irmãozinho e conservava ódio da madrasta, que afinal de contas já estava livre dela. Dois anos mais tarde veio-lhe o desejo de visitar o pai. Afinal de contas diretamente ele não tinha culpa de suas desditas. E quem poderia saber se as coisas já não teriam mudado? No seu entendimento de rapazinho sofrido na vida, era possível até que o pai já houvesse compreendido e maldade da mulher que possuía. Aqueles carinhos, aqueles aparatos poderiam muito bem ser puro fingimento. Era bom ver de perto. E talvez até o pai estivesse necessitando de sua presença.
Sua fuga poderia ter despertado desentendimentos. Se ele havia se destinado deixar a casa, necessariamente teria que haver uma causa justa.
A paixão que o dominava nos primeiros tempos de casado poderia ter arrefecido e Adelino talvez tivesse se arrependido de não ter dado credito.
Brasileirinho arranjou uma licença e botou-se para o Sertão do Piancó. Seria uma surpresa e já não temia mais a madrasta.
Não era mais aquele menino tímido. Se o pai não o aceitasse voltaria depois de rever os antigos companheiros. Tinha dinheiro bastante para pagar alguns dias de pensão. Fazia mesmo questão de mostrar-se na cidade, contar coisas de sua vida e matar as saudades.
A tarde já se ia quando bateu a porta da casa, com certo nervosismo. Preferia não ver a cara da madrasta, mas enfrentaria sem susto. Já levava na ponta da língua o que desejava dizer-lhe caso não o recebesse bem.
- Quem é?
- Sou eu o Brasileirinho!
A madrasta apareceu com um arzinho de riso no canto da boca atrevida.
- És tu? Resolvestes voltar, hem seu trabalhão. Teu pai te espera para um ajuste de contas. É melhor não esperá-lo.
- Espero sim. Quero vê-lo e vim aqui só por isso. Não vim para ficar. Deus que me livre de ter que ver a sua cara todos os dias. Não sou mais aquele desvalido de outros tempos. Mas afinal, onde anda meu pai?
- É bem melhor não teres pressa. Somente para não dares o desgosto de ele te ver. O filho que ele tem é Alírio, que está na loja com ele.
- Então vou até lá. Vou encontrá-lo.
- Olha. Aqui quem manda sou eu.
- De o fora, deixa-nos em paz.
E retirou-se bruscamente. Era mesmo o que me faltava. Chegar esse desmancha prazeres para criar novos problemas. Adelino vai ficar ao lado desse idiotazinho e é capaz de exigir que ele fique. Depois da fuga, perdi o terreno que havia conquistado. Não tem mais carinho que o domine. Passei a ser uma mulher como outra qualquer. Adelino chega a casa quando muito bem entende, virou durão, só me procura quando muito bem entende, sai às vezes sem ao menos olhar para mim e tudo por causa desse bichote. Mas não tem nada. Quando Adelino chegar faço-lhe uma boa cama. Conto que me tratou mal, só não me chamou de santa. Irá encontrar-me amuada e chorando, vou esfregar os olhos para que os encontre vermelhos. Dá-se um jeito. Adelino irá se condoer de mim, nem vou aparecer-lhe. Certamente haverá de perguntar-lhe - O que foi que fizeste com a Celeste? Porque voltastes? Só para trazer novos desgostos. Deixastes de ser meu filho. Um filho que abandona o pai só merece desprezo. Some-te da minha vista.
Celeste esperava confiante no seu veneno acumulado. Seria tiro e queda. E esperou preparada para o drama.
Adelino entrou com o filho e sem a companhia do Brasileirinho. O Alírio a procurou e foi encontrá-la chorando.
- Onde está tua mãe? Nem a mesa está pronta. Parece que se esqueceu da gente.
- Está lá no quarto, deitada e chorando.
Agora mais esta. Sem dúvida, alguma doença ou algum grande desgosto. E foi lá vê-la.
- O que há Celeste?
- O teu filho! Não encontrastes com ele?
- Quem, o Brasileirinho?
- Exatamente. Só faltou me bater. Procurei recebê-lo bem, com todo carinho, mais vinha envenenado. Está um bichão e depois de tudo quando me disse, saiu a tua procura. Quando pensei que iria ter nosso filho em casa para nossa tranqüilidade, veio agredindo-me.
- Vou procurá-lo. Acabe com esse chororô. Que coisa. Aquele menino continua dando trabalho.
Andou pela rua, voltou a casa e depois do jantar saiu novamente à sua procura. Então lhe informaram onde estava. Na pensãozinha de dona Fifiu. Botou-se pra lá. E foi aquela alegria do reencontro.
- O que estás fazendo aqui Brasileirinho?
- Ora pai, fui para casa, pois voltei só para vê-lo, mas dona Celeste disse que o senhor esta a minha procura para um ajuste de contas. Tratou-me mal, quase me bateu, ameaçou-me e aconselhou-me a desaparecer antes que o senhor me visse. Fiquei assustado, não queria dar-lhe mais desgosto e vim para aqui enquanto aparecia transporte para ir-me, naturalmente com muita pena e desapontado.
- E maltratastes a tua madrasta?
- Deus me livre. Disse-lhe somente que não era mais o menino daqueles tempos que vivia no inferno nas unhas dela, a ponto de ter que fugir. – Vai-te embora antes que teu pai de pegue. – Foi isto o que houve. E vim me esconder para não lhe dar mais desgosto e nem ser humilhado. Falava-me com tanta clareza que só podia acreditar.
É Brasileirinho. No comecinho de tua fuga, tinha vontade de te pegar. Depois compreendia friamente o que acontecera. A Celeste não gostava mesmo de ti. Só do Alírio. Mas tudo já passou de minha parte.
- Vamos pra casa. Pega tua maleta.
- Não pai. Não dará certo. A dona Celeste não quer me ver. Prefiro também não vê-la mais. Não quero contrariar a ela nem ao senhor.
- Mas quero que fiques. Preciso de ti lá na loja.
- Não meu pai. Para morar em casa não dá. Seria atormentá-los. Assim, volto para onde estou. Morar aqui na pensão, tendo família, ficaria muito feio. Ninguém deixaria de censurar. Virei vê-lo uma vez por outra.
Adelino foi para casa mastigando o problema. O que poderia ter a mulher contra o Brasileirinho? Criar ódio a uma criança e que era seu filho. Não justificava. Afinal, nada faltava ao Alírio. Dava-lhe o conforto que podia e ao mesmo deveria ser feito com o Brasileirinho. Havia de tomar uma atitude, uma decisão definitiva. Por os pontos nos lugares certos.
A mulher teria que explicar-lhe claramente as razões daquela ojeriza com o seu filho. Casara-se a segunda vez, com a intenção de ter uma boa companheira e uma segunda mãe para o Brasileirinho e dera tudo naquilo. Como poderia acreditar no amor e na sinceridade de uma mulher que desprezava o seu filho órfão. Deveria estar tudo errado e ele andaria na certa comendo mosca. Haveria alguma coisa oculta que ele não entendera até então. Não poderia acreditar em tanta sensibilidade numa mulher, tão egoísta. Como poderia lhe ter amor ao lhe desprezar o filho, o seu primeiro filho. Aquilo tinha água no bico. Com certeza andava cego até então.
Entrou em casa com gosto de gás. Não podia perder um filho sem uma explicação que o convencesse. A mulher, ao avistá-lo, caiu-lhe nos braços em grosso pranto.
- Sou uma mulher infeliz. Não fiz nada para ser tão insultada pelo nosso filho. Estava ansiosa que ele voltasse a nossa casa, mas o menino me odeia. Quando me viu tremeu as bochecha. Via-lhe o ódio nas palavras e em tudo.
- Mas não se cria ódio sem algum motivo especial. Sobretudo uma criança. Para que ela chegasse a ti odiar, certamente o desprezastes e não lhe deste carinho. Parece evidente. Como explicar isto?
- Não conheces o teu filho. Rusguento e ambicioso é o que ele é.
- Pois olha Celeste, sou franco contigo. Brasileirinho sempre foi um menino bom e obediente. Não acredito mais no que dizes. E vou te dizer uma coisa. Ele irá morar com a gente, e tratarás como um filho. Procura mudar e mudar totalmente. Não entendo como podes odiar uma criança a tal ponto a obrigá-lo a abandonar a casa e sair pelo o mundo afora, como um desvalido. E como poderias fazer-me tantos carinhos, odiando o meu filho.
- Prefiro ir-me embora. Não posso ver o teu mimoso Brasileirinho.
- Pensastes bem no que estás dizendo, com esta tua resolução maluca, ou tens sido até hoje uma fingida? Faças o que entenderes, mas nesta casa quem ditará as coisas serei eu. Sempre te ouvi e perdi o meu filho. Preparar-te para aceitá-lo como meu filho. Era só mesmo o que me faltava. Sempre fui tolerante demais, pelo que vejo, afinal, qual era o teu intento quando casastes comigo e me acariciavas como um eterno namorado. Haveria algo por trás disso? Vou agora mesmo buscar o meu filho. Não posso admitir nessa separação de um adolescente só e só por capricho teu. E mais uma coisa. Haverá tratamento igual para os dois.
- Mas Adelino...
- Nada de Adelino. Faças o que entenderes, já ti disse, mais exijo tranqüilidade nesta casa.
Brasileirinho não te incomodará e vai ser bom e obediente. Não desejo que te vás, mas a vontade é tua e será respeitada. Parece-me tão fácil ser cordato e amigo, que nem compreendo os teus caprichos. Lembra-te que me mentistes demais sobre o Brasileirinho. Cometi um tremendo erro porque considerava inacreditável que fosse simplesmente uma trama tua. Deixei-me levar pela paixão, pelas tuas simulações, mas agora entendo tudo. Mas, olha, não exijo que faças qualquer sacrifício. Também sei que não te custará nada conviver honestamente comigo e o Brasileirinho. Brasileirinho é o meu filho e casei-me contigo tanto por amor como para dar-lhes o carinho que ele necessitava. Mas se o teu mundo interior é outro, decide-te.
- É. Vais buscar o Brasileirinho!
- Não, vamos buscar os dois, isto sim.
- Tens razão. Fui uma tonta e egoísta. Não queria dividir o amor materno com mais alguém. Para mim só existia o Alírio. É por isso que se fala tão mal das madrastas. Ciúme. E se o Brasileirinho não me perdoar Como irá ser?
- Bem, aí será com ele.
- Brasileirinho, estamos aqui para voltares para nossa companhia, Celeste reconheceu que foi injusta contigo e vem se penitenciar. Quer que esqueças tudo. Não fez por maldade, mas unicamente por ciúmes do filho legítimo.
- É Brasileirinho, foi tudo fraqueza minha. Será que podes perdoar-me Ninguém me advertia do mal que eu causava injustamente. Esse tem sido o caminho de muitas madrastas. Não fui eu a primeira a despertar e não serei a última a cometer esse desatino.
- Está certo! Quero apenas lembra-lhe que não há nada que doa mais numa criança do que o abandono e as injustiças. Meu pai também não acreditava em mim e fui obrigado a fugir. Sofri até hoje a separação. Minha sorte foi ter encontrado outra mãe e um novo pai. Há, porém, uma condição. Ficarei se eles concordarem. Eles que me deram abrigo, escola e carinho, lá nunca me faltou nada. O meu trabalho não pagava o que faziam por mim. É verdade que não lhes dei muitas preocupações, mas também é verdade que não tinham obrigações comigo. Nunca lhes contei porque havia fugido. Havia saído para conhecer o mundo e mentia para não revelar a minha desdita. Achava que era feio acusar pai e mãe. Voltarei à casa dos meus protetores. Explicarei tudo, farei o meu agradecimento, ouvirei o que dizem e então, estarei de volta.
E foi isso o que aconteceu.
- É, já que encontrastes os teus pais e desejas retornar, não podemos privar-te disso. Mas será que têm condições para te dar um bom padrão de vida? Não queremos que sofras quaisquer provações.
- Não senhor. Papai não é rico, mas é quase. Possui cada comercial e fazenda. Vive muito bem.
- E já era assim quando saístes de casa?
- Já. É que meu pai casou-se novamente. Deu-me um irmão da segunda mulher. E minha madrasta não me via como filho. Para ela só existia o Alírio. Moça nova e que ainda hoje é bonitona, cegou meu pai, um apaixonado pela dona Celeste. Depois passaram a sentir minha falta e sofrer por não terem notícias minhas. Eu poderia estar passando fome, dormindo pelas portas, maltrapilho, sujo e pedindo para comer. Sofreram demais. Querem que retorne a casa, mas dei uma condição: só se concordares e permitirem que eu volte.
- Olha. Sentimos enormemente a tua falta e teremos muitas saudades. Voltaras sempre a nos visitar e iremos te levar em casa.
- Mas é longe.
- Que nada. Temos um velho desejo de conhecer o sertão e esta é uma boa oportunidade. Freta-se um automóvel e chega-se lá rapidinho. Ouvimos tanto falar nas belezas do Vale do Piancó que não podemos deixar de conhecê-lo.
E uma semana depois, um Jipe parava à porta da casa de Brasileirinho. Juntou gente para ver, pois automóvel era ainda uma raridade. Só as pessoas ricas possuíam. E foi aí que descobriram que era o Brasileirinho voltando de automóvel. Luxando. E foi uma festa a chegada dos padrinhos de Brasileirinho. Adelino e a mulher nem sabiam onde botá-los.
- Que surpresa agradável, meu Deus. Meu filho só falava nos dois e chegou a nos afirmar que só voltaria se tivesse consentimento para isso.
- Um rapazinho ótimo. E para nós que não temos filho, foi uma maravilha. Agora estamos sozinhos novamente. Vamos viver com as saudades. Seria ótimo se nos encontrássemos outro menino para nos fazer companhia.
- Ora, talvez não seja muito difícil. A dona Sinhazinha, com cinco filhos e pobre com é, quem sabe se não dará um deles. Os bichinhos andam tão magrinhos e tristes.
- Muito bem, veremos depois.
E logo no dia seguinte procuraram dona Sinhazinha.
- Ah! Meu senhor e minha dona seria uma caridade. Já não suporto mais vê-lo como vivem.
- Mais será que alguém quer ir com a gente?
Dava vontade de chorar com o estado lastimável das crianças.
- Quem de vocês quer ir morar com este casal? Lá não faltará nada. Boa comida caminha para dormir e bons tratos.
E dois quiseram ir. Um casal.
- Amabílio, e se levássemos os dois. Um casalzinho.
- Ótimo Cecília. Os dois. Um fará companhia ao outro.
E no dia seguinte entraram no Jipe e a tarde estava em Campina Grande.
Daí por diante a vida mudou muito para os dois. Duas ótimas crianças. Ajudaram em tudo. Garotos sem vícios, com pouco tempo mudaram de aparência. Aprenderam a sorrir como sorriem as pessoas felizes. E o casal não esqueciam as que ficaram em companhia da mãe pobre. Todos os meses mandavam por intermédio da família de Brasileirinho, donativos em dinheiro. Eram os maninhos que mandavam. E tempos depois seguiram também retratos para que vissem como os maninhos estavam vivendo, se já havia alguma diferença. Era uma forma de matar saudades. Mas não ficou apenas nisso. Arranjaram famílias que adotassem outros dois. Em casa ficaria o maiozinho que já ajudava a mãe. E foi buscá-los.
A mãe ficou feliz da vida em rever os filhos e ter mais quem cuidasse dos outros dois.
- E porque a senhora não vai também? Arranjar-se-á trabalho, lavagem de roupas, serviços domésticos. Ficará pertinho dos filhos.
E dona Sinhazinha lá se foi também. A felicidade havia entrado de casa adentro. Devia tudo isso a família de Brasileirinho e ao próprio Brasileirinho. Antes de sair, dona Sinhazinha foi lá agradecer-lhes.
- É assim, dona Sinhazinha, quando Deus tarda já vem no caminho.

*O conto pertence ao livro “Vias Nordestinas”, no prelo.


















Nenhum comentário:

Postar um comentário