Euclides da
Cunha
(2ª. Parte)
Falta
às terras flageladas do Norte uma alta serrania que, correndo em direção
perpendicular àquele vento, determine a dynamic colding*, consoante um dizer expressivo.
Um
fato natural de ordem mais elevada esclarece esta hipótese.
Assim é que às
secas aparecem sempre entre duas datas fixadas há muito pela prática dos
sertanejos, de 12 de dezembro a 19 de março. Fora de tais limites não há um
exemplo único de extinção de secas. Se os atravessam, prolongam-se fatalmente
por todo o decorrer do ano, até que se reabra outra vez aquela quadra. Sendo
assim e lembrando-nos que é precisamente dentro deste intervalo que a longa
faixa das calmas equatoriais, no seu lento oscilar em torno do equador, paira
no zênite daqueles Estados, levando a borda até aos extremos da Bahia, não
poderemos considerá-la, para o caso, com a função de uma montanha ideal que,
correndo de leste a oeste e corrigindo momentaneamente lastimável disposição
orográfica, se anteponha à monção e lhe provoque a parada, a ascensão das
correntes, o resfriamento subseqüente e a condensação imediata nos aguaceiros
diluvianos que tombam então, de súbito, sobre os sertões?
Este desfiar de
conjeturas tem o valor único de indicar quantos fatores remotos podem incidir
numa questão que duplamente nos interessa, pelo seu traço superior na ciência,
e pelo seu significado mais íntimo no envolver o destino de extenso trato do
nosso país. Remove, por isto, a segundo plano o influxo até hoje inutilmente
agitado dos alísios, e é de alguma sorte fortalecido pela intuição do próprio
sertanejo para quem a persistência do nordeste, - o vento da seca, como o batiza
expressivamente – equivale à permanência de uma situação irremediável e
crudelíssima.
As quadras
benéficas chegam de improviso.
Depois de dois ou
três anos, como de 1877-1879, em que a insolação rescalda intensamente as
chapadas desnudas, a sua própria intensidade origina um reagente inevitável.
Decai afinal, por toda a parte, de modo considerável, a pressão atmosférica.
Apruma-se, maior e mais bem definida, a barreira das correntes ascensionais dos
ares aquecidos, antepostas às que entram pelo litoral. E entrechocadas umas e
outras, num desencadear de tufões violentos, alteiam-se, retalhadas de raios,
nublando em minutos o firmamento todo, desfazendo-se logo depois em aguaceiros
fortes sobre os desertos recrestados.
Então parece
tornar-se visível o anteparo das colunas ascendentes, que determinam o
fenômeno, colisão formidável com o nordeste.
Segundo numerosas
testemunhas – as primeiras bátegas despenhadas da altura não atingem a terra. A
meio caminho se evaporam entre as camadas referventes que sobem, e volvem,
repelidas, às nuvens, para, outra vez condensando-se, precipitarem-se de novo e
novamente refluírem; até tocarem o solo que a principio não umedecem, tornando
ainda aos espaços com rapidez maior, numa vaporização quase, como se houvessem
caído sobre chapas incandescentes, para mais uma vez descerem, numa permuta
rápida e continua, até que se formem, afinal, os primeiros fios de água
derivando pelas pedras, as primeiras torrentes em despenhos pelas encostas,
afluindo em regatos já avolumados entre as quebradas, concentrando-se tumultuariamente
em ribeirões correntosos; adesando-se, estes, em rios barrentos traçados ao
acaso, à feição dos declives, em cujas correntezas passam velozmente os
esgalhos das árvores arrancadas, rolando todos e arrebentando na mesma onda, no
mesmo caos de águas revoltas e escuras...
Se ao assalto
subitâneo se sucedem as chuvas regulares, transmudam-se os sertões,
revivescendo. Passam, porem, não raro, num giro célere, de ciclone. A drenagem
rápida do terreno e a evaporação, que se estabelece logo mais viva, tornam-nos,
outra vez, desolados e áridos. E penetrando-lhe a atmosfera ardente, os ventos
duplicam a capacidade higrométrica, e vão, dia a dia, absorvendo a umidade
exígua da terra – reabrindo o clico inflexível das secas...
Nota:
*Resfriamento
dinâmico
Extraído do livro
Os Sertões – Campanha de Canudos 1979
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