DIA DE FINADOS
Onde os poetas discordam da
bíblia
A Bíblia diz que todos irão ressuscitar, uns para a vida
eterna e outros para a morte eterna (Dn 12.2). Quem tiver seu nome no livro da
vida ressuscitará para a vida eterna, enquanto que aos demais, ressuscitarão
para a perdição eterna, ou seja, para a segunda morte (Ap 20.11-15).
Dia dos Fiéis Defuntos (em Portugal); Dia de Finados ou
Dia dos Mortos (no Brasil), é uma data que a Igreja Católica dedica aos mortos
e suas almas, no dia 2 de novembro de cada ano. É o terceiro e último dia da
Estação de Todos os Santos.
Desde o século II, alguns cristãos rezavam pelos
falecidos quando visitavam os túmulos dos mártires. No século V, a Igreja
dedicava um dia do ano para rezar por todos os mortos já esquecidos. O abade
Odilo de Cluny, no final do século X, pedia aos monges que orassem pelos
mortos. Desde o século XI os Papas Silvestre II (1009), João XVII (1009) e Leão
IX (1015) obrigavam a comunidade a dedicar um dia aos mortos. No século XIII
essa data passa a ser oficialmente celebrada em 2 de novembro, um dia após a
Festa de Todos os Santos. A doutrina católica evoca algumas passagens bíblicas
para fundamentar sua posição (cf. Tobias 12,12; Jó 1,18-20; Mt 12,32 e II
Macabeus 12,43-46) e é suportada por uma prática de quase dois mil anos.
Vozes da morte
Agora, sim! Vamos morrer, reunidos,
Tamarindo de minha desventura,
Tu, com o envelhecimento da nervura
Eu, com o envelhecimento dos tecidos!
Ah! Esta noite é a noite dos Vencidos!
E a podridão, meu velho! E essa futura
Ultrafatalidade de ossatura,
A que nos acharemos reduzidos!
Não morrerão, porém tuas sementes!
E assim, para o Futuro, em diferentes
Florestas, vales, selvas, glebas, trilhos,
Na multiplicidade dos teus ramos,
Pelo muito que em vida nós amamos,
Depois da morte, inda teremos filhos!
Augusto dos Anjos
Solitário
Como um fantasma que se refugia
Na solidão da natureza morta,
Por trás dos ermos túmulos, um dia,
Eu fui refugiar-me à tua porta!
Fazia frio e o frio que fazia
Não era esse que a carne nos contorta...
Cortava assim como em carniçaria
O aço das facas incisivas corta!
Mas tu não vieste ver minha Desgraça!
E eu saí, como quem tudo repele,
- Velho caixão a carregar destroços -
Levando apenas na tumba carcaça
O pergaminho singular da pele
E o chocalho fatídico dos ossos!
Augusto dos Anjos
A morte não é nada.
Eu
somente passei
Para
o outro lado do caminho.
Eu
sou eu, vocês são vocês.
O
que eu era para vocês,
Eu
continuarei sendo.
Me
deem o nome
Que
vocês sempre me deram,
Falem
comigo
Como
vocês sempre fizeram.
Vocês
continuam vivendo
No
mundo das criaturas,
Eu
estou vivendo
No
mundo do Criador.
Não
utilizem um tom solene
Ou
triste, continuem a rir
Daquilo
que nos fazia rir juntos.
Rezem,
sorriem, pensem em mim.
Rezem
por mim.
Que
meu nome seja pronunciado
Como
sempre foi,
Sem
ênfase de nenhum tipo.
Sem
nenhum traço de sombra
Ou
tristeza.
A
vida significa tudo
O
que ela sempre significou,
O
fio não foi cortado.
Porque
eu estaria fora
De
seus pensamentos,
Agora
que eu estou apenas fora
De
suas vistas?
Eu
não estou longe,
Apenas
estou
Do
outro lado do caminho…
Você
que aí ficou, siga em frente,
A
vida continua, linda e bela
Como
sempre foi.
Santo Agostinho
À MORTE
Ó
morte, eu te adorei, como se foras
O
fim da sinuosa e negra estrada,
Onde
habitasse a eterna paz do Nada
Às
agonias desconsoladoras.
Eras
tu a visão idolatrada
Que
sorria na dor das minhas horas,
Visão
de tristes faces cismadoras,
Nos
crepes do Silêncio amortalhada.
Busquei-te,
eu que trazia a alma já morta,
Escorraçada
no padecimento,
Batendo
alucinado à tua porta;
E
escancaraste a porta escura e fria,
Por
onde penetrei no Sofrimento,
Numa
senda mais triste e mais sombria.
Antero de Quental
Minha morte nasceu
Minha
morte nasceu quando eu nasci.
Despertou,
balbuciou, cresceu comigo...
E
dançamos de roda ao luar amigo
Na
pequenina rua em que vivi.
Já
não tem mais aquele jeito antigo
De
rir e que, ai de mim, também perdi!
Mas
inda agora a estou sentindo aqui,
Grave
e boa, a escutar o que lhe digo:
Tu
que és a minha doce prometida,
Nem
sei quando serão as nossas bodas,
Se
hoje mesmo... ou no fim de longa vida...
E
as horas lá se vão, loucas ou tristes...
Mas
é tão bom, em meio às horas todas,
Pensar
em ti... saber que tu existes!
Mário Quintana
A morte absoluta
Morrer.
Morrer
de corpo e de alma.
Completamente.
Morrer
sem deixar o triste despojo da carne,
a
exangue máscara de cera,
cercada
de flores,
que
apodrecerão – felizes! – num dia,
banhada
de lágrimas
nascidas
menos da saudade do que do espanto da morte.
Morrer
sem deixar porventura uma alma errante…
A
caminho do céu?
Mas
que céu pode satisfazer teu sonho de céu?
Morrer
sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
a
lembrança de uma sombra
em
nenhum coração, em nenhum pensamento,
em
nenhuma epiderme.
Morrer
tão completamente
que
um dia ao lerem o teu nome num papel
perguntem:
“Quem foi?…”
Morrer
mais completamente ainda,
–
sem deixar sequer esse nome.
Manoel Bandeira
A Morte
Oh!
que doce tristeza e que ternura
No
olhar ansioso, aflito dos que morrem...
De
que âncoras profundas se socorrem
Os
que penetram nessa noite escura!
Da
vida aos frios véus da sepultura
Vagos
momentos trêmulos decorrem...
E
dos olhos as lágrimas escorrem
Como
faróis da humana Desventura.
Descem
então aos golfos congelados
Os
que na terra vagam suspirando,
Com
os velhos corações tantalizados.
Tudo
negro e sinistro vai rolando
Báratro
a abaixo, aos ecos soluçados
Do
vendaval da Morte ondeando, uivando...
Cruz e Sousa