GATA PARIDA*
João
Henriques da Silva
(In
Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)
Em cidades pequenas, as notícias e
os boatos são mais rápidos do que vôo de andorinha. E foi isso que aconteceu a
esperada morte do professor Epaminondas.
O homem morrera pela madrugada quando o frio apertara. Os pulmões se
trancaram e o coração parara sem que o pobre homem tivesse tempo de se despedir
dos parentes.
Mas na verdade o professor estava
bem vivo e até melhorando. A sorte é que o boato não chegou aos ouvidos do
professor Epaminondas Cerqueira de Abreu, senão poderia ter morrido mesmo do
choque. E dentro de poucos dias estava andando pela cidade, graças ao
tratamento ministrado pela dona Alexandrina, afamada no preparo de garrafadas
milagrosas, Professor Epaminondas tomou, então, conhecimento de sua morte e não
desejava perdoar o boateiro, naturalmente seu inimigo gratuito. Havia de
descobri-lo mais cedo ou mais tarde e lhe daria o troco. E não sossegou a
procura do miserável. Quem foi, quem não foi, chegou, afinal a uma conclusão.
Havia sido o Artequilino, apelidado de Gata Parida, alcunha que o espritava e
motivava ameaças terríveis. O certo seria mandar surra-lo, quebrar-lhe mesmo a
tíbia ou o perônio, mas o melhor era desmoralizá-lo, irrita-lo de outra forma,
até levá-lo ao ridículo. E o professor fez-lhe uma sextilha que mandou
distribuir às escondidas, por todas as ruas da cidade. Dizia assim:
Toma
cuidado minha gente,
Eu
sou a Gata Parida.
Todo
dia amolo dente
Se
mordo deixo ferida.
O
professor já matei.
Duma
mordida que dei
Abraços
– Gata Parida.
Gata Parida danou-se. No entanto não
atribuía os versos ao professor.
Era burro, no seu entender, e
incapaz de rimar duas palavras. Era safadeza de algum descarado e prometia
quebrar-lhe as fuças. Para desculpar-se, cinicamente, foi falar com o
professor.
- Não, não havia sido ele, o autor
do boato.
- E que fosse, não alterava em nada.
Estou aqui vivo e são. Mas lamento uma coisa. Aqueles versos sujos que
espalharam pela cidade. Isso não se faz com um cristão. Pois não é. Todos sabem
que esse seu apelido de Gata Parida, é uma ignomínia. Gata Parida é um apelido
cabuloso realmente. Mas, afinal quem lhe botou esse apelido de Gata Parida. Será
porque gata parida é bicho brabo, ou que sentido tem? Se o sujeito me chamasse
de gata parida, já havia me mudado do lugar ou estava nas grades. Que coisa. Gata
parida é lá apelido que se ponha em alguém. Aliás, sem alusão, gata parida é
até engraçado. Ora só, gata parida!... E sabe que nunca tinha visto uma gata
parida. Isto foi coisa de algum criador de gatas. Eu mesmo não tolero gato,
quanto mais gata parida. Puxa diabo!... O senhor mesmo não tem nada de gata
parida.
Gata parida deve ser arrepiada,
peitaria pingando leite, magra, suja, uma coisa repugnante, aliás, o senhor, ao
contrario, não tem nada de gata parida.
Esse povo tem cada uma. Gata parida.
Apelido chato, chato mesmo. Eu já teria tomado uma desforra. O cabra que me
chamasse da gata parida, receberia o troco na hora. Pois é.
E Gata Parida saiu vendendo azeite
às canadas. Nem se despediu do professor. E mal andara uns vinte passos
ouviu-se o grito:
- Gata Parida!!!
E não sabia de onde tinha saído o
grito. A única pessoa presente era o professor. E só queira adivinhar se havia
sido aquele cachorrão. E enquanto, estarrecido encarava o professor. Ouviu-se
novo grito:
- Gata Parida!!!
- Esta ouvindo professor ?
- Não ligue pra isso. Brincadeira
dessa molequeira ordinária.
E os gritos repetiam-se, ora atrás,
ora dos lados sem que Gata Parida atinasse de onde vinham.
- Vá embora, homem. Corra daí.
E Gata Parida correu. Veio-lhe,
então, pelas costas o grito assustador:
- Vai fugindo Gata Parida!!! E Gata
Parida estremeceu de ódio. Só podia ser o danado do professor. Virou-se e não o
viu mais. Na certa não era ninguém deste mundo. Deveria ser o demônio que se
escondia atrás do vento. Tinha mesmo que se mudar, furar mundo, ir para onde
ninguém o conhecesse.
O professor havia pago à molequeira
da cidade para atormentá-lo até a loucura ou sumir da cidade. E Gata Parida,
desfez-se do pouco que tinha, botou os cobres no bolso e pegou caminho.
O professor – ex-defunto –
acompanhava todos os seus movimentos. Colocou moleques de distância em distância.,
às ocultas à margem da estrada. E quando o coitado passava, o grito estridente
e diabólico caia nos seus ouvidos.
- Já vai Gata Parida. Já vai, Gata
Parida. E por longo percurso o grito diabólico varava-lhe as ouças. Até logo,
Gata Parida. Some, Gata Parida.
Tempos depois o professor descobriu
onde andava Gata Parida. Mandou um gaiato a Buraco D’Água espalhar o apelido. E
dentro de pouco tempo Gata Parida perdeu o sossego. Num dia de festa, no meio
da multidão, ouviu o grito infernal: Gata Pari-i-i-i-da!
Em vez de fazer que não ouvia ou que
não era com ele, tomou um susto e soltou um palavrão. Ficou reconhecido e a
gritaria estremeceu o local. Além dos gritos, a risadaria da cambada. – Vem ver
minha gente, Gata Parida.
Gata Parida investiu e pegou um
pelas goelas. Caíram em cima dele, chamaram a policia e Gata Parida foi preso.
- Quem te botou esse apelido besta e
ridículo.
- O povo de minha terra. Cabras de
peia. Fugi de lá para não matar ninguém. Isso não é apelido que se bote num
cristão.
- Pois toma meu conselho. Escafede-te
daqui, enquanto é cedo. Não vou prender ninguém por isso. Faça de conta que não
ouvi.
- Mas já me conhecem e vão me
infernizar.
- Pois é, seu Gata Parida, aqui não
vai dar pro senhor. Vou lhe dar um conselho. Faça que não ouve. Não ligue.
- Como! Se tenho ótimas ouças. Vou
cair fora mesmo.
- E como vieram a saber aqui de seu
apelido – Gata Parida.
- Desconfio que foi um professor que
eu matei - Matou um professor. Então está preso. Vou mandar abrir inquérito.
- Não, não matei. Espalhei um boato
na cidade dizendo que ele havia morrido, mas o sujeitinho está bem vivo.
- Tranca o homem. Só sairá daqui
quando averiguar a verdade. Amanhã mesmo vou mandar escolta-lo para lá,
apresenta-lo ao juiz. Ele que o solte, se o homem estiver vivo.
- Mas, senhor delegado, sou
inocente.
- Vá dizer isso lá na sua terra.
- Gata Parida chegou à presença do
Dr. Juiz. Ia transfigurado. Nunca pensara voltar a sua terra debaixo de ordens.
- O que há com este homem?
O sargento entregou o oficio.
- Que nada, solta o homem. O
professor está aí bem vivo, remoçado.
Com pouco tempo a porta do cartório
estava cheia de curiosos. E não tardaram os comentários: - É o Gata Parida.
Chegou preso. Andou espalhando por onde mora que havia matado o professor. É um
boateiro inveterado. Já é a segunda vez que mata o pobre homem. E agora,
lascou-se nas mãos da policia. E ouviu-se o grito fatídico – Gasta Parida foi
preso!!!
E foi aí que lhe veio o acesso de
loucura. Chamou todo mundo de corno, filho da puta e mandou a turma tomar
naquele lugar...
O Juiz trancou-o e deixou o rolo lá
fora. E gritou lá de dentro. - “Solta
Gata Parida, delegado”.
*Este
conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.
maracajag@hotmail.com
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