quarta-feira, 25 de abril de 2012

GATA PARIDA



GATA PARIDA*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

            Em cidades pequenas, as notícias e os boatos são mais rápidos do que vôo de andorinha. E foi isso que aconteceu a esperada morte do professor Epaminondas.  O homem morrera pela madrugada quando o frio apertara. Os pulmões se trancaram e o coração parara sem que o pobre homem tivesse tempo de se despedir dos parentes.
            Mas na verdade o professor estava bem vivo e até melhorando. A sorte é que o boato não chegou aos ouvidos do professor Epaminondas Cerqueira de Abreu, senão poderia ter morrido mesmo do choque. E dentro de poucos dias estava andando pela cidade, graças ao tratamento ministrado pela dona Alexandrina, afamada no preparo de garrafadas milagrosas, Professor Epaminondas tomou, então, conhecimento de sua morte e não desejava perdoar o boateiro, naturalmente seu inimigo gratuito. Havia de descobri-lo mais cedo ou mais tarde e lhe daria o troco. E não sossegou a procura do miserável. Quem foi, quem não foi, chegou, afinal a uma conclusão. Havia sido o Artequilino, apelidado de Gata Parida, alcunha que o espritava e motivava ameaças terríveis. O certo seria mandar surra-lo, quebrar-lhe mesmo a tíbia ou o perônio, mas o melhor era desmoralizá-lo, irrita-lo de outra forma, até levá-lo ao ridículo. E o professor fez-lhe uma sextilha que mandou distribuir às escondidas, por todas as ruas da cidade. Dizia assim:
Toma cuidado minha gente,
Eu sou a Gata Parida.
Todo dia amolo dente
Se mordo deixo ferida.
O professor já matei.
Duma mordida que dei
Abraços – Gata Parida.
            Gata Parida danou-se. No entanto não atribuía os versos ao professor.
Era burro, no seu entender, e incapaz de rimar duas palavras. Era safadeza de algum descarado e prometia quebrar-lhe as fuças. Para desculpar-se, cinicamente, foi falar com o professor.
            - Não, não havia sido ele, o autor do boato.
            - E que fosse, não alterava em nada. Estou aqui vivo e são. Mas lamento uma coisa. Aqueles versos sujos que espalharam pela cidade. Isso não se faz com um cristão. Pois não é. Todos sabem que esse seu apelido de Gata Parida, é uma ignomínia. Gata Parida é um apelido cabuloso realmente. Mas, afinal quem lhe botou esse apelido de Gata Parida. Será porque gata parida é bicho brabo, ou que sentido tem? Se o sujeito me chamasse de gata parida, já havia me mudado do lugar ou estava nas grades. Que coisa. Gata parida é lá apelido que se ponha em alguém. Aliás, sem alusão, gata parida é até engraçado. Ora só, gata parida!... E sabe que nunca tinha visto uma gata parida. Isto foi coisa de algum criador de gatas. Eu mesmo não tolero gato, quanto mais gata parida. Puxa diabo!... O senhor mesmo não tem nada de gata parida.
            Gata parida deve ser arrepiada, peitaria pingando leite, magra, suja, uma coisa repugnante, aliás, o senhor, ao contrario, não tem nada de gata parida.
            Esse povo tem cada uma. Gata parida. Apelido chato, chato mesmo. Eu já teria tomado uma desforra. O cabra que me chamasse da gata parida, receberia o troco na hora. Pois é.
            E Gata Parida saiu vendendo azeite às canadas. Nem se despediu do professor. E mal andara uns vinte passos ouviu-se o grito:
            - Gata Parida!!!
            E não sabia de onde tinha saído o grito. A única pessoa presente era o professor. E só queira adivinhar se havia sido aquele cachorrão. E enquanto, estarrecido encarava o professor. Ouviu-se novo grito:
            - Gata Parida!!!
            - Esta ouvindo professor ?
            - Não ligue pra isso. Brincadeira dessa molequeira ordinária.
            E os gritos repetiam-se, ora atrás, ora dos lados sem que Gata Parida atinasse de onde vinham.
            - Vá embora, homem. Corra daí.
            E Gata Parida correu. Veio-lhe, então, pelas costas o grito assustador:
            - Vai fugindo Gata Parida!!! E Gata Parida estremeceu de ódio. Só podia ser o danado do professor. Virou-se e não o viu mais. Na certa não era ninguém deste mundo. Deveria ser o demônio que se escondia atrás do vento. Tinha mesmo que se mudar, furar mundo, ir para onde ninguém o conhecesse.
            O professor havia pago à molequeira da cidade para atormentá-lo até a loucura ou sumir da cidade. E Gata Parida, desfez-se do pouco que tinha, botou os cobres no bolso e pegou caminho.
            O professor – ex-defunto – acompanhava todos os seus movimentos. Colocou moleques de distância em distância., às ocultas à margem da estrada. E quando o coitado passava, o grito estridente e diabólico caia nos seus ouvidos.
            - Já vai Gata Parida. Já vai, Gata Parida. E por longo percurso o grito diabólico varava-lhe as ouças. Até logo, Gata Parida. Some, Gata Parida.
            Tempos depois o professor descobriu onde andava Gata Parida. Mandou um gaiato a Buraco D’Água espalhar o apelido. E dentro de pouco tempo Gata Parida perdeu o sossego. Num dia de festa, no meio da multidão, ouviu o grito infernal: Gata Pari-i-i-i-da!
            Em vez de fazer que não ouvia ou que não era com ele, tomou um susto e soltou um palavrão. Ficou reconhecido e a gritaria estremeceu o local. Além dos gritos, a risadaria da cambada. – Vem ver minha gente, Gata Parida.
            Gata Parida investiu e pegou um pelas goelas. Caíram em cima dele, chamaram a policia e Gata Parida foi preso.
            - Quem te botou esse apelido besta e ridículo.
            - O povo de minha terra. Cabras de peia. Fugi de lá para não matar ninguém. Isso não é apelido que se bote num cristão.
            - Pois toma meu conselho. Escafede-te daqui, enquanto é cedo. Não vou prender ninguém por isso. Faça de conta que não ouvi.
            - Mas já me conhecem e vão me infernizar.
            - Pois é, seu Gata Parida, aqui não vai dar pro senhor. Vou lhe dar um conselho. Faça que não ouve. Não ligue.
            - Como! Se tenho ótimas ouças. Vou cair fora mesmo.
            - E como vieram a saber aqui de seu apelido – Gata Parida.
            - Desconfio que foi um professor que eu matei - Matou um professor. Então está preso. Vou mandar abrir inquérito.
            - Não, não matei. Espalhei um boato na cidade dizendo que ele havia morrido, mas o sujeitinho está bem vivo.
            - Tranca o homem. Só sairá daqui quando averiguar a verdade. Amanhã mesmo vou mandar escolta-lo para lá, apresenta-lo ao juiz. Ele que o solte, se o homem estiver vivo.
            - Mas, senhor delegado, sou inocente.
            - Vá dizer isso lá na sua terra.
            - Gata Parida chegou à presença do Dr. Juiz. Ia transfigurado. Nunca pensara voltar a sua terra debaixo de ordens.
            - O que há com este homem?
             O sargento entregou o oficio.
            - Que nada, solta o homem. O professor está aí bem vivo, remoçado.
            Com pouco tempo a porta do cartório estava cheia de curiosos. E não tardaram os comentários: - É o Gata Parida. Chegou preso. Andou espalhando por onde mora que havia matado o professor. É um boateiro inveterado. Já é a segunda vez que mata o pobre homem. E agora, lascou-se nas mãos da policia. E ouviu-se o grito fatídico – Gasta Parida foi preso!!!
            E foi aí que lhe veio o acesso de loucura. Chamou todo mundo de corno, filho da puta e mandou a turma tomar naquele lugar...
            O Juiz trancou-o e deixou o rolo lá fora. E gritou lá de dentro. - “Solta Gata Parida, delegado”.

*Este conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

maracajag@hotmail.com

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