terça-feira, 22 de outubro de 2019

CAUSOS QUE MEU PAI CONTAVA


Causos que meu pai contava


            Vou tentar passar para o papel, - piadas que meu pai gostava de contar, antes que se perca nas asas do tempo, - criando um ambiente cuja realidade, acho que era assim...

Havia um lugarejo distante de tudo e de todos. Perdidos nos confins dos sertões da Paraíba. Tempos passando, talvez lá pelo idos de 1930. Missas, batizados, casamentos – juntar os amancebados e amigados -, só de mês em mês, quando um padre abnegado resolvia ir, coisa muito difícil de acontecer, não corria dinheiro para pagar as despesas dos vigários. Tempos difíceis aqueles para todos.
Porém, chegou um padre desses piedosos e recém ordenado que o bispo designou para a longínqua paroquia, que abrangia toda aquela região deserta, seca e desprezada onde o povoado Caixa Prego fazia parte.
Resolveu visitar todos os recantos daquele seu quinhão que Deus lhe tinha destinado: salvar almas perdidas e arrependidas. Visitar todas igrejas, capelas, cruzeiros, fazendas e até cruzes de beira de estradas que por certo tinha alguma alma penada assombrando os viajantes, que queria ser libertada. Fazia isso montado numa burra boa, de cor encardida, de meia passada, galopava em cima de uma perna só por léguas e mais léguas em se cansar, mudava de passada quando sentia algum cansaço, pertencia ao dono da fazenda Angicos, reservado sempre para os párocos; de carro de boi e quando passava um ônibus semanal aproveitava para os locais mais longes.
Encantou-se com o lugarejo de Caixa Prego. Quando podia ia visitar aquele povo tão querido. Querido, porque o padre era apaixonado por linguiça e lá no dia feira se vendia uma de primeira. Toda vez comprava uma boa quantidade de linguiça para levar para a casa paroquial.
Certo dia, o ônibus atrasou e aí atrasou também os casamentos, batizados e etc.
Cidade pequena, a feira, em geral era na rua da igreja, suas barracas formam filas, lado a lado, nascendo no começo da rua e terminando quase nos degraus da capela pintada de azul e branco tendo por padroeira nossa Senhora dos Sorrisos. Não sei porque o nome! Lá ninguém ria, apenas choravam com a seca ou com medo das grandes trovoadas.
Geralmente quando o ônibus apontava na curva, o sacristão que estava na espreita, corria e tocava o pequeno sino, avisando da chegada do senhor vigário. Então, os retardatários corriam para dentro da igrejinha, enquanto o padre vencia aquela distancia sempre cumprimentando os fies, dando benção aos feirantes e passando a mão por sobre a cabeça das crianças. Como sempre, para rapidamente na barraca do seu Aprígio e pediu dois quilos da linguiça.
- Por favor embrulhe bem, pois não vai dar tempo de guardar na sacristia. Estou atrasado e o ônibus tem hora para voltar.
Pagou, agradeceu e saiu às pressas com o pacote da linguiça dentro do bolso da batina. Notou então que dois cachorros, - como é normal, ficavam de prontidão a espera de migalhas de pelancas que o dono sempre jogava fora – havia pressentido o cheiro da danada da carne bem temperada. Deu uns passos e olhou para trás e viu que os cães o acompanhavam. Sem querer parar, gritou baixo: ca-chor-ro e os tangeu com um chute no vento como para distancia-los. Andou mais um pouco, olhou para trás e os bichos famintos continuava a sua cola.  Mais chutos dos dois lados e mais ca-chor-ro e assim chegou até as escadarias da igreja nessa briga cachorral interminável. Subiu os degraus e tentando olhar pela última vez para a perseguição, viu que os bichos também haviam subido com ele. Parou na entrada deu os dois últimos chutes no vazio e seguiu para o altar onde o sacristão, as beatas, os coroinhas e os acólitos os esperava e na certeza que Deus não permitiria animais dentro da sua casa, principalmente com esse nome de Cão; inimigo ferrenho do homem, seu superior hierárquico. Mesmo assim de vez enquanto botava os olhos na porta e avistava o cão da direita, rajado sentado em cima do rabo, o outro de duas cores preto e manchado de amarelo, na mesma posição, como faziam na frente da barraca do seu Aprígio.
A missa teve início normalmente durante a maior parte do tempo. O padre Apolinário, mesmo assim não tirava os olhos da porta e fazia de tudo para não ficar de costas para puder ver a posição dos dois safados. Continuavam na mesma. Com medo de entrarem ou porque alguém de vez enquanto os tangia.
Mas, chegou a hora da Consagração. Veio para a frente do altar e de costas ajoelha-se levantando o sagrado cálice, lembrando-se de Cristo e pensando nos cachorros; os dois coroinhas por trás dele, tocam suas sinetas e segura sua batina como era de costume, porém, jurando que estava sendo atacado pelos animais, danou uma pesada para trás e gritando sem querer: ca-chor-ro, derrubando o pobre do Tonheca, o coroinha novato, com uma pesada nas caixas dos peitos, mesmo no meio da titela, que foi atirado de escadaria a baixo, sem folego e sem saber que mal tinha feito ao seu vigário.


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