QUALQUER SEMELHANÇA É MERA COINCIDÊNCIA
Leiam este pedaço de diálogo do conto do meu pai e vejam se alguma
coisa mudou na nossa politica.
PARAÍBA NOSSA TERRA NOSSA GENTE
João Henriques da Silva
(In Memoriam –
20/09/1901 - 16/04/2003)
Escrito em 1986
... - Ah! Meu amigo, amizades sem eleitor é prato
vazio para políticos. Não importa a qualidade da comida ou de onde ela sai. O
que vale é a quantidade na hora do pega pra capar. O sujeito tem é que se
eleger e para ele todo voto cheira bem. Olha aí o Serapião. Foi o mais votado
do estado e apesar do que se sabe já se fala nele para futuro governador. E não
te espantes que isto aconteça. O negocio é estar de cima seja com quem for e o
estado que se amole. Ora, estais brincando com a turma. Dentro do mesmo partido
e ninguém respeita voto dos outros. É como um bando enorme de urubus na carniça
de um papa-capim.
O boboca do Adelino ficou de tanga na última campanha
para eleger um “grande amigo” e agora anda por aí tomando benção as ticacas.
Parecia até que era quem iria se eleger. Festa, comícios, compra de votos,
viagens, mentiras e promessas. Tudo improvisado em cima da hora. Não tinha base
eleitoral. Gastou o que tinha e lascou-se. O homem não se elegeu e ainda se
justificava.
- Pesava que o Adelino tivesse prestígio e o cara
de pau, enganou-me. Devo-lhe a decepção que sofri. É pouco que tenha se
esboroado economicamente. Não se faz isso com um candidato a deputado. Falta de
respeito e consideração. Se não tinha votos deveria ter ficado onde estava.
- O Adelino teria o filho nomeado fiscal de rendas
e a filha professora estadual, com boa remuneração e agora nem mel, nem cabaça.
Já o Buriango, um cabra de peia, cabo eleitoral
espertalhão só por que conta com algumas dúzias de votos e acompanha o governo,
foi nomeado, efetivo, fiscal da prefeitura. Sujeito de má fama, um velhaco, mas
o importante é o eleitor. Infelizmente vive-se num mundo deformado em que o
caráter das pessoas é coisa secundária. Sente-se necessidade, Dr. Januário, de
gente de bem que faça alguma coisa para mudar a sola dos sapatos dessa cambada.
E para chegar até lá tem que ser à base do voto. Criar bases na confiança do
povo.
Depois de eleito, moralizar a administração, trazer
benefícios honestos. Incentivar os empreendimentos úteis, acabar com a miséria.
A pobreza é uma porta escancarada para a subordinação. Um par de “apragatas”,
um vestido de chita, ou uma camisa de pano ordinário é quanto está valendo um
voto. Uma lástima. A fome acaba com a vergonha das pessoas. Justifica-se. Descaramento
é de quem compra para ludibriar o povo. E são tantos os descarados, os cínicos,
que só se usando erva de rato e chicote.
- Entendo onde pretende chegar. Reagir contra a
falta de vergonha. Concordo em gênero e número. Enrijecer a espinha, esclarecer
o povo, fazê-lo independente e atirar os espertalhões que exploram, na
esterqueira das pocilgas. Não morro de amores pela política, mas não há dúvidas
de que é necessário conter essa onda de irresponsabilidade.
Nunca deixou de haver sujeira política, no entanto, o monturo já esta
fedendo demais. Explora a pobreza e a miséria como se estivessem minerando
ouro. Combate-se o banditismo armado, mas não se combate essa caterva de
vagabundos que se cevam com os dinheiros públicos escanchados nas costas magras
do povo.
Existem, sem dúvida, exceções. Homens de bem que se
envergonham de pisar nos mesmos batentes por onde passam os depósitos de lixo
humano.
- Há! Meu amigo, e pensam que o povo não os
conhece. Vão e vem, com a cara mais lisa deste mundo, com um cinismo
estarrecedor, batem nas mesmas portas, cantam as maiores mentiras, fazem
maiores promessas e terminam se reelegendo, ano após ano, à falta de
policiamento ostensivo. Será que há crime pior do que iludir a boa fé do povo e
manter-se no erário público para cevar-se com o dinheiro que os honestos pagam
até pela farinha que comem e o leite que alimenta os filhos?
- Parece-me que há gente de mais para legislar e,
inclusive, toupeiras analfabetas que só se sabe que têm boca pelo mau hálito ou
as burradas que dizem.
Bastariam, ao meu entender, três de cada Estado, escolhidos por sua
sabedoria e honestidade. As câmaras deixariam de ser essa coisa heterogênea
onde, enquanto alguns defendem o povo e engrandecem o País, muitos rincham,
batem ou roncam, com se ali fosse uma cocheira, um canil ou uma hospedaria de
vadios. Para que diabo, meu Deus, quer a Nação, esse bando de inúteis e
marginais da política, vivendo à tripa forra e zombando do povo, como uns
privilegiados. Será que os poderes públicos não enxergam esse absurdo!
- Ora, meu doutor, esses resíduos orgânicos são o
adubo da roça dessa gente. E quanto mais fermentados e mais podres, maior o
efeito em sua seara política. Não produz espigas nem grão, mas rendem votos com
que se ajudam mutuamente e se sustentam em cima do trabalho e à boca dos cofres
da Nação. Podem faltar escolas, merenda escolar, algodão e gaze nos hospitais,
dinheiro para alentar a produção agrícola que lhes enche as tripas, contanto
que se encastelem no poder e possam viver bebendo a melhor água, comendo o
melhor pão e gozando todas as regalias. O povo é - como diziam Jararaca e
ratinho – um Alagoano e um Paraibano – o povo é uma porção de ninguém. Pode a
fome roer-lhes as vísceras e a seca trincalhes os ossos, isto é coisa natural e
a culpa é das secas que Deus manda para castigar os que trabalham e cevam os
espertalhões. Quem não pode viver, morre, já dizia um desses políticos de
Pernambuco.
Tem que prevalecer é a lei do mais forte, do mais
esperto e mais manhoso. Estão aí os nossos sertões abandonados, vivendo de
esmolas nas épocas das grandes crises. E dessas esmolas que nos manda, grande
parte vai parar nas mãos dos espertalhões, na gaveta dos barracões a troco de
produtos, residuais das colheitas, alimentos tão sórdidos que o difícil é saber
onde podem ser encontrados. Mas ninguém viu ninguém vê. Muitas vezes a intenção
do Governo é legitima e oportuna, em forma de socorro, mas à beira das estradas
estão os salteadores de dentuça de fora já antegozando a fartura dos lucros em
cima da miséria do povo faminto, destroçado pela seca. É um desaforo que se
deixe na impunidade esses exploradores dos infortunados e da própria ação
governamental. E ai do empregado que denuncie o descalabro. No mínimo será
afastado para não se meter a besta...