O RIO SÃO FRANCISCO E A CHAPADA DIAMANTINA
Grijalva Maracajá Henriques
Campina Grande, 28 de outubro de 2019
Hoje me deu uma saudade danada do velho Chico, rio que beirei durante
vários anos, pescando e caçando, tomando banho, me servindo como estrada, através
das lanchas que serviam de ônibus, com seus bancos de madeira desconfortáveis e
pequenas canoas para Neópolis, Passagem, Carrapicho, Propriá, Porto Real do
Colégio, Pão de Açúcar; parando em seus pequenos portos que dava acesso para
fazendas e arruados. Uma história leva a outra. Num belo domingo logo pela
manhã embarcamos numa minúscula canoa para caçar e pescar; Seu Domingos, seu
genro Ari e eu. A tiracolo levávamos espingardas, cigarros, frutas, almoço e
varas de pescar com seus anzóis. A
canoa encomendada, que por nossa demora, havia sido alugada para outros;
procuramos então uma substituta e só encontramos uma muito pequena. Os panos
(velas) que seu Domingos tinha era exatamente certo para a tal canoa que se
fora. Mesmo assim combinamos não voltar com toda aquela tralha.
Subimos o rio em direção a uma fazenda cujo dono era freguês da bodega
do velho Domingos. Antes de alcançarmos a cuja dita, depois de umas duas horas
de viagem, onde a água entrava na canoa pela velocidade que as velas grandes
impulsionava, avistamos no lado de Sergipe bandos e bandos de patos e paturis.
Por minha insistência, resolvemos atravessa as águas, que naquela época era de
cheia e estava muito barrenta e forte. Arriamos o pano para não virar a canoa
nesse bordejo. Seu Domingos na popa direcionando a bichinha, Ari remando no
meio e eu na proa, rezando; não sabia nadar. No meio da travessia seu Domingos
caiu n’água. A canoa virou. Quando me dei conta estava sendo puxado pelas mãos
de Ari que era um cabra forte e bom nadador, como é costume acontecer a canoa
pequena não afundou de todo, voltou a flutuar ficando só a proa e a popa de
fora d’água. Mandaram que me segurasse nas bordas, enquanto seu Domingos ia
empurrando a canoa por trás, Ari nadava com uma mão e puxava a teimosa canoinha
em direção a Sergipe que estava mais perto, enquanto isso éramos levados rio
abaixo por um bom tempo. Avistamos pessoas dentro do baixio próximo da margem
do lado de Sergipe. Gritamos, gesticulamos e eles nem dava bolas para gente,
tínhamos certeza que íamos morrer afogados. Seu Domingos muito religioso
começou a rezar e disse, vamos morrer, e, a prevenir o que fazer quando a canoa
afundasse de vez. Coisa interessante aconteceu não tive medo da morte. Mandaram
que eu fosse para a proa, balançado as pernas e usando um braço para ajudar,
que os dois iam tentar segurar a maldita e ao mesmo tempo empurrar para frente
para onde estavam as pessoas. Era tão distante que pareciam anões. Mesmo assim
era a única solução antes do desastre certo. Enquanto isso víamos as laranjas,
cigarros e muita troçada boiando fora da canoa descendo o rio em procura do
mar. Olhei e notei que meu braço direito que ficava preso na borda da canoa
estava sangrando muito do esforço que fazia para não ser levado pelas águas.
Chamei a atenção dos dois alertando do perigo do sangue para as piranhas que em
águas barrentas se tornam mais ferozes ainda. Ficaram calados.
De repente dei um grito
infernal: - Bati em um peixe grande. - Nessa época de cheia subia o rio Camurupins
enormes. - Não se mexa, disse seu Domingos. Levantei as pernas gelado de medo,
com isso, a canoa começou a afundar pela proa. Grita agora Ari – Solte a canoa
que se não afunda – Relaxei e fiquei batendo novamente com as pernas para me
manter boiando, mas segurando ainda nas bordas da bichinha nossa salvadora.
Mais uma vez, outro grito muito maior do que o primeiro: estou pisando em lama.
Ari veio para a frente conferir e de fato era lama mesmo, final das croas
(baixios submersos) que se formam e mudam de lugares sempre que o rio enche. Estávamos
salvos. Com água pelo pescoço, porém seguros, pudemos pensar mais calmamente o
que fazer. Ari desamarrou a corda na poita (âncora) e prendeu na frente da
canoa e a outra extremidade prendeu nos dentes e nadando com as duas mãos até
encontrar arreia mais dura, mesmo ainda com água pela cintura.
As pessoas na nossa frente ainda
estavam a grande distância. Gritávamos e não nos ouvia. Desistimos. Salvo da
morte certa, seu Domingos decidiu voltar para os lados das Alagoas. Não
concordei. Vou voltar a pé. Vamos puxar até a terra e de lá desço para
Neópolis. Nessa bicha não subo mais. Fui convencido que não era viável.
Estávamos distantes de Penedo mais de três léguas por terra, pela posição do
sol era mais ou menos meio dia. Tiramos toda água, e para surpresa as três
espingardas estavam lá no fundo, salvas. Até hoje a minha Belga se encontra
dependurada na parede. Quando os
corações desaceleraram, seu Domingos então contou por que caiu na água. Remava
em pé como é costume de quem vai na popa direcionando a embarcação, de repente
sentiu uma agonia infernal no peito e sabendo que seu coração já tinha sido
remendado, pulou n’água para tentar reanimar o velho relógio cansado. Escapou
de morrer nesse dia duas vezes. Voltamos agora diferente do que viemos. Eu no
meio, seu Domingos agora na frente remando e Ari comandando em pé balançando o
remo para equilibrar a canoa. Chegamos ao outro lado quase a boca da noite. Daí
em diante formos bordejando os paredões, a meu pedido, até Penedo. Ora remava
Ari, Seu Domingos e eu, chegamos em casa por volta da meia noite, mortos de
fome. Sabíamos que a zoada estava feita nas nossas casas. O alvoroço e o
chororô eram visíveis. Quando bati na porta de casa, com as calças rasgadas nas
pernas de cima até em baixo, sabia que a recepção não ia ser boa. Minha casa
era quase vizinha da bodega de seu Domingos, minha mãe abrindo a porta disse:
- Nunca mais vai pescar. Isso é coisa que se faça, deixando todo mundo
doido!
Tinha meus quinze ou dezesseis anos. Velhos tempos.... Entrou pela
perna de pato saiu pela perna de pinto, seu rei mandou dizer que depois eu
contasse mais cinco...
Voltado ao início, comecei a ler os livros sobre a vida do Rio São
Francisco, que meu pai deixou de herança. O Homem no Vale do São Francisco,
dois volumes, onde o autor cita meu pai como colaborador da região do baixo são
Francisco, O Vale do são Francisco, o Médio São Francisco, O Rio São Francisco,
Ribeira do São Francisco; todos eles fazem menção do livro O RIO SÃO FRANCISCO
E A CHAPADA DIAMANTINA de Teodoro Sampaio. Como não tinha na coleção pesquisei
e baixei o dito cujo. Livro fabuloso. Fui então, como faço sempre, saber tudo
sobre o autor. E descobri essa figura fantástica. Escrevo essa história e
publico também no meu Blog, para ver ser algum “Afrodescendente” valorize esse
homem notável da história do nosso Brasil.
Biografia
Teodoro Fernandes Sampaio (Santo Amaro da Purificação, 7 de janeiro de
1855 — Rio de Janeiro, 11 de outubro de 1937) foi um engenheiro geógrafo,
escritor e historiador brasileiro.
Nasceu no Engenho Canabrava, pertencente ao visconde de Aramaré, hoje
localizado no município baiano de Teodoro Sampaio.
Era filho da escrava Domingas da Paixão do Carmo e do padre Manuel
Fernandes Sampaio. Ainda em Santo Amaro estuda as primeiras letras no colégio
do professor José Joaquim Passos. É levado pelo pai, em 1864 para São Paulo e
depois para o Rio de Janeiro, onde estuda no Colégio São Salvador e, em
seguida, ingressa no curso de Engenharia do Colégio Central. Ao tempo em que
estuda leciona nos Colégios São Salvador e Abílio, do também baiano Abílio
César Borges (Barão de Macaúbas), sendo ainda contratado como desenhista do
Museu Nacional.
Formou-se em 1877, quando finalmente volta a Santo Amaro, na Bahia,
onde nasceu. Ali, revê a mãe e os irmãos, e comprando, no ano seguinte, a carta
de alforria de seu irmão Martinho, gesto que repete com os irmãos Ezequiel
(1882) e Matias (em 1884). Por ser filho de branco, Sampaio nunca fora um
escravo.
Em 1879 integra a Comissão Hidráulica, nomeada pelo imperador Dom Pedro
II, sendo o único engenheiro brasileiro entre estadunidenses.
A convite de Orville Derby, que conhecera numa expedição aos sertões sanfranciscanos,
participa de nova comissão que realiza o levantamento geológico do Estado de
São Paulo (1886). Antes havia realizado o trabalho de prolongamento da linha
férrea de Salvador ao São Francisco (1882). No ano seguinte é nomeado
engenheiro chefe da Comissão de Desobstrução do Rio São Francisco, que deixa em
virtude do convite de Derby para trabalhar em São Paulo. Ali, dentre outras
realizações, participa em 1890 da Companhia Cantareira (engenheiro-chefe), é
nomeado Diretor e Engenheiro Chefe do Saneamento do Estado de São Paulo (de
1898 a 1903). Participou da fundação da Escola Politécnica, junto com Sales Oliveira
e com o Coronel Jardim.
Foi, em 1894, um dos fundadores do Instituto Histórico e Geográfico de
São Paulo; membro do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (1898), que
presidiu em 1922; sócio do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1902).
Teodoro Sampaio, que nasceu negro e filho de escrava, foi um dos
maiores pensadores brasileiros de seu tempo. Engenheiro por profissão,
legou-nos uma bibliografia de vasta erudição geográfica e histórica sobre a
contribuição das bandeiras paulistas
na formação do território nacional, entre outros temas. É formidável sua
sofisticação na percepção da importância dos saberes indígenas (caminhos, mas
não só) na odisseia bandeirante. Igualmente digna de consideração foi sua
contribuição ao estudo de vários rios brasileiros, de pinturas rupestres em sítios
arqueológicos nacionais, do tupi na geografia brasileira e da geologia no País.
Neste campo, a geologia brasileira,
participou de momentos marcantes, como a expedição de Orville Derby ao vale do
rio São Francisco e de comissões específicas. Além disso, foi grande amigo
de Euclides da
Cunha, e auxiliou o escritor com conhecimentos sobre o
sertão baiano na elaboração do livro Os Sertões.
Seu nome figura na memória intelectual do País ao lado de Capistrano de Abreu, Joaquim Nabuco, Nina Rodrigues e outros do
mesmo patamar. Em sua memória, foram batizados dois municípios brasileiros (na Bahia e em São Paulo) e também uma
importante rua da cidade de São Paulo.
Principais obras
O rio São Francisco
e a chapada Diamantina (1906)
O tupi na
geografia nacional (1901),
Atlas dos
Estados Unidos do Brasil (1908)
Dicionário
histórico, geográfico e etnográfico do Brasil (1922)
História da
Fundação da Cidade do Salvador (póstumo).