segunda-feira, 16 de maio de 2016

PEDRA ENCANTADA


- O autor tempos atrás -
14 de maio de 1838 – 14 de maio de 2016
178 anos da hecatombe da Pedra do Reino

Para relembrar a história da Pedra, nesta data, fui cutucar nos meus arquivos e encontrei minhas primeiras anotações sobre o caso.
Meu primeiro contato com a história da Pedra Bonita, Pedra do Reino ou Pedra Encantada, se deu com essa personagem há mais de trinta anos atrás. Tempo depois se tornou, minha dissertação (TCC) no curso de História na Universidade Estadual Vale do Acaraú e atualmente estou construindo, um texto literário, remontando a genealogia dos personagens, onde só se sabe que o Antonio Pedro era um mameluco vindo da Paraíba. O resto quem viver verá...

HISTÓRIA DE PEDRA BONITA
De tanto ouvir Tatiz (Beatriz Pereira Neves) tia de minha esposa, falar sobre a batalha da Pedra do Reino me deixava tão curioso que puxava conversa com ela insistentemente até me contar religiosamente como acontecera tudo.
Naquela época já na casa dos setenta anos ou mais. Hoje, com um século de experiência vivida, lúcida e bonita, apenas o que mudou na sua vida foi sua residência. Antes morava numa casa própria, com todo conforto, onde era dona da sua vontade. Hoje, aos cuidados de médicos, alugou um apartamento no hospital do seu sobrinho para ser mais bem assistida.
Nasceu no dia 17 de janeiro de 1910 na cidade de Jardim sul do Ceará, no sítio Belo-Horizonte (em casa construída por seu pai e que ainda continua em perfeito estado de conservação, onde hoje mora minha sogra com sua família); debaixo das asas protetoras da Chapada do Araripe, onde sempre corre forte e saudável refrigério, de inverno a verão e que sustenta vários engenhos de rapadura.
Diplomada pelo Colégio das Dorotéias em Fortaleza. Voltando a sua cidade natal, ensinou a centenas de alunos no Grupo Escolar de Jardim, até à sua aposentadoria.
Toda vez que eu ia a passeio a Jardim, tinha por obrigação de visitá-la, para vê-la e para ouvi-la contar histórias verídicas da sua família: Os Pereiras: Onde tinha de Barão a Cangaceiro (Barão do Pajeú e os lendários Sinhô Pereira e Luis Padre) tinha quase tudo escrito em agendas e cadernos, mas nunca precisava deles para narrar essas histórias, sabia tudo de cor, é uma autêntica historiadora.
Um dia ela me mostrou numa agenda o que havia escrito sobre a Pedra do Reino; a qual xeroquei e transcrevo agora ipsis litteris:
Nota – Desencarnou em 2012.

Beatriz Pereira Neves
(Manuel Pereira era irmão do meu avô materno Joaquim)

Questão de Pedra Bonita – hoje Pedra do Reino
Este histórico é resultado de uma pesquisa em livro de Gustavo Barroso, Dr. Antonio Áttico de Souza Leite, Pe. Correia de Albuquerque, do vaqueiro de Manoel Pereira* (José Gomes) testemunha ocular e de minha mãe, filha de um dos combatentes.
Desde 1819 era pregado nos sertões, em versos ou falsas histórias a ressurreição de D. Sebastião, rei de Portugal, desaparecido na batalha de Alcácer Quibir. #
Perto de Vila Bela, hoje Serra Talhada e, distante mais ou menos 14 léguas da fazenda Carnaúba de Joaquim Pereira (meu avô materno) existem um cenário adequado à tragédia que se ia desenrolar.
Ali naquele sertão de solo áspero encontram-se duas torres de pedra, uma com 150 palmos ou 30 metros de altura e outra com 148 palmos ou 29 metros. Uma delas é coberta de mica brilhante, recebeu o nome de Pedra Bonita. Entre as duas, há um corredor arejado e claro. Ao pé de uma delas, larga área formada por 3 grandes lajes que se apóiam nas duas torres. Depois um amontoado de rochas com um terraço em cima. Do outro lado uma laje baixa lembrando um altar, e pouco adiante uma vasta caverna com a capacidade para 200 pessoas e em derredor muitos catolezeiros, que ao sopro do vento produzem sons que parecem verdadeiros gemidos.
No começo do ano de 1836 apareceu nesta região um caboclo chamado João Antonio dos Santos, que diziam ter vindo do Catolé do Rocha, Paraíba, o qual mostrava aos habitantes ignorantes daquelas brenhas umas pedrinhas bancas e brilhosas; dizendo serem brilhantes de uma mina oculta que descobrira. Lia também trechos em versos de um velho folheto sebastianista no qual se contava que D. Sebastião desapareceu na batalha Alcácer Quibir ressuscitaria quando se lavasse com sangue humano aquelas pedras erguidas no campo, e “quando João se casasse com Maria”, aquele reino desencantaria. Logo João Antonio casou-se com uma jovem chamada Maria, e começou a receber a maior sagacidade, dos moradores da redondeza, gado, dinheiro, etc., dizendo que seriam devolvidos em dobro, por El Rei D. Sebastião.
Seduzidos pelas promessas da mina de diamante, afluía gente de toda aquela redondeza para o local misterioso. A pedra chata começou a servir de altar. O terraço passou a ser a tribuna de onde o sagaz João Antonio pregava para o povo pulando que nem um cabrito. A caverna grande se chamava casa santa e era abrigo dos fanáticos. A pequena, o santuário. Seu próprio pai Gonçalo José dos Santos, seu irmão Pedro Antonio e seus tios e parentes Carlos Vieira e irmãos, José Maria Juca e João Filé, seus cunhados João Ferreira, acreditaram piamente e espalhava o novo credo, o mais que podia; assim foi atraindo gente de Piancó, dos Inhamúns, do Cariri, do Riacho do Navio, das duas margens do São Francisco, etc. As pessoas mais esclarecidas, alarmadas com as teorias empregadas em tais reuniões, reclamaram a presença do velho missionário Francisco José Correia de Albuquerque, pedindo nova missão. Este veio instalou-se na fazenda Cachoeira, perto da Pedra Bonita, e mandou chamar João Antonio dos Santos à sua presença, o qual depois de ouvir o padre, confessou publicamente os embustes de que lançara. Não lhe entregou as pedrinhas brilhosas, e prometeu ir embora, o que o fez, seguindo para o Rio do Peixe, daí para os Inhamúns, sendo preso anos mais tarde no interior de Minas Gerais.
Na sua ausência o seu cunhado João Ferreira, assumiu o seu lugar proclamando-se rei do reino encantado e João Antonio, embusteiro nato, de longe instruía. João Ferreira usava na cabeça uma coroa de cipó de japecanga e falava ao povo do terraço da pedra, cantando e pulando como um possesso do demônio. Em seguida levava-os para a Casa Santa onde bebiam o vinho encantado, uma composição de jurema e manacá com que se embriagam até cair.
Ali Frei Simão, que na era outro senão seu primo Manoel Vieira, que se fez de frade, fazia casamento e em seguida entregava a noiva ao Frei para ser dispensada, dispensa esta, que consistia em passar à noiva a 1ª. Noite com o Rei, que no dia seguinte a entregava ao marido, já dispensada. Terminada a bebedeira os fanáticos fumavam cachimbos para verem as riquezas, segundo dizia José Gomes, testemunha ocular, que contava também, que todos os dias seu Tio José Joaquim em companhia de outros, saia e quando voltavam por caminhos furtados traziam homens, mulheres e cães que encontravam; como sucedeu com ele.
Sempre que o rei João Ferreira pregava, dizia que seu cunhado, o rei João Antonio, estava reunindo gente no cariri, de onde, voltaria brevemente para ajudá-lo na restauração do reino e que aquele reino era encantado e só desencantaria quando as pedras e os campos vizinhos fossem banhados com o sangue de inocentes, jovens, velhos e irracionais. Isto era necessário não só para apressar a vinda de D. Sebastião, trazendo as riquezas, como também, para que as criaturas ali imoladas ressuscitassem com todas as vantagens: brancas, ricas, poderosas, moças e imortais. Os cães se levantariam como valentes dragões para devorarem aqueles que não acreditassem.      Então começou a matança que durou 3 dias: 214,15 e 16 de maio de 1838. Na manhã do dia 17 o rei João Ferreira foi destronado, porque Pedro Antonio, irmão de João Antonio, o fundador deste embuste, tremendo, subiu ao terraço da pedra e disse ter sonhado com D. Sebastião, dizendo que faltava somente a presença dele, que era o verdadeiro rei, para o reino desencantar. João Ferreira ao ouvir isto, tremia que nem vara verde e os fanáticos gritavam pedindo sua morte. Os irmãos Vieira agarraram-no e mataram-no, quebrando-lhe a cabeça e extraindo as entranhas. Seu cadáver foi atado a duas árvores fortes por causa dos berros, roncarias e dos sinistros movimentos que ele depois de morto executava com a boca, com o ventre e com os braços. Era de fato um possesso do demônio.
Então Pedro Antonio tomou a coroa e ficou sendo D. Pedro I. A estas alturas já se encontravam em derredor da pedra os cadáveres de 14 cães, 30 crianças que as mães colocavam seus corpos na pedra para serem degolados, na ânsia de vê-los ressuscitados ricos, poderosos e imortais. A idade deles ia de 10 a 8 anos. Havia também os cadáveres de 11 mulheres, estando duas com filhinhos no ventre; 12 homens que morreram de espontânea vontade, e o do rei João Ferreira atado as duas árvore.
No dia da matança fugiu dois meninos apavorados, que foram contar ao fazendeiro de Poços, Manoel Ledo, o que estava ocorrendo na Pedra Bonita. Neste mesmo dia 14 de maio, fugiu também amedrontado José Gomes, (o vaqueiro de Manoel Ferreira de Serra Talhada), que se achava sumido há vários dias e presumiam que ele estivesse lá, o que realmente aconteceu. No campo, o vaqueiro encontrou Alexandre Pereira, irmão do seu patrão (Manoel Pereira) e atemorizado que vinha gritou: não me mate seu Alexandre. Este respondeu: tu és besta, negro, que mal te posso fazer? Monta aqui na garupa do meu cavalo. O vaqueiro obedeceu e cravou-lhe um punhal nas costas.
Manoel Pereira que já era sabedor do que estava se passando na Pedra Bonita, dos roubos de gado etc. e com a morte do irmão (dia 14 de maio) no dia 18 de maio de 1838 reuniu seus oito irmãos: Antonio, Cipriano, Francisco, João, Joaquim, (meu avô materno) Sebastião, Simplício, Vitorino e alguns acostados e marcharam sem detença para Pedra Bonita. Não tiveram sorte, porque lá não havia ninguém. Os fanáticos não suportando a fedentina dos cadáveres em putrefação, haviam se retirado para uns umbuzeiros um pouco distante. Dirigiram-se para lá e deram com o rei Pedro Antonio com uma coroa de cipó de japecanga à cabeça, nu da cintura para cima, comandando grande número de homens, mulheres e meninos armados de facão e cacetes.
Os fanáticos investiram como verdadeiras feras contra aquele punhado de homens, aos gritos de: viva El Rei D. Sebastião. Travou-se luta tremenda entre o diminuto grupo de Manoel Pereira e o aluvião de endemoniados, dos quais 16 foram mortos, inclusive o próprio rei. Manoel pereira perdeu mais um irmão, Vitorino, que era coxo de uma perna e 4 acostados e houve muitos feridos da parte dos fanáticos. Os sebastianistas recuaram, mas esbarraram com a força do capitão Simplício Pereira (que não foi no grupo dos irmãos, mas pela Serra Vermelha) e chegava em marcha forçada, os atacavam pela retaguarda e deu-se a derrota completa e a maioria rendeu-se, dizendo que se entregavam a Manoel Pereira. Simplício ao saber da morte do irmão Vitorino, dos 4 acostados, além da morte de Alexandre, que o trouxera até ali, indignado, quis linchar todos os prisioneiros, mas Manoel Pereira, apesar da morte dos dois irmãos, não consentiu que tocasse num fio de cabelo dos vencidos e os entregou à justiça. Simplício ficou indignado com a atitude do irmão, mas obedeceu.
Manoel Pereira mandou chamar o Pe. Correia Albuquerque, que veio e mandou abrir grande cova, nela sepultado todas as carcaças e ossadas, diante das duas colunas de pedra e colocou sobre a sepultura grande cruz de madeira tosca.
O satânico João Antonio dos Santos criador desta idéia demoníaca que anos antes se retirara da Pedra Bonita, conforme prometera ao Pe. Correia, mas que de longe instruía os fanáticos, logo que soube do acontecimento de Pedra Bonita, levantou acampamento e mandou um recado a Manoel Pereira, dizendo que vinha voltando para a Pedra do Reino e desta vez era pra valer. Então Simplício Pereira nomeou dos homens da sua confiança, oficial de justiça, (Isidório e outro) e mandou-os ao encontro de João Antonio. Este estava num samba quando chegaram os dois cabras, prenderam-no, algemaram–no e vinham trazendo de volta, mas como a viagem era longa e fatigante, um dos homens adoeceu de maleita, com febre alta, o outro camarada, com medo de adoecer também, pois já começava a sentir ameaça da doença e temendo que o preso usasse de algum sortilégio e os matasse, combinou com o amigo e resolveram matá-lo, o que fizeram no lugar denominado, Lagoa Encantada, 3 léguas antes da Vila de xique-xique e trouxeram as duas orelhas e alguns documentos, a fim de provarem que o haviam matado.
Assim terminou o drama satânico da Pedra Bonita, hoje Pedra do Reino.

Notas sobre o croqui.

1)                25 crianças imoladas de 1 a 8 anos
2)                12 homens
3)                11 mulheres
4)                14 cães
5)                Grupo de fanáticos mortos no combate
6)                Tribuna de pedra onde o rei pregava
7)                Caverna ou casa santa
8)                Cruz de madeira tosca
9)                Catolezeiros
10)            Imbuzeiros, local do combate.
11)            Rampa da matança
12)            Cadáver do rei João Ferreira atado a duas árvores
13)            Duas torres de pedra