- O autor tempos atrás -
14 de maio de 1838 – 14 de maio de 2016
178 anos da hecatombe da Pedra do Reino
Para relembrar a história da Pedra, nesta data,
fui cutucar nos meus arquivos e encontrei minhas primeiras anotações sobre o
caso.
Meu primeiro contato com a história da Pedra
Bonita, Pedra do Reino ou Pedra Encantada, se deu com essa personagem há mais
de trinta anos atrás. Tempo depois se tornou, minha dissertação (TCC) no curso
de História na Universidade Estadual Vale do Acaraú e atualmente estou construindo,
um texto literário, remontando a genealogia dos personagens, onde só se sabe
que o Antonio Pedro era um mameluco vindo da Paraíba. O resto quem viver
verá...
HISTÓRIA DE
PEDRA BONITA
De tanto ouvir Tatiz (Beatriz Pereira Neves)
tia de minha esposa, falar sobre a batalha da Pedra do Reino me deixava tão
curioso que puxava conversa com ela insistentemente até me contar religiosamente
como acontecera tudo.
Naquela época já na casa dos setenta anos ou
mais. Hoje, com um século de experiência vivida, lúcida e bonita, apenas o que mudou na sua vida foi sua
residência. Antes morava numa casa própria, com todo conforto, onde era dona da
sua vontade. Hoje, aos cuidados de médicos, alugou um apartamento no hospital
do seu sobrinho para ser mais bem assistida.
Nasceu no dia 17 de janeiro de 1910 na cidade
de Jardim sul do Ceará, no sítio Belo-Horizonte (em casa construída por seu pai
e que ainda continua em perfeito estado de conservação, onde hoje mora minha
sogra com sua família); debaixo das asas protetoras da Chapada do Araripe, onde
sempre corre forte e saudável refrigério, de inverno a verão e que sustenta
vários engenhos de rapadura.
Diplomada pelo Colégio das Dorotéias em
Fortaleza. Voltando a sua cidade natal, ensinou a centenas de alunos no Grupo
Escolar de Jardim, até à sua aposentadoria.
Toda vez que eu ia a passeio a Jardim, tinha
por obrigação de visitá-la, para vê-la e para ouvi-la contar histórias
verídicas da sua família: Os Pereiras: Onde tinha de Barão a Cangaceiro (Barão
do Pajeú e os lendários Sinhô Pereira e Luis Padre) tinha quase tudo escrito em
agendas e cadernos, mas nunca precisava deles para narrar essas histórias, sabia tudo de cor, é uma autêntica
historiadora.
Um dia ela me mostrou numa agenda o que havia
escrito sobre a Pedra do Reino; a qual xeroquei e transcrevo agora ipsis
litteris:
Nota – Desencarnou em 2012.
Beatriz Pereira Neves
(Manuel Pereira era irmão do meu avô materno
Joaquim)
Questão de Pedra Bonita – hoje Pedra do Reino
Este histórico é resultado de uma pesquisa em
livro de Gustavo Barroso, Dr. Antonio Áttico de Souza Leite, Pe. Correia de
Albuquerque, do vaqueiro de Manoel Pereira* (José Gomes) testemunha ocular e de
minha mãe, filha de um dos combatentes.
Desde 1819 era pregado nos sertões, em versos
ou falsas histórias a ressurreição de D. Sebastião, rei de Portugal, desaparecido
na batalha de Alcácer Quibir. #
Perto de Vila Bela, hoje Serra Talhada e,
distante mais ou menos 14 léguas da fazenda Carnaúba de Joaquim Pereira (meu
avô materno) existem um cenário adequado à tragédia que se ia desenrolar.
Ali naquele sertão de solo áspero encontram-se
duas torres de pedra, uma com 150 palmos ou 30 metros de altura e outra com 148
palmos ou 29 metros. Uma delas é coberta de mica brilhante, recebeu o nome de
Pedra Bonita. Entre as duas, há um corredor arejado e claro. Ao pé de uma delas,
larga área formada por 3 grandes lajes que se apóiam nas duas torres. Depois um
amontoado de rochas com um terraço em cima. Do outro lado uma laje baixa
lembrando um altar, e pouco adiante uma vasta caverna com a capacidade para 200
pessoas e em derredor muitos catolezeiros, que ao sopro do vento produzem sons
que parecem verdadeiros gemidos.
No começo do ano de 1836 apareceu nesta região
um caboclo chamado João Antonio dos Santos, que diziam ter vindo do Catolé do
Rocha, Paraíba, o qual mostrava aos habitantes ignorantes daquelas brenhas umas
pedrinhas bancas e brilhosas; dizendo serem brilhantes de uma mina oculta que
descobrira. Lia também trechos em versos de um velho folheto sebastianista no
qual se contava que D. Sebastião desapareceu na batalha Alcácer Quibir
ressuscitaria quando se lavasse com sangue humano aquelas pedras erguidas no
campo, e “quando João se casasse com Maria”, aquele reino desencantaria. Logo
João Antonio casou-se com uma jovem chamada Maria, e começou a receber a maior
sagacidade, dos moradores da redondeza, gado, dinheiro, etc., dizendo que
seriam devolvidos em dobro, por El Rei D. Sebastião.
Seduzidos pelas promessas da mina de diamante,
afluía gente de toda aquela redondeza para o local misterioso. A pedra chata
começou a servir de altar. O terraço passou a ser a tribuna de onde o sagaz
João Antonio pregava para o povo pulando que nem um cabrito. A caverna grande
se chamava casa santa e era abrigo dos fanáticos. A pequena, o santuário. Seu
próprio pai Gonçalo José dos Santos, seu irmão Pedro Antonio e seus tios e
parentes Carlos Vieira e irmãos, José Maria Juca e João Filé, seus cunhados
João Ferreira, acreditaram piamente e espalhava o novo credo, o mais que podia;
assim foi atraindo gente de Piancó, dos Inhamúns, do Cariri, do Riacho do
Navio, das duas margens do São Francisco, etc. As pessoas mais esclarecidas,
alarmadas com as teorias empregadas em tais reuniões, reclamaram a presença do
velho missionário Francisco José Correia de Albuquerque, pedindo nova missão.
Este veio instalou-se na fazenda Cachoeira, perto da Pedra Bonita, e mandou
chamar João Antonio dos Santos à sua presença, o qual depois de ouvir o padre,
confessou publicamente os embustes de que lançara. Não lhe entregou as
pedrinhas brilhosas, e prometeu ir embora, o que o fez, seguindo para o Rio do
Peixe, daí para os Inhamúns, sendo preso anos mais tarde no interior de Minas
Gerais.
Na sua ausência o seu cunhado João Ferreira,
assumiu o seu lugar proclamando-se rei do reino encantado e João Antonio,
embusteiro nato, de longe instruía. João Ferreira usava na cabeça uma coroa de
cipó de japecanga e falava ao povo do terraço da pedra, cantando e pulando como
um possesso do demônio. Em seguida levava-os para a Casa Santa onde bebiam o
vinho encantado, uma composição de jurema e manacá com que se embriagam até
cair.
Ali Frei Simão, que na era outro senão seu
primo Manoel Vieira, que se fez de frade, fazia casamento e em seguida
entregava a noiva ao Frei para ser dispensada, dispensa esta, que consistia em
passar à noiva a 1ª. Noite com o Rei, que no dia seguinte a entregava ao
marido, já dispensada. Terminada a bebedeira os fanáticos fumavam cachimbos
para verem as riquezas, segundo dizia José Gomes, testemunha ocular, que
contava também, que todos os dias seu Tio José Joaquim em companhia de outros,
saia e quando voltavam por caminhos furtados traziam homens, mulheres e cães
que encontravam; como sucedeu com ele.
Sempre que o rei João Ferreira pregava, dizia
que seu cunhado, o rei João Antonio, estava reunindo gente no cariri, de onde,
voltaria brevemente para ajudá-lo na restauração do reino e que aquele reino
era encantado e só desencantaria quando as pedras e os campos vizinhos fossem
banhados com o sangue de inocentes, jovens, velhos e irracionais. Isto era necessário
não só para apressar a vinda de D. Sebastião, trazendo as riquezas, como
também, para que as criaturas ali imoladas ressuscitassem com todas as
vantagens: brancas, ricas, poderosas, moças e imortais. Os cães se levantariam
como valentes dragões para devorarem aqueles que não acreditassem. Então começou a matança que durou 3 dias:
214,15 e 16 de maio de 1838. Na manhã do dia 17 o rei João Ferreira foi
destronado, porque Pedro Antonio, irmão de João Antonio, o fundador deste
embuste, tremendo, subiu ao terraço da pedra e disse ter sonhado com D.
Sebastião, dizendo que faltava somente a presença dele, que era o verdadeiro
rei, para o reino desencantar. João Ferreira ao ouvir isto, tremia que nem vara
verde e os fanáticos gritavam pedindo sua morte. Os irmãos Vieira agarraram-no
e mataram-no, quebrando-lhe a cabeça e extraindo as entranhas. Seu cadáver foi
atado a duas árvores fortes por causa dos berros, roncarias e dos sinistros
movimentos que ele depois de morto executava com a boca, com o ventre e com os
braços. Era de fato um possesso do demônio.
Então Pedro Antonio tomou a coroa e ficou
sendo D. Pedro I. A estas alturas já se encontravam em derredor da pedra os
cadáveres de 14 cães, 30 crianças que as mães colocavam seus corpos na pedra
para serem degolados, na ânsia de vê-los ressuscitados ricos, poderosos e
imortais. A idade deles ia de 10 a 8 anos. Havia também os cadáveres de 11
mulheres, estando duas com filhinhos no ventre; 12 homens que morreram de
espontânea vontade, e o do rei João Ferreira atado as duas árvore.
No dia da matança fugiu dois meninos
apavorados, que foram contar ao fazendeiro de Poços, Manoel Ledo, o que estava
ocorrendo na Pedra Bonita. Neste mesmo dia 14 de maio, fugiu também amedrontado
José Gomes, (o vaqueiro de Manoel Ferreira de Serra Talhada), que se achava
sumido há vários dias e presumiam que ele estivesse lá, o que realmente
aconteceu. No campo, o vaqueiro encontrou Alexandre Pereira, irmão do seu
patrão (Manoel Pereira) e atemorizado que vinha gritou: não me mate seu Alexandre.
Este respondeu: tu és besta, negro, que mal te posso fazer? Monta aqui na
garupa do meu cavalo. O vaqueiro obedeceu e cravou-lhe um punhal nas costas.
Manoel Pereira que já era sabedor do que
estava se passando na Pedra Bonita, dos roubos de gado etc. e com a morte do
irmão (dia 14 de maio) no dia 18 de maio de 1838 reuniu seus oito irmãos:
Antonio, Cipriano, Francisco, João, Joaquim, (meu avô materno) Sebastião,
Simplício, Vitorino e alguns acostados e marcharam sem detença para Pedra
Bonita. Não tiveram sorte, porque lá não havia ninguém. Os fanáticos não
suportando a fedentina dos cadáveres em putrefação, haviam se retirado para uns
umbuzeiros um pouco distante. Dirigiram-se para lá e deram com o rei Pedro
Antonio com uma coroa de cipó de japecanga à cabeça, nu da cintura para cima,
comandando grande número de homens, mulheres e meninos armados de facão e
cacetes.
Os fanáticos investiram como verdadeiras feras
contra aquele punhado de homens, aos gritos de: viva El Rei D. Sebastião.
Travou-se luta tremenda entre o diminuto grupo de Manoel Pereira e o aluvião de
endemoniados, dos quais 16 foram mortos, inclusive o próprio rei. Manoel
pereira perdeu mais um irmão, Vitorino, que era coxo de uma perna e 4 acostados
e houve muitos feridos da parte dos fanáticos. Os sebastianistas recuaram, mas
esbarraram com a força do capitão Simplício Pereira (que não foi no grupo dos
irmãos, mas pela Serra Vermelha) e chegava em marcha forçada, os atacavam pela
retaguarda e deu-se a derrota completa e a maioria rendeu-se, dizendo que se
entregavam a Manoel Pereira. Simplício ao saber da morte do irmão Vitorino, dos
4 acostados, além da morte de Alexandre, que o trouxera até ali, indignado,
quis linchar todos os prisioneiros, mas Manoel Pereira, apesar da morte dos dois
irmãos, não consentiu que tocasse num fio de cabelo dos vencidos e os entregou
à justiça. Simplício ficou indignado com a atitude do irmão, mas obedeceu.
Manoel Pereira mandou chamar o Pe. Correia
Albuquerque, que veio e mandou abrir grande cova, nela sepultado todas as
carcaças e ossadas, diante das duas colunas de pedra e colocou sobre a
sepultura grande cruz de madeira tosca.
O satânico João Antonio dos Santos criador
desta idéia demoníaca que anos antes se retirara da Pedra Bonita, conforme
prometera ao Pe. Correia, mas que de longe instruía os fanáticos, logo que
soube do acontecimento de Pedra Bonita, levantou acampamento e mandou um recado
a Manoel Pereira, dizendo que vinha voltando para a Pedra do Reino e desta vez
era pra valer. Então Simplício Pereira nomeou dos homens da sua confiança,
oficial de justiça, (Isidório e outro) e mandou-os ao encontro de João Antonio.
Este estava num samba quando chegaram os dois cabras, prenderam-no,
algemaram–no e vinham trazendo de volta, mas como a viagem era longa e
fatigante, um dos homens adoeceu de maleita, com febre alta, o outro camarada,
com medo de adoecer também, pois já começava a sentir ameaça da doença e
temendo que o preso usasse de algum sortilégio e os matasse, combinou com o
amigo e resolveram matá-lo, o que fizeram no lugar denominado, Lagoa Encantada,
3 léguas antes da Vila de xique-xique e trouxeram as duas orelhas e alguns
documentos, a fim de provarem que o haviam matado.
Assim terminou o drama satânico da Pedra
Bonita, hoje Pedra do Reino.
Notas sobre o croqui.
1)
25 crianças imoladas de 1 a 8 anos
2)
12 homens
3)
11 mulheres
4)
14 cães
5)
Grupo de fanáticos mortos no combate
6)
Tribuna de pedra onde o rei pregava
7)
Caverna ou casa santa
8)
Cruz de madeira tosca
9)
Catolezeiros
10)
Imbuzeiros, local do combate.
11)
Rampa da matança
12)
Cadáver do rei João Ferreira atado a
duas árvores
13)
Duas torres de pedra