A VIDA DOS LEGIONÁRIOS ROMANOS
Durante os mais de vinte anos que durava seu
serviço militar, os legionários viviam em áreas de fronteira, sujeitos a uma
disciplina severa. Muito do aconteceu com estes combatentes no passado, faz
parte da rotina de vários quartéis pelo mundo afora.
“Um homem que se alista no exército muda de vida
completamente. Para de ser alguém que toma suas próprias decisões e embarca
numa nova vida, deixando para trás a anterior”.
O grego Artemidoro de Daldis, também conhecido como
Artemidoro de Éfeso, que viveu na segunda metade do século II D.C., explicou em
seus escritos a mudança drástica da sua vida quando se tornou um legionário
romano.
Naqueles tempos muitos queriam seguir por esse
caminho, pois além da demanda por soldados ser intensa em meio a tantas
guerras, a carreira oferecia muitos incentivos aos candidatos. Roma precisava a
cada ano de 7.500 e 10.000 novos recrutas e a vida no exército garantia comida,
abrigo e um salário que, se não fosse bem superior ao de um trabalhador livre,
tinha a vantagem de ser corrigido.
Havia também atendimento de saúde, oportunidades de promoção interna,
bem como certos privilégios ao lidar com processos judiciais.
Durante o serviço o combatente romano poderia
aprender uma profissão, aprender a ler e escrever e receber uma melhor
assistência médica do que a média dos outros romanos. Além disso, o graduado
receberia uma quantia de dinheiro ou terras ao fim da carreira.
Naturalmente não faltavam exigências: o legionário
devia obedecer às ordens sem contestação, onde suas faltas eram punidas com
fortes castigos corporais e a pena de morte era aplicada sem grandes opções de
defesa. Também eles não podiam se casar legalmente, embora na prática muitos
soldados tivessem mulheres e filhos não reconhecidos oficialmente.
A vida no campo
Tal como hoje em qualquer exército, para um homem
entrar numa Legião Romana (Romana Legio, em latim) tinha de cumprir uma série
de requisitos verificados pelos oficiais de recrutamento. Como o serviço durava
cerca de vinte e cinco anos, o candidato tinha de ser jovem, com não mais de
vinte anos de idade. Era dada preferência aos homens do campo, porque eles
viviam em condições duras e eram naturalmente preparados para aguentar mais
facilmente os rigores da vida militar.
A altura ideal de um recruta para infantaria, ou
cavalaria, variou entre 1,72 e 1,77 metros de altura, embora não eram
rejeitados aqueles mais baixos, mas tinham que ser fortemente constituídos. No
final do Império a exigência de altura caiu para 1,65.
Uma certa simplicidade e ignorância também eram
necessários a este militar, com vista as fileiras não terem homens que
questionassem as ordens recebidas. Mas, para ocupar cargos administrativos,
isso não excluía alguns recrutas que tivessem educação em letras e números.
Era muito valioso para as Legiões aqueles que
trouxessem da vida civil uma profissão e habilidades úteis para a vida nos
acampamentos, como ferreiros, carpinteiros e caçadores. Alguns fizeram uso de
cartas de recomendação escritas por pessoas influentes, em que as suas
competências foram exaltadas.
Após o recrutamento o legionário estava destinado a
sua unidade, inicialmente em um pequeno quartel localizado nas brenhas do
Império Romano, onde o novo militar viveria de uma forma totalmente diferente
do ambiente civil.
Estes aquartelamentos tinham uma estrutura comum,
embora cada um pudesse apresentar as suas próprias particularidades.
Normalmente sua forma era retangular e sua extensão
cobria cerca de vinte ou vinte e cinco hectares. Havia duas ruas principais: a
via principalis, que ficava no centro e nas laterais do campo; e a via
praetoria, que era a entrada principal, que seguia até o coração do
acampamento. No centro geralmente ficava a sede administrativa da unidade
militar, o comando. No mesmo ponto poderia haver uma grande praça, um pórtico,
ou um templo. Este último era o espaço mais prestigiado, onde altares, estátuas
e bustos de imperadores ficavam expostos e mantidos, além dos padrões e a águia
que representava a Legião.
Ao lado destas dependências normalmente ficava a
residência do comandante, sempre de qualidade superior, onde este vivia com sua
família e sua comitiva de escravos. Aos centuriões e legionários sobravam as
dependências comuns e coletivas do quartel.
O hospital (do latim “hospes”, que significa
hóspede, dando origem a “hospitalis” e a “hospitium”) era um edifício
essencial.
Ali era comum a presença dos soldados atingidos por
ferimentos de combate ou, mais comumente, por doenças e acidentes da dura
rotina diária. O hospital costumava ter um pátio central, em torno do qual os
alojamentos para os enfermos estavam prontos. Os militares eram assistidos por
médicos militares com certo grau de profissionalismo. As descobertas de instrumentos
médicos e informações de receitas criadas por médicos militares indicam uma
maior qualidade de cuidados que os militares recebiam em relação a um civil que
não tinham recursos para pagar um médico particular.
Muitos soldados viviam em longos barracões, onde
era normal serem alojados cerca de cinquenta homens, que por sua vez eram
subdivididos em grupos de dez. Cada um desses grupos, chamados Contubérnio,
tinha duas pequenas salas, com cerca de cinco metros quadrados cada: uma para a
guarda de bens pessoais e armas e outra que servia como dormitório.
Embora possa parecer um pequeno lugar para viver,
era muitas vezes melhor do que as condições de habitação que viviam os civis
romanos de baixa renda. Mas também na maioria das vezes os soldados estavam
sempre em suas tarefas diárias fora do quartel.
O centurião tinha o seu alojamento em quartos mais
espaçosos, em uma extremidade da unidade militar e sua missão era comandar.
Muitos centuriões buscavam uma positiva convivência com seus homens nos
quarteis, mas muitos agiam duramente e com muita brutalidade e arbitrariedade.
Alguns centuriões utilizavam pedaços de madeira para punir adequadamente as
faltas dos soldados, ou durante os treinamentos. O historiador Públio Cornélio
Tácito, ou simplesmente Tácito, deixou escrito a história de um centurião
chamado Lucílio, extremamente cruel com seus comandados. Este costumava quebrar
fortes pedaços de pau nas costas dos subordinados como forma de disciplinar.
Era tão cruel que foi morto em um motim.
Um suborno no momento certo poderia fornecer
benefícios, como uma folga desejada, expandir uma já concedida, ou fazer com
que o soldado recebesse tarefas mais confortáveis. Em uma carta de um soldado
chamado Claudio Terenciano Mauro, atestava que no exército “nada era conseguido
sem dinheiro”.
Tarefas e manobras
Ficaram cuidadosamente registradas para a
posteridade as atividades diárias da Terceira Legião. Este grupo militar ficava
baseado na região da Cirenaica, na costa oriental da moderna Líbia e as
informações que chegaram até nossos dias consistia das atividades dos soldados
durante os primeiros dez dias de um mês de outubro, no final do primeiro século
D.C..
Tal como nos atuais quarteis pelo mundo afora, era
dada muita importância aos turnos de guarda, aos componentes da vigilância do
aquartelamento, da disposição dos homens na área, etc.
Havia legionários que eram responsáveis pela
manutenção dos calçados, armas, latrinas e banheiros. Outros realizavam
escoltas de oficiais, em tarefas fora do acampamento, ou executando patrulhas
nas estradas.
Além de tarefas individuais os soldados treinavam
muito, tanto de maneira individual, ou em grupo. Realizavam pesadas marchas de
desempenho e formação de grupos de ataque e defesa. Os vários exercícios e
manobras eram realizados com tal rigor que no primeiro século D.C., o historiador
judeu Flávio Josefo comentou admirado que os exercícios pouco diferissem da
própria guerra, onde cada soldado se exercitava todos os dias, com a maior
intensidade possível.
Comida, entretenimento e religião.
Legionários faziam duas refeições por dia: café da
manhã (prandium) e jantar (jantar), o principal, no final do dia. A dieta
básica de um legionário consistia basicamente de cereais (principalmente
trigo), carne, verduras, legumes, lentilha e feijão. A caça e a pesca
realizadas próximo aos acampamentos poderiam contribuir para uma melhor
alimentação. Às vezes os soldados pediam nas cartas aos seus familiares que
estes lhes enviassem comida extra. Os oficiais tinham uma maior variedade,
qualidade e quantidade de alimentos. Para beber havia água, cerveja e vinho
azedo. O fato de cozinhar e comer juntos proporcionava muita camaradagem entre
os soldados romanos.
O legionário tinha várias opções para aproveitar
seu tempo livre. Uma delas era os locais de banho, como as fontes, rios e lagos
próximos aos acampamentos. Eram locais adequados não só para a higiene e
descanso, mas também para a vida social e jogos de azar.
Eles poderiam ir para as comunidades que surgiam na
sombra dos grandes aquartelamentos, que foram chamados canabae. Havia sempre os
comerciantes ansiosos para aliviar os bolsos dos legionários, tabernas para
beber, jogar e até os prostíbulos. Mas nestas comunidades também viviam as
famílias dos legionários, embora pareça que estes também pudessem ter habitado
dentro dos acampamentos.
Estes locais tornaram-se ao longo do tempo as vici
(aldeias) e deram origem a cidades. Alguns acampamentos possuíam um anfiteatro,
como em Caerleon (ao norte da cidade de Newport, Gales do Sul, Grã-Bretanha),
em que, além de lutas de gladiadores, ou caçar animais selvagens, eram
realizadas paradas militares e exibições de lutas pelos próprios legionários.
O exército romano não negligenciava a vida
religiosa de seus soldados, o que servia como um aglutinador entre as pessoas
de diversas origens e favorecia o equilíbrio pessoal. Cerimônias religiosas em
honra dos deuses e divindades oficiais, como Júpiter, eram incentivadas. Os
feriados religiosos eram também uma válvula de escape para a rotina diária e
permitia alguma flexibilização dos costumes. Oficiais, ao lado dos simples
soldados, podiam adorar os deuses em particular harmonia.
A fim de alcançar a adesão e lealdade dos
legionários a Roma e ao imperador que estava no poder, eram comuns as festas
pela ocasião do aniversário do imperador, ou a celebração da fundação de Roma.
Como um incentivo em sua vida militar o legionário
romano tinha um salário regular, que sob o Imperador Augusto ascendeu a 225
pence por ano. Este montante que aumentou gradualmente à medida que o avanço do
Império Romano foi acontecendo. Embora neste pagamento houvesse deduções
ocasionadas pela alimentação, manutenção de equipamentos e outras despesas,
aparentemente muitos soldados conseguiam economizar até vinte e cinco por cento
do salário anual. Além disso, o aumento no efetivo do exército implicou em um
aumento considerável no dinheiro circulante nos quartéis salário, fazendo com
que um centurião pudesse ganhar mais com subornos pagos pelo maior número de
soldados.
Como a renda adicional os legionários tinham
ocasionalmente contribuições extraordinárias pagas pelos imperadores. Isso
acontecia por vontade dos mandatários romanos, por vitórias, ou em ocasiões
especiais. Nestas ocasiões as tropas foram pagas proporcionalmente, de acordo
com a patente militar.
O prêmio de uma vida de serviço
Afora a morte, que não era algo nada excepcional
naqueles tempos, existiam três maneiras do militar de deixar a sua Legião.
O primeiro era resultado de uma grave doença, ou
lesão que deixava o combatente inútil para o exército. A chamada (missio
causaria). Nesse caso, tal como hoje, o legionário era licenciado após um
rigoroso exame de sua condição.
O segundo caso era por haver cometido atos criminosos
que provocavam a sua dispensa desonrosa e desqualificação de qualquer serviço
imperial. Conhecida como (missio ignominiosa).
Por fim havia os legionários, cerca de metade do
efetivo, que conseguiram sobreviver aos vinte e cinco anos, ou mais, de serviço
e eram licenciados com honra (missio honesto).
Uma vez licenciados estes homens tinham uma série
de direitos e privilégios como cidadãos e veteranos.
Eles estavam isentos de muitos impostos e recebiam
um tratamento preferencial em relação à justiça. Se quisessem eles também
poderiam legalizar seu estado civil. Estes combatentes recebiam um documento
escrito, que declarava a sua dispensa. Alguns destes militares se destacavam
tanto que recebia um diploma de bronze, com o detalhamento do seu status legal
como soldado veterano.
O licenciamento permitia aos legionários “voltarem
para suas casas”. Mas muitos não voltavam para lugar algum, pois durante a sua
vida aquilo que significava “casa” sempre foram seus quartéis.
Muitos receberam terras perto de seus acampamentos,
ou na região onde eles tinham servido. As parcelas de terras reservadas para
cada licenciado eram delimitadas por técnicos agrários, em um processo chamado
centuriação. Isso era interessante, especialmente se eles tinham casado com
mulheres das regiões dos aquartelamentos.
Aqueles que tinham sido centuriões poderiam
desfrutar de uma boa posição na cidade onde eles decidiram fixar sua residência
e até atingir os mais altos escalões do judiciário local. Outros investiam suas
economias visando abrir um negócio; por exemplo, a venda de cerâmica, ou
espadas.
Mas diferentemente dos centuriões, os legionários
veteranos, mesmo com certos reconhecimentos por parte do Império, normalmente
tinha uma vida muito dura no fim de sua existência. Na maioria dos casos muitos
terminavam com o corpo mutilado pelas feridas, com saúde limitada, recebendo
salários miseráveis que recebiam em troca de uma vida de dedicação e lutas.
Mas, por incrível que possa parecer, estes soldados viviam melhor do que muitos
civis pobres do Império Romano.
29/03/2016 ROSTAND MEDEIROS
Fonte – http://www.wikiwand.com/