PEDAGOGIA
Platão
O filósofo grego previu um sistema de ensino que mobilizava toda a
sociedade para formar sábios e encontrar a virtude
01/07/2011 15:32
Texto Márcio Ferrari Nova-Escola
Foto: Há mais de 2 mil anos, Platão já defendia instrução igual para
meninos e meninas
Há mais de 2 mil anos, Platão já defendia instrução igual para meninos
e meninas
Frases de Platão:
"A educação deve propiciar ao corpo e à alma
toda a perfeição e a beleza que podem ter"
"Ao longo dos anos, os antigos encontraram uma
boa receita para a educação: ginástica para o corpo e música para a alma"
Platão nasceu por volta de 427 a.C. em uma família
aristocrática de Atenas. Quando tinha cerca de 20 anos, aproximou-se de
Sócrates, por quem tinha grande admiração. Como a maioria dos jovens de sua
classe, quis entrar na política. Contudo, a oligarquia e a democracia lhe
desagradaram. Com a condenação de Sócrates à morte, Platão decidiu se afastar
de Atenas e saiu em viagem pelo mundo. Numa de suas últimas paradas, esteve na
Sicília, onde fez amizade com Dion, cunhado do rei de Siracusa, Dionísio I. De
volta a Atenas, com cerca de 40 anos, Platão fundou a Academia, um instituto de
educação e pesquisa filosófica e científica que rapidamente ganhou prestígio.
Três décadas depois, ele foi convidado por Dion a viajar a Siracusa para educar
seu sobrinho Dionísio II, que se tornara imperador. A missão foi frustrada por
intrigas políticas que terminaram num golpe dado por Dion. Platão morreu por
volta de 347 a.C. Já era um homem admirado em toda Atenas.
Na história das idéias, Platão foi o primeiro
pedagogo, não só por ter concebido um sistema educacional para o seu tempo,
mas, principalmente, por tê-lo integrado a uma dimensão ética e política. O
objetivo final da educação, para o filósofo, era a formação do homem moral,
vivendo em um Estado justo.
Platão foi o segundo da tríade dos grandes
filósofos clássicos, sucedendo Sócrates (469-399 a.C.) e precedendo Aristóteles
(384-322 a.C.), seu discípulo. Como Sócrates, Platão rejeitava a educação que
se praticava na Grécia em sua época e que estava a cargo dos sofistas,
incumbidos de transmitir conhecimentos técnicos - sobretudo a oratória - aos
jovens da elite, para torná-los aptos a ocupar as funções públicas. "Os
sofistas afirmavam que podiam defender igualmente teses contrárias, dependendo
dos interesses em jogo", diz Sérgio Augusto Sardi, professor da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul. "Platão, ao contrário, pensava
em termos de uma busca continuada da virtude, da justiça e da verdade."
Para Platão, "toda virtude é
conhecimento". Ao homem virtuoso, segundo ele, é dado conhecer o bem e o
belo. A busca da virtude deve prosseguir pela vida inteira - portanto, a
educação não pode se restringir aos anos de juventude. Educar é tão importante
para uma ordem política baseada na justiça - como Platão preconizava - que
deveria ser tarefa de toda a sociedade.
O ideal da escola pública
Baseado na idéia de que os cidadãos que têm o
espírito cultivado fortalecem o Estado e que os melhores entre eles serão os
governantes, o filósofo defendia que toda educação era de responsabilidade
estatal - um princípio que só se difundiria no Ocidente muitos séculos depois.
Igualmente avançada, quase visionária, era a defesa da mesma instrução para
meninos e meninas e do acesso universal ao ensino.
Contudo, Platão era um opositor da democracia - há
estudiosos que o consideram um dos primeiros idealizadores do totalitarismo. O
filósofo via no sistema democrático que vigorava na Atenas de seu tempo uma
estrutura que concedia poder a pessoas despreparadas para governar. Quando
Sócrates, que considerava "o mais sábio e o mais justo dos homens",
foi condenado à morte sob acusação de corromper a juventude, Platão
convenceu-se, de uma vez por todas, de que a democracia precisava ser
substituída.
Para ele, o poder deveria ser exercido por uma
espécie de aristocracia, mas não constituída pelos mais ricos ou por uma
nobreza hereditária. Os governantes tinham de ser definidos pela sabedoria. Os
reis deveriam ser filósofos e vice-versa. "Como pode uma sociedade ser
salva, ou ser forte, se não tiver à frente seus homens mais sábios?",
escreveu Platão.
Estudo permanente
A educação, segundo a concepção platônica, visava a
testar as aptidões dos alunos para que apenas os mais inclinados ao
conhecimento recebessem a formação completa para ser governantes. Essa era a
finalidade do sistema educacional planejado pelo filósofo, que pregava a
renúncia do indivíduo em favor da comunidade. O processo deveria ser longo,
porque Platão acreditava que o talento e o gênio só se revelam aos poucos.
A formação dos cidadãos começaria antes mesmo do
nascimento, pelo planejamento eugênico da procriação. As crianças deveriam ser
tiradas dos pais e enviadas para o campo, uma vez que Platão considerava
corruptora a influência dos mais velhos. Até os 10 anos, a educação seria
predominantemente física e constituída de brincadeiras e esporte. A idéia era
criar uma reserva de saúde para toda a vida. Em seguida, começaria a etapa da
educação musical (abrangendo música e poesia), para se aprender harmonia e
ritmo, saberes que criariam uma propensão à justiça, e para dar forma sincopada
e atrativa a conteúdos de Matemática, História e Ciência. Depois dos 16 anos, à
música se somariam os exercícios físicos, com o objetivo de equilibrar força
muscular e aprimoramento do espírito.
Aos 20 anos, os jovens seriam submetidos a um teste
para saber que carreira deveriam abraçar. Os aprovados receberiam, então, mais
dez anos de instrução e treinamento para o corpo, a mente e o caráter. No teste
que se seguiria, os reprovados se encaminhariam para a carreira militar e os
aprovados para a filosofia - neste caso, os objetivos dos estudos seriam pensar
com clareza e governar com sabedoria. Aos 35 anos, terminaria a preparação dos
reis-filósofos. Mas ainda estavam previstos mais 15 de vida em sociedade,
testando os conhecimentos entre os homens comuns e trabalhando para se
sustentar. Somente os que fossem bem-sucedidos se tornariam governantes ou
"guardiães do Estado".
O aprendizado como reminiscência
Platão defendia a idéia de que a alma precede o
corpo e que, antes de encarnar, tem acesso ao conhecimento. Dessa forma, todo
aprendizado não passaria de um esforço de reminiscência - um dos princípios
centrais do pensamento do filósofo. Com base nessa teoria, que não encontra eco
na ciência contemporânea, Platão defendia uma idéia que, paradoxalmente,
sustenta grande parte da pedagogia atual: não é possível ou desejável transmitir
conhecimentos aos alunos, mas, antes, levá-los a procurar respostas, eles
mesmos, a suas inquietações. Por isso, o filósofo rejeitava métodos de ensino
autoritários. Ele acreditava que se deveria deixar os estudantes, sobretudo as
crianças, à vontade para que pudessem se desenvolver livremente. Nesse ponto, a
pedagogia de Platão se aproxima de sua filosofia, em que a busca da verdade é
mais importante do que dogmas incontestáveis. O processo dialético platônico -
pelo qual, ao longo do debate de idéias, depuram-se o pensamento e os dilemas
morais - também se relaciona com a procura de respostas durante o aprendizado.
"Platão é do mais alto interesse para todos que compreendem a educação
como uma exigência de que cada um, professor ou aluno, pense sobre o próprio
pensar", diz o professor Sardi.
Para pensar
Platão acreditava que, por meio do conhecimento,
seria possível controlar os instintos, a ganância e a violência. O acesso aos
valores da civilização, portanto, funcionaria como antídoto para todo o mal
cometido pelos seres humanos contra seus semelhantes. Hoje poucos concordam com
isso; a causa principal foram as atrocidades cometidas pelos regimes
totalitários do século 20, que prosperaram até em países cultos e
desenvolvidos, como a Alemanha. Por outro lado, não há educação consistente sem
valores éticos. Você já refletiu sobre essas questões? Até que ponto considera
a educação um instrumento para a formação de homens sábios e virtuosos?