domingo, 25 de janeiro de 2015

NAÍRA


NAÍRA*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

Naíra era uma menina angustiada. No entanto não deixava transparecer. Internada desde a infância, num orfanato. Desde os oito anos, começara a sonhar com o mundo lá de fora. Os passeios que faziam, enfileiradas duas a duas, aguçava-lhe ainda mais a ansiedade de se ver livre daquele ambiente fechado e sem perspectivas.
Atendendo aos apelos da diretora do orfanato, famílias mais famílias iam ali e levavam outras companheiras que seriam adotadas e teriam a vida que Naíra tanto desejava. Mas parecia uma maldição. Ela sempre ficando dentro daquelas quatro paredes que limitavam os seus sonhos. As Irmãs preferiam que ela ficasse. Era, enfim, uma pessoa útil aos trabalhos do internato. Conduta exemplar, diligente e estimada. Mas ignorando essa particularidade, julgava que era simplesmente má sorte. Nunca era apresentada nos momentos das escolhas. Sua aplicação em tudo que fazia, tirava-lhe o interesse das Irmãs em facilitar sua saída. Dava-lhe vontade de pedir, mas retraia-se diante do acolhimento que recebia. A ingratidão seria um sentimento desprezível, no seu entender. Mas o que pretendiam fazer dela naquele internato. Quanto tempo ainda levaria metida ali dentro naquele cotidiano amargo. É verdade que os estudos enriqueciam seu espírito e poderiam mudar inteiramente sua vida mais tarde. Mas, se nunca lhe viesse oportunidade de libertar-se, para ir ver o mundo lá fora, o mundo que ela imaginava e via apenas de longe, superficialmente, parecia-lhe, então, que o meio seria fugir, aproveitar-se da confiança que merecia, e não ficar mais uma hora sequer só a sonhar.
Naíra, entretanto, não aprendera a ser indigna e falsa. Era esperar que chegasse sua vez. Não era possível que um dia qualquer, chegasse a ser vista e convidada. Antes pensava que teria direito de escolher um casal que lhe agradasse, que lhe fosse simpático e que Deus a livrasse de cair em casa de velhos conservadores, gente do passado. O ideal seria gente moça, que sempre saísse, e freqüentasse lugares alegres. No entanto já estava disposta a tudo. Afinal de contas era confiar sua sorte ao próprio destino.
E numa quarta-feira de setembro, um casal de velhinhos de uma aparência agradável, entrou em companhia da Irmã Superiora. Talvez fosse apenas uma visita e esse pensamento entristeceu Naíra. Sentia fugir-lhe mais uma oportunidade.
A Irmã pediu que todas se levantassem. Foi um momento de expectativa. Quem seria a escolhida. Todas o desejavam, exceto as menores que não possuíam ainda uma noção exata do que era o internato. O casal demorava na escolha. Conversavam em particular até que apontaram em direção a Naíra. Mas poderiam não ser para ela. Em todo caso sentiu-se nervosa. Depois de entendimento com a Irmã, Naíra notou um gesto negativo.
- Porque, Irmã. Aquela é a moça de nossa escolha, mas já que não pode ser, deixaremos para outra ocasião. Iremos a outro orfanato.
– Mas, com tantas moças para escolha?
- Sim Irmã. É uma questão de simpatia. Foi aquela que nos agradou e seria desinteressante conviver com uma pessoa que não nos despertou simpatia. Se não pode ser aquela...
- É , ela não tenciona sair.
- Não podemos lhe falar. Talvez conversando ela se convença. Como é mesmo o nome dela?
- Naíra. Naíra das Graças. É uma moça temperamental, voluntariosa. Gosta de fazer o que entende.
- Não aparenta.
- Mas, é assim. E por isto ainda está aqui.
- Podemos conversar um pouco com a menina?
- Podem, mas irão se arrepender da escolha. Depois não queiram devolve-la.
- Chame-a, por favor.
- Vem aqui Naíra.
- Boa tarde, Naíra. Estamos aqui à procura de uma moça para nossa companhia. Não se agradaria de ir para nossa casa? É verdade que somos um casal de velhos já sem muita animação, mas em todo caso acreditamos que poderá viver bem com a gente.
- É! Só depende da Irmã Superiora, se ela consentir, irei.
 – E então, Irmã?...
- É como já expliquei, mas o gosto é dos dois.
- Veja bem, Naíra, irá para a companhia de um casal de velhos, sem atração. Em todo caso poderá ter uma vida um tanto folgada. Não será nossa empregada. Será, sim, nossa filha. Será adotada em cartório. Queremos é uma filha, uma pessoa que nos ajude o viver. Nos acompanhará para onde formos. Ou pensa em sair para a casa de seus pais?
- Não. Nunca tive pais. Não sei se existem e se existem, nunca quiseram saber de mim. Logo não tenho pai e não tenho mãe. E mesmo que me aparecessem, jamais os acompanharia. Quem abandona um filho à porta de um orfanato, não tem amor a ninguém. Devo tudo às Irmãs do orfanato. Até hoje têm sido meus únicos parentes e meus amigos. Irei se me quiserem levar. Ao menos darei descanso às Irmãs.
- Irmã. Que nos diz.
- Uma vez que Naíra quer ir, está em suas mãos.
- Ótimo. Então, mande que apanhe seus pertences e vamos assinar o documento de responsabilidade.
- Vai, Naíra, prepara-te. Queres nos deixar, então teremos que nos despedir.
- Quero que me de tempo a despedir-me de todas as companheiras e pessoas desta casa. Assim não sentirei tantas saudades.
- Ora, menina poderá vir aqui quantas vezes quiseres. Lembra-te que será nossa filha. Os trabalhos de casa já estão todos entregues as empregadas. Farás apenas o que desejares fazer o que te agradar.
Uma hora depois, Naíra entrava no automóvel do casal, dirigido por um motorista de quepe. Teve até certo acanhamento. Não estava habituada a conviver com gente rica e importante.
Quase se arrependia de haver aceito o convite. Mas era tarde. O carro rodava, entrando em novas ruas que ela nunca sonhara que existissem. Parou diante de um portão de chácara que um vigilante abriu. Naíra sentiu-se aniquilada com aqueles aparatos todos, embora notasse que os seus protetores viam as coisas com a maior simplicidade. Era como se estivesse chegando a um lugar qualquer. Estava perplexa. Como iria se ajeitar naquele ambiente novo, naqueles espaços todos. Talvez a Irmã Superiora tivesse razão. E ela com aquela roupinha de orfanato, aqueles sapatinhos baratos. Dobrou-se dentro de si mesmo e entregou-se a seu próprio destino.
- Está aí Naíra, onde iremos conviver. Tomarás conta da casa e de nos dois. Não servíamos mais para quase nada. Foi para isto que fomos te buscar. Não te acanhes de nada, faças de conta que nascestes e crescestes aqui. Amanhã já será outra Naira. Está vendo esta velhinha aqui, a dona Angelina, minha mulher. Ela tomará conta de ti. Depois tomarás conta de nos dois. Estás certo?
- Sim senhor. Mas não sei nem andar aqui dentro.
Muitas vezes chegava a pensar que o mundo todo era um grande orfanato. Toda minha vida enfiada lá dentro, sem perspectivas.
No dia seguinte Naíra nada tinha mais em cima de si que lembrasse o orfanato e um mês depois já estava adotada. Afinal, o casal passava a sentir o prazer de ter uma filha. A preocupação era fazê-la feliz. Completar os seus estudos e capacitar-la a dirigir mais tarde, os bens da família. Naíra desfazia-se em atenções sem precisar forçar sua sensibilidade. O que fazia era tão natural e espontânea que nem dava para perceber qualquer esforço ou artificialismo de sua parte.
Ao mesmo tempo o casal Costa Cirneiros devotava a Naíra uma estima especial. Naíra assumira facilmente todos os encargos domésticos e servia ainda de mensageira para algumas ocupações externas. Naíra cantava e enchia o casarão de uma alegria e vivacidade comovedoras. Tudo se tornara jovem naquele ambiente antes povoado de silencio e velhice. Por mais que o casal quisesse antes torná-lo ameno e alegre, faltava-lhe sempre qualquer coisa viva para animá-lo. Com a chegada de Naíra foi como se houvesse acordado todos os passarinhos.
- É verdade, santa, envelhecer sozinhos é um perigo. Têm-se a experiência, a prudência, os meios para viver despreocupados, mas falta o essencial, aquela alegria da juventude. Cada passo que se dá já é descendo a ladeira da vida, sem esperança de voltar. Há uma névoa que encurta os horizontes.
O amor é um amor tecido só de lembranças. Tudo já era. A gente vai ficando espiritualizado e dos prazeres da vida nem mais as recordações. O corpo tão cheio de atração no passado, passa a ser apenas uma forma material da existência. O espírito não serve se não para reviver saudades e gerar desilusões. Morrer nessa fase já é um quase nada. O mundo perdeu as cores e não existem mais os bons desejos. Uma mulher que passa, só nos deixa um perfume vago e distante. As vibrações da matéria não acendem mais o fogo dos desejos. Era a vida se apagando como uma lamparina que vai consumindo o restinho do azeite.
Naíra reavivou a chama com o óleo verde de sua juventude. Dois anos depois se reuniram os três para uma conversação muito íntima.
- Olha, Naíra, não desejamos que um dia fique sozinha. Certamente que não temos época marcada para deixar-te e esperamos que isto não aconteça, pelo menos, nesses próximos anos. Mas ser previdente nunca fez mal a ninguém. Já deves ter percebido que o que é nosso te pertencerá um dia. Pois bem, filha, desejamos que te cases, mas com uma condição única, alias, isto é, com a pessoa que escolheres e que seja de nosso agrado e aprovação. Não queremos que esse alguém, por qualquer circunstancia, venha a causar-te o menor dissabor. Por isto essa pessoa não deverá saber que és nossa herdeira. Assim, será interessada apenas por ti e não pela tua situação econômica. É provável que já tenhas pensado em casamento
- Sim, pensar, pensei, mas não enquanto estiver a fazer-lhe companhia e enquanto me quiserem. Não desejo que alguém possa a vir trazer-lhes a menor preocupação. Uma pessoa estranha, nunca se sabe o que será na intimidade. A simulação encobre muitas manhas. Portanto, acho melhor não falar em casamento. Francamente, ainda não senti necessidade dele.
- É, Naíra, entendemos os teus propósitos, mas estás falando de uma coisa da qual a experiência é nossa. O que existe de bom na vida é justamente em tua idade, enquanto se tem no corpo, o fogo sagrado do amor, dos sonhos e das ilusões. Depois tudo são cinza fria, os restos de velhos amores e lembranças. Cuida em escolher um noivo, se é que já não o fizestes, minha sonsinha... Queremos que seja plenamente feliz e realizada. É isto que desejamos. E mereces muito mais. Não te preocupes com riqueza. O que terás sobrara para viverem despreocupadamente. Pensa apenas no amor e na boa compreensão dos dois. Dois que se querem realmente e sempre se entenderão bem. Mas olha, não te deixes levar por paixão, que é uma péssima conselheira. O amor sim, e que é duradouro e permanente.
- É, minha filha, eu e o Posidônio, vivemos de amor, só de amor. Paixão é coisa passageira. É como quem corre atrás de um fruto dourado e que afinal de contas é azedo ou amargo. Ainda hoje somos dois namorados, mesmo de fogo apagado... Queremos que te cases e cuida nisso, sem tempo marcado. Mas não esqueças que a velhice é como uma mola que perde a ação. Não funciona mais. Um molho que não arde mais...
Em 16.10.1986


*O conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

ZÉ MORENO



ZÉ MORENO*
João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/4/2003)

            Todo mundo se admirava da feiura de Zé Moreno. Havia nascido feio e foi piorando a medida que ia crescendo. A mãe, coitada, tinha dó daquilo, mas não tinha o que fazer.
            Comprava-lhe uma roupinha nova, penteavam-lhe o cabelo, ajeitava pra lá e pra cá e tudo quanto fazia só servia para realçar-lhe ainda mais a feiura. O menino era de cabeça grande e chata, nariz espragatado, boca de meia légua, orelhas de abano e só os olhos era normais e castanhos. Mas, dentro do conjunto, pareciam errados, mal colocados. Além disso, Zé Moreno criou barba serrada e grossa, apareceram tufos de cabelo nas venta e orelhas, o qual não se preocupava de aparar. Parecia mais um bisão.
            E o diabo é que Zé Moreno não se dava por achado. Deixava a barba crescer e os cabelos cobrindo às orelhas. Mas o engraçado é que se tornou uma figura popular e estimada no povoado.
            Deus lhe dera inteligência e espiritualidade. Era um sujeito engraçado, contador de histórias e valente nas piadas. Também a cara desarrumada dava-lhe um visual curioso. Aonde chegava, acabava-se a tristeza. Também fazia anedotas com ele, o que lhe aumentava a popularidade, mesmo por que nem ligava.
            Até se envaidecia. Tinha uma coisa consigo. Era um mouro pra trabalhar e vivia bem. Propriedadezinha, casa boa para morar e de certa forma endinheirado. Causava inveja há muita gente. Homem feito, embora amarrotado, entendeu de se casar. No entanto, guardava consigo essa intenção. E tinha uma coisa preliminar. A moça devia ser nova e bonita. Não tinha pressa, ou chegava para seu figurino ou então continuaria solteirinho da silva. Tinha algum dinheiro solto e o mais se tornava fácil. Sem dinheiro não. E o tempo corria tranquilo até que Zé Moreno foi premiado na loteria federal. Tirou um dinheirão. Uma porção de contos de réis. E os comentários circulavam pelo povoado e Zé Moreno não parava de receber visitas.
- Felizardo!
Mas Zé Moreno nem ligava. Não tinha ambição e tinha até medo daquele dinheiro que bem poderia alterar a sua vida, tão boa que era. Não deveria ter comprado aquelas tirinhas da loteria.
E o que diabo iria fazer com aquele dinheirão que deram a troco de uns pedacinhos de papel desenhados. Havia de pensar calmamente. Terras já possuía; entrar no comércio, nem pensava. Não tinha jeito e Deus o livrasse de ficar preso, por trás de um balcão esperando a freguesia. Estava mesmo atrapalhado.
Além disso, começava a ser atormentado. Vez por outra lhe aparecia uma comissão, pedindo donativo para isso e para aquilo. Padre Amaro também foi visitá-lo:     
- A igreja estava carecendo de pintura e algumas remodelações.
Zé Moreno encolheu-se. Não podia fazer nada, por enquanto. Não queria bulir naquele dinheiro. E chegou a ser muito claro:
- Antes, nunca alguém se lembrou de Zé Moreno. Iam festas e vinham festas e ninguém se lembrava dele. E, então, por que agora. Não entendia. Está se vendo que Zé Moreno mesmo não vale nada. O que tem valor é o dinheiro que lhe chegou de supetão.
E foi despistando a turma. Não demorou também que lhe aparecesse candidatas a casamento. E vinham os comentários e insinuações:
- Olha Zé Moreno, já estás ficando maduro e nem pensastes em te casar. Precisa ter um lar, uma companheira, filhos. Moças não faltam, e de ótima família. Todos os teus companheiros já estão casados, enquanto vais ficando velho e perdendo as esperanças.
- Perdendo o quê?
- A esperança de casar, Zé Moreno. Não tens medo da solidão na velhice. Será que não irás sentir a falta de uma mulher, de filhos, do aconchego do lar?
- Não acredito. As coisas chegam ao seu tempo. Não vistes. Todos jogam e fui eu o sortudo, sem esperar. Não se deve ter pressa. E depois, até hoje não encontrei alguém que se interessasse por minha cara de mouro. Que diabo vai olhar por meu lado. Está visto que não. Também não dou cavaco pra isso, Qualquer moça teria acanhamento de sair comigo. A rua está repleta de jovens de rostinho bonito, elegante, atraente.
Mas Zé Moreno só era admirado pela sua feiura e pelas cosas engraçadas que fazia. Vez por outra fazia uma tentativa, mas logo recuava. O que ninguém sabia é que ele trazia um segredo secreto. Era a Dorinha, moça já um tanto castigada pela idade e que, no entanto conservava um visual simpático e agradável.
 Não se casaria simplesmente pelo fato de querer conviver com um amigo e não com qualquer carinha lisa, de boa aparência. Jamais pensava em Zé Moreno, mas notava que Zé tinha certa caída para seu lado. E andou pensando nisso. Do dinheiro dele não precisava. Era uma moça independente. No entanto começava a sentir-se como se estivesse ficando só.
 Zé Moreno bem que era engraçado e quem sabe se não mudaria, com alguma arrumação, aquele jeitão de bicho do mato. Pois é. E certo dia, numa oportunidade de estarem sozinhos sapecou-lhe uma sugestão:
- O Zé, por que diacho não raspas essa barba e não cortas bem cortado, essa cabeleira de espantar menino. Ora diabo! Faz uma experiência. Quem sabe não mudarás completamente.
Zé Moreno saiu pensando como se tivesse ouvido vozes do céu. É mesmo gente. Vou aparecer de um momento para o outro inteiramente diferente. Barba feita, cabelo aparadinho. E foi a um barbeiro conhecido.
- Olha, Paulinho, mete a tesoura e a navalha para cima e muda minha figura. Pois é.
E no domingo, dia seguinte, dia de missa, apareceu um cara novo na igreja. Quem é, quem não é, por fim, já no fim da missa, alguém perguntou, por acaso:
- O senhor veio de longe?
- Sim, seu idiota, vim da casa do barbeiro. Deixa de ser burro. Adriano. Sou Zé Moreno seu besta.
- Não, não é possível. E Adriano, na porta da igrejinha, espalhou a história.
E Zé Moreno com um sorrisão bem aberto e bem largo no bocão de mãe-da-lua, ria para toda gente, numa gozação.
- Mas, que mudança danada. Ficou parecendo gente.
Dorinha ao sair da igreja, deu com Zé Moreno inteiramente novo.
- Está vendo ai, Zé Moreno. Parece um rapazinho de quinze anos, simpático e alegre. Aquela barbicha tornava-o antigo e o cabelão assanhado arrasava o seu visual. Gostei da mudança. Falta apenas vestir uma roupa alegre. Botar fora esse paletó marrou e entonar-se numa camisa riscada.
Que diabo! Gente é gente, bicho é bicho. Você sabe que estou quase sozinha. Perdi meus pais, não tenho irmãos. Vivo solitária e só! Não acha que poderíamos dar certo?
- Quem? Eu com esse bocão, esse nariz espragatado, essas orelhas exageradas?
- Isso a gente põe de lado.
O certo é que depois de três recusas estavam ajoelhado aos pés do vigário. Zé Moreno fazia a barba com frequência, andava escacaboado, cabelo cortado e falando com a boca apertada.
Em casa nada faltava. Zé Moreno estava rico. Dona de casa, cama bem arrumadinha, mesa posta e boas conversas.
Dorinha ria à toa. Zé Moreno, não a deixava cansar-se. - Não senhora. Deixe o pesado comigo. Vá apenas sonhando e eu vou realizando.
- Aquela barba e aquele cabelão, afastavam-me de minha felicidade. Abraça-me Zé Moreno.


*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

COMBUSTÍVEL À BASE DE ÁGUA



COMBUSTÍVEL À BASE DE ÁGUA



Publicado em 18 de dezembro de 2013

Desde o mês de setembro os acadêmicos Douglas Felipe Reck, Marcos Henrique da Trindade e Júlio Cesar Cardoso, do primeiro semestre do curso de Engenharia Civil da Faculdade Mater Dei, com a supervisão do professor de Química, Rogério Félix Blanco, vêm desenvolvendo uma ideia inovadora e sustentável, um motor movido a água.
O primeiro protótipo do trabalho foi apresentado na feira de tecnologia de Pato Branco, a Inventum, realizada no início de novembro. O protótipo do motor, ou no caso da célula eletro-química, desenvolvida pelos acadêmicos foi instalada e apresentada em um quadriciclo.
Jovens estudantes criam motor que usa água como combustível
Mas a pergunta que surge é, porque estudantes de Engenharia Civil estão desenvolvendo motores? E a resposta é simples, a ideia surgiu com base em estudos para a geração de energia sustentável. "Nossa ideia era buscar uma forma de combustível alternativo que não fosse poluente e fosse econômica", conta Júlio Cesar. "Ele é um combustível para vários tipos de motores a combustão. A partir dele eu posso gerar energia elétrica para uma casa.", complementa Douglas. "Este pode ser o combustível do futuro. Não poluente e muito econômico.", acrescenta Marcos.
Até o momento a equipe, que tem recebido apoio total da Faculdade Mater Dei no desenvolvimento do trabalho, já consegue fazer o motor funcionar com 50% de água misturado a 50% de gasolina.
O objetivo, segundo o grupo, é evoluir o projeto a ponto de utilizar 100% de água como combustível. "A partir da eletrólise é feita a quebra da água criando os gases hidrogênio e oxigênio que dentro do motor após a explosão voltam a ser água. Com o motor 100% a água é só água que vai sair do escapamento, e o ar que o próprio motor puxa. Somente com água o motor vai render muito mais, porque o hidrogênio gera uma explosão muito mais potente do que a gasolina. Com 350 ml de água dá para fazer 500 quilômetros.", explica Douglas.
O poder do hidrogênio
Os estudantes comentam que a explosão provocada pelo hidrogênio é tão potente que na mesma proporção ela possui capacidade sete vezes mais destrutiva que a bomba de Hiroshima. E é exatamente este o problema, segundo o professor Rogério, para desenvolver imediatamente um motor 100% movido a água. "Até ele chegar a este nível, isso demanda de pesquisa.", pontua. Os estudantes acertaram o funcionamento do protótipo apenas na terceira tentativa.
Douglas comenta que em uma primeira experiência caseira que fez junto ao irmão Diogo, a explosão resultante foi tão alta que o deixou surdo por algumas horas.
Eficiência
Mesmo ainda funcionando com 50% de água e 50% de gasolina o motor já apresenta diversas vantagens em relação aos motores comuns. "Nosso protótipo usa combustível e hidrogênio ao mesmo tempo, na proporção de meio a meio. Do jeito que ele está agora ele já apresenta economia de 50% de combustível, e com isso a poluição diminuiu pela metade, a potência do motor aumentou em 20% de torque e o motor fica mais durável porque o hidrogênio limpa o motor.", ressalta Douglas.
Publicação
Além de ter sido apresentado para os visitantes da Inventum o projeto desenvolvido por Douglas, Marcos e Júlio está inscrito para ser publicado no próximo ano no Congresso Nacional de Química que ocorre em maio de 2014.
http://www.soemrondonia.com.br/2013/12/jovens-estudantes-criam-motor-que-usa-agua-como-combustivel.html#.UrG90PRDsrV

Acreano cria moto que usa combustível à base de água e faz 60 km por litro

  Após ler um artigo na internet sobre uma motocicleta que utilizava água como combustível, o cineasta acreano Delande Holanda ficou pensando se seria realmente possível. A curiosidade o levou a estudar e fazer diversas experiências até conseguir fabricar sua primeira moto que funciona parcialmente à base de água.
“Isso tudo iniciou quando vi um artigo que dizia que seria possível retirar um combustível alternativo à base de água. Comecei a partir daí a fazer um estudo sobre isso. A gente sabe que a água é formada por H2O [ dois átomos de hidrogênio e um de oxigênio] e sabe também que o hidrogênio queima. Diante disso, achei que seria possível tirar um combustível da água”, conta.
Mas o grande desafio para Holanda foi descobrir como utilizar esse hidrogênio presente na água como combustível. A resposta ele diz ter encontrado relembrando os tempos de escola.
“A gente vê isso em ciências na 5ª série do ensino fundamental. Se você pegar duas chapas de aço, colocar uma pilha, ligar um fio nos pólos negativo e positivo e jogar água entre essas placas, vai conseguir separar o hidrogênio da água”, explica.
A partir desse conceito, ele começou a fazer estudos e montar a sua ‘célula geradora de hidrogênio’, que ele batizou como Nativos HHO. “Eu engano o carburador e ele queima o hidrogênio como se fosse gasolina”, diz.
‘Ameaça de separação’
Durante quase um ano o inventor trabalhou para montar seu protótipo, o que ainda quase lhe custou alguns amigos e o casamento. “Fui tratado como doido, disseram para que eu parasse com isso. E houve até uma ameaça de separação, porque é meio difícil acreditar nisso”, conta.
Porém, ele não desistiu do projeto. Sem formação em engenharia ou mecânica, ele contou com a ajuda de um amigo mecânico para desenvolver os experimentos e o primeiro protótipo ficou pronto no mês de novembro.
De acordo com o inventor, depois que adaptou a moto ele conseguiu uma economia de 40% no uso de combustível. “Se antes eu rodava 35 km com 1 litro de gasolina, hoje rodo 60 km”, diz.
Combustível sustentável
O cineasta diz que agora pretende aprimorar os experimentos para conseguir adaptar sua moto para que ela funcione totalmente a partir da queima do hidrogênio. Ele ainda quer fazer testes em veículos maiores como carros.
E para quem pensa que Holanda resolveu investir na ideia com objetivo de ficar rico, ele explica que não é bem assim.
“Não fiz isso com interesse comercial. Existem muitas pessoas querendo, mas estou evitando porque não existe estudo finalizado para isso. Quero que vejam como  uma coisa boa para o meio ambiente, levando em conta que se hoje tiro 40% do consumo da gasolina, tiro 40% da poluição que esse combustível iria emitir e não precisa ser ‘Expert’ para saber que é um combustível limpo”, afirma.
Ele diz que com o invento quer estimular uma discussão sobre a utilização de combustíveis menos agressivos ao ecossistema. “Quero mostrar para a sociedade que existe sim um combustível limpo que pode ser estudado e inserido no mercado como combustível alternativo à base de água. Já que água é o que mais temos na Amazônia”, enfatiza.


http://www.youtube.com/watch?v=Imp_6J4dnCg


terça-feira, 20 de janeiro de 2015

SANTELMO



SANTELMO*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

            Chovia e fazia frio quando Santelmo foi se deitar em sua redinha encardida para dormir. Enrolou-se com o lençol de retalhos e fechou os olhos para tentar esquecer o estômago vazio e o sofrimento do pai, com as juntas endurecidas e as pernas trôpegas, amarradas pelo reumatismo crônico que não lhe deixava sair para trabalhar e que nem dinheiro tinha para comprar remédio. Mas o sono não chegava como se quisesse castigá-lo ainda mais.
            Já eram nove anos de sacrifício e o pouco que arranjava limpando jardins e fazendo mandados não dava mais de que para comprar umas migalhas. Se, pelo menos, tivesse mãe e a irmã já fosse uma moça feita, mas a mana com 13 anos apenas, pouco podia fazer lavando roupa em casa. O pai, coitado, magro e reumático, entretinha-se em fazer palitos para a bodega do turco, que empacotava e os vendia como sendo importados.
            Santelmo jurava que um dia aquela miséria teria de acabar. A salvação até então, eram os restos de comida que juntava nas casas ao meio dia e à tardinha. A irmã, Zaíra, nem era bom pensar. Esforçava-se como uma louca e quem a via tinha a impressão que ela era somente aqueles olhos grandes e tristes. Calada, sempre calada, via o pai naquele estado, afiando o canivete desgastado, já fininho, fazendo palitos sem reclamar. E também não tinha a quem. A culpa era do próprio destino. Ninguém lhe havia tomado nada.
            Por sua vez o pobre Ferreira vivia a se lastimar daquela vida impotente sem poder dar um jeito melhor para os filhos, choramingava dizendo:
- Quando eu era bom, sempre tinham qualquer coisa para comer. No entanto, a desgraça entrara de portas adentro, a mulher morrera e a doença o entrevara-lhe as pernas.
            O filho - o Santelmo – ainda comia por onde trabalhava, mas a filha, de feições tão delicadas, um mimo de menina, sempre, pacientemente à espera de quem lhe desse alguma coisa. E ele parado, impossibilitado de cuidar dela. Só não rebentava os miolos, porque seria ainda pior para Zaíra. Pedia a Deus que o tempo passasse a galope, ela ficasse moça e o filho crescesse para enfrentarem as forças do destino. Ele mesmo poderia levar o breca a qualquer hora, mas Zaíra, mesmo ele aleijado como estava, servia-lhe de companhia e de proteção. O meio que havia era esperar por Santelmo.
Para que chegassem as coisas ruins, o tempo voava, mas para as boas, andava a passo de cágado. Assim parecia.
Santelmo levantou-se no dia seguinte com expressão de quem não dormira. Mas estava destinado. Teria que arranjar um trabalho fixo. Havia rezado para todos os santos. Não suportava mais ver o pai e a irmã passando fome e naquela agonia terrível. Não tinha naquela manhã, nada para comer. Engoliu a saliva magra, tomou a benção do pai, falou com Zaíra e saiu. Iria de casa em casa, de armazém em armazém implorar um emprego. Contaria tudo que estavam sofrendo. Pediria que os salvassem, não os deixassem em tamanha miséria. Mas, de modo geral, a quem não falta nada, não importa o sofrimento dos outros. Quem se interessa para saber as causas. Todos que pedem estão nivelados aos vagabundos e pilantras que andam a pedir pelas ruas.
E saiu a ouvir:
- Não tenho, não posso.
- Vá bater noutra porta.
Para um rapazinho ainda jovem aquilo deveria ser uma maldição. Na dobra de uma esquina, parou e chorou. Sabia que o pai e a mana estavam com fome em casa esperando que ele voltasse. Chegou a pesar em coisas proibidas. Mas não tinha instinto para fazê-lo. No momento de suas maiores aflições, com as mãos nos olhos chorando.
Oportunamente, ou coisas do destino, naquele momento passava o merceeiro Brasiliano.
- O que é que há meu rapazinho. Bateram em você. Diga, diga. Conte sua história. Pare de chorar.
- Não foi não, senhor. Quem está judiando com a gente é o destino. Foi pai quem disse. Lá em casa só se passa fome. Pai doente, entrevado, Zaíra, minha irmã, ainda não pode ajudar, e o homem que tem sou eu, deste tamanho, e sem achar emprego. Vai morrer tudo. E se o senhor visse Zaíra, morreria de pena dela. Parece um anjinho magro. Só tem os olhos. Não fala, não pede, não se maldiz. Uma santinha morrendo de fome.
Saí para pedir emprego. Ninguém tem, ninguém pode, ninguém me deu. E o que é que vou dizer em casa, sem levar nada para os dois que esperam por mim, como acontece todos os dias, ao meio dia e à tardinha. Lá em casa não tem nada. Só tem mesmo a fome. Tenho até medo de voltar, de sair quebrando a cabeça pelos muros, batendo nas árvores. Vontade de cair morto, morto de uma vez. Pai está sem comer, Zaíra está se acabando de fome. O senhor já pensou; pai doente e só dois meninos em casa. Pai ainda faz palitos para vender ao Turco. Mas é tão pouco. Trabalha a semana toda, sentado num banquinho, raspando os pauzinhos. Levo pro Turco e volto com umas besteiras.
- Bem, então, agora depende de ti e de tua irmã, uma vez que teu pai não pode trabalhar. Preciso dos dois, caso queiram ir passar o dia em minha casa. Tu comigo e ela com minha mulher. Teu pai anda?
- Pouco, quando o dia esquenta.
- E pode ficar sozinho em casa?
- Pode, acho que pode, tendo o que comer bem entendido. Moramos ali na ponta da rua, quase no fim da Rua Dos Tamarindos. Eu mesmo me chamo Santelmo. Minha irmã é a Zaíra. Meu pai o Ferreira, seu Ferreira. E minha mãe que está no céu, chamava-se Madalena. Morreu quando eu tinha dois anos. Nem me lembro direito das feições dela.
- Vamos, então, lá na loja que vou lhe adiantar umas coisas para vocês comerem. E depois vamos ajeitar as coisas para vocês trabalharem. Concorda?
- Deus me livre de não querer. Foi mesmo que cair um presente do céu. Mas, a Zaíra depende do pai. Ele pode ter medo de ficar sozinho. Doente, o senhor sabe como é.
- Ora, ao meio dia, um irá lá ver como está e se precisa de alguma coisa. Lá casa somos só dois, eu e a mulher, uma magricela, é meio nervosa mas é uma excelente criatura. Todos os dias, procuro uma pessoa para fazer-lhe companhia e ajudá-la. Não fica bem assim, meu rapaz?
- Parece que foi Deus que mandou o senhor. Já não sinto mais nem fome. A alegria fez passar tudo. Vou correr para casa depois que o senhor entregar alguma coisa para fazer a comidinha dos dois.
- Ora, Santelmo, tenha calma. Vamos depressa à mercearia.
Preparou um pacote com feijão, arroz, farinha, carne de charque, um pacote de café e um quilo de açúcar.
- Que bom. Nunca mais se cozinhou nada lá em casa. Só se acendia o fogão para ferver água quando tinha café.
- Então, corre. Leva, preparem, comam, fala com teu pai volta depois do almoço.
Zaíra acendeu o fogo como se estivesse enfiando as mãos em ouro líquido. A panela começou a ferver e o cheiro do feijão com carne de charque encheu a casa toda e saia de porta a fora. Dava até pena perder o cheiro gostoso daquele.
Lá do fundo da rede seu Ferreira gritou:
- Vem cá, Zaíra. O que é que estás cozinhando. Que cheiro bom é este?
- Foi Santelmo que trouxe feijão, carne de charque, arroz e farinha. Já estão no fogo. O cheiro é mesmo uma gostosura.
- Chama aí Santelmo.
- Estou aqui.
- Onde arranjou essas comederias. Onde achou ou quem te deu.  Fala a verdade. A fome faz qualquer coisa, mas é melhor morrer de fome do que pegar no alheio. Não tinhas dinheiro para comprar. E então?
- Não foi nada do que o senhor esteja pensando. Arranjei emprego para mim e para Zaíra. Zaíra, se o senhor concordar. É na casa do seu Brasiliano, aquele homem que tem uma mercearia. E foi ele quem me deu a comida. E quer que eu volte já depois do almoço. Zaíra e eu se o senhor deixar. Ela vai ajudar a mulher dele e eu vou trabalhar na bodega.
- Ora Santelmo e por que não. Só assim tua irmãzinha não passará mais fome. Nos somos homens, aguentamos, mas ela, Deus nos livre. Já não aguentava mais vê-la naquela tristeza que a fome traz. Tristeza de quem está com uma vela acesa na mão. Atiça o fogo, bota lenha de miolo para matar a última fome de tua irmã. Sim a última, Santelmo. Sei que pela primeira vez irei dormir tranquilo. Mas, pergunto uma coisa, filho. A casa onde vai trabalhar tua irmã, é casa séria? Se não for, deixa-a mesmo como está.
- É sim, pai. E talvez seja melhor que ela fique lá, morando, dormindo. Tenho tanta pena dela, pai. Não lhe faltará nada.
Empregaram-se os dois e não faltou mais nada em casa de seu Ferreira.
- Santelmo! Irás para a escola com a Zaíra, à noite. É necessário aprender a ler e contar. Sem alguma instrução sofre-se muito. A leitura é útil e distrai. E agora, outra coisa, Zaíra, vamos cuidar de teu pai. Não é humano deixa-lo preso em casa com aquele reumatismo possivelmente curável. Vamos levá-lo num médico e começar o tratamento. Não me fará falta o pouco que despender. Dinheiro só tem valor quando se torna útil. Guarda-se, não se desperdiça à toa, esta certo, mas em beneficio de alguém, é uma aplicação abençoada. E verão que com isto se recebe muito mais de volta.
Zaíra ficou comovida e propôs não receber seus salários como uma justa retribuição.
- Ora, Zaíra, assim meu desejo não teria o sentido que quero. Alias, vamos fazer um aumento no preço que estamos pagando aos dois. Se não nos deixarem, por qualquer motivo, mais ainda, receberão no futuro. Já expliquei aos dois que o dinheiro que nos sobra tem valor muito relativo. Não haverá maior compensação do que ver teu pai andando normalmente, trabalhando como antes. Disto só tenho um receio, é que quando estiver curado e capacitado a sustentá-los, não os queira levar de volta. Ele quer muito bem a vocês.
- Não, não fará isto. Pelo menos não acreditamos. E seria um disparate.
Seu Ferreira, pouco a pouco, ficou curado e passou ao trabalho. Já fortalecido das pernas que o reumatismo paralisara, fez o seu primeiro exercício indo à casa de seu protetor Brasiliano. Apresentou-se como se houvesse ressuscitado. Fez o seu agradecimento.
- Com palavra não se agradece tamanho benefício. Serei uma espécie de escravo por todo o resto de minha vida. E meus filhos o terão de ser sempre. Quem os vê agora, como eu; é como se os visse saindo de uma ruina. O que a fome vinha fazendo, vinha me fazendo também descrer de tudo. Que alívio, meu Deus, nos deu o senhor, acabando com as angústias de todos os dias e noites de quem vivia a maior tristeza do mundo que é a tristeza de quem não tem o que comer. De mim, eu mastigava a fome para me entreter. Mas os meus filhos pequenos ainda olhavam para mim com os olhos compridos e ansiosos. Era a fome que me olhava! E lá de cima ninguém via a gente.

*O conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

GENERAL PAULO CHAGAS X JAQUES WAGNER



GENERAL PAULO CHAGAS DIZ QUE NÃO HÁ PERDÃO PARA O QUE JAQUES           WAGNER, ATUAL MINISTRO DA DEFESA, FEZ CONTRA AS FORÇAS ARMADAS.

Sábado, 17 de janeiro de 2015.

Fui, com muito orgulho, Comandante do Regimento Dragões da Independência, a Escolta Presidencial.
Todas as vezes em que meus soldados iniciavam ou partiam para o cumprimento de uma das suas inúmeras missões, eu lhes recomendava que trouxessem “nas pontas das laças os farrapos da vitória”!
O senhor, como qualquer outra pessoa, sabe que as lanças não são mais armas de guerra, nem tampouco os sabres que recentemente foram reincorporados ao patrimônio cultural dos Dragões, assim como as bandeirolas que tradicionalmente ornamentam as pontas das lanças. Trazê-las de volta como “farrapos de glória” tem o simbolismo da vitória, pois se tornam trapos no fragor do entrevero, entre poeira, fumo e sangue!
São, hoje, simbolismos, Sr Ministro. Formas de buscar na realidade do passado a emulação e a responsabilidade moral de fazer jus à herança deixada por nossos antepassados e honrada por nossos antecessores.
Ao Exército e às demais Forças Armadas do Brasil não cabe tergiversação no cumprimento das suas missões, pois, para elas, só há um resultado honroso: A VITÓRIA! Elas foram feitas para VENCER e assim tem sido ao longo da HISTÓRIA!
E Só há uma história, Sr Ministro, que não se subdivide em épocas ou missões, ela se encadeia em eventos que se suportam moralmente nos feitos que os antecederam e que, por sua vez, servem de suporte aos que lhes sucedem.
A História Militar brasileira é feita de valores perenes e imutáveis e reflete o empenho de seus integrantes na preservação, na prática e no culto dos valores dos Patriotas de Guararapes. As mesmas missões, os mesmos sacrifícios!
A tentativa de dividi-las no tempo – ontem e hoje –, como ideológica e preventivamente têm tentado os integrantes do Foro de São Paulo, é, portanto, inócua, inapropriada e desrespeitosa.
Inócua porque jamais conseguirá mudar a natureza dos soldados. Inapropriada porque visa a objetivos ideológicos rejeitados pela Nação e fora do contexto da natureza do homem brasileiro. Desrespeitosa porque desconsidera os valores inarredáveis que fazem respeitadas, em todo o mundo, as Forças Armadas do Brasil!
Recentemente, Sr Ministro, o senhor, como Governador do Estado da Bahia, em atitude moralmente hostil às FFAA, mas coerente com o objetivo estratégico que acabo de desqualificar, trocou o nome de uma escola. Substituiu o nome de um General, antigo Presidente da República, pelo de um terrorista, fanático e sanguinário, cujo ideário macabro, exportado na forma de “manual de guerrilha”, levou inocentes à morte no Brasil e continua a levar em muitas outras partes do mundo!
Que critérios direcionaram o seu pensamento à tomada de uma decisão tão absurda e incoerente com a lógica deste e de qualquer tempo da história da humanidade? Que explicação teria o Sr para nos apresentar de forma a que pudéssemos entender a “sua” lógica?
Chamo a sua atenção para o fato de que grifei a palavra explicação que, para nós, militares, difere completamente de justificativa, ou seja, de antemão, deixo-lhe claro que entendemos que não há perdão para um ato de tamanho desrespeito, pois agride moralmente a história e os valores que fazem das FFAA brasileiras as instituições mais respeitadas e prestigiadas pela sociedade a servem, e demonstram que, na sua escala de comparação, elas valem menos do que um terrorista assassino!
Que argumentos o Sr teria para nos apresentar que justificassem, agora sim, o seu suposto “voluntariado” para ser o intermediário entre as FFAA – pelas quais, aparentemente, o Sr não tem respeito – e o governo, cargo que o Sr ocupa, hoje, na Esplanada dos Ministérios?
Ficam as perguntas que espero ter oportunidade de fazer-lhe pessoalmente e em público durante a sua permanência no cargo.
Educada e respeitosamente,
Gen Bda Paulo Chagas

PS: Como não tenho o seu endereço eletrônico, tomei o cuidado de enviar esta mensagem à Ouvidoria do MD como “Solicitação”.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

OS QUATRO CAVALEIROS DO APOCALIPSE




OS QUATRO CAVALEIROS DO APOCALIPSE.

“Como nos filmes, começo este artigo informando que qualquer semelhança do que vou escrever com pessoas ou governos é mera coincidência. Em dois livros meus, “Uma Breve Teoria do Poder” e “A Queda dos Mitos Econômicos”, (edições esgotadas), procurei mostrar que quem busca o poder, na esmagadora maioria dos casos, pouco está pensando em prestar serviços públicos, mas em mandar, usufruir ou beneficiar-se do governo. Prestar serviços públicos é um mero efeito colateral, não é necessário. Com maior ou menor intensidade, tal fenômeno ocorreu em todos os períodos históricos e em todos os espaços geográficos. É bem verdade que a evolução do direito e da democracia nos dois últimos séculos tem permitido um certo, mas insuficiente, controle do exercício do poder pelos quatro cavaleiros do apocalipse – o político, o burocrata, o corrupto e o incompetente -, razão pela qual as nações encontram-se permanentemente em crise. “Utopia”, de Thomas More, a “A República”, de Platão e “A cidade do Sol”, de Thommaso Campanella, exteriorizam ideais para um mundo no qual a natureza humana seria reformada por valores que, embora vivenciados por muitos, raramente são encontrados nos que exercem o poder.
O primeiro dos quatro cavaleiros do apocalipse, o político, na maior parte das vezes, para alcançar ascensão na carreira, dedica-se exclusivamente à “desconstrução da imagem” dos adversários. O filósofo e jurista alemão Carl Schimitt tem toda razão em sua teoria das oposições ao declarar que o político estuda o choque permanente entre o “amigo” e o “inimigo”. Todos os meios são válidos quando o poder é o fim. A ética é virtude descartável, pois dificulta a carreira. 
O burocrata, como já disse o pensador americano Alvin Toffler, é um “integrador  do poder”. Presta concurso público para sua segurança pessoal, porém, mais do que servir o público, serve-se do público para crescer e quanto mais cria problemas para a sociedade, na administração, mais justifica o crescimento das estruturas governamentais sustentadas pelos tributos de todos os contribuintes. Há países que se tornaram campeões em exigências administrativas, as quais atravancam seu desenvolvimento, apenas para justificar a permanência desses cidadãos.
O corrupto é aquele que se beneficia da complexidade da burocracia e da disputa política, enriquecendo no poder, sob a alegação da necessidade de recursos, algumas vezes, para as campanhas políticas e, no mais das vezes, “pro domo sua”. Apesar de Montesquieu – ao cuidar da tripartição dos poderes – ter dito que o poder deve controlar o poder porque o homem  nele não é confiável, quando em todos eles há  corruptos, o poder não controla a corrupção.
O inepto, que conforma o quadro da esmagadora maioria dos que estão no poder, é aquele que, incapaz do exercício de uma função privada na qual teria que competir por espaços, prefere aboletar-se junto aos poderosos. São os amigos do rei.
Não sem razão, Roberto Campos afirmava que há no governo dois tipos de cidadãos, “os incapazes e os capazes de tudo”.
Quando espocam escândalos de toda a forma, quando a corrupção torna-se endêmica, quando o processo legislativo torna-se objeto de chantagem, quando a mentira é tema permanente dos discursos oficiais, quando a incompetência da estagnação com injustiça social,  percebe-se que os quatro cavaleiros do apocalipse estão depredando a sociedade e desfigurando a pátria que todos almejam.
Felizmente, o Brasil é uma nação que desconhece os quatro cavaleiros do apocalipse, pátria em que todos são idealistas e incorruptíveis, razão pela qual este artigo é uma mera digressão filosófica.

Artigo publicado de autoria do Professor Dr. Ives Gandra da Silva Martins –

Folha de São Paulo -16/12/14 – Tendências e Debates –

domingo, 18 de janeiro de 2015

O PAPEL DA MAÇONARIA NA CONTEMPORANEIDADE

O PAPEL DA MAÇONARIA NA CONTEMPORANEIDADE


Perguntaram-me para que serve a Maçonaria num tempo em que o pensamento filosófico contemporâneo apresenta uma visão de mundo em que nada é permanente.
Que a matéria se apresente em permanente mutação, sempre fluindo, não há nada de novo e nem a questionar.  Olhando lá das estrelas tudo na terra se move. Velhas formas de agregação vão sendo dissolvidas, enquanto novas surgem.
Mas, antigamente, havia a "certeza" de que algo era permanente, algo que existia independente da contingência material. Neste algo estava o conceito da imortalidade da alma. Sendo ele, um dos dois conceitos transcendentais presentes nos Landmarques que delimitam a Maçonaria. O outro é a crença na existência de um princípio criador do mundo.
Em verdade, as duas crenças não estão presentes nos pressupostos do pensamento contemporâneo. A mente, como parte indivisível do corpo material humano, não comportaria uma nova vida pós morte. Esta divisibilidade teria origem na esperteza de um herdeiro familiar.
Sendo o filho primogênito o herdeiro ao trono não haveria garantia da continuidade da liderança. Ele poderia ou não ser dotado de tal virtude. Então, mais simples era que este se tornasse o oráculo da vontade do líder morto. Então, em anexo a grande casa da família era erguido um túmulo-templo no qual era praticado um ritual de oferendas e de escutas da vontade do Pai. O primogênito era o sacerdote e único ouvinte e interprete da vontade papal. Então, ele governava em nome do Pai.
O pai depois de morto se tornara o Pai. Sendo agora muito mais poderoso, pois estava livre do corpo material que definhava. Ele agora era só alma, e sendo assim, imortal.
As famílias não conviviam sempre em harmonia de interesses. Claro que haviam conflitos, todavia, uma ameaça externa, os invasores, poderia e faria se unirem sob a liderança de um dentre os chefes familiares, este com efetivo dom de liderança. Surgindo, então, a tribo e uma crença comum, o Pai tribal, protetor de todas as famílias da tribo, ao mesmo tempo que, como Senhor dos Exércitos, exigia absoluta obediência.
Grandes Relatos foram elaborados para dá unidade e sentido a vida da tribo e dos seus membros. Lendas, parábolas, alegorias, rituais e hierarquia fundamentavam a Ordem.
Muitos séculos se passaram e a transcendência a vida material foi cada vez mais adquirindo complexidade e exigindo registro em textos esotéricos, que para a sua exata compreensão exigi-se uma processo de iniciação, no qual é confiado ao iniciado a hermenêutica do código. Todavia, a experiência com o transcendental não se dá de uma única maneira.
Conforme ensina a tradição, o Transcendente se apresenta a cada um de nós, conforme o grau de consciência que possuímos. Portanto a experiência com o Transcendente é diferenciada, dando origem a uma multiplicidade de elaborações e assim gerando as mais diversas religiões e os seus Deuses.
A maçonaria é herdeira destes dois princípios: a crença na existência de um princípio ordenador e na imortalidade da alma.
Reconhecendo o direito de cada um dos seus obreiros professar a fé na religião da sua livre escolha e referenciando o princípio ordenador pelo título de Grande Arquiteto do Universo. Portanto, isentado-se de adotar qualquer nome particular e assim respeitando todos os acolhidos pelos seus obreiros.
Nesta atitude a Maçonaria - agora nos referenciando as organizações que se formaram em seu nome - não adota qualquer tradição religiosa. Preferindo criar o seu próprio Grande Relato, a Lenda de Hiram.
Neste relato não é a alma de Hiram que fala ao Grão Mestre da Ordem, orientando-lhe sobre a rota do caminho. Nem Hiram reencarna ou ressuscita. E nem é necessário uma hermenêutica particular para o entendimento da lenda.
A lenda de Hiram apresenta um arquétipo da construção de uma sociedade justa e perfeita baseada na meritocracia. A construção de Jerusalém Celestial, não pela fé na alma dos mortos, mas pela razão do vivos. Sem que com esta atitude, esteja  relevando a importância das religiões e nem negando os seus valores morais fundamentados na vontade do Transcendente.
A lenda de Hiram oferece a cada obreiro um projeto de construção, em que cada um participa em conformidade com as suas virtudes e suas limitações. Todos tendo consciência do seu papel e da importância do mesmo. Exatamente o contrário da alienação denunciada no filme do Charles Chaplin - Tempos Modernos.
Por fim, respondendo a pergunta que me foi apresentada, a Maçonaria, embora revestida de toda uma indefinida mística simbólica, que lhe é mal atribuída - exatamente pelos que não a conhecem - é uma utopia que oferece um sentido de vida baseada em princípios morais racionais, mediante um Grande Relato da dignidade da condição humana.
Melquisedec, aos quatorze dias do mês de Janeiro de 2015 da Era Vulgar.

Loja Alferes Tiradentes Nº 20 > O papel da Maçonaria na contemporaneidade
15/01/2015 22:58