sábado, 28 de dezembro de 2013

CARRAPETA



João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/4/2003)


            Carrapeta era filho de mãe solteira que não o desprezara e queria-lhe tanto bem como qualquer mãe extremosa. Era ele só e ela, morando numa casinha de taipa à beira da estrada à saída do povoado.
            Maria Rosa vivia exclusivamente de sua máquina de costura e não lhe faltava trabalho. Costurava roupa de homem e de mulher, caprichosamente. Principalmente nos períodos de festas tinha que se desdobrar, entrando pela noite e acordando com as madrugadas para atender a freguesia.
            Carrapeta não lhe dava trabalho. Brincalhão e esperto achava sempre entretenimento que não perturbasse Maria Rosa. Era tão boa e tão doce com ele que nem tinha coragem de interrompê-la. Quando queria qualquer coisa, ficava ali por perto, rondando como se quisesse falar.
- O que é Carrapeta. Fala logo.
- Mãe, posso pegar uma bolacha ou pedaço de pão, mãe?
- Pode sim, menino. Não precisas me pedir. Tira quando quiseres, mas não para estragar.
E Carrapeta ia direto ao armário, e saia mostrando de longe a Maria
Rosa, o que levava. A mãe achava naquela obediência e sentia-se maravilhada, com o filho que tinha. E enquanto ia cortando, alinhando e costurando, pensava em outras mães que não tinham sorte de ter um filho tão bonito igual à Carrapeta.
 E lá fora, à frente da casa, Carrapeta reunia os seus poucos brinquedos e se esquecia do mundo, nas inocentes brincadeiras.
Adorava o caminhãozinho de madeira, que puxava pra lá e pra cá, carregado de areia, ou de pedras miúdas. Quando algum companheiro chagava, parava de transportar, encostava o caminhão e mudava de brincadeira. Ninguém pegava naquela sua maior riqueza de menino pobre.
Foi crescendo, crescendo e começou a pensar em ganhar dinheiro. Poderia muito bem fabricar caminhões iguais ao seu para vender aos outros meninos. Sabia que ambicionavam ter também um veículo para fazer à mesma coisa. Mas não dispunha das ferramentas. Um serrote pequeno, um martelinho e um canivete Corneta. Material arranjaria. Pedaços de taboas, caixões, latas e pregos. Falou com Maria Rosa. A mãe aprovou. - Era bom que fosse aprender a fazer as coisas e a ganhar uns trocados.
Mas cedo do que esperava, lá estava com suas ferramentas que só faltou mesmo beija-las. E caiu em campo em busca de material. Foi logo a mercearia de seu Juca da venda e depois de explicar-se, perguntou se poderia lhe dar caixões que vinham com mercadorias.
- Vai, Carrapeta, vai ali ao quintal e escolha lá. Leva o que precisares. Carrapeta enfiou-se de corredor adentro e teve uma surpresa. Era um monte de caixão de sabão, de velas e outros artigos. E o melhor é que tinha os pregos que necessitava. E ainda mais, ao lado, aspas de barris para os molejos e outros arranjos.
Agradeceu e ia saindo quando seu Juca chamou-o para dizer-lhe que podia vir buscar tantas vezes necessitasse. Carrapeta instalou-se no quintal, fechado de varas. Ninguém deveria ver sua fabrica. Um caixão servia de bancada. O serrote novo não serrava. Levou-o a casa do Manoel Ferreiro para amolá-lo.
- Não é só amolar não, menino tem que travar. Mas deixa que faço.
Carrapeta não sabia o que diabo era travar e ficou pasmado de ver como era. No começo teve um susto danado. Tinha impressão que o ferreiro estava quebrando os dentes de seu precioso serrote. Quase gritava e pedia que não fizesse aquilo, pois não poderia comprar outro.
- Apanha ali aquele toro de madeira, Carrapeta. Toma e experimenta teu serrote. Se não serrar, nada mais poderei fazer. E o serrote entrou toro adentro como um raio.
- Que beleza, mestre. Quando vi o senhor entortar os dentes, pensei que estava desgraçando meu serrotinho. Quanto é?
- Nada, seu tolo. Vai fazer tuas carruagens.
No final da semana Carrapeta estava com a sua primeira obra prima prontinha. Iria pegar no primeiro dinheiro de sua arte. O carrinho tinha até faróis, duas tampas metálicas de guaraná. Mostrou-o a mãe, com a alegria de quem tinha o seu primeiro filho:
- Bonito, não é?
- Ora, uma belezinha. Já sabia que irias fazer uma joia.
- E agora; Vou vender e fabricar outros. Mas por quanto, mãe?
- Cinco mil reis, mais ou menos. Vale até mais. Aquele que te dei custou quatro. Pede mais um pouco, mas antes espere que os meninos vejam. Daí saia às encomendas.
            Ora, não demorou e as cinco pratas estavam no bolso. Deu-os a mãe para guardar, comprar as coisas, se precisasse. E Carrapeta tocou o serrote pra frente. Serrou madeira para três carros. Só depois começaria a montagem. Já adquirira prática. E Carrapeta não parou mais e passou a fabricar automóvel também e outros tipos de brinquedos, inclusive “Mané Gostoso” que dava pulos do demo e carrinhos de duas rodas de varinha para menino empurrar. Fabricava tudo quanto via. Adquiria mais ferramentas apropriadas, inclusive serra de decupagem. Era o menino mais rico do povoado.
A notícia corria da engenhosidade de Carrapeta. E foi daí que a sorte lhe bateu a porta. Os carinhos já envernizados e atraentes despertavam a atenção de quem ia a Marmeleiro. E um belo dia chegou ao povoado o doutor Salvino, médico da Saúde Pública da capital. Viu os brinquedos do Carrapeta e foi falar com a mãe dele.
- Olhe dona, seu filho é um artista. Quero levá-lo para a escola de artífices da capital para se aperfeiçoar. Tomo conta dele. Não terá que se preocupar. Virá passar as férias aqui. Virei trazê-lo.
E lá se foi Carrapeta, com saudade da mãe, mas ia ter sua oportunidade de aprender mais e mais. E lá se foram três anos de aprendizagem.
Dr. Salvino trouxe de volta Carrapeta com uma proposta do diretor da escola, Carrapeta poderia continuar na escola como monitor, auxiliar no artesanato.
 No entanto Carrapeta preferiu ficar em Marmeleiro e instalar sua pequena indústria de brinquedos. Não somente por apego a terra, mas, sobretudo para permanecer perto de sua mãe, que não desejava sair em hipótese alguma. Tinha suas amizades, sua boa freguesia e o clima lhe conservavam saudável.
Carrapeta agradeceu e começou a planejar sua tenda de trabalho. Agora sim, poderia ter auxiliares, treinar meninos, vender seus brinquedos para outras cidades, em grosso. Não tinha ambição. O que lhe empolgava era contribuir para alegria da criançada, ganhando o bastante para viver. Com algum conforto. E não errou nos prognósticos. Os negócios prosperavam. Comprou uma máquina de costura elétrica e deu-a de presente a mamãe.
Já ninguém, depois de algum tempo, o chamava de Carrapeta. Simplesmente era mestre Carrapeta. Inventava novos tipos de brinquedos e sempre tinha novidades para a meninada. Brinquedos envernizados, pintados e coloridos. Os auxiliares faziam tudo. O mestre apenas planejava e comercializava.
Era uma terça-feira. Carrapeta levantou-se com o raiar do sol. Tomou o seu café com bolacha seca e pão doce. Parecia imaginar qualquer coisa importante. Ao acordar à noite percebera que sua mãezinha costurava até muito tarde. Sentia que ela estava se sentindo cansada. A expressão dos olhos denunciava isso. Quase sempre parecia estar vendo as coisas bem distantes, para lá do horizonte. E então, chamou:
 - Mãe, ou mãe?
- Estou aqui filho.
E Carrapeta foi se chegando, sutil com quem quer apanhar uma borboleta de asas azuis.
- A senhora trabalhou até tarde da noite, mãe! Eu vi.
- Medo, meu filho, que nos falte alguma coisa.
- Pois é mãe, daqui por diante, as despesas da casa ficam exclusivamente comigo. Fecha a máquina e costure apenas nossas roupas. Já tenho rendimentos para o custeio e, além disso, a obrigação já é minha. Completei dezoito anos. Quando estiver com saudade do ruído da máquina, que nos deu tanto, em suas mãos, sente-se nela e pedale costurando qualquer coisa para seu uso. E na mesinha da máquina, ao lado dela, coloque a santinha de sua devoção e uma florzinha do pé de bugarí...
Até agora a nossa vida foi com a senhora, de hoje pra sempre será aqui com o mestre Carrapeta. Não quero vê-la olhando distante e nem pedalando para vivermos. Quero vê-la sim sorrindo e cantando, como eu, que tenho a mãe mais bela, mais santa e melhor deste mundo. Estas me ouvindo dona Maria Rosa!
- Cuida em te casar Carrapeta!...
- Não, mãe. Não dá! Tenho ciúme de mulher bonita e medo de mulher feia...

*O conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

VÁ TER SORTE ASSIM, NO INFERNO



João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

Para dona Atília, a vida na roça era uma espécie de castigo que Deus lhe dera e sem ela saber a razão. Era católica, apostólica dessas que cumpria zelosamente os seus deveres cristãos. Não considerava um pecado o mal estar que sentia vivendo na roça, isolada do mundo, assustada na solidão das noites intermináveis. O que desejava era, no entanto morar na cidade, no meio de muita gente, andando de casa em casa, tendo com quem conversar, ouvindo e transmitindo boatos e, quem sabe, falando da vida alheia.
Por arte do capiroto não tinha filhos e o marido só lhe aparecia à hora das refeições, ocupado que andava, com os múltiplos afazeres da fazenda, donde retirava o sustento da casa. Argumentava constantemente com o seu Adonias sobre as vantagens de venderem tudo e mudarem-se para a cidade. Lá botariam uma bodega ou arranjaria um emprego na Prefeitura, fosse qual fosse. Ela é que não suportava mais o mato. Afora os domingos que ia a missa e as quatro festas do ano, o mais era internada naqueles cafundós de Judas. Não era vida de gente. Atanazava o homem a cada instante e fazia promessas a tudo que era santo, para convencer o marido a sair daquelas brenhas.
- Mas, Atília, não sei fazer outra coisa. Não tenho jeito para o comércio e nem tenho letras para um emprego. Seria um desastre e mais cedo do que pensas, estariam pedindo a benção às ticacas. O que eu sei mesmo é plantar minhas roças e criar as vaquinhas e as cabras. É dai que sai a manutenção da casa. E depois gosto do campo, dessa vida que levo, sem dever nada a ninguém e aumentando meu pé-de-meia. Tenha santa paciência, mulher. Também nascestes na roça como eu e porque, agora, esse desespero para ires para a cidade?
- Não suporto mais viver aqui neste sumidouro. Gostas, mas, eu não. Será que só pensas em ti. Que coisa!...
- Olha, não saio daqui nem amarrado. Tenho juízo.
E com pouco tempo a mulher anoiteceu e não amanheceu. Quando Adonias chegou em casa para o almoço, cansado e o estomago vazio, foi o lugar mais limpo que encontrou. Talvez a Atília tivesse ido à casa de algum vizinho. Mas logo percebeu que não havia nada para o almoço. E sentiu-se só e abandonado. Tomou de imediato, a resolução de não ir procurá-la. Faria falta, mas não daria o braço a torcer. Arranjaria outra. Foi à casa do sogro e comunicou o fato. Houve estarrecimento. Declarou que pensava que teria resolvido voltar para casa dos pais. Mas nem dera notícias.
- Vai procurá-la.
- Não, não irei. Sofreria certamente, nova decepção. Saíra porque quisera, sem nenhum motivo, sem discursão, sem nada. Apenas quis deixa-lo.
- Certamente enlouqueceu.
- Nada disso. Vivia batalhando para irmos morar na cidade. Não suportava a roça. Não tinha como sair. Resolveu ir só e foi. E agora, sozinho, nem sei como poderei viver. Sabe como é, a falta que faz uma dona de casa.
- Ela vai voltar na certa.
- Tenham santa paciência. Saiu, saiu. Comigo mais não. É uma pena, mais não há outro caminho.
- Então, vamos fazer uma coisa. Venha fazer suas refeições aqui.
- Seria ótimo, mas, pela distancia não dá.
A Marina ouvia calada todo drama do cunhado e naquela simplicidade de roceira, sugeriu uma solução. Iria tomar conta da casa até que Adonias arranjasse uma caseira. Passo o dia e venho dormir em casa. E posso até dormir por lá mesmo. Já não sou nenhuma criança e seu Adonias é um homem direito.
Adonias sentiu um calafrio na espinha. Uma mulher com aqueles olhos atrevidos e um corpão saliente daquele, só podia estar doida varrida.
Adonias agradeceu e acrescentou que se “arranjaria de qualquer forma”.
E a mãe tomou a frente: - Não havia problema. Seu Adonias era homem de toda confiança. Deveria ir mesmo substituir a irmã tresloucada no arranjo da casa. Não havia nada de mais.
E como a velha era quem mandava e desmandava em casa, o marido não deu pitaco, embora estivesse claro que nem Nosso Senhor evitaria o desmantelo. Pobre coitado, sem voz ativa, baixou a crista e lá se foram Marina e seu Adonias, na maior tranquilidade aparente, os dois pensando na mesma coisa.
Em casa, jantaram, conversaram e já meio tarde recolheram-se. Logicamente nenhum conseguia adormecer. E lá para as tantas da noite, Marina chamou Adonias, com a voz tremula e assustada.
- Seu Adonias, estou com medo, seu Adonias.  Nunca dormi sozinha. O que é que faço?
- Acalme-se, criatura. Nesta casa nunca se viu assombração.
- É mais estou com tanto medo...
E logo em seguida já estava no quarto do cunhado.
- Vou me deitar aqui do lado, mas não bula comigo.
- Nem se preocupe.
E pouco demorou, Marina foi-se encolhendo e encostando-se ao Adonias. E o medo foi aumentando, aumentando de tal forma que Marina agarrou-se com Adonias.
-Tem coisa aqui no quarto, homem. Me cubra com seu cobertor, senão morro de medo.
E com pouco tempo o medo acabou-se. E Marina dormiu até o dia clarear.
- Está vendo o que você fez sinha medrosinha. Eu bem disse que aqui não havia assombração.
- O culpado foi você. Eu só fiz me encostar com medo. Tinha nada de mais. Mãe disse que você era de confiança. E nem foi nem nada. E agora como é que eu vou pra casa já assim em duas bandas... Não se pode mais confiar em ninguém. Levei todo esse tempão e nunca me aconteceu nada. Vou fugir também, procurar minha mana.
- Assim, não. Dissestes que vinhas para o lugar dela.
- Mas somente para o arranjo de casa.
- É. Eu bem que te disse que não tinhas que ter medo. Medo é uma coisa danada. A pessoa fica sem saber o que faz. A culpa foi somente tua, com as tuas besteiras. Agora o galo já cantou e é esperar que cante novamente.
E as horas foram se passando, sem o galo cantar.
- Ou Adonias, que galo danado de preguiçoso é esse? Será que só canta uma vez? Se for assim, vou já voltar para casa.
Cerca de um mês e meio a Atília bateu em casa dos pais. Vinha desfigurada, com ar de desiludida. Procurou pela irmã. Seria o seu consolo, sua confidente. Tinha muita coisa para dizer-lhe. A cidade não era o que ela pensava. Lá ninguém nem ao menos olhava para ela. Era uma espécie de bruxa. Andava de léu em léu, sem arrimo e sem consolo. Pedia emprego: - Não empregamos gente desconhecida. Teve vontade de cair na gandaia, mas não era isto que queria. Não era isto o que pretendia.
- Mas onde anda Marina. Será que também caiu na burrada de fugir como eu?
- Nada disso. Anda em casa de Adonias que deixastes sozinho, sem alguém para fazer-lhe a comida e arranjar a casa.
- Na casa de Adonias? Vou já buscá-la. No meu lugar. Que desavergonhamento. Então foi somente eu dar as costas, meteu-se com aquele sabidão. Aposto que foi ele quem a iludiu. Aquilo não vale nada. Mesmo assim é meu marido.
- Não vais a parte nenhuma. Se querias um marido. Deverias ter ficado com ele. Agora que os dois estão se dando muito bem, não irás atrapalhar mais uma vez a vida do homem.
- Não está vendo que isso não pode dar certo. Uma moça solteira, sozinha com um homem descarado. Como foi que a senhora concordou com semelhante disparate.
- Nada de disparate. Adonias é um homem respeitador, correto. Depois que a menina foi para lá, não nos tem faltado nada. No teu tempo, nem te lembravas de que a gente era viva. Deverias era agradecer à tua irmã. Adonias sempre te tratou muito bem. Foste tu que o abandonastes só pela mania de ir para a cidade. Agora está ai em que deu a cidade. Não tens marido, não tens casa e a cidade muito menos.
- Vou, vou lá de qualquer, maneira. Fique ou não fique.
- Adonias já disse aqui que nem queria mais ver-te. Saístes sem motivo, ganhastes o mundo e ele não vai te aceitar de volta, nem transformada em joia. Fica quieta ai e deixa tua irmã sossegada.
- Não está vendo que não pode ser. Está na certa dormindo com ele. Mande pelo menos chamá-lo.
- Vou mandar, vou mandar.
Marina chegou, desconfiada e medrosa de que viessem suspeitar do que estava acontecendo. Mas se apertassem, colocaria logo os pontos nos is. Não tinha mais jeito a dar e nem tinha culpa. Não estava habituada a tais situações e o diabo atiçou o braseiro. A mana saíra por que quisera. Culpa exclusiva dela que, ainda, por cima, motivara sem querer e sem pensar, o encontro dos dois. Coisas da vida. Agora era aguentar o jogo de cintura. Felizmente sabia que não havia pegado nada. Na certa seu Adonias era estéril. E boa sorte.
- Onde andas sinha desavergonhada. Tomastes o meu marido, não foi? Pois não voltaras mais para lá. Quem vai voltar serei eu, eu, ouvistes.
- Não ouvi nada. E de lá não saio e nem Adonias te quer. A cidade é o teu lugar. E o que andou fazendo por lá. Muita baboseira, por certo.
- Não passas de uma descarada! Vivendo com o marido alheio. Onde foi que já se viu semelhante falta de vergonha. E logo o marido de tua irmã.
- Estás enganada. Não vivo com teu marido. Apenas sou medrosa e durmo com ele, mas não acontece nada, nada mesmo. Que falta de confiança, meu Deus. Quem quer marido não o larga. De lá não vou sair, a menos que o Adonias me mande embora.
- Pois te fica lá com aquele matutão brocoió. E digas a ele que não me bote às pranchas aqui. Não quero vê-lo. Uma zebra que nem gerar filho gera.
- Então, está muito bom para tua irmãzinha inocente. Até logo, mana. E anda direito senão o Adonias te pega.
- Verás depois..., o que vai te acontecer. Fui uma estúpida. Não acreditava no que me dizia Adonias. Cidade não enche barriga de ninguém. Nosso lugar é aqui mesmo. Agora sou a criatura mais infeliz do mundo. Estou como saí. Não fui desonesta. E daqui por diante, continuarei como sempre fui. Não mereço nada de ninguém. Vou para o campo ajudar papai. Cuidar das lavouras, engrossar as mãos e chorar minha desdita.
Marina voltou e na volta chorou a má sorte da irmã. Não queria que ela visse nem soubesse.
- Por onde andavas Marina. Já pensava que havias fugido como a Atília. Seria o fim de minha vida.
- Fui ver Atília, em casa do papai. Chegou de não conhecer. Magra, desconsolada, chorosa, arrependida, aniquilada. Queria vir te ver, mas teve medo. A cidade era uma ilusão. Não consegui trabalho, não se misturou com ninguém e voltou pura como saiu. Sabes que sempre foi honesta. Não foi isto mesmo? Tenho muita pena. Eu não tenho o direito de tomar o seu lugar. Caí nos teus braços como uma borboleta atraída pela luz. Acho que estava fora de mim. Não me arrependo dos nossos encontros e nem quero sair fora deles. Não teria mais jeito, nem adiantaria nada. O que tinha para quebrar, já quebrei. Ninguém emenda mais. E o que pensas de tudo isto. Tenho pena de minha irmã, muita pena mesmo. Ela está ansiosa. Mulher quando vira mulher não pode mais fugir do “bicho papão”. Enquanto não arrebenta os ponteiros da gaiola não sossega. Atília está assim, notei pelo jeito de olhar e de morder os lábios constantemente, como quem está sentindo uma secura. E é assim que a gente se perde.
Marina calou-se e começou a chorar. Adonias parecia impassível e perplexo. Tantos anos juntos com aquela mulher, lembrando-se da vida que levaram até quando Atília endoidara pela cidade. Lembrava-se dela moça ainda ao seu lado, ofegante e tremula como uma juriti presa numa arapuca. Agora estava só, esperando por ele e sabendo que a irmã lhe tomara o lugar em todos os recantos da casa. E era duro, cruel, pensar à noite que Marina, sua própria irmã dormia ao seu lado e ela acompanhando tudo que deveria estar se passando com os dois.
- Vamos lá Marina.
- Vamos, sim, com uma condição. Eu fico lá e ela vem.
- Não e não. Não vou te deixar, nunca. Salvo se estás arrependida e não me queres mais.
- Nada disso. Nem morta, me arrependeria. Mas Atília é minha irmã e esta arrependida e sofrendo horrivelmente. Bem sabes o que é um desejo insatisfeito.
Entraram os dos e surpreenderam Atília chorando, debruçada na mesa. Assustou-se com a presença dos dois e permaneceu calada como se houvesse perdido a voz. Lentamente ergueu a cabeça e olhou para Adonias e voltou a chorar as suas desilusões.
- Como vai Atília?
- Tão amargurada quanto se podia pensar. Meu único consolo é estar ao lado dos meus, depois de sentir-me perdida onde pensava encontrar a felicidade. Vaguei como uma desesperada passei fome e dormi de caridade com vergonha de voltar. As noites mais longas de minha vida e os dias mais tormentosos que se poderia imaginar.
- E o que queres fazer, Atília?
- Quem fez o que eu fiz, não tem mais nada para querer. Morrer aqui, trabalhando na roça. E ainda me parece muito pouco para quem errou tanto.
Adonias amoleceu. Não esperava tanta imaginação daquela mulher que era tão cheia de vontade e tanto sonhava com uma vida de fantasias.
- Como é. Queres ir para tua casa? Tua irmã quer voltar. Foi-me muito útil e amiga. Tomou o teu lugar e não poso ser ingrato com ela. Nos momentos mais desesperadores por que passei, amenizou o meu constrangimento. Assim vocês duas decidam.
- Olha Adonias, é Marina quem merece.
E estabeleceu-se a contenda. - Você vai e eu fico a vez é sua; - e não saía uma solução. Enquanto isso, Adonias mantinha-se na expectativa, imaginando o que iria acontecer, se as duas não se decidiam. Pelo visto nenhuma queria ficar e o jogo de cintura era somente gentileza. E para que a coisa não se encompridasse mais, Adonias com a maior fleuma fez uma sugestão: uma vez que estão nessa dúvida que parece não ter fim, talvez eu possa dar uma solução, bem entendido, se aceitarem.
- Qual, qual, - falaram as duas ao mesmo tempo.
- É simples. Vão as duas. Tenho farinha e feijão para sustentá-las.
E as duas se entreolharam como se se consultassem com os olhos. E a resposta veio em cima da fivela.
- Muito bem, muito bem. Homem é quem sabe resolver as coisas. Mas será mesmo, Adonias, que darás conta das duas?
- Vai-se ver. Depende do trato que me derem e do calendário...
E dentro de meia hora, já estavam no caminho e na maior alegria da vida.
E Adonias, o espertalhão, nem sabia pra onde se virar. E as duas fizeram um acerto. Um dia, o arranjo da casa, o outro, Adonias. E nesse revezamento, nunca se viu tanta harmonia, nem tanto bem querer. E Adonias mandou celebrar uma missa de ação de graças pela volta de Atília e a permanência de Marina. E assistiu-a ajoelhado do começo ao fim. Vá ter sorte assim no inferno.

*O conto faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

ORAÇÃO DE FINAL DE ANO



Senhor Deus, dono do tempo e da eternidade,
teu é o hoje e o amanhã,
o passado e o futuro.
Ao acabar mais um ano,
quero te dizer obrigado por tudo aquilo
que recebi de ti.
Obrigado pela vida e pelo amor,
pelas flores, pelo ar e pelo sol,
pela alegria e pela dor,
pelo que foi possível e pelo o que não foi.
Ofereço-te tudo o que fiz neste ano,
o trabalho que pude realizar,
as coisas que passaram pelas minhas mãos
e o que com elas pude construir.
Apresento-te as pessoas
que ao longo destes meses amei,
as amizades novas e os antigos amores.
Os que estão perto de mim
e aqueles que pude ajudar,
os com quem compartilhei a vida,
o trabalho, a dor e a alegria.
Mas também Senhor,
hoje eu quero te pedir perdão.
Perdão pelo tempo perdido,
pelo dinheiro mal gasto,
pela palavra inútil
e o amor desperdiçado.
Perdão pelas obras vazias
e pelo trabalho mal feito,
perdão por viver sem entusiasmo.
Também pela oração que aos poucos fui adiando
e que agora venho apresentar-Te
por todos os meus olvidos,
descuidos e silêncios
novamente Te peço perdão.
Nos próximos dias começaremos um ano novo.
Paro a minha vida diante do novo calendário
que ainda não se iniciou e
Te apresento estes dias que
somente Tu sabes se chegarei a vivê-los.
Hoje Te peço por mim, meus parentes e amigos,
a paz e a alegria
a fortaleza e a prudência,
a lucidez e a sabedoria.
Quero viver cada dia com otimismo e bondade,
levando a toda parte um coração
cheio de compreensão e paz.
Fecha meus ouvidos a toda falsidade
e meus lábios às palavras mentirosas,
egoístas ou que magoem.
Abre sim, o meu ser a tudo o que é bom.
Que o meu espírito seja repleto de bênçãos
para que eu as derrame por onde passar.
Senhor, a meus amigos e amigas que estão lendo esta
mensagem,
enche-os de sabedoria, paz e amor
e que nossa amizade dure para sempre
em nossos corações.
Enche-me também de bondade e alegria,
para que todas as pessoas que eu encontrar
no meu caminho, possam descobrir em mim
um pouquinho de Ti.
Dá-nos um ano feliz e
ensina-nos a repartir a felicidade.
Amém!

(desconheço a autoria)
Postado por Antônio Luiz Figueira Vaz em 30 dezembro 2011 às 18:00
http://www.redeamigoespirita.com.br/profiles/blogs/ora-o-de-final-de-ano