domingo, 29 de abril de 2012




As palavras abaixo são de Baruch Espinoza - nascido em 1632 em Amsterdã, falecido em Haia em 21 de fevereiro de 1677...
DEUS SEGUNDO SPINOZA   (Deus falando com você)

Pára de ficar rezando e batendo o peito! O que eu quero que faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.  Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.  Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias.  Aí é onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.  O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo.  Se não podes me ler num amanhecer, numa paisagem, no olhar de teus amigos, nos olhos de teu filhinho.... Não me encontrarás em nenhum livro!  Confia em mim e deixa de me pedir. Tu vais me dizer como fazer meu trabalho? 
Pára de ter tanto medo de mim.  Eu não te julgo, nem te critico, nem me irrito, nem te incomodo, nem te castigo.  Eu sou puro amor.
Pára de me pedir perdão.  Não há nada a perdoar.  Se Eu te fiz...  Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos, de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio.  Como posso te culpar se respondes a algo que eu pus em ti?  Como posso te castigar por seres como és, se Eu sou quem te fez?  Crês que eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade?  Que tipo de Deus pode fazer isso?   
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar, que só geram culpa em ti.  Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti.  A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida, que teu estado de alerta seja teu guia.  Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso.  Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas.  Eu te fiz absolutamente livre. Não há prêmios nem castigos.  Não há pecados nem virtudes. Ninguém leva um placar. Ninguém leva um registro.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.  Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho.  Vive como se não o houvesse.  Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir.  Assim, se não há nada, terás aproveitado da oportunidade que te dei.  E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não.  Eu vou te perguntar se tu gostaste, se te divertiste...  Do que mais gostaste? O que aprendeste?
Pára de crer em mim - crer é supor, adivinhar, imaginar. Eu não quero que acredites em mim. Quero que me sintas em ti.
Quero que me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar.
Pára de louvar-me!  Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja?  Me aborrece que me louvem. Me cansa que agradeçam.  Tu te sentes grato?  Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.  Te sentes olhado, surpreendido?... Expressa tua alegria! Esse é o jeito de me louvar.
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre mim.  A única certeza é que tu estás aqui, que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. Para que precisas de mais milagres? Para que tantas explicações?
Não me procures fora! Não me acharás. Procura-me dentro... aí é que estou, batendo em ti.

Einstein, quando perguntado se acreditava em Deus, respondeu:
Acredito no Deus de Spinoza, que se revela por si mesmo na harmonia de tudo o que existe,
e não no Deus que se interessa pela sorte e pelas ações dos seres humanos.”



Evaristo José Braga Cavalcanti
evaristocavalcanti@supeig.com.br

maracajag@hotmail,com

quarta-feira, 25 de abril de 2012

NÃO AGUENTO MAIS





Orlando Tejo
                                                    NÃO AGUENTO MAIS


Eu saí da Paraíba,
Minha terra tão brejeira,
Pra fazer publicidade
Na Veneza Brasileira
Onde a comunicação
É toda em língua estrangeira.

É uma ingrizia só
O jeito de se falar,
O que a gente não compreende,
Passa o tempo a perguntar
E assim como é que eu vou
Poder me comunicar?

É bastante abrir-se a boca
O “inglês” fala no centro,
Nessa Torre de Babel
Eu morro e não me concentro…
Até parece que estamos
De Nova Iorque pra dentro!

Lá naquele fim de mundo
Esse negócio tem vez
Porque quem vive por lá
O jeito é falar inglês,
Mas, se estamos no Brasil
O jeito é falar Português!

Por que complicar a guerra
Em vez de se esclarecer?
E se “folder” é um folheto
Por que assim não dizer?…
Pois quem me pedir um “folder”
Eu vou mandar se folder.

Roteiro é “story board”
Nesse vai e vem estrangeiro,
Parece até palavrão
Que se evita o tempo inteiro...
Porque seus filhos das putas,
A gente não diz roteiro?

Estão todos precisando
Dos cuidados do Pinel
Será feia a nossa língua?
É chato nosso papel?
Por que esse tal de “out door”
Substituir painel?

É desrespeito à memória
De Camões que foi purista
E esse massacre ao vernáculo
Não aguenta o repentista
Pois chamam “lay out-man”
O homem que é desenhista!

Matuto da Paraíba,
Aqui juro que não fico,
Onde até se tem vergonha
De um idioma tão rico...
Por que se chamar de “free-lancer”
Um sujeito que faz bico?

Publicidade de rádio
Apelidaram de “spot”
E tem outras besteiradas
Que não cabem num pacote.
Acho que acabou o tempo
De acabar esse fricote!

Por exemplo: “body type”
“Midia”, ”top”, “merchandising”,
“Checking list”, “past up”
(Que se diga de passagem)
“Briffing”, “Top de Marketing”,
Tudo isso é viadagem!

Já é hora de parar
com esse festival grosso
Para que o nosso idioma
Saia do fundo do poço.
Para isso eu faço esse “raff”,
Isto é –perdão ! – esboço!







GATA PARIDA



GATA PARIDA*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

            Em cidades pequenas, as notícias e os boatos são mais rápidos do que vôo de andorinha. E foi isso que aconteceu a esperada morte do professor Epaminondas.  O homem morrera pela madrugada quando o frio apertara. Os pulmões se trancaram e o coração parara sem que o pobre homem tivesse tempo de se despedir dos parentes.
            Mas na verdade o professor estava bem vivo e até melhorando. A sorte é que o boato não chegou aos ouvidos do professor Epaminondas Cerqueira de Abreu, senão poderia ter morrido mesmo do choque. E dentro de poucos dias estava andando pela cidade, graças ao tratamento ministrado pela dona Alexandrina, afamada no preparo de garrafadas milagrosas, Professor Epaminondas tomou, então, conhecimento de sua morte e não desejava perdoar o boateiro, naturalmente seu inimigo gratuito. Havia de descobri-lo mais cedo ou mais tarde e lhe daria o troco. E não sossegou a procura do miserável. Quem foi, quem não foi, chegou, afinal a uma conclusão. Havia sido o Artequilino, apelidado de Gata Parida, alcunha que o espritava e motivava ameaças terríveis. O certo seria mandar surra-lo, quebrar-lhe mesmo a tíbia ou o perônio, mas o melhor era desmoralizá-lo, irrita-lo de outra forma, até levá-lo ao ridículo. E o professor fez-lhe uma sextilha que mandou distribuir às escondidas, por todas as ruas da cidade. Dizia assim:
Toma cuidado minha gente,
Eu sou a Gata Parida.
Todo dia amolo dente
Se mordo deixo ferida.
O professor já matei.
Duma mordida que dei
Abraços – Gata Parida.
            Gata Parida danou-se. No entanto não atribuía os versos ao professor.
Era burro, no seu entender, e incapaz de rimar duas palavras. Era safadeza de algum descarado e prometia quebrar-lhe as fuças. Para desculpar-se, cinicamente, foi falar com o professor.
            - Não, não havia sido ele, o autor do boato.
            - E que fosse, não alterava em nada. Estou aqui vivo e são. Mas lamento uma coisa. Aqueles versos sujos que espalharam pela cidade. Isso não se faz com um cristão. Pois não é. Todos sabem que esse seu apelido de Gata Parida, é uma ignomínia. Gata Parida é um apelido cabuloso realmente. Mas, afinal quem lhe botou esse apelido de Gata Parida. Será porque gata parida é bicho brabo, ou que sentido tem? Se o sujeito me chamasse de gata parida, já havia me mudado do lugar ou estava nas grades. Que coisa. Gata parida é lá apelido que se ponha em alguém. Aliás, sem alusão, gata parida é até engraçado. Ora só, gata parida!... E sabe que nunca tinha visto uma gata parida. Isto foi coisa de algum criador de gatas. Eu mesmo não tolero gato, quanto mais gata parida. Puxa diabo!... O senhor mesmo não tem nada de gata parida.
            Gata parida deve ser arrepiada, peitaria pingando leite, magra, suja, uma coisa repugnante, aliás, o senhor, ao contrario, não tem nada de gata parida.
            Esse povo tem cada uma. Gata parida. Apelido chato, chato mesmo. Eu já teria tomado uma desforra. O cabra que me chamasse da gata parida, receberia o troco na hora. Pois é.
            E Gata Parida saiu vendendo azeite às canadas. Nem se despediu do professor. E mal andara uns vinte passos ouviu-se o grito:
            - Gata Parida!!!
            E não sabia de onde tinha saído o grito. A única pessoa presente era o professor. E só queira adivinhar se havia sido aquele cachorrão. E enquanto, estarrecido encarava o professor. Ouviu-se novo grito:
            - Gata Parida!!!
            - Esta ouvindo professor ?
            - Não ligue pra isso. Brincadeira dessa molequeira ordinária.
            E os gritos repetiam-se, ora atrás, ora dos lados sem que Gata Parida atinasse de onde vinham.
            - Vá embora, homem. Corra daí.
            E Gata Parida correu. Veio-lhe, então, pelas costas o grito assustador:
            - Vai fugindo Gata Parida!!! E Gata Parida estremeceu de ódio. Só podia ser o danado do professor. Virou-se e não o viu mais. Na certa não era ninguém deste mundo. Deveria ser o demônio que se escondia atrás do vento. Tinha mesmo que se mudar, furar mundo, ir para onde ninguém o conhecesse.
            O professor havia pago à molequeira da cidade para atormentá-lo até a loucura ou sumir da cidade. E Gata Parida, desfez-se do pouco que tinha, botou os cobres no bolso e pegou caminho.
            O professor – ex-defunto – acompanhava todos os seus movimentos. Colocou moleques de distância em distância., às ocultas à margem da estrada. E quando o coitado passava, o grito estridente e diabólico caia nos seus ouvidos.
            - Já vai Gata Parida. Já vai, Gata Parida. E por longo percurso o grito diabólico varava-lhe as ouças. Até logo, Gata Parida. Some, Gata Parida.
            Tempos depois o professor descobriu onde andava Gata Parida. Mandou um gaiato a Buraco D’Água espalhar o apelido. E dentro de pouco tempo Gata Parida perdeu o sossego. Num dia de festa, no meio da multidão, ouviu o grito infernal: Gata Pari-i-i-i-da!
            Em vez de fazer que não ouvia ou que não era com ele, tomou um susto e soltou um palavrão. Ficou reconhecido e a gritaria estremeceu o local. Além dos gritos, a risadaria da cambada. – Vem ver minha gente, Gata Parida.
            Gata Parida investiu e pegou um pelas goelas. Caíram em cima dele, chamaram a policia e Gata Parida foi preso.
            - Quem te botou esse apelido besta e ridículo.
            - O povo de minha terra. Cabras de peia. Fugi de lá para não matar ninguém. Isso não é apelido que se bote num cristão.
            - Pois toma meu conselho. Escafede-te daqui, enquanto é cedo. Não vou prender ninguém por isso. Faça de conta que não ouvi.
            - Mas já me conhecem e vão me infernizar.
            - Pois é, seu Gata Parida, aqui não vai dar pro senhor. Vou lhe dar um conselho. Faça que não ouve. Não ligue.
            - Como! Se tenho ótimas ouças. Vou cair fora mesmo.
            - E como vieram a saber aqui de seu apelido – Gata Parida.
            - Desconfio que foi um professor que eu matei - Matou um professor. Então está preso. Vou mandar abrir inquérito.
            - Não, não matei. Espalhei um boato na cidade dizendo que ele havia morrido, mas o sujeitinho está bem vivo.
            - Tranca o homem. Só sairá daqui quando averiguar a verdade. Amanhã mesmo vou mandar escolta-lo para lá, apresenta-lo ao juiz. Ele que o solte, se o homem estiver vivo.
            - Mas, senhor delegado, sou inocente.
            - Vá dizer isso lá na sua terra.
            - Gata Parida chegou à presença do Dr. Juiz. Ia transfigurado. Nunca pensara voltar a sua terra debaixo de ordens.
            - O que há com este homem?
             O sargento entregou o oficio.
            - Que nada, solta o homem. O professor está aí bem vivo, remoçado.
            Com pouco tempo a porta do cartório estava cheia de curiosos. E não tardaram os comentários: - É o Gata Parida. Chegou preso. Andou espalhando por onde mora que havia matado o professor. É um boateiro inveterado. Já é a segunda vez que mata o pobre homem. E agora, lascou-se nas mãos da policia. E ouviu-se o grito fatídico – Gasta Parida foi preso!!!
            E foi aí que lhe veio o acesso de loucura. Chamou todo mundo de corno, filho da puta e mandou a turma tomar naquele lugar...
            O Juiz trancou-o e deixou o rolo lá fora. E gritou lá de dentro. - “Solta Gata Parida, delegado”.

*Este conto pertence ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

maracajag@hotmail.com

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O VENDEDOR DE BORÓ




O VENDEDOR DE BORÓ*
João Henriques da Silva
 (In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

Chamava-se Joélio. Exatamente Joélio. Isso mesmo. Gente de boa família, alvo, alto, franzino, cabelos bem estirados e pretos. Tenho a impressão que usava um bigodinho e custava a fazer a barba. Morava na roça. Não se dava com trabalho de campo e preferia comerciar com qualquer bugiganga, usando de suas artimanhas. Era mais uma forma de passar o tempo e aparentar que não vivia da vagabundagem. Por mais que a família insistisse para mudar de profissão e viver melhor fazia ouvidos de mercador.
- Estou muito bem, assim. Essa história de ir para o pesado, não é comigo. Cada um nasceu com uma inclinação diferente. Gosto de andar, ir às feiras comerciar ambulante. E não me venham com esse negócio de ficar rico. Rico não tem sossego e tem que trabalhar como jegue. É negócio pra doido ou gente besta. Deixem-me como estou. Cada um tem a sua maneira de ser feliz.
Joélio especializou-se em vender boró, fumo em corda da pior qualidade. Mas vendia como mercadoria de primeira classe. Aí é onde estava sua habilidade comercial. Quem já o conhecia, só comprava uma vez. E se reclamava, tinha sempre uma explicação:
– Fui também enganado, meu velho. Comprei em confiança. Creio que não soube fumar ou fazer o cigarro. Vou fazer um cigarro para experimentar novamente.
E Joélio à medida que ia conversando, preparava novo cigarro, sem que o freguês percebesse sua manobra. Joélio já trazia no bolso do paletó, fumo da melhor qualidade, bem picadinho e junto, os papeis de cigarro. Cortava do Boró, esfarelava na mão, e mostrava., Imperceptivelmente, ao tirar o papel, apanhava o fumo especial e deixava o outro no bolso. O sujeito acendia e confirmava:
 – “o fumo é feio, mas é pegador de fogo e gostoso. Dei-me mais dois mil reis.” E Joélio metia o dinheiro no bolso e dava o fora. Ia procurar outra vítima. Aliás, o seu interesse maior não era tanto ganhar dinheiro e sim comercializar, enrolar a freguesia, mostrar a sua esperteza.
O boró ele não comprava. Saia pelos sítios da região, recolhendo o fumo boró que estava sendo jogado fora. Levava para casa, fazia uma garapa de açúcar bruto e dava um banho bem esfregado. O boró melhorava de aspecto, embora piorasse de qualidade. O que lhe interessava era a aparência. Fumo para as provas levava do melhor. Feiras ruins, feiras melhores e assim ir exercitando a sua vocação.
Certa feita teve um dia azarento. Já à tardinha e não havia vendido quase nada. Ia voltar com a mercadoria que carregava no ombro. Com a tristeza de um negociante frustrado, ia se indo. Mas acontece que já na saída, passou pelo local onde vendiam carneiro e bode. A carne estava pendurada em varais. Teve uma lembrança. Trocar o resto da corda de boró por um quarto de bode. E, depois da prova habitual, fechou negócio.
- Está bem. O fumo é feio, mas engana quem o vê. É danadinho de bom.
Na semana seguinte os negócios pioraram. Joélio resolveu-se a fazer nova troca. Ao menos levaria um quarto de bode para casa.
- Vou pegar aquele besta de novo.
E foi indo, fazendo seus cálculos. Quando já estava perto e antegozando a enrolada, avistou a corda de boró, inteirinha, pendurada ao lado da carne de bode. Deu uma recuada, antes que fosse visto e pisou para longe – “É o diabo quem vai lá.” O cabra descobriu a tramóia. Vai com certeza desmanchar a corda de fumo boró em minha cara. Preciso tomar mais cuidado. Aquele cabra não presta e faz conta de bobagem. Não passa mesmo de um borozeiro e anda com luxo.
Em todo caso Joélio não pendeu mais para o lado da feira de bode. Valia a pena se precaver. Olhando de longe viu durante três feiras seguidas, a corda de boró pendurada no varal, esperando por ele.
- É o diabo... Quem vai lá...
Joélio, solteirão, resolveu casar. O difícil era arranjar a noiva e manter a casa com um negócio tão escasso. Rodou, rodou e por fim descobriu uma viúva sem filhos e dona de uma pequena propriedade que dava bom rendimento. Feia e desengonçada de tal forma que o marido havia morrido de desgosto e tristeza. Mas o Joélio apesar da boa aparência, não se preocupava com a imagem da noiva. O que o enfeitiçava eram os bens da viúva que os administrava com aprumo. Poderia até largar o comércio de sua paixão. Aliás, era o seu propósito. Já estava cansado de tapear a sua variada freguesia. Casou. Era duro olhar para a cara da mulher ao amanhecer, ao anoitecer ou qualquer outra hora do dia. Tentava resistir e acomodar-se a feiúra incomodativa da mulher, mas era honestamente impossível. E, francamente, Joélio havia cometido maior erro de sua vida. Não havia patrimônio que compensasse a obrigação de olhar aquele espantalho diariamente. Joélio passava o maior tempo possível andando pelo sítio ou fora de casa, fugindo a tamanha desgraça. Mas a dona Marocas passou a exigir a presença do seu maridinho querido ao seu lado.
- Não me casei para viver só. Você terá que passar a maior parte do tempo pertinho de mim. Faço questão disso, meu Joeliozinho.
- Mas...
- Mas, coisa nenhuma. Não pense que vai me escapar. Deixa o sítio pra lá. O mato crescer, os passarinhos comerem as frutas, caírem às cercas, morrer o último cabrito. Quero você perto de mim, encostadinho.
Joélio arrependeu-se do dia que havia nascido. Começou a emagrecer, a ficar lesado, mas um belo dia calçou as esporas.
- Maroca, ou Maroca! Presta a atenção. De agora por diante não vou ficar amarado aos teus pés. Já estou empanzinado dessa vida de palerma. Teu lugar é em casa e o meu cuidando do sítio e das coisas lá fora.
Não me venhas mais com essa história de meu Joeliozinho. Do contrário, deixo-te aí sozinha. Caio fora de uma vez. Vê bem o que preferes. Tenho te aturado até hoje, mas aqui quem manda sou eu. Eu! Ouvistes!
- Sabes de uma coisa custa e certa. Um homem como és tu, não faz falta a mulher nenhuma.
- Pois sim... Vou te mostra. Vais ver quando estiveres novamente só.
- E a tua companhia de que me tem servido. O que eu quero mesmo tu não me dás. Sempre alegas que estás cansado, com sono, com mal estar. Só safadeza. Casei-me pra ter um homem...
Joélio olhou para a cara da Maroca, e sentiu um frio correr-lhe pela espinha.
De qualquer forma tinha que dar-lhe uma prova de que era homem. E fez de conta que Maroca era novinha, e bonita. Pensou nela só como mulher. – quem sabe, por trás de um muro velho pode haver um canteiro de rosas. E nesse dia tomou conta de Maroca.
Era feia, mas era boa...

*Este conto, faz parte do livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

maracajag@hotmail.com




quinta-feira, 12 de abril de 2012

NORDESTE INDEPENDENTE



NORDESTE INDEPENDENTE*
Bráulio Tavares/Ivanildo Vilanova


Já que existe no sul esse conceito
Que o nordeste é ruim, seco e ingrato
Já que existe a separação de fato
É preciso torná-la de direito
Quando um dia qualquer isso for feito
Todos dois vão lucrar imensamente
Começando uma vida diferente
De que a gente até hoje tem vivido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Dividindo a partir de Salvador
O nordeste seria outro país
Vigoroso, leal, rico e feliz
Sem dever a ninguém no exterior
Jangadeiro seria o senador
O cassaco de roça era o suplente
Cantador de viola o presidente
O vaqueiro era o líder do partido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Em Recife o distrito industrial
O idioma ia ser nordestinense
A bandeira de renda cearense
“Asa Branca” era o hino nacional
O folheto era o símbolo oficial
A moeda, o tostão de antigamente
Conselheiro seria o inconfidente
Lampião, o herói inesquecido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

O Brasil ia ter de importar
Do nordeste algodão, cana, caju
Carnaúba, laranja, babaçu
Abacaxi e o sal de cozinhar

O arroz, o agave do lugar
O petróleo, a cebola, o aguardente
O nordeste é auto-suficiente
O seu lucro seria garantido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Se isso aí se tornar realidade
E alguém do Brasil nos visitar
Nesse nosso país vai encontrar
Confiança, respeito e amizade
Tem o pão repartido na metade,
Temo prato na mesa, a cama quente
Brasileiro será irmão da gente
Vai pra lá que será bem recebido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente

Eu não quero, com isso, que vocês
Imaginem que eu tento ser grosseiro
Pois se lembrem que o povo brasileiro
É amigo do povo português
Se um dia a separação se fez
Todos os dois se respeitam no presente
Se isso aí já deu certo antigamente
Nesse exemplo concreto e conhecido
Imagina o Brasil ser dividido
E o nordeste ficar independente


*Diante de tantas versões, não sei se esta é a original.
maracajag@hotmail.com




quarta-feira, 11 de abril de 2012

O BALAIEIRO


O BALAIEIRO*

                                                                                         Grijalva Maracajá Henriques**

Hoje quase não se vê mais esse tipo característico de carregador de balaios nas feiras do nordeste.
Ainda me lembro quando ia à feira de Campina Grande, com minha mãe, lá pelos idos de 1950, levando na mão uma cesta feita de taboca, cipó ou de embira, que era pra ajudar a trazer as coisas “quebráveis”.
O balaieiro era sempre um homem forte, suado, camisa aberta ao peito, calças arregaçadas até o meio da canela, sandálias feita com tiras de couro e pedaços de pneus velhos, chapéu quase sempre confeccionado com um resto de bola de couro.
A gente o contratava logo na entrada da feira. Pacientemente, nos acompanhava, de banca em banca, subindo e descendo o balaio sem deixar cair nada e nem a rodilha feita de molambo e amarrada com barbante, que servia para amortecer o peso enorme sobre sua cabeça. Quando a gente pensava que não cabia mais nada, ainda assim, ele dava um jeito de arrumar perigosa e milagrosamente alguma coisinha que o dinheiro ainda dava pra comprar. Havia hora que a gente tinha que lhe ajudar a erguer o imenso balaio.
Mesmo com aquele peso todo sobre seu corpo, não dava mostra de cansaço. Esperava, pacientemente, que minha mãe comprasse um copo de “gelada de coco ou de maracujá”, que eu tomava ligeiro, com pena do homem que esperava em pé e que de tão gelado dava a impressão que toda minha cara estava anestesiada.
Quando dizíamos que acabaram as compras e o dinheiro, ele perguntava o nome da rua e o número da casa, e de repente, numa metamorfose rápida, aquela pessoa calma virava um quase doido, parecia que se acendia uma fornalha dentro dele e saia em disparada, apitando e gritando, - Sai da frente, olha o sangue, cuidado pra não se melar, e continuava a dizer pilherias a guisa de pedir passagem, até minha casa. Eu e minha mãe choutando, correndo às vezes, para lhe acompanhar no meio do povo que não tava nem aí com a zoada que o “Seu Zé” fazia. Por fim, chegávamos a Praça Alfredo Dantas onde morávamos, cansados da correria e das duas horas que a gente (minha mãe) passava, pechinchando ou mesmo brigando com o feirante, em toda mercadoria que comprava.

                                           ***


Notas:
* O texto é apenas uma pequena lembrança da vida de um balaieiro no cotidiano desses homens.
** Historiador – maracajag@hotmail.com
*** Fotos tiradas numa pesquisa feita na feira central de Campina Grande, para a Universidade estadual Vale do Acaraú – Seminário apresentado pelo autor e pela colega Alba sobre o “Desaparecimento dos Balaieiros nas Feiras do Nordeste”.


HABEAS - PINHO




"Habeas - Pinho"

 (Petição para liberar um violão)

Ronaldo Cunha Lima
 Exmo. Sr. Dr. juiz de Direito da 2ª Vara d/cidade:

O instrumento do crime que se arrola
neste processo de contravenção,
não é faca, revolver nem pistola
é simplesmente, Doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade,
não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
de quem o ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
O crime a ele nunca se mistura,
inexiste entre ambos afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
dos menestréis de alma enternecida
que cantam mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.

O violão é música e é canção,
é sentimento, vida, e alegria,
é pureza é néctar que extasia,
é adorno espiritual do coração.

Seu viver como o nosso é transitório.
Mas, seu destino, não, se perpetua.
Ele nasceu para cantar na rua
e não p'ra ser arquivo de Cartório.

Mande soltá-lo pelo amor da noite
que se sente vazia em suas horas,
p'ra que volte a sentir o terno açoite
de suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz.
Em nome da Justiça e do direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime e, afinal, será pecado,
será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado,
derramando na praça as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntada desta aos autos nós pedimos
E pedimos, também, DEFERIMENTO.

ass. RONALDO CUNHA LIMA
- ADVOGADO -

Despacho do Juiz, Dr. Artur Moura:

                                                           Para que eu ão carregue
                                                           remorso no coração,
                                                          determino que se entregue ao seu dono o vilão:

Nota: copiado do original produzido pela Bolsa de Mercadoria da paraíba. (ipsis litteris)


O ANJO DA GUARDA



O Anjo da Guarda*

João Henriques da Silva
(In Memoriam 20/09/1901 – 16/04/2003)

                Neste mundo atropelado de meu Deus, muita coisa tem, que a pessoa não pode se livrar, apesar da proteção de seu anjo da guarda.
Era o que se passava com Cornélio, pobre coitado nascido num dia treze, numa sexta-feira de agosto.
Como se vê, já veio ao mundo errado. Poderia ter nascido noutra data qualquer, mas o destino carregou a mão em cima do Cornélio, sem dó nem piedade. Era todavia, uma figura simpática e inteligente.
Muita gente tinha inveja de ter um filho igual a ele. Foi bom aluno, mas, não chegou a se formar por azar. O pai, comerciante, querendo ser bonzinho, vendia fiado e terminou quebrando feito um idiota. Teve, por isso que tirar Cornélio dos estudos e quando abriu os olhos e recuperou-se, Cornélio não quis mais voltar aos estudos.
A esta altura já estava bem empregado e isso lhe parecia o bastante. Cioso dos seus deveres funcionais, cumpria a risca os regulamentos e por isso era tido como intransigente e besta.
Quando vinham as promoções, sempre ficava onde estava. A sua dureza não agradava o chefe que não conseguia adaptá-lo ao seu sistema administrativo.
Comigo é assim. Dê onde der. Não fui eu quem fez os regulamentos e foram feitos para serem cumpridos. Os amigos do prefeito reclamavam dele:
- Não pode, tira aquele sujeito da fiscalização. Multa todo mundo por qualquer bobagem, sem consideração a ninguém. Estraga o eleitorado, e veja que está próxima a eleição, tem que ser condescendente e amigo do povo.
E lá passou Cornélio para serviços burocráticos, sem contato com o povo. E só lhe davam as tarefas mais difíceis, as coisas que ninguém gostava de fazer.
Não o punham para fora porque era efetivo por concurso e nem lhe apanhavam em falta. Sendo também a pessoa mais letrada da Prefeitura; ira fazer falta em certas emergências.
Mas o pior é que a filha do prefeito apaixonou-se por Cornélio e dava em cima dele com se ele fosse capim verde. Magra e feia, já passando do tempo de amar, tornou-se um pesadelo para Cornélio, que procurava fugir como quem foge de assombração.
Mas, a Bromélia insistia. Falou com a mãe, e mãe falou com o pai e findou espalhando-se o boato de que os dois já estavam quase noivos. E um e outro perguntava a Cornélio:
- Noivando, não é? E a filha do prefeito. Muito bem. Vais fazer carreira. Brevemente será candidato a prefeito. Bicho de sorte.
E a situação agravou-se quando a namorada legítima do Cornélio, soube da notícia.
Brigou com Cornélio e não houve meio de convencê-la. Cornélio não teve outro jeito. Apelou para o anjo da guarda. Pediu-lhe sinceramente para livrasse da filha do prefeito.
- Pelo menos isso, meu santo protetor. Dê um jeito de tirar a Bromélia do meu caminho. Assim também é demais. Necessito de tua proteção urgentemente. Já deixei os estudos, nunca fui promovido, as outras moças não querem mais saber de mim. Posso perdoar-te por tudo isso, mas ampara-me desta vez, meu santo anjo!
Estás vendo que não será possível casar-me com aquela coisa. Sabes que já nasci num dia treze, sexta-feira de agosto. Afasta de mim a bromélia, sim a Bromélia, filha do prefeito. Toma nota. Chama-se Bromélia, magra, feia, desagradável até no jeito de andar. Esfrio até a medula quando põe os olhos em cima de mim. Ah! Meu santo anjo, proteja-me pelo menos desta vez. Fico esperando. Arranja outro para a Bromélia. Não te custará nada. Posso ficar tranqüilo?
Cornélio notou que o prefeito já o olhava com certa simpatia. Procurava aproximar-se dele, puxar uma conversinha e já falava até, lá por fora, em dar-lhe uma promoção.
- Olha, Cornélio, há por aí um zunzum de que serás promovido. Também, pelo que falam. Quase noivo!
Cornélio sentiu-se completamente perdido. O seu anjo da guarda ou era moco ou andava cochilando. Ou seria que tivesse nascido sem ele? O diabo é quem duvida. Também poderia ser um buchudinho qualquer, um apalermado sem o menor zelo pelo seu protegido.
Dias depois, o prefeito chegou-se para Cornélio todo risonho, exibindo um ar de satisfação que lhe parecia estranho. E depois de uma troca de amabilidades veio o desfecho. Um convite para o almoço em sua casa.
- Precisamos nos aproximar mais. O senhor, seu Cornélio é uma pessoa de minha inteira confiança. Até hoje tenho sido ingrato para consigo, mas nunca é tarde para uma reparação.
Espero que aceite meu convite. O almoço será lá na fazenda. Sairemos logo depois da missa e de lá iremos juntos, Nós dois, minha mulher e Bromélia que, alias, é uma sua admiradora. Até já me chamou a atenção sobre suas ótimas qualidades a que eu dizia, não ter prestado a devida atenção.
Correu um frio gelado pela espinha de Cornélio. O seu anjo da guarda era mesmo um pançudo. E pelo que se via, estava era ao lado da Bromélia. Não lhe merecia a mínima confiança.
Se todo anjo de guarda for igual ao meu, é melhor viver só!
Pensou em dar parte de doente para se escapar do almoço, antes a morte, do que Bromélia. Mas sempre tivera muita saúde e não sabia mentir. O jeito era enfrentar o perigo. E tomou uma resolução afoita. Mostrar que não queria saber da Bromélia. Não seria possível que fosse tão burra que não entendesse. Haveria de dar uma demonstração bem clara, bem evidente do seu desagrado.
Plano feito, bem estudado. Decorara até as palavras. Seria tiro de espingarda doze, isto é, tiro e queda. Nada mais com o boboca do seu anjo da guarda. Bichotinho safado que pelo que se via, vinha só atrapalhando sua vida. Melhor só do que mal acompanhado.
Chegou domingo. Logo cedo o senhor prefeito Pantaleão passou pela casa do Cornélio. Fazia questão de que fossem a missa juntos. Precisava prestigiá-lo, embora os seus correligionários ficassem de olho nos dois. Que se danassem. Em primeiro lugar estava a sua Bromélia, apaixonada e já passando do tempo...
- Espia aí, quem vem ali. O Pantaleão emparelhado com o Cornélio. Aliás é um bom moço. Segundo então falando está quase noivo da dona Bromélia.
- Moça muito boazinha, mas, fraca de cara.
- Cara é bobagem. O importante é o resto...
Assistiram a missa juntos, juntos, propositadamente, para que todos vissem. Cornélio está sendo envolvido e mais uma vez, sem respeitar o cheiro de incenso, que ainda exalava, lembrou-se do seu anjo da guarda, um papangu que não lhe dava o menor amparo ou estava mancomunado com o Pantaleão, tramando a sua desventura.
Cabritinho ordinário, molecote... Será que os anjos da guarda dos outros são iguais ao meu? Se for assim o mundo está mesmo perdido. Só te peço uma coisa, não me prejudiques, amarelinho buchudo.
Cornélio ia indo à casa do prefeito Pantaleão, procurando ficar. Gostaria que o chão rachasse e ele sumisse, mesmo perdendo o emprego.
Abriu-se o portão da casa e foram entrando. Bromélia tocou no braço de Cornélio e convidou-o a entrar. Ele teve um arrepio. Olhou-a como nunca a tivesse visto. Lembrou-se do seu anjo da guarda. Estremeceu diante do corpo de bromélia. E não sabia como, mas, já não a achou tão feia, e, um tanto simpática.
Dava bem para quebrar um galho, principalmente sendo filha única. Divisou em Bromélia, uma promoção, a fazenda de gado de seu Pantaleão e uma vida folgada. E depois não tinha satisfação a dar a corno nenhum.
Depois, já sabia perfeitamente que seu anjo da guarda era uma pinóia, um amarelinho buchudo e empanturrado. Não deveria contar com ele. Estava era do lado de dona Bromélia.

*Conto pertencente ao livro “Vidas Nordestinas”, no prelo.

segunda-feira, 9 de abril de 2012


COMENTÁRIO DO MARACAJÁ*

DOMINGO, 1 DE JANEIRO DE 2012

Robério Maracajá, com a palavra



Jornal da Paraíba, meu abraço!

PUBLICADO EM 23/10/2011 ÀS 08:00H POR
Robério Maracajá – 17/09/1929 – 08/06/2000

Abro a velha Carteira do Ministério do Trabalho e lá está anotado o meu ingresso no Jornal da Paraíba: 1º de março de 1972. Registro nº038, cargo Redator e um salário de CR$400,00 mensais. O jornal foi fundado em 5 de setembro de 1971. Portanto, eu ingressei no batente, seis meses depois de estar em circulação. E, haja saudade!Rua da Areia e o Bar do Sargento. Um lance de escada, um salão povoado de fauna e flora. Posso me lembrar de todos? A memória, já beirando os setenta, não dá muito arrimo. Mas, nos ouvidos ainda soa a trela das máquinas de escrever. Nos olhos, vagam as imagens dos companheiros, verdes e maduros, alguns já largando a casca. Bichos e flores. Armando Lira, com jeito de seminarista arrependido. Josusmá Viana afobado que nem barbatão na solta. Humberto de Campos dando esturros de onça baleada. Celso Pereira, que teve um “desmaio psicológico”, no Bar do Sargento. Ana Luíza, enfeitada de alegria como um passarinho. Nilda, na doçura de sua tranquilidade. Marcelo Marcos, máquina fotográfica ambulante. Sevy Nunes, na sobriedade caririzeira. William Tejo cutucando os políticos. Orlando Tejo, um busca-pé. Ismael Marinho, fechado que nem corrimboque. Marcos Marinho, um grilo falante. E, quantos mais que me fogem à lembrança? E eu, acuado no meio das feras, como num circo romano.
Depois, a Rua Major Juvino do Ó, eu já longe do batente, mas colaborando com as minhas aventuras crônicas. A fleugma de Mozart Santos. Arimatéa Souza, mais parecendo um capitão corsário. Rossélio Marinho, nos sobressaltos na área econômica. Ana Lúcia, um toque de delicadeza. E os demais, da safra nova, com os quais tenho pouco contato. E o “presidente” Itamar, a quem importuno, na busca dos Painéis, que remeto para as editoras do País. São 27 anos de Jornal da Paraíba. De Humberto Almeida a Ricardo Carlos, foi escrita uma história de jornalismo honesto e sério. A maioridade de uma imprensa que nunca teve medo de falar. Um caminho de resistência ao meio termo. A boca escancarada da opinião. O intéprete de um povo acostumado a falar o que quer, que não baixa o cangote, nem se amofina. Vinte e sete anos que honram a todos nós.
Eu me amancebei com o Jornal da Paraíba. Nunca me importei com os salários, porque as máquinas, o cheiro da tinta, as impressoras, as notícias, as reportagens, eram-me coisas vivas, entrenhando-se na alma como chuva na terra seca. Foi onde me fertilizei. Muitos do meu tempo, estão habitantes da vida. Outros se foram. Seus nomes estão na minha saudade e nas gotas das minhas lágrimas. Deixaram-me lições de vida, de amizade, de carinho. Se me fosse dada a aventura de recriar, eu inventaria um grande jornal, traria todos de volta, para reviver a alegria de acalentar a imagem dos olhos e me perder na loucura de um grande abraço.
Mas não é tão descabido, assim, o meu sonho. Do batente de um jornal, ninguém se vai. Como não se foram Ana Luíza, Alberto Queiroz, Tarcísio Cartaxo, Clóvis de Melo...Como não se foi ninguém. Como um jornal não vai embora. E, na sua maioridade, o Jornal da Paraíba é a soma de todos. Esse aniversário é muito meu. Porque também nasci num mês chamado setembro. Porque somos filhos do mesmos sonho, porque nos vestimos nas mesmas páginas, porque falamos a mesma língua, porque os nossos caminhos se cruzaram, além de nossas vontades, amarrados em nossos destinos.

Fonte: 
http://jornaldaparaiba.com.br/blog/jpdebates/post/12274_jornal-da-paraiba--meu-abraco-

Marcos Maracajá é primo de Robério, mora em Recife: Poeta, Escritor, Advogado.